Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2511/10.0TBPTM.E2.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ALEXANDRE REIS
Descritores: DIREITO DE PROPRIEDADE
PRÉDIO URBANO
RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
DANO CAUSADO POR EDIFÍCIOS OU OUTRAS OBRAS
NEXO DE CAUSALIDADE
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRIVAÇÃO DO USO
Data do Acordão: 10/25/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS – DIREITO DAS COISAS / DIREITO DE PROPRIEDADE / PROPRIEDADE EM GERAL / PROPRIEDADE DE IMÓVEIS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Antunes Varela, RLJ, 114.º;
- José Carlos Brandão Proença, Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina, 2007, p. 180 e 181;
- Maria da Graça Trigo, Responsabilidade Civil, Temas Especiais, Universidade Católica Portuguesa, 2015, p. 63 a 67;
- Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, p. 831;
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, I, 12.ª Edição, 2015, Almedina, p. 301;
- Oliveira Ascensão, A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança, ROA, 67º, 2007, p. 5 e ss.;
- Paulo Mota Pinto, Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo, I, Coimbra Editora, 2008, p. 592;
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado Anotado, I, 4ª ed., pp. 472, 473 e 578;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 220 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º 1, 493.º, N.º 1, 1305.º, 1346.º, 1348.º E 1350.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º E 671.º, N.º 3.
REGULAMENTO GERAL DAS EDIFICAÇÕES URBANAS (RGEU): - ARTIGOS 4.º, 128.º, 129.º, 135.º E 138.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 26-03-1980, PROCESSO N.º 068443, IN BMJ 295º/426, WWW.DGSI.PT;
- DE 08-07-2003, PROCESSO N.º 03A2112;
- DE 28-10-2008, PROCESSO N.º 08A3005;
- DE 13-01-2009, PROCESSO N.º 08A3747;
- DE 03-03-2009, PROCESSO N.º 09A0009;
- DE 02-06-2009, PROCESSO N.º 560/2001.S1;
- DE 02-11-2010, PROCESSO N.º 2290/04.0TBBCL.G1.S1;
- DE 27-01-2011, PROCESSO N.º 777/04.4TBALB.C1.S1;
- DE 01-02-2011, PROCESSO N.º 6845/07.3TBMTS.P1.S1;
- DE 31-03-2011, PROCESSO N.º 531/11.7TVLSB.L1.S1;
- DE 29-03-2012, PROCESSO N.º 6150-06.2TBALM.L1.S1;
- DE 25-02-2014, PROCESSO N.º 5796/04.8TVLSB.L1.S1, SASTJ, 2014, IN WWW.STJ.PT;
- DE 28-04-2014, PROCESSO N.º 473/10.3TBVRL.P1-A.S1;
- DE 12-03-2015, PROCESSO N.º 52/2000.C1.S1;
- DE 28-05-2015, PROCESSO N.º 73/04.7TNLSB.L1-A.S1;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 45/2000.P1.S1;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 542/13.8T2AVR.C1.S1;
- DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 1497/08.6TVLSB.S1;
- DE 24-11-2016, PROCESSO N.º 96/14.8TBSPS.C1.S1;
- DE 14-02-2017, PROCESSO N.º 528/09.7TCFUN.L2.S1.
Sumário :
I - No nosso ordenamento jurídico, o exercício dos poderes dos proprietários de imóveis - entre os quais se incluem os de remodelação e ampliação de uma edificação, precedidas ou não da sua demolição (total ou parcial), ou os de escavação, desaterro e subsequente deposição de resíduos ou terras removidas - está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar, nas relações de vizinhança, o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias.
II - Cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios implica limitações ao exercício do direito de propriedade - que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC (como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346.º a 1348.º ou 1350.º, ou as dos arts. 492.º e 493.º) - através da ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, para fundar um direito à protecção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo.
III - Das normas consagradas nos arts. 4.º, 128.º, 129.º, 135.º e 138.º do RGEU e art. 493.º, n.º 1 do CC resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos, bem como de adoptarem as precauções e as disposições necessárias para evitar qualquer acidente e danos materiais, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos, sendo interditos quaisquer processos de trabalho susceptíveis de comprometer esse desiderato, sob pena de responsabilidade pelos danos que a coisa imóvel causar.
IV - A violação do condicionamento advindo de regras urbanísticas (ou ambientais) também pode ser considerada para o efeito previsto na 2.ª parte do art. 483.º, n.º 1 do CC (disposição legal destinada a proteger interesses alheios), quando, em face da respectiva interpretação, se constate que a norma em questão também visa proteger interesses particulares e não apenas beneficiá-los enquanto interessados no bem da colectividade.
V - A aferição global da causalidade adequada, não se referindo a um facto e ao dano isoladamente considerados, deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano.
VI - A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano e não pressupõe a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não.
VII - As relações de vizinhança e o facto de ter sido o réu o causador da situação determinante do risco para a moradia dos autores, envolveriam da parte daquele o dever de agir no sentido da prevenção da ocorrência de danos, respeitando a situação de equilíbrio imobiliário, que, no seu exclusivo interesse e por sua inteira responsabilidade foi perturbado. Não o tendo feito, não só se demonstrou que esse seu comportamento reprovável não foi indiferente para os danos sofridos pelos autores como se conclui, no plano geral e abstracto, que ele constituiu a causa adequada desses mesmos danos, sem que a deficiente conservação do prédio dos autores atenue essa eficácia causal.
VIII - O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização, a cargo do lesante, pela indisponibilidade forçada da fruição de um bem de que aquele é proprietário, na lógica do princípio da restauração in natura, é susceptível de ser concretizado através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, mas não necessariamente, porque, desde logo, são diferentes os valores do uso e da locação e daí que o valor desta apenas deva ser adoptado como referência na determinação do valor do dano da privação do bem.
IX - Os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso.
Decisão Texto Integral:                                                                            

