Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8948/15.1T8CBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADES DO ACÓRDÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS A CARGO DO RECORRENTE
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO CONHECER DAS NULIDADES ARGUIDAS CONCEDIDA EM PARTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / PROCESSO COMUM / SENTENÇA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
Doutrina:
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo CiviL, Volume III, p. 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPC): - ARTIGO 77.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 608.º, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS B) E D), 640.º, N.º 1, ALÍNEA A), 663.º, N.º 2 E 679.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 05-04-1989, IN BMJ, N.º 386, P. 446;
-DE 28-05-1997, IN BMJ 467, 412;
-DE 28-01-1998, IN ACÓRDÃOS DOUTRINAIS, N.º 436, P. 558;
-DE 12-01-2000, PROCESSO N.º 129/99;
-DE 08-02-2001, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 24-06-2003, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 16-01-2008, PROCESSO N.º 1937/07;
-DE 16-01-2008, PROCESSO N.º 2912/07;
-DE 17-12-2009, PROCESSO N.º 343/05.7TTCSC;
-DE 13-01-2010, PROCESSO N.º 768/07.3TTLSB-C.L1.S1;
-DE 24-02-2010, PROCESSO N.º 1936/03.2TTLSB.S1;
-DE 26-01-2017, PROCESSO N.º 599/15.7T8CLD.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
-DE 03-12- 2015, PROCESSO N.º 1348/12.7TTBGR.G1.S, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


-ACÓRDÃO N.º 266/93, DE 30-03-1993, PROCESSO N.º 63/92, IN HTTP://WWW.TRIBUNALCONSTITUCIONAL.PT/TC/ACORDAOS./19930266.HTML.
Sumário :

I – Sendo o requerimento de interposição do recurso de revista omisso quanto às nulidades do acórdão, constando apenas a sua invocação e fundamentação na alegação de recurso, a arguição não é atendível, por incumprimento do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do CPT.

II - No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorretamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, enuncie a decisão alternativa que propõe e, tratando-se de prova gravada, que indique com exatidão as passagens da gravação em que funda a sua discordância com o decidido.

III - A omissão, a insuficiência ou a suficiência da análise crítica, pelo recorrente, das provas a reapreciar é questão que tem a ver com o mérito da impugnação, com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou aceitação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho contra BB, S. A., pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento e, em consequência:

- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização decorrente da ilicitude do despedimento no valor de € 9.327,30, bem como as retribuições que se vencerem desde 30 dias antes da propositura da ação até trânsito em julgado da decisão;

- Ser a Ré condenada a pagar ao Autor uma indemnização por danos não patrimoniais causados pela ilicitude do despedimento, no valor de € 2.500,00;

- Ser reconhecido que o acordo de isenção de horário de trabalho celebrado pela Ré com o Autor é contrário à lei e por isso nulo/inválido, e em consequência, ser a Ré condenada a pagar por conta do trabalho suplementar o valor de € 41.270,90;

- Por conta do trabalho suplementar prestado em dia de descanso obrigatório € 5.686,86;

- Por conta do trabalho prestado em dia de descanso compensatório € 2.047,92;

- O que se liquidar em execução de sentença pelo errado pagamento de férias, subsídios de férias e de Natal.

Caso seja entendido inexistir a nulidade/invalidade do acordo de isenção do horário de trabalho, seja a Ré condenada a pagar os seguintes valores:

- As diferenças no pagamento do IHT no valor de € 10.861,68;

- As repercussões nas férias, subsídios de férias e de Natal no valor de € 5.124,62.

- Os juros moratórios vencidos e vincendos sobre todas as quantias, calculados à taxa legal de 4%, desde a data dos respetivos vencimentos de cada uma delas até efetivo e integral pagamento.

Para tanto invocou:

- A sua relação de trabalho subordinado para com a Ré, as funções inerentes e o CCT aplicável;

- O modo de cessação do contrato de trabalho mediante um despedimento verbal e sem a precedência prévia de processo disciplinar;

- A nulidade da isenção de horário de trabalho atribuída, e consequentemente o reembolso do trabalho suplementar realizado, quer em dias úteis, quer em dias de descanso complementar e obrigatório;

- A não atribuição do descanso compensatório;

- O errado pagamento das férias, subsídios de férias e de Natal;

- Caso assim não se entenda, invoca a existência de diferenças no pagamento da IHT, com as suas repercussões nas férias, subsídios de férias e de Natal.

A Ré contestou invocando a exceção perentória da prescrição, dado que o contrato cessou no dia 28 de outubro de 2014 e apenas foi citada no dia 3 de novembro de 2015.