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
           


AA e BB intentaram esta acção contra CC, pedindo a condenação deste a:
- a construir ou reconstruir a suas expensas no estado de novo o seu prédio, composto de rés do chão e primeiro andar, de acordo com projecto a definir e a aprovar pelas entidades competentes, de forma a que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional;
- desocupar uma sua faixa de terreno, com cerca de 4,40 m2, ou indemnizá‑los por tal ocupação; 
- pagar-lhes o valor das rendas vencidas e as que se vencerem no tempo em que não puderem usufruir na plenitude do seu prédio;
- pagar-lhes o valor de € 25.000, a título de danos não patrimoniais causados pela ocupação abusiva da parcela de terreno bem como pela não utilização do prédio sua propriedade e pela tristeza e mágoa que o seu estado de derrocada causou aos AA.
Para tanto, os AA alegaram, muito em síntese: o R procedeu a obras de demolição do seu prédio, confinante com o dos AA, com vista à sua remodelação e ampliação, em cujo decurso, em 8-07-2008, o edifício dos AA ruiu parcialmente, ficando inabitável e, actualmente, em decomposição; apesar da derrocada, o R prosseguiu a sua nova construção, implantando-a em parte do terreno dos AA; à data da derrocada, o seu prédio encontrava-se arrendado, deixando os AA de usufruir a renda mensal de € 1.100; em consequência da derrocada, os AA sofreram tristeza, angústia e grande incómodo.
O R contestou, alegando que o prédio dos AA ruiu por razões não apuradas, mas o mesmo, à data, já apresentava deficientes condições de habitabilidade por má conservação e a sua cobertura tinha uma sobrecarga incompatível com as paredes de apoio, que são de taipa, o que culminou com a derrocada. O R também impugnou a existência de qualquer arrendamento e os valores de renda alegados pelos AA, por não serem compatíveis com as características do imóvel, e sustentou que é possível a reconstituição natural do prédio dos AA e que não tem fundamento a pretensão destes à reparação dos danos não patrimoniais, uma vez que só adquiriram o imóvel por doação em Fevereiro de 2010, já no estado em que actualmente se encontra.

Depois de diversas incidências, foi proferida sentença condenando o R a:
a) - pagar aos AA o montante a apurar em liquidação correspondente a 75% do valor de reconstrução ou construção de um prédio novo no lugar do prédio dos AA (…), para que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional e com as características espaciais da antiga;
b) - pagar aos AA o montante igualmente a apurar em liquidação relativo ao valor das rendas vencidas e das que se vierem a vencer até ao integral e efectivo cumprimento deste pedido, no tempo em que os AA não puderem usufruir na plenitude do seu prédio, ao qual deverão ser acrescidos juros de mora taxa legal desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento;
c) - remover todas as saliências que aquando da construção da casa do R. foram deixadas a entrar para o espaço do prédio dos AA.

A Relação, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pelo R, condenou este a:
a) proceder à reconstrução a suas expensas do prédio dos AA, composto de rés-do-chão e primeiro andar, de acordo com projecto equivalente ao que se encontrava edificado, a aprovar pelas entidades competentes (…), de forma a que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional;
b) pagar aos AA o montante a apurar em liquidação relativo ao valor locativo mensal do imóvel, no tempo em que estes não puderem usufruir na plenitude do seu prédio, ao qual deverão ser acrescidos juros de mora à taxa legal desde a data da citação até ao integral e efetivo pagamento, e que não pode exceder o valor mensal peticionado de € 1.100.
E no demais confirmou a sentença recorrida.

O R interpôs recurso de revista desse acórdão, cujo objecto delimitou com conclusões que colocam as seguintes questões:
1. As nulidades do acórdão.
2. A responsabilidade do R.
3. A indemnização devida aos AA por: (i) derrocada do seu prédio e (ii) privação do uso deste (valor locativo mensal).
 
Nas suas contra-alegações os AA, para além de se pronunciarem sobre o arrazoado recursivo do R, suscitaram a questão da inadmissibilidade do recurso de revista, por força do disposto no art. 671º nº 3 do CPC, uma vez que o acórdão recorrido, segundo alegam, teria confirmado a decisão proferida na 1ª instância, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, e invocaram a “novidade” da questão, apenas colocada na revista, de a aquisição da propriedade do prédio por parte dos AA não ter sido acompanhada da cessão do crédito relativo ao valor locativo do imóvel.
*
Importa apreciar e decidir as enunciadas questões, para o que releva a factualidade que Relação considerou provada.
*
1. A admissibilidade do recurso.
Como é entendimento uniforme da jurisprudência sobre as regras do processamento das impugnações das decisões, o âmbito do recurso, para além dos eventuais casos julgados formados nas instâncias, é confinado pelo objecto (pedido e causa de pedir) da acção, pela parte dispositiva da decisão impugnada desfavorável ao impugnante e pela restrição feita pelo próprio recorrente, quer no requerimento de interposição, quer nas conclusões da alegação (art. 635º do CPC). Portanto, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.

Posto isto, importa considerar que o normativo do art. 671º nº 3 do CPC visa apenas impedir a rediscussão da matéria já dirimida pelas instâncias de modo coincidente: da interpretação racional-teleológica do preceito conclui-se que, pelo instituto da “dupla conforme” – a que «subjaz a ideia de que a concordância de duas instâncias é factor indiciador do acerto da decisão» ([1]) –, não é admissível revista do acórdão da Relação que tenha mantido (sem voto de vencido) a decisão da 1ª instância, se a fundamentação das duas decisões não for essencialmente diferente.

O que pressupõe, para além da sobreponibilidade qualitativa e (pelo menos parcialmente) quantitativa do efeito útil das decisões, que as respectivas fundamentações não sejam essencialmente diversas, ou seja, que as instâncias não apliquem normas jurídicas e institutos jurídicos distintos na apreciação das questões essenciais, independentemente de divergências que se revelem relativamente a aspectos que se apresentem com natureza meramente complementar ou secundária ou que não redundem num decisivo enquadramento jurídico alternativo ([2]).

Ora, como evidencia a simples leitura de ambas as decisões, enquanto na de 1ª instância o R foi condenado numa quantia pecuniária – correspondente a 75% do valor de reconstrução ou construção de um prédio novo – na da Relação o mesmo foi condenado a proceder à reconstrução do prédio propriedade dos AA.

Mesmo que assim não fosse, a responsabilidade assacada ao R pela reparação dos danos directamente decorrentes da ruína do prédio dos AA foi fundamentada pela 1ª instância no instituto da responsabilidade civil extracontratual, prevista no art. 493º do CC, enquanto pela Relação o foi na norma alusiva aos efeitos de escavações em prédios vizinhos, contida no art. 1348º do CC.
Assim, por não se verificar a dupla conformidade das decisões de ambas as instâncias, o recurso de revista é admissível

2. As nulidades do acórdão.

Entende o recorrente que o Tribunal da Relação substituiu-se aos AA e considerou que os mesmos pretendiam uma indemnização por privação do uso do imóvel, equivalente ao seu valor locativo, alterando deste modo a causa de pedir subjacente ao pedido de pagamento de rendas por aqueles formulado, fundado num contrato de arrendamento cuja existência não lograram provar.