Alegou ainda ter pago ao Autor durante a vigência da relação laboral a totalidade dos créditos laborais por ele peticionados a título de retribuição base, subsídio de alimentação, retribuição especial por isenção do horário de trabalho, prémios, comissões, comissões de financiamento, subsídios de Natal, subsídios de férias e férias.

Pugnou pela validade do acordo de IHT celebrado a 21.06.2010 entre Autor e Ré, o qual é instituído para todos os seus vendedores. Acresce que o Autor acordou consigo prestar trabalho no dia de sábado das 09H00 às 14H00 e nunca prestou serviço aos domingos e feriados.

Formulou pedido reconvencional contra o Autor, solicitando a devolução do valor auferido a título de IHT, caso o tribunal considere inválido o regime de IHT.          

O Autor deve-lhe a quantia não inferior a € 1.000,00 correspondente ao valor dos utensílios de trabalho que não lhe devolveu aquando da cessação do contrato de trabalho - um capacete e um equipamento completo de mota … (blusão, botas, calças).

O Autor não lhe enviou os relatórios dos negócios em curso pendentes de formalização, causando-lhe um prejuízo num montante nunca inferior a € 1.000,00.

A Ré deixou de vender pelo menos dois motociclos ... entre o dia 28.10.2014 e o dia 01.11.2014 pelo facto do Autor ter cessado a sua prestação de trabalho sem pré-aviso, causando um prejuízo nunca inferior a € 3.000,00.

O Autor causou prejuízos a título de imagem e bom nome da Ré, por não ter atendido e encaminhado negócios de motociclos ... entre os dias 28.10.2014 e 01.11.2014, em montante nunca inferior a € 5.000,00, vendo ainda o seu nome afetado junto das entidades bancárias e financiadoras, cujo prejuízo relegou para liquidação de execução de sentença.

Requereu ainda a condenação do Autor como litigante de má-fé, devendo ser condenado em multa e numa indemnização, num montante nunca inferior a € 5.000,00.

O Autor apresentou articulado de resposta à contestação e ao pedido reconvencional, pugnando pela respetiva improcedência e peticionou a condenação da Ré como litigante de má-fé em multa e indemnização em montante nunca inferior a € 5.000,00.

Efetuado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

Por todo o atrás exposto, julgo a ação e o pedido reconvencional parcialmente procedentes, declarando ilícito o despedimento efetuado pela R., e em consequência:               1. Condenamos a R. – “BB – …, S.A” – a pagar ao autor – AA –, a título de salários intercalares/tramitação (1.639,21 €/mês) os que se vierem a liquidar em sede de execução de sentença, desde o dia 26 de setembro de 2015 até ao trânsito em julgado da sentença, deduzindo-se as importâncias que comprovadamente auferiu com a cessação do contrato de trabalho, a que acrescem os juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data da citação da R. - 03.11.2015 – (vide, o A/R de fls. 124.º do PP) -, até integral e efetivo pagamento;

2. Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de 4.664,70 € (quatro mil, seiscentos e sessenta e quatro euros, e setenta cêntimos), a título de indemnização pelo despedimento ilícito, a que acresce os juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data da citação da R. – 03.11.2015 -, até integral e efetivo pagamento;

3. Mais se condena a R. a pagar ao A. a título de créditos salariais (diferenciais) a quantia de 20.340,64 € (vinte mil, trezentos e quarenta euros, e sessenta e quatro cêntimos), a que acrescem os juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das individualizadas quantias até efetivo e integral pagamento;

4. Condena-se o A. – AA -, a indemnizar a R. - “BB – …, S.A” -, a quantia que se liquidar em incidente de liquidação de execução de sentença, pelos prejuízos causados, com a não entrega do capacete e equipamento completo de mota ... (blusão, botas e calça), a que acresce os juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, desde o dia 06/01/2016 (data da notificação da contestação/pedido reconvencional: Ref.ª eletrónica ….º), até integral e efetivo pagamento.

5. Custas a cargo da R. e do A. (quer da ação, quer do pedido reconvencional), na proporção do respetivo decaimento.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação impugnando, para além do mais, a decisão sobre a matéria de facto.

A Relação escusou-se de apreciar o recurso no que tange à reapreciação da matéria de facto relativamente à pretendida alteração aos factos provados com exceção dos pontos 51 e 71 da matéria de facto, com fundamento no incumprimento pela recorrente dos ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, do CPC, mais concretamente por não ter feito «qualquer análise crítica dos [depoimentos], por forma a justificar as alterações que pretende que sejam feitas aos factos impugnados».