Pese embora uma certa desarrumação que transcorre das respectivas conclusões, aparentemente, o recorrente sustenta com tal argumentação que o acórdão recorrido enfermaria das nulidades previstas no art. 615º nº 1 d) e e) do CPC e constituiria, ainda, uma decisão surpresa que, para além de ofender os princípios do dispositivo, do contraditório e da estabilidade da instância, não respeitaria o objecto do recurso, violando o nº 4 do art. 635º do mesmo código.
Ora, contrariamente ao entendimento subjacente ao recurso, as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), taxativamente enumeradas no citado art. 615º, visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável. A arguição de tal nulidade não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Como tal, as nulidades consistentes no excesso de pronúncia e no desacato aos limites que conformam o pedido – quanto à quantidade ou ao objecto deste – ou, ainda neste caso, na desconsideração ao objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608º e 609º do CPC, só se verificam quando o tribunal se pronuncie sobre questões ou pretensões cuja apreciação lhe estava vedada por não lhe ter sido colocada.
Mas a expressão «questões», que se prende, desde logo, com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir, de modo algum se pode confundir com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia. E o pedido, enquanto elemento identificador da ação, é entendido, na terminologia do art. 581º, nº 3, do CPC, como o efeito jurídico que se pretende obter com a ação, ao passo que a causa de pedir, de acordo com a teoria da substanciação, adotada no artigo 581º, nº 4, 2ª parte, do mesmo diploma, é o facto jurídico genético do direito, ou seja, o acontecimento concreto, correspondente a qualquer “fattispecie” jurídica que a lei admita como geradora de direitos.
Em suma, a previsão das citadas al. d) e e) prende-se com o incumprimento dos deveres, prescritos nos artigos, respectivamente, 608º, nº 2, e 609º, nº 1, do CPC de resolver todas e apenas as «questões» submetidas à apreciação do tribunal, exceptuando aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras ([3]), e de não condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Por isso, ao Tribunal incumbe resolver as questões ou pretensões cuja apreciação lhes seja suscitada e, para o efeito, apenas se pode estribar nos factos essenciais que as partes tenham alegado, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (arts. 5º e 608º do CPC). E é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação do recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.
Realmente, a (única) questão/pretensão que ao Tribunal da Relação incumbia resolver era a de saber se, sim ou não, os AA tinham direito a ser indemnizados dos danos causados pela privação do uso do imóvel.
Por isso, nesse estrito sentido, a decisão da Relação não incorreu em excesso de pronúncia e cingiu-se aos limites configurados pelos AA para o seu pedido, tendo-se limitado a dar parcial satisfação à pretensão por estes deduzida, embora com fundamentos (apenas) em parte diferentes dos por eles invocados.
E, por consequência, também não colhe o argumentado sobre invocada ofensa aos variados princípios realçados no recurso, nomeadamente os que se prendem com a alegada surpresa que o recorrente manifesta ter tido perante a solução jurídica que a Relação ofereceu à aludida questão, uma vez que a pertinência dessa surpresa não se pode estender às razões (de facto e de direito) em que assentou a solução (reparação equivalente ao valor locativo do imóvel).
Com efeito, a proibição da decisão dita surpresa justifica-se por esta postergar o princípio do contraditório, ao assentar numa qualificação jurídica ou em fundamentos com que as partes não poderiam (nem deveriam) contar e que, por isso, não ponderaram anteriormente ([4]). Logo, só cabem, no âmbito das decisões-surpresa, as que, embora juridicamente possíveis, as partes não tinham o dever de prognosticar, antes estabelecem uma relação colateral com o pedido formulado para a concreta decisão da causa ([5]).
Porém, a fundamentação jurídica adotada pelo acórdão, ainda que, parcialmente, diversa da invocada pelos autores, permitiu decidir a questão que importava conhecer, sem que o tribunal ultrapassasse o pedido formulado e a factualidade provada e, simultaneamente, alegada.
Diferente problema e que nada tem a ver com os invocados vícios formais será o de saber se a apreciação da pretensão dos AA foi feita em conformidade com a lei, o que terá de ser ponderado noutra sede.
Improcede, pois, a arguição.

3. A responsabilidade do R.
O exame da agora enfrentada questão demanda, nomeadamente, que se averigue do nexo de causalidade entre os danos sofridos no prédio dos AA e a actuação do R, enquanto proprietário de um prédio vizinho daquele, bem como da sua consequente responsabilização pela reparação de tais danos.
O litígio, assim configurado, remete-nos, pois, para o tema das relações entre proprietários de prédios vizinhos ([6]).
É certo que o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, como emerge do art. 1305º do CC, mas, como também se salientou no Ac. desta Secção de 28-10-2008 (p. 08A3005), o direito de propriedade, não obstante o seu «âmbito pleníssimo», «está sujeito a limitações de interesse público resultantes de uma função social, tal como a limitações de interesse privado», não podendo, designadamente, «ser exercido de forma abusiva, violando o direito de propriedade dos donos do prédio confinante» ([7]).

É certo que entre os poderes dos proprietários de imóveis se incluem os de remodelação e ampliação de uma edificação – os trabalhos relacionados com a obra levada a cabo pelo R no caso em apreço –, precedidas ou não da sua demolição (total ou parcial), ou os de escavação, desaterro e subsequente deposição de resíduos daí advindos. Mas o exercício desses poderes está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias.
Como se sabe, nos termos do art. 483º nº 1 do CC, só são reparáveis, em sede de responsabilidade civil, os danos resultantes da violação do direito de outrem ou de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios. E daí que, não sendo demonstrada a titularidade de qualquer situação absolutamente protegida (1ª parte do preceito), nem a violação de norma destinada a proteger os interesses do lesado (2ª parte da mesma norma), em princípio, resta só o recurso ao instituto do abuso do direito.
Particularmente quanto ao referido condicionamento advindo de regras urbanísticas (ou ambientais), convém lembrar que estas, em geral, cuidam, em primeira linha, de interesses de ordem pública e apenas reflexamente tutelam interesses particulares. Estamos, pois, perante regras que, tutelando interesses públicos, visam ao mesmo tempo proteger interesses particulares, abarcando-os, sem que, necessariamente, atribuam um direito subjectivo ao titular do interesse lesado.
Todavia, só em face da interpretação de cada uma dessas normas se poderá concluir se a condição por ela regulamentada, tutelando primacialmente interesses públicos, também protege interesses particulares ou se, pelo contrário, apenas mediata ou reflexamente, beneficia interesses particulares. É o que esclarecem P. de Lima e A. Varela (CC Anot., I, 4ª ed., pp. 472 e 473): «(…) para determinar se a violação de certa norma origina a obrigação de indemnizar, “o decisivo não é o efeito, mas sim o conteúdo e o fim da disposição”. Não basta que esta seja proveitosa também para o indivíduo lesado com a violação: é necessário que vise proteger interesses particulares.». Mas, como advertiram os mesmos Mestres, «já não são abrangidas pelo art. 483° as normas que visam apenas proteger certos interesses gerais ou colectivos, embora da sua aplicação possam beneficiar, mediata ou reflexamente, determinados interesses particulares. Trata-se de normas que, “directamente, apenas protegem a colectividade como tal, especialmente o Estado, e que só beneficiam o indivíduo na medida em que cada um está interessado no bem da colectividade” (Enneccerus-Lehmann, Derecho de Obliganiones, § 235, I, 2, b)».
O art. 4º do RGEU (aprovado pelo DL 38382/51, de 7/8) estatui que a concessão da licença para a execução de uma qualquer obra (e o próprio exercício da fiscalização municipal no seu decurso) não isentam o dono da obra, ou o seu proposto ou comitido, da obediência a preceitos gerais ou especiais a que a edificação, pela sua localização ou natureza, haja de subordinar-se.
Trata-se de uma regra que os princípios gerais sempre imporiam, com toda a clareza, o que dispensaria a sua cominação expressa.
 Ademais, durante a execução de obras de qualquer natureza serão obrigatoriamente adoptadas as precauções e as disposições necessárias para evitar qualquer acidente e danos materiais, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos, sendo interditos quaisquer processos de trabalho susceptíveis de comprometer esse desiderato e devendo as obras de reconstrução ou transformação de edificações existentes ser delineadas e realizadas de forma a ficar sempre assegurada a sua solidez e permanentemente mantidas em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos (cf. arts. 128º, 129º, 135º e 138º do mesmo RGEU).
Ora, as normas citadas também visam tutelar interesses dos particulares e não apenas beneficiar estes enquanto afectados pelo bem da colectividade. Na verdade, pela sua análise, constata-se que as mesmas se destinam a prevenir o prejuízo que obras de qualquer natureza – portanto (e sobretudo) também as de demolição – possam gerar, nomeadamente, na segurança de todas as edificações directa ou indirectamente afectadas.
Por conseguinte, nestes casos, o condicionamento advindo de tais regras urbanísticas, porque também destinadas a proteger interesses alheios, tutelam o direito subjectivo do dono do prédio vizinho ([8]).
E o mesmo se deve dizer da responsabilidade de quem tiver em seu poder coisa imóvel pelos danos que esta causar, estabelecida pelo art. 493º nº 1 do CC.
O que, tudo, permite concluir que qualquer violação, tanto deste dever de conservação como daquelas regras, de acordo com o princípio geral do art. 483º e, ainda, nos termos do art. 486º do CC, pode fundar a obrigação de reparar os danos por ela causados.
Por outro lado, cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios, sobretudo se nele existirem construções confinantes, implica limitações ao exercício do direito de propriedade, que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC, como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346º a 1348º ou 1350º, ou as que estabelecem regras directamente atinentes à responsabilidade civil, como as dos arts. 492º e 493º, normas que abarcam as situações de ruína, de vício de construção ou de incumprimento do dever legal de conservação de imóvel.
Expendeu o Ac. deste Tribunal de 29-03-2012 (p. 6150-06.2TBALM.L1.S1), citando Menezes Cordeiro ([9]): «a apreciação da concreta situação» ou «a “normatividade dos factos”, cuja “ponderação dogmática pela necessidade reconhecida de redução dos problemas, passa pelo sistema”, cria a convicção de que os danos que ocorrerem na moradia dos AA. são de imputar à actuação ou omissão da R., reclamando do sistema uma solução que sustente a sua responsabilização». E acrescentou: «A integração jurídica de situações que, como a dos autos, se mostram merecedoras de protecção semelhante à que aflora em determinados preceitos que regulam o exercício do direito de propriedade sobre imóveis tem conduzido ao seu aprofundamento teórico».
Segundo Oliveira Ascensão ([10]), «A lei parte de uma noção de equilíbrio imobiliário». «(…) Mas a lei não desconhece que em cada tempo há um equilíbrio imobiliário reinante que toma como base da disciplina que estabelece. Procura antes de mais evitar rupturas desse equilíbrio. A preocupação crescente com a ecologia veio reforçar grandemente esta fundamentação. Cada titular não está vinculado a impedir que elementos naturais alterem a situação imobiliária estabelecida, nem a corrigir a acção destes. Mas já não pode influir com a sua conduta na quebra desse equilíbrio.». Depois de referenciar o aluvião e a avulsão, regulados nos arts. 1328º e 1329º, respectivamente, do CC, para afirmar que, nessas situações, o proprietário superior não incorre em deveres e não pode ser responsabilizado por essa vicissitudes naturais, rematou a extrair o princípio: «cada vizinho pode agir livremente in suo, no respeito das normas específicas vigentes. Mas não o pode fazer à custa da condição natural preexistente do prédio vizinho. Se o fizer, terá de reconstituir a situação primitiva, independentemente de qualquer consideração de responsabilidade civil.».
Em diversas decisões deste Tribunal tem sido feita a ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, a partir da violação do dever geral de prevenção do perigo, ou de um dever geral de diligência ([11]), das quais se invoca, em particular, a proferida no Ac. de 2-06-2009 (p. 560/2001.S1), sustentando que a «relevância jurídica da omissão está ligada ao “dever genérico de prevenção de perigo”»:
«A este propósito, José Carlos Brandão Proença, in “Direito das Obrigações – Relatório Sobre o Programa, o Conteúdo e os Métodos do Ensino da Disciplina” – 2007, págs. 180 /181 escreve:“A defesa de um “dever genérico de prevenção do perigo” ou, como lhe chama Sinde Monteiro, “dever de segurança no tráfico” ou simplesmente “deveres do tráfico” (Verkehrspflichten) significa, nas palavras de Antunes Varela (in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 114. °, pp. 77-79) que “o criador ou o mantenedor da situação especial de perigo tem o dever jurídico de o remover, sob pena de responder pelos danos provenientes da omissão (…).
Como projecções legais desse dever (não consagrado especialmente na lei, mas enquadrável, de qualquer modo, nos artigos 483° e 486º)” o mesmo jurista cita as normas aos artigos 492.°, 493.°, 502.°, 1347.°-1350.° e 1352.° do Código Civil.
[…] O conteúdo destes deveres depende da gravidade dos efeitos danosos, da probabilidade do acidente, das medidas preventivas possíveis (ou exigíveis) e da possibilidade de auto-protecção do lesado já que os avisos de perigo terão que ser mais intensos para as crianças do que para os adultos, mas mesmo estes, intrusos ou não, tem que ser “avisados” dos perigos especiais — à partida não há responsabilidade do criador do perigo se o dano resultar da exposição voluntária do lesado ao perigo, tendo aquele adoptado medidas suficientes para evitar a intromissão abusiva”.».
Parece-nos que o direito geral de vizinhança, tal como vem sendo defendido, oferece argumentos bastantes para fundar um direito à protecção do proprietário, através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um «dever geral de prevenção do perigo» ([12]).
E se o dono do prédio tem o dever «dever geral de prevenção do perigo», para que seja preservado o equilíbrio imobiliário, quando a ruptura deste equilíbrio seja causada por uma sua conduta – activa ou omissiva –, com violação de tal dever de prevenção e com repercussão relevante nesse resultado – ainda que com ela concorra um fenómeno natural, desde que previsível, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas –, não se pode ter como estranha aos princípios gerais que imperam no nosso ordenamento jurídico a reputação dessa actuação como ilícita e a aplicação das regras gerais da responsabilidade civil, em relação aos danos dela advindos para o dono de um dos prédios vizinhos. «Traduzindo uma faceta de desenvolvimento do direito que melhor corresponde às necessidades da vida corrente, essa via segue a linha já anunciada por ANTUNES VARELA, para quem as normas dos arts. 492º, 493º, 1347º e 1348º do CC representam “afloramentos especiais de um princípio geral de recorte mais amplo” em que se funda, além do mais, “o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo proprietário”» ([13]).