Quanto ao mais foi proferida a seguinte deliberação:

«Nesta conformidade, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se os pontos 2 e 3 do dispositivo da sentença, que passarão a ser do seguinte teor:

2. Condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de 3.626,00 € (três mil, seiscentos e vinte e seis euros), a título de indemnização pelo despedimento ilícito, a que acresce os juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data da citação da R. – 03.11.2015 -, até integral e efetivo pagamento;

3. Mais se condena a R. a pagar ao A. a título de créditos salariais (diferenciais) a quantia de 19.916,08 € (dezanove mil, novecentos e dezasseis euros, e oito cêntimos), a que acrescem os juros de mora à taxa legal (4%), vencidos e vincendos, desde a data de vencimento de cada uma das individualizadas quantias até efectivo e integral pagamento;

Em tudo o mais se confirma a sentença.

Custas, em ambas as instâncias, na proporção de vencidos.»

Do assim decidido, recorre a R. de revista para este Supremo Tribunal, arguindo a nulidade do acórdão e impetrando a sua revogação e “a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra, a fim de conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à reapreciação da matéria de facto impugnada com recurso à prova testemunhal e declarações de parte produzida e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso”.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, a Exmª Procuradora-Geral-‑Adjunta emitiu douto parecer no sentido “de que deve ser julgada procedente a revista na parte em que defende que deve ser revogada a decisão na parte em que rejeitou parcialmente o recurso da matéria de facto, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para apreciar e decidir”.

Notificadas, as partes não responderam.

Perspetivando-se o não conhecimento das invocadas nulidade por inobservância do estatuído no art. 77º, nº 1 do CPT, foram as partes notificadas, nos termos do art. 3º, nº 3, do CPC, para se pronunciarem.

Apenas o recorrido o fez e no sentido de que não deve este tribunal conhecer das nulidades.

Após convite à respetiva síntese, a recorrente formulou as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

1. É nulo o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nos termos do art.° 615° n.º 1 al. b) e d) e n.º 4 e 617º n.º 1 ex vi art.º 663º e 666º do CPC;

2. No Acórdão sob recurso o julgador não se pronunciou sobre a questão que devia apreciar, a saber: qual é a data em que Ré despediu o trabalhador tendo em conta a data da produção dos efeitos da declaração unilateral e inequívoca de despedimento proferida pela Ré a 28 de outubro de 2014.

3. Não foi no dia 31 de outubro de 2014 que a Ré exprimiu de forma inequívoca e clara a vontade de por termo ao contrato de trabalho do Autor, foi sim no dia 28 de outubro de 2014.

4. O Tribunal da Relação omitiu a apreciação das normas jurídicas em que fundamenta que "a produção dos efeitos do despedimento foi postergado para 31 de outubro de 2014, já que foi com efeitos a essa data, e não antes, que a lhe exprimiu a sua inequívoca vontade de por termo ao contrato de trabalho."

5. Impugnação da decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que fez errada aplicação da lei do processo ao proceder à rejeição do recurso referente à impugnação da matéria de facto por violação do disposto no art.º 607º n.º 4, 639º e 640º do CPC ex vi art.º 1º n.º 2 al. a) do CPT e dos princípios constitucionais da segurança jurídica e da confiança, do processo equitativo e do direito ao acesso à justiça e aos tribunais;

6. A Recorrente que deu cumprimento ao triplo ónus de impugnação da decisão de facto previsto no art.° 640° do CPC, nas suas alegações e conclusões de recurso efetuadas para o Tribunal da Relação de Coimbra, onde identificou e delimitou, no âmbito do recurso da matéria de facto, os pontos de facto que são objeto de impugnação por estarem viciados por erro de julgamento; fundamentou as razões da sua discordância; concretizou e apreciou criticamente os meios probatórios constantes dos autos e das gravações dos testemunhos que no seu entender implicam uma decisão diversa da efetuada pelo tribunal a quo; e indicou, qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.

7. A Recorrente cumpriu o ónus de impugnação que legalmente lhe impõe o artigo 640° do CPC, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra violado esta disposição ao rejeitar a reapreciação do julgamento da matéria de facto.

8. A declaração de despedimento ilícito efetuada pela Ré ao Autor no dia 28/10/2014 tornou-se eficaz nesse mesmo dia, o que tem como consequência a verificação da prescrição da ação e dos créditos laborais no dia 29/10/2015, tudo tendo em conta a matéria de facto dada como provada nos pontos 10), 11) e 74) da sentença;

9. A Ré/Recorrente no dia 28/10/2014, conforme matéria de facto provada números 10), 11) e 74) da sentença a quo, manifestou a sua vontade, oralmente, direcionada ao Autor-trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato de trabalho que os ligava.

10. Manifestação de vontade que consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, uma vez comunicada ao destinatário tal manifestação de vontade, coincidindo o momento da cessação do contrato com a receção pelo trabalhador daquela declaração e imediata extinção da relação contratual.

11. À matéria de facto constante no ponto 10) dos factos provados da sentença a quo cabe aplicar o disposto no art.° 224° do CC, e daí resulta que a declaração negocial proferida pela Ré, que teve como destinatário o Autor, se tornou eficaz logo que chegou ao seu poder e dele foi conhecido - ou seja dia 28 de outubro de 2014.

12. A Ré ao comunicar oral e presencialmente ao Autor, no dia 28/10/2014 […]: "que um dos administradores da Ré. lhe havia comunicado previamente e verbalmente no dia 28 de outubro (terça-feira) de 2014 que, por decisão da administração da R. a relação laboral deste terminaria sem mais, no final do mês de outubro. uma vez que o A. não quis aceitar as condições tendentes à cessação do contrato de trabalho por mútuo acordo, elaboradas pela R." (cfr. ponto 10) dos factos provados da sentença a quo), exige do tribunal julgar que o Autor foi despedido verbalmente, nesse dia 28/10/2014, uma vez que o Administrador da Ré lhe comunicou expressamente que estava despedido.

13. Esta declaração da Ré foi emitida por quem tinha poderes para o fazer, foi dirigida ao seu destinatário - o Autor, de forma inequívoca, clara, objetiva, a qual não suscitou qualquer dúvida ao trabalhador (cfr. declarações do Autor em audiência de julgamento e documento do Autor dirigido à Ré - Email datado de 31/10/2014 e factos provados 10), 11), 12) e 14) da douta sentença).

14. O despedimento, enquanto facto inelutável cuja declaração produz os seus efeitos na esfera jurídica do destinatário, independentemente da vontade deste, mas logo que é recebida ocorreu no dia 28/10/2014, através da comunicação oral do administrador da Ré.

15. No dia 31/10/2014 não se produzem os efeitos do despedimento, uma vez que este já estava consumado a 28/10/2014, de forma verbal, despedimento que foi decretado verbalmente e que se consumou na data da declaração deste pela Ré ao Autor.

16. A Ré face à comunicação verbal do despedimento do Autor, ilícito, no dia 28/10/2014, não tem poderes para consignar a data em que tal despedimento produz efeitos e assim fazer com que a relação laboral se mantenha válida nos dias 29, 30 e 31/10/2014.

17. A Ré não tem poderes a partir do dia 28/10/2014 para consignar qual o dia em que a comunicação verbal do despedimento opera ou produz os seus efeitos, porque esta não depende da sua vontade e ou da aceitação do destinatário.

18. A declaração de despedimento verbal comunicada pela Ré ao Autor é ilícita operando os seus efeitos imediatamente na data em que é comunicada ao Trabalhador, ou seja a 28/10/2014.

19. Ficou decidido na matéria de facto provada nos pontos 10) e 11) da sentença de 1ª instância, que a Ré comunicou verbalmente ao Autor a 28/10/2014 que a relação laboral deste terminaria, sem que previamente tenha instaurado a este qualquer processo disciplinar, o que basta para estarmos perante um despedimento ilícito do Autor.

20. E logo, o momento da cessação do contrato é o da receção pelo trabalhador dessa receção, isto é, em 28/10/2014.

21. Despedimento sem justa causa nem processo disciplinar é nulo - ferido de Ilicitude que produz efeitos imediatos com a sua comunicação ao Autor;

22. A Ré efetuou uma comunicação ao Autor no dia 28/10/2014, clara e inequívoca, que corporizou um despedimento verbal, ato qualificado como ilícito pelo CT de acordo com o disposto no art.º 381º al. c) e 382º n.º 1 e n.º 2, por ausência de procedimento disciplinar próprio e por ausência de motivos justificativos e assim ferido de nulidade.

23. Ilicitude que produz os seus efeitos na data em que é comunicada ao Autor e deste é conhecida (ou seja a 28/10/2014).

24. O ato praticado pela Ré, o do despedimento verbal do Autor, e comunicado ao Autor, no dia 28/10/2014 é qualificado juridicamente como um ato ilícito e irrevogável a partir do momento em que chegou ao conhecimento do seu destinatário (o trabalhador), pelo que é nesse dia 28/10/2014 que se consuma o ato ilícito de despedimento, sendo irrelevante que as partes, Autor e Ré, tenham praticado atos de execução do contrato após o dia 28/10/2014.

25. Se as partes praticaram após o dia 28/10/2014, atos como o de exercer funções, de pagamento, de proferir ordens, de cumprir ordens ou outros, não o foi ao abrigo do contrato de trabalho válido.

26. A validade do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e Ré cessou no dia 28/10/2014, e assim todos os atos praticados após o minuto, a hora e o dia em que a entidade patronal declarou ao trabalhador a sua decisão clara e inequívoca, verbal, de que o trabalhador estava despedido, são inválidos e inexistentes à luz da ordem jurídica.

27. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra não fez uma interpretação jurídica correta da declaração de despedimento efetuada pela Ré ao Autor segundo os critérios constantes no n.º 1 do art.º 224 e do n.º 1 do art.º 236º ambos do CC.

28. Tendo a Ré comunicado ao Autor (cfr. in declarações prestadas pelo Administrador da Ré e audiência de julgamento, supra transcritas) - que: "trata da tua vida que não te quero ver mais" tem o Tribunal que concluir que esta contém uma declaração de despedimento clara, objetiva, inequívoca, uma vez que segundo os critérios constantes no n.º 1 do art.º 236º do CC seria esse o sentido que dela retiraria um trabalhador normal e razoavelmente diligente, colocado na situação concreta do Recorrido.

29. Não podem restar dúvidas de que é esta a interpretação a extrair das declarações da Ré pois outra não poderia extrair-se da terminologia usada pelo Administrador da Ré que foi claro na expressão que proferiu ao Autor no dia 28/10/2014.

30. Esta declaração feita pela Ré extinguiu de imediato a relação de trabalho existentes entre as partes, deixando de subsistir a obrigação de o trabalhador efetuar a sua prestação laboral.

31. Cabia ao Tribunal no Acórdão de que ora se recorre decidir qual o valor jurídico da comunicação de 28/10/2014, em que a Ré comunica ao Autor que está despedido "trata da tua vida que não te quero ver mais", o que não fez.

32. O contrato de trabalho, como relação jurídica que é, está dependente da manifestação da vontade de ambos os contraentes é o que resulta do art.º 1152º do CC e art.º 11º do CT.

33. Assim para a sua constituição, modificação e extinção é necessário uma declaração de vontade de uma ou de ambas as partes, e, que essa declaração, para produzir efeitos só se tornará eficaz, após a receção pelo destinatário (art.º 224º do CC).

34. Irrelevante é, em termos jurídicos, que a Ré tenha declarado em carta que enviou ao Autor após o ter despedido (doc. e teor de carta constante no ponto 17) da matéria de facto provada) que a sua relação se mantinha, que este é que tinha abandonado o posto de trabalho, etc., uma vez que o despedimento que efetuou no dia 28/10/2014 é nulo por inexistência de justa causa e por inexistência de procedimento disciplinar.

35. A Ré não tem poderes para estender e postergar a produção dos efeitos do despedimento até ao dia 31/10/2014 ou de sobrepesar a duração do contrato de trabalho até esse dia 31/10/2014, após ter declarado despedir o trabalhador no dia 28/10/2014 de modo ilícito, ilicitude que é o resultado jurídico do ato nulo praticado pela Ré.

36. A não ser este o efeito do despedimento operado pela Ré, a nulidade do contrato a sua inexistência a partir do momento em que o trabalhador recebe a comunicação de que foi despedido proferida pela Ré, o contrato de trabalho do Autor não teria cessado por ilicitude, mas sim por acordo de ambas as partes.

37. A ser assim, ambas as partes, ultrapassaram por acordo a ilicitude do despedimento proferido no dia 28/10/2014 e revogaram por mútuo acordo o contrato de trabalho que entre ambos vigorou, e, a ser assim a sentença proferida de que ora se recorre deve ser revogada no que se refere à declaração de ilicitude As relações laborais não consentem situação dúbia, como o Tribunal consignou na matéria de facto provada nos pontos 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 17), 18), 19), 20) da douta sentença, pois não é licito à entidade patronal dispor a seu belo prazer dos efeitos da ilicitude do despedimento. Pelo que há a censurar no acórdão de que ora se recorre, ao decidir ilícito o despedimento com efeitos extintivos da relação laboral no dia 31/10/2014.

38. [D]a cessação do contrato de trabalho e assim julgar que a causa de cessação do contrato de trabalho foi o acordo de ambas as partes, forma legal de cessação do contrato de trabalho previsto no art.º 349º do CT.

39. As relações laborais não consentem situação dúbia, como o Tribunal consignou na matéria de facto provada nos pontos 9), 10), 11), 12), 13), 14), 15), 17), 18), 19), 20) da douta sentença, pois não é lícito à entidade patronal dispor a seu belo prazer dos efeitos da ilicitude do despedimento.

40. Pelo que há a censurar no acórdão de que ora se recorre, ao decidir ilícito o despedimento com efeitos extintivos da relação laboral no dia 31/10/2014.

41. Prescrição da matéria de facto constante no acervo factual dos pontos 33 a 42 da sentença por aplicação do disposto no art.º 337º n.º 2 do CT.

42. Retribuição de IHT e diferenças nos cálculos de férias, subsídio de férias e subsídio de natal (Ponto III e VI da decisão a quo) e a questão do disposto na cláusula 54ª n.º 2 da CCTV entre ACAP e Sindel aplicável ao setor, publicada no BTE 37 de 08/11/2010 e Portaria de Extensão 3/11 de 03/01 (adiante CCT).