Introduzida a questão, revisitemos o que, em suma, se apurou:
Em 7-07-2008, iniciaram-se as obras de demolição no prédio do R, na sequência das quais, logo no dia seguinte, a parede meeira deste prédio com o prédio dos AA cedeu e caiu e o edifício dos AA ruiu parcialmente. Essa derrocada, dada a sua amplitude e impacto, tornou inabitável o edifício dos AA, até então habitado. Aliás, ainda antes do início de tais obras já a degradação do edifício do R estava a afectar a estabilidade e a salubridade do edifício (agora) dos AA.
Para tal derrocada também contribuiu a degradação e a falta de manutenção do prédio dos AA, embora em medida inferior às obras efetuadas no prédio do R.
Ora, o recorrente ancora-se neste ponto factual por último referenciado para pretender objectar ao sentido do (implicitamente) decidido pela Relação quanto ao nexo de causalidade a ideia de que, uma vez que para a derrocada contribuiu também «a circunstância de o prédio dos AA se encontrar degradado e a carecer de manutenção», tal resultado «não ocorreu, pois, exclusivamente por facto derivado da demolição do prédio do R, mas sim por uma convergência de factores da responsabilidade quer do R quer dos AA» ([14]).
Vejamos.
«A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que provavelmente não teriam ocorrido se não fosse a lesão» (art. 563º do CC).
É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma, acolheu a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstracto, ele seja causa adequada desse mesmo dano.
É matéria de facto o nexo causal naturalístico e é matéria de direito o juízo sobre o segundo momento da causalidade, referente ao nexo de adequação, de harmonia com o qual o facto que actuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais ou extraordinárias: «De acordo com essa doutrina, o facto gerador do dano só pode deixar de ser considerado sua causa adequada se se mostrar inidóneo para o provocar ou se apenas o tiver provocado por intercessão de circunstâncias anormais, anómalas ou imprevisíveis» ([15]).
O STJ, sendo, organicamente, um Tribunal de revista, apenas conhece de matéria de direito, fora dos casos previstos na lei (arts. 46º da LOSJ e 674º nº 3 e 682º nº 2 do CPC). Como consequência, o nexo naturalístico, tal como vem estabelecido pelas instâncias, não é sindicável por este Tribunal, em cuja competência apenas está integrada a matéria referente ao nexo de adequação, por respeitar à interpretação e aplicação do citado art. 563º.
Segundo a referida doutrina, essa aferição global da adequação deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano, pois que a causalidade adequada não se refere a um facto e ao dano isoladamente considerados.
Quando disciplinou a responsabilidade por danos ambientais, o legislador ofereceu uma mais precisa noção sobre tal conceito (cf. art. 5º do DL 147/2008): «A apreciação da prova do nexo de causalidade assenta num critério de verosimilhança e de probabilidade de o facto danoso ser apto a produzir a lesão verificada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto e considerando, em especial, o grau de risco e de perigo e a normalidade da acção lesiva, a possibilidade de prova científica do percurso causal e o cumprimento, ou não, de deveres de protecção».
A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano.
Também como considerou o Ac. desta Secção de 13-01-2009 (p. 08A3747), o «facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum se mostra indiferente para a verificação do dano, não modificando o “círculo de riscos” da sua verificação, tendo presente que a causalidade adequada “não se refere ao facto e ao dano isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em concreto, conduziu ao dano” no âmbito da aptidão geral ou abstracta desse facto para produzir o dano.».
É o que, em suma, nos transmite o ensinamento do Prof. Vaz Serra ([16]) de que a causa em sentido jurídico se deve restringir àquelas condições que se encontrem para com o resultado numa relação tal que seja razoável impor ao agente a responsabilidade por esse mesmo resultado, independentemente de este ter sido, exclusivamente, condicionado por tal causa:
«O problema não é um problema de ordem física, ou, de um modo geral, um problema de causalidade tal como pode ser havido nas ciências da natureza, mas um problema de política legislativa: saber quando é que a conduta do agente deve ser tida como causa do resultado, a ponto dele ser obrigado a indemnizar. Ora, sendo assim, parece razoável que o agente só responda pelos resultados para cuja produção a sua conduta era adequada e não por aqueles que tal conduta, de acordo com a sua natureza geral e o curso normal das coisas, não era apta para produzir e que só se produziram em virtude de uma circunstância extraordinária.».
Por outro lado, não é suposta a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não. Na verdade, a lesão e a consequente produção do dano podem resultar de um concurso real de causas, da contribuição de vários factos, não sendo qualquer deles, singularmente considerado, suficiente para alcançar o efeito danoso, embora se imponha que um deles seja causa adequada do por ele desencadeado, imputável a outro agente.
Todavia, como decidiu o mesmo Ac. de 13-01-2009, «Quando ocorre um tal concurso de causas adequadas, simultâneas ou subsequentes, qualquer dos autores é responsável pela reparação de todo o dano, como se infere do que se dispõe nos arts. 490º e 570º C. Civil (cfr. P. Coelho “O Problema da Relevância da Causa Virtual...”, 31-34)»..