43. Não é aplicável o disposto na cláusula 85ª n.º 2 da CCT citada, no cálculo do suplemento adicional a título de IHT previsto na cláusula 54ª n.º 2 da citada CCT.

44. Porque, quando a legislação laboral e a cláusula 54ª n.º 2 da CCT atribui um direito especial aos trabalhadores isentos - direito este ao pagamento de um suplemento adicional à sua remuneração - não caracteriza nem qualifica este suplemento adicional como remuneração.

45. A CCT na cláusula 54ª não qualifica o direito a um suplemento adicional como remuneração ou retribuição, o que se verifica pelos seguintes factos, a saber:

1) Qualifica a retribuição como direito a um suplemento adicional;

2) Não é qualificada como retribuição;

3) A CCT refere especificamente as remunerações sujeitas ao pagamento de retribuição mista, nas cláusulas 66ª a título de subsídio de férias e na cláusula 91ª a título de subsídio de natal.

46. É posição da doutrina especializada e da jurisprudência deste douto STJ que a atribuição especial por isenção de horário de trabalho não é uma verdadeira retribuição, nem como tal pode ser considerada, dado que a mesma não tem natureza de prestação alimentícia, é um complemento adicional, que pode ser atribuído ou retirado ao trabalhador ao longo da duração do contrato de trabalho, razão pela qual não pode ser calculada com base noutra retribuição que não a base como dispõe o art.º 262º do CT.

47. A Cláusula 54ª da CCT, que rege a matéria do IHT, não dispõe em sentido contrário ao estatuído no art.º 262º do CT.

48. De acordo com o disposto nas Cláusulas 66ª e 91ª da CCT aplicável ao setor, a Ré pagou durante a relação laboral ao Autor a título de férias, subsídio de férias e subsídio de natal o que ordenam esses preceitos.

49. A Ré/Recorrente não deve ao Autor/Recorrido o valor de [€] 10.861,68 e de [€] 3.260,69 a título de diferenças de pagamentos de retribuição especial de IHT e de cálculos das férias, subsídio de férias e subsídio de natal (pontos III e VI da sentença).

50. Retribuições intercalares não são compostas pela verba de IHT.

51. A Recorrente discorda da decisão do Tribunal da Relação, no que se refere à inserção da verba de [€] 431,40 de IHT para cálculo do valor do salário intercalar devendo ser o montante a considerar para esse calculo o de [€] 129,58.

52. A verba de prestação adicional de IHT paga ao trabalhador pela entidade não deve ser considerada para efeitos de salário intercalar, por não se tratar de uma verba retributiva, mas sim de um completamento adicional que depende das circunstâncias de prestação de trabalho e que a qualquer momento pode deixar de fazer parte da composição retributiva do trabalhador.

53. O acórdão que ora se recorre violou o disposto no art.º 262º e 265º do CT.

54. Tal entendimento não viola a natureza retributiva do salário, dado que a prestação adicional de IHT não tem natureza alimentícia de retribuição.

55. No que concerne aos complementos ou compensações, por penosidade em que se insere o IHT estas não possuem verdadeiramente um caráter retributivo, visando sim, compensar o trabalhador do especial custo/risco do desempenho.

56. A verba de [€] 431,40 de IHT não deve fazer parte do cômputo da indemnização a título de retribuições intercalares.

57. A verba a considerar para o cálculo das retribuições intercalares é a quantia de [€] 1.207,81, resultante da soma das verbas retributivas [€] 518,30 e [€] 689,51.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

A presente ação foi instaurada em 26.10.2015.

O acórdão recorrido foi proferido em 7.04.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

• O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

• O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia e por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, nos termos do art.º 615º, n.º 1, als. b) e d), do CPC;

2 – Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, al. a), do CPC;

3 – Se o despedimento teve lugar no dia 28/10/2014;

4 – Se ocorreu a prescrição dos créditos invocados;

5 – Se inexiste o direito do autor em receber as quantias em que foi condenada a título de retribuição de IHT e diferenças nos cálculos de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.

6 – Se a verba de IHT deve integrar as retribuições intercalares.

Considerando que os factos provados apenas relevam no caso de improcedência das questões consignadas nos números 1 e 2, não procederemos, para já, à sua transcrição.

4 – FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([4]).

4.1.1 – Se o acórdão enferma de nulidade por omissão de pronúncia e por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, nos termos do art.º 615º, n.º 1, als. b) e d), do CPC.

Estabelece o art. 77º, nº 1 do CPT:

1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.

Dispõe o art. 637º, nº 1, do CPC:

“1. Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto.”

E o art. 81º, nº 1 do CPT determina:

“O requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.”