Com tais parâmetros, cumpre retirar a pertinente conclusão sobre a questão da causalidade, por referência ao referido juízo de prognose.
Segundo pensamos, a razão está do lado dos AA, pois extrai-se, patentemente, daquela factualidade que os danos pelos mesmos sofridos resultaram de, na demolição do edifício do R, não terem sido adoptadas as cautelas impostas, objectivamente, pela relação de vizinhança entre os ditos prédios: a demolição do prédio do R desencadeou o desmoronamento da parede meeira de ambos os prédios e, assim, retirou à edificação dos AA um dos seus apoios estruturais, o que constituiu o factor que, com toda a probabilidade – segundo critérios de normalidade – suscitou/arrastou a sua queda parcial.
A directa afectação do prédio dos AA, assim como os danos daí decorrentes e que os mesmos sofreram por aquele ficar inabitável foram o resultado expectável da objectiva violação pelo R do dever geral, inerente às aludidas regras de vizinhança, de prevenção do perigo, que ele próprio tinha activamente gerado. Qualquer cidadão medianamente diligente, perante a falta do cuidado necessário para a prevenção desse perigo, atendendo às concretas circunstâncias, entre as quais, também e em especial, o estado de degradação do prédio dos AA, poderia prever a possibilidade de esses danos ocorrerem.
É por isso que o R não pode eximir-se à reparação dos danos causados pelo incumprimento de tal dever com a invocação do estado de degradação do prédio dos AA. Em termos de normalidade, foi o desabamento da referida parede meeira, provocado pela demolição do prédio do R, que, imediatamente, desencadeou o processo causal da ruína parcial do prédio dos AA.
É certo que, como se apurou, para essa reacção contribuiu a reduzida “robustez” do prédio dos AA. Porém, é unicamente imputável ao R a alteração provocada à relação de natural equilíbrio entre os prédios, a qual, para além de ilícita, como acima vimos, reconduz-se à omissão de deveres de prevenção de danos insistentemente exigidos pelas regras da boa-fé, na conjugação com essas diversas circunstâncias concretas – com especial realce para a configuração que a existência de uma parede meeira oferecia a ambos os prédios contíguos e para a degradação do ora pertencente aos AA. O que sujeita o R a um juízo de reprovação, formulado com base nas enunciadas circunstâncias, efectivamente conhecidas ou cognoscíveis e, por isso, com efeitos que o mesmo poderia prever e precaver.
Foi o R o causador da situação determinante do risco para a moradia dos AA e as relações de vizinhança envolveriam da sua parte o dever de agir de modo diverso: impendendo sobre ele o dever de agir no sentido da prevenção da ocorrência de danos, também recai sobre ele a obrigação de repor a situação de equilíbrio imobiliário que no seu exclusivo interesse e por sua inteira responsabilidade foi perturbado.
Assim, não só não se demonstra ter sido a demolição do prédio do R indiferente aos danos sofridos pelos AA como se conclui, no plano geral e abstracto, que aquela constituiu a causa adequada desses mesmos danos.
Posto isto, os danos sofridos pelos AA foram adequadamente causados pelo referido facto ao R imputável, sem que com este comportamento tenha concorrido qualquer outro facto ou acto externo, necessariamente imputável aos lesados ou a terceiro.

4. A indemnização.
O recorrente também não se conforma com a decisão recorrida, cuja amplitude diz ferir o princípio da reconstituição natural porque: (i) não poderia abarcar a obrigação de construção de um prédio novo, incluindo na parte que não ruiu, mas apenas a de repor o edifício no exacto estado em que se encontrava antes da derrocada, ainda que em desconformidade às legis artis; (ii) uma vez que não se demonstrou a existência do contrato de arrendamento em que os AA tinham fundado a sua pretensão à reparação dos danos decorrentes da privação do uso do seu prédio, não pode ser-lhes reconhecido o direito ao valor locativo mensal do mesmo; (iii) não poderão os AA reclamar o crédito referente à reparação dos danos decorrentes da privação do uso do prédio radicado na esfera dos seus antepossuidores, no período que, após a derrocada do mesmo, precedeu a sua aquisição pela A mulher, por doação dos seus pais de 12‑02‑2010, sem que, através desse negócio, tal crédito lhe tenha sido transmitido.
 
4.1. A construção de um prédio novo.
Como vimos, sobre este ponto, a Relação condenou o R a proceder à reconstrução a suas expensas do prédio dos AA, composto de rés-do-chão e primeiro andar, de acordo com projecto equivalente ao que se encontrava edificado, a aprovar pelas entidades competentes (…), de forma a que o mesmo passe a encontrar-se dotado de todos os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional.
Assim sendo, a leitura que o recorrente fez de tal segmento decisório não se nos afigura ser inteiramente descabida: a sua aparente literalidade consente a afirmação de que qualquer normal declaratário, colocado na posição dos destinatários da decisão, também entenderia que a mesma encerra a obrigação, não apenas de repor o edifício no exacto estado em que se encontrava antes da derrocada, mas a de construção de todo um prédio novo, incluindo na parte que não ruiu.
É certo que a análise da fundamentação da decisão permite atingir mais rigorosamente o alcance desta e concluir que, por certo, não foi essa a intenção dos Srs. Desembargadores, como, imediatamente, se retira dos seguintes trechos daquela:
«(…) De facto, percorrendo a petição inicial respectiva, [os AA] colocam sempre em alternativa a construção de um edifício de raiz ou a reconstrução do ainda existente
(…) Pensamos, pois, que tal qual o caso se apresenta, não há lugar a qualquer condenação em alternativa, mas sim à reposição natural.
(…) Porém, uma explicação se impõe, (…) a de que a reconstituição natural, nunca daria lugar no caso vertente ao que os autores pretendiam: o valor necessário à construção de uma edificação nova, mas apenas à reposição da situação anterior. Significa isto que os autores não podem ser ressarcidos, como considerado na sentença recorrida, tendo em conta o valor do que lhes custasse erguer uma nova edificação.
Por isso que, quanto ao pedido referido, formulado em I b) quando se refere “no estado de novo” tenha que entender-se tal referência como circunscrita à parte do imóvel que ruiu e, naturalmente, para que fiquem assegurados todas os requisitos legais e regulamentares vigentes para um prédio habitacional, às obras que tenham que ser realizadas para repor a parte que não ruiu em condições de habitabilidade, assim se julgando harmonizar o aludido princípio com o pedido formulado
Realmente, tal como se ponderou na fundamentação perfilhada pela Relação, o princípio geral da reconstituição natural, consagrado no nosso ordenamento jurídico, particularmente nos artigos 562º e 566º do CC, ajusta-se perfeitamente à factualidade assente. Mas é precisamente por isso que também entendemos que o segmento da decisão recorrida dedicado ao respectivo dispositivo carece de ser corrigido, de modo a expurgar a fonte do mencionado equívoco e a esclarecer que a obrigação que recai sobre o recorrente se cinge à reposição do prédio dos AA na situação anterior à sua derrocada.
É claro que essa obrigação não se poderá quedar pelo levantamento da parte do prédio que desabou, uma vez que a reposição do statu quo ante, com as condições de habitabilidade que o mesmo então dispunha, pressupõe a reparação de todas as sequelas provocadas por essa ruína parcial, quer directamente – no que se incluem todos os desmoronamentos, desprendimentos ou fendas causados na parte que não ruiu –, quer indirectamente, pela prolongada exposição da edificação arruinada aos efeitos do clima.
E, por outro lado, não é atendível a pretensão do recorrente de que sejam os tribunais a confinar a sua obrigação ao uso dos materiais e técnicas que, no antanho, teriam servido para erigir o edifício arruinado ([17]) – eventualmente, até mais dispendiosa do que o emprego de materiais e técnicas correntemente aconselhados – pela razão evidente que, cabendo a aprovação da obra de reposição/reconstrução que no caso se impõe a uma entidade administrativa, essa definição, em conformidade com as legis artis tidas por aplicáveis, apenas a esta compete, pelo menos, em primeira linha.
Por conseguinte, a pretensão recursiva acabada de apreciar procede apenas parcialmente.

4.2. O valor locativo mensal do prédio.
Mediante a alínea b) do dispositivo da decisão recorrida, o R foi condenado a pagar aos AA o montante a apurar em liquidação relativo ao valor locativo mensal do imóvel, no tempo em que estes não puderem usufruir plenamente do seu prédio.
Sustenta agora o recorrente que não pode ser reconhecido aos AA o direito a esse valor locativo porque não se demonstrou a existência do contrato de arrendamento em que os mesmos tinham fundado a sua pretensão à reparação dos danos decorrentes da privação do uso do seu imóvel. Acrescenta, ainda, que, por isso, embora o prédio dos AA se encontrasse habitado aquando da sua derrocada, nenhum proveito adviria para os AA se tal ocupação por terceiros derivasse de um comodato.
Vejamos.
O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização, a cargo do lesante, pela indisponibilidade forçada da fruição de um bem de que aquele é proprietário, na lógica do mencionado princípio da restauração in natura, é susceptível de ser concretizado através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem ([18]). Mas assim não é necessariamente, desde logo, por serem diferentes os valores do uso e da locação ([19]) e daí que o valor desta apenas deva ser adoptado como referência na determinação do valor do dano da privação do bem ([20]).
Como parece evidente, não colhe a objecção ventilada pelo recorrente assente na mera especulação de o prédio dos AA poder estar habitado no âmbito de um comodato. Na verdade, o proprietário, por gozar de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, é livre de exercer esses seus direitos pelo modo como lhe aprouver, independentemente de as contrapartidas ou frutos obtidos mediante tal exercício terem, ou não, natureza estrita e imediatamente material. Por isso, a privação do gozo dos direitos inerentes ao direito de propriedade deve ser, naturalmente, ressarcida,
Deste modo, encontrando-se acertada a existência de um dano indemnizável, sem que seja determinável o seu montante exacto, na fixação deste, se a impossibilidade de averiguação do respectivo valor real depender da falta de elementos, poderá optar-se por um dos mecanismos previstos no art. 609º, nº 2, do CPC (liquidação posterior) ou no art. 566º, nº 3, do CC (julgamento equitativo desse valor), consoante o juízo que, face às circunstâncias concretas, as instâncias possam formular sobre a maior ou menor probabilidade da futura determinação de tal valor.
No caso, a 2ª instância terá concluído pela probabilidade de se vir a fazer a prova do valor exacto do dano em sede de liquidação, uma vez que não fez prevalecer o recurso à equidade. Porém, desde logo, moldou o montante a apurar ao valor locativo mensal do imóvel.
Ora, como flui do que já expusemos, embora o valor da locação possa ser adoptado como (mera) referência na determinação do valor do dano derivado da privação do bem, não pode deixar de se considerar que um e outro desses valores não coincide necessariamente e que pode vir a constatar-se, na liquidação subsequente, serem os mesmos, no caso, bem diferentes.
 Nesta vertente e nessa estrita medida, procede o recurso.

4.3. A (não) transmissão do crédito crédito dos antepossuidores.
Como dissemos, o recorrente alega que os AA não são titulares do crédito que reclamam referente à reparação dos danos decorrentes da privação do uso do prédio, na parte em que o mesmo foi gerado na esfera jurídica dos seus antepossuidores, já que a aquisição da propriedade do prédio por parte dos AA não foi acompanhada da cessão desse crédito.
Objectam os recorridos com a “novidade” de tal questão. E com toda a razão: os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores – e não de alcançar decisões novas –, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso,
Ora, não ocorrendo em relação à questão apenas suscitada neste recurso de revista qualquer destas condições de excepção, mostra-se ser inviável conhecer da mesma.

*
Síntese conclusiva:

1. No nosso ordenamento jurídico, o exercício dos poderes dos proprietários de imóveis – entre os quais se incluem os de remodelação e ampliação de uma edificação, precedidas ou não da sua demolição (total ou parcial), ou os de escavação, desaterro e subsequente deposição de resíduos ou terras removidas – está condicionado, tanto pelas pertinentes regras urbanísticas ou de protecção do ambiente, como, primordialmente, pela necessidade de preservar, nas relações de vizinhança, o equilíbrio imobiliário existente, com a consideração das suas concretas circunstâncias.

2. Cada vez mais se acentua a evidência de que a situação de vizinhança de prédios implica limitações ao exercício do direito de propriedade – que não se quedam pelas explicitamente prevenidas no CC (como as previstas, p. ex., nas normas dos arts. 1346º a 1348º ou 1350º, ou as dos arts. 492º e 493º) – através da ponderação dos direitos conexos com essa relação de vizinhança, para fundar um direito à protecção do proprietário através da responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todas os actos ou omissões que provoquem uma ruptura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo.

3. Das normas consagradas nos arts. 4º, 128º, 129º, 135º e 138º do RGEU e art. 493º nº 1 do CC resulta a imposição de os donos dos prédios os manterem, permanentemente, em estado de não poderem constituir perigo para a segurança pública e dos seus ocupantes ou para a dos prédios vizinhos, bem como de adoptarem as precauções e as disposições necessárias para evitar qualquer acidente e danos materiais, tendo em atenção a natureza do terreno, as condições de trabalho e a localização da obra em relação aos prédios vizinhos, sendo interditos quaisquer processos de trabalho susceptíveis de comprometer esse desiderato, sob pena de responsabilidade pelos danos que a coisa imóvel causar.