Não oferece dúvidas de que o requerimento de interposição de recurso e as alegações constituem peças processuais diferentes, mesmo que constem do mesmo suporte físico.

Se dúvidas houvesse, bastaria lembrar o regime vigente em processo civil até às alterações introduzidas pelo DL 303/2007 de 24.08 em que o requerimento de interposição de recurso e as alegações eram apresentados em momentos processuais bem diferenciados.

Como claramente se estabelece no transcrito art. 77º, nº 1 do CPT, é no requerimento de interposição de recurso e não no corpo das alegações que a arguição das nulidades deve ser feita.

A ratio desta imposição legal prende-se com o facto do juiz que proferiu a decisão em causa poder “sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso” (art. 77º, nº 3 do CPT). É por isso que deve constar no requerimento de interposição do recurso, o qual é dirigido ao juiz que proferiu a decisão (os recursos interpõem-‑se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida… art. 637º, nº 1, do CPC), enquanto que as alegações são dirigidas ao tribunal superior.

Sendo o requerimento omisso quanto a essa arguição, a sua exclusiva inclusão nas alegações não é atendível ([5]).

Tem sido entendimento uniforme desta 4ª Secção que a aludida omissão impede o tribunal superior de conhecer das nulidades invocadas.

Vejam-se, entre muitos outros, os acórdãos, desta secção de 12/01/2000 (Revista n.º 129/99), de 16/01/2008 (Recurso n.º 1937/07), de 16/01/2008 (Recurso n.º 2912/07), de 17/12/2009 (Proc. 343/05.7TTCSC), de 13/01/2010 (Proc. 768/07.3TTLSB-C.L1.S1), de 24/02/2010 (Proc. 1936/03.2TTLSB.S1) e de 26/01/2017 deste mesmo coletivo (Proc. 599/15.7T8CLD.C1.S1) (www.dgsi.pt), entre outros.

O Tribunal Constitucional pronunciando-se sobre as especialidades recursivas inerentes ao processo laboral, referiu: “é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos” ([6]).

Por conseguinte e reafirmando a jurisprudência consolidada desta 4ª Secção concluímos que, não tendo o recorrente cumprido o estabelecido no art. 77º, nº 1 do CPT, está este Supremo Tribunal impedido de conhecer das arguidas nulidades.

4.1.2 – Se no recurso de apelação e no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto foram cabalmente cumpridos pela recorrente os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1, al. a), do CPC.

Referiu a Relação: «No que toca à matéria de facto que pretende ver alterada, e com excepção dos pontos 51 e 71, verificamos que a apelante se limita a transcrever os depoimentos do legal representante da Ré e de testemunhas, não fazendo qualquer análise crítica dos mesmos, por forma a justificar as alterações que pretende que sejam feitas aos factos impugnados.

  Não tendo sido apresentada tal análise crítica, conforme decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 3 de dezembro de 2015, proferido pela Secção Social, P.1348/12.7TTBGR.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, afigura-se-nos não ter sido devidamente cumprido o ónus da impugnação previsto no anteriormente mencionado artigo 640º do Código de Processo Civil.

  Transcreve-se para melhor esclarecimento a posição assumida no mencionado acórdão:

  “Na verdade, ao recorrente ao dizer que determinado facto não devia ser dado como provado pelo confronto da prova testemunhal com a documental fazendo uma transcrição da primeira, não está a fazer uma análise critica da prova, nem sequer a fornecer os elementos necessários para permitir que o tribunal a faça, deixando nas mãos do tribunal uma atividade “recolectora” de todos os documentos e dos depoimentos identificados, não sendo assim possível ao tribunal de recurso refazer o percurso/raciocínio lógico-jurídico que o próprio recorrente fez para concluir de forma diferente daquilo que a instância inferior decidiu.

  Uma correta impugnação que cumpra o ónus previsto no art. 640º do Código de Processo Civil, passaria por identificar que determinado facto provado foi incorretamente julgado, enunciando-o e apresentando o porquê de tal incorreção, isto é, dever-se-ia apresentar uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e apresentar o facto tal como deveria ter sido dado como provado e não provado”.

  E como análise crítica não se pode considerar a argumentação de que o legal representante da Ré terá produzido uma confissão, no que diz respeito à data da ocorrência do despedimento verbal que se discute nos autos.

  Com efeito, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária (artº 352º do Código Civil)

  E, no caso, a circunstância de se considerar a data de 28 de Outubro de 2014 como a de produção de efeitos do despedimento é claramente favorável à Ré, dada a invocação da prescrição por ela apresentada.

  Pelo exposto, não tendo sido devidamente cumprido o ónus de impugnação previsto no mencionado artigo 640º e não sendo caso para prolação de despacho de aperfeiçoamento, há que rejeitar o recurso quanto à impugnação da decisão proferida sobre os artigos descritos nas conclusões 1ª e 4ª, (cfr. “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, de António Santos Abrantes Geraldes, 2013, págs. 128/129), com excepção dos pontos 51 e 71.»

Vejamos.

Como resulta desta fundamentação, a Relação escusou-se de conhecer parcialmente do recurso, não porque a recorrente tivesse omitido os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados, nem a decisão alternativa que entendia ser a correta, nem os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação, com indicação das passagens da gravação em que se fundava o seu recurso, mas porque não fez nas alegações «qualquer análise crítica dos mesmos, por forma a justificar as alterações que pretende que sejam feitas aos factos impugnados.»

Em abono da sua tese invocou e transcreveu parcialmente o acórdão desta secção de 3.12.2015, proferido pela Secção Social, proc. 1348/12.7TTBGR.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt. com o seguinte sumário na parte pertinente:

1. O cumprimento do ónus estabelecido no artigo 640.º do Código de Processo Civil passa pela invocação de que determinado facto foi incorretamente julgado, enunciando-o e explicitando as razões de tal incorreção, isto é, apresentando uma análise crítica dos elementos de prova de que o julgador deveria retirar uma conclusão diferente da que retirou, e ainda pela indicação do facto tal como deveria ter sido dado como provado ou não provado.

Todavia o caso versado naquele aresto não é idêntico ao aqui em causa.

Efetivamente e como ressalta da transcrição feita pela Relação, pretendia-‑se ali a reapreciação da prova que passaria pelo confronto de documentos, que não identificaram, com os depoimentos.

No caso, a reapreciação pretendida e rejeitada limitava-se aos depoimentos e a determinadas passagens que a recorrente indicou, localizou nas gravações e transcreveu.

Estabelece o art. 640º do CPC:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

São estes os requisitos formais a serem observados pelo recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto.

Daqui resulta, como expressamente cominado no nº 1 do artigo, que a rejeição liminar do recurso referente à impugnação da matéria de facto apenas tem lugar quando aqueles requisitos formais não são cumpridos, ou seja, quando o recorrente não indica os concretos pontos de facto que pretende ver alterados, quando não aponta a decisão que deve ser proferida e quando não refere as provas em que se funda para tal alteração, com assinalação exata das passagens da gravação em que estão registadas as partes dos depoimentos a reapreciar.

A análise crítica dos meios de prova a reapreciar visará demonstrar ao tribunal de recurso de que foi errada a decisão recorrida e a convencê-lo das razões que lhe assistem para a almejada alteração.

Por conseguinte, a omissão, a insuficiência ou a suficiência dessa análise crítica, ou seja, da argumentação fundamentadora da pretendida alteração, é questão que tem a ver com o mérito da impugnação ([7]), com a procedência ou improcedência do recurso, mas não com a sua liminar rejeição ou com a sua aceitação.

Definindo o legislador, expressamente, os ónus que impendem sobre o recorrente no caso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto e cuja inobservância dá jugar à rejeição liminar do recurso, não pode o tribunal criar outros ónus que o legislador não impôs e cominá-los com a mesma rejeição liminar.

No caso, a recorrente indicou os pontos de facto que considerava incorretamente julgados e enunciou decisão alternativa que propõe, tendo ainda especificado, em relação a cada um daqueles pontos, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, identificando os depoentes, transcrevendo as partes das declarações e dos depoimentos produzidos em audiência que pretendia ver reapreciados e indicando as passagens da gravação onde constavam.

É assim patente que a recorrente cumpriu os ónus impostos pelo art. 640º, do CPC, não havendo, por isso, lugar à rejeição liminar do recurso como decidido pela Relação.

Impõe-se, por conseguinte, a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para reapreciação da prova gravada, de acordo com o invocado pela recorrente, com a consequente apreciação das questões jurídicas suscitadas.

Tendo-se concluído que se impõe a reapreciação da prova, a apreciação das demais questões mostra-se prejudicada.

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Não conhecer das arguidas nulidades.

2 – Conceder parcialmente a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que rejeitou a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

3 – Determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para conhecimento do recurso de apelação no que concerne à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto nos termos impugnados, com posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no recurso.

4 – Condenar nas custas a parte vencida a final.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 22.02.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

______________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] A. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[5] Cfr. Acórdãos do STJ de 28/1/98, in Acórdãos Doutrinais, 436, 558; de 12/01/2000, Revista n.º 129/99; de 28/5/97, in BMJ 467, 412; de 8/02/2001 e 24/06/2003, in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão do TC nº 266/93, de 30 de Março de 1993, proc. 63/92, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19930266.html
[7] Neste sentido o acórdão do STJ de 19.02.2015, 2ª secção, proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Tomé Gomes).