4. A violação do condicionamento advindo de regras urbanísticas (ou ambientais) também pode ser considerada para o efeito previsto na 2ª parte do art. 483º nº 1 do CC (disposição legal destinada a proteger interesses alheios), quando, em face da respectiva interpretação, se constate que a norma em questão também visa proteger interesses particulares e não apenas beneficiá-los enquanto interessados no bem da colectividade.

5. A aferição global da causalidade adequada, não se referindo a um facto e ao dano isoladamente considerados, deve partir de um juízo de prognose posterior objectiva, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano.
6. A causa (adequada) pode ser, não necessariamente directa e imediata, mas indirecta, bastando que a acção causal desencadeie outra condição que, directamente, suscite o dano e não pressupôe a existência de uma causa ou condição exclusiva na produção do dano, no sentido de que a mesma tenha, só por si, determinado o dano, porquanto podem ter intervindo outros factos, contemporâneos ou não.
7. As relações de vizinhança e o facto de ter sido o R o causador da situação determinante do risco para a moradia dos AA, envolveriam da parte daquele o dever de agir no sentido da prevenção da ocorrência de danos, respeitando a situação de equilíbrio imobiliário, que, no seu exclusivo interesse e por sua inteira responsabilidade foi perturbado. Não o tendo feito, não só se demonstrou que esse seu comportamento reprovável não foi indiferente para os danos sofridos pelos AA como se conclui, no plano geral e abstracto, que ele constituiu a causa adequada desses mesmos danos, sem que a deficiente conservação do prédio dos AA atenue essa eficácia causal.
8. O reconhecimento ao lesado do direito a uma indemnização, a cargo do lesante, pela indisponibilidade forçada da fruição de um bem de que aquele é proprietário, na lógica do princípio da restauração in natura, é susceptível de ser concretizado através da obrigação do pagamento do valor correspondente à locação do bem, mas não necessariamente, porque, desde logo, são diferentes os valores do uso e da locação e daí que o valor desta apenas deva ser adoptado como referência na determinação do valor do dano da privação do bem.
9. Os recursos são meios de obter a reponderação das questões já anteriormente colocadas e a eventual reforma de decisões dos tribunais inferiores e não de alcançar decisões novas, só assim não acontecendo nos casos em que a lei determina o contrário, ou relativos a matéria indisponível, sujeita por isso a conhecimento oficioso.

*

Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista e, por consequência, em:
1º) alterando o dispositivo do acórdão recorrido, condenar o R a:
a) proceder à reconstrução a suas expensas do prédio dos AA, de modo a repô-lo nas condições de habitabilidade de que o mesmo dispunha, no seu todo, na situação anterior à sua derrocada (ocorrida em 8-07-2008) e em conformidade com as legis artis tidas por aplicáveis pela entidade administrativa competente para aprovar a obra a ser executada;
b) pagar aos AA o montante a apurar em liquidação, não superior ao valor mensal de € 1.100, para reparação dos danos equivalentes a todas as utilidades que o prédio dos AA deixou de proporcionar aos seus proprietários, por causa da sua derrocada;
2º) confirmar, no demais, o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente e pelos recorridos, nas proporções  de 4/5 e 1/5, respectivamente.


Lisboa, 25/10/2018


Alexandre Reis

Lima Gonçalves

Cabral Tavares


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[1] Ac. do STJ de 10/12/2015 (p. 1497/08.6TVLSB.S1).
[2] «Não é qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido, relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica por ele assumida para manter a decisão já tomada em 1.ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. Só poderia considerar-se existente uma fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1.ª instância – não preenchendo esse conceito normativo o mero esforço argumentativo levado a cabo pela Relação para fundamentar a mesma solução alcançada na sentença apelada» (Ac. do STJ de 9/7/2015 (p. 542/13.8T2AVR.C1.S1).
«A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação determina que sejam desconsideradas para o efeito as discrepâncias marginais ou secundárias que não constituem um enquadramento jurídico alternativo» (Ac. do STJ de 28-04-2014 (p. 473/10.3TBVRL.P1-A.S1).

[3] Como escreve Teixeira de Sousa (“Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pp. 220 e s), está em causa «o corolário do princípio da disponibilidade objectiva (artº 264º, nº 1 e 664º, 2ª parte) o que significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar todos os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecida a outras questões».
[4] V. Sumários dos Acórdãos do STJ de: 9-7-2015 (p. 45/2000.P1.S1); 28-5-2015 (p. 73/04.7TNLSB.L1-A.S1); 12-03-2015 (p. 52/2000.C1.S1); 31-3-2011 (p. 531/11.7TVLSB.L1.S1).
[5] V. Sumário do Acórdão do STJ de 1-2-2011 (p. 6845/07.3TBMTS.P1.S1).
[6] Utiliza-se aqui um conceito relativo de vizinhança, na explicação de Oliveira Ascensão (no artigo “A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança”, ROA, 67º, 2007, 5ss): «é vizinho o prédio cuja utilização pode entrar em conflito com a esfera reservada a outro titular imobiliário».
[7] No mesmo sentido, o (mais recente) acórdão de 14/2/2017 deste Colectivo (p. 528/09.7TCFUN.L2.S1), que aqui seguiremos de perto.
[8] O que também se teria de reconhecer com as regras de natureza ambiental.
[9] “Da Boa Fé no Direito Civil”, p. 831, nota 669.
[10] No já citado artigo.
[11] Para além dos acórdãos, já citados de 28-10-2008 e de 29-03-2012, v., entre outros, o de 8-07-2003 (p. 03A2112.
[12] Como sustentou o Prof. A. Varela (na RLJ 114º), discordando da fundamentação do Ac. do STJ de 26-03-1980, pub. in BMJ 295º/426 e o sumário também em www.dgsi.pt (P. 068443)], que assentara a responsabilidade por danos provocados no prédio vizinho no abuso do direito do proprietário que, ao demolir o seu prédio, actuara sem as necessárias precauções. Criticando a aplicação da figura do abuso do direito, mas afastando também a aplicação directa das normas legais reguladoras das relações da vizinhança, o Sr. Professor considerou ter perfeito cabimento, em face do direito português, o reconhecimento de que tais situações de conflito sejam reguladas pelo princípio geral do dever de prevenção do perigo, pois que «sobre cada um de nós recai o dever (geral) de não expor os outros a mais riscos ou perigos de dano que são, em princípio, inevitáveis». E acrescenta: «Algumas destas disposições [arts. 1347º e ss do CC] vão, sem dúvida, até ao ponto de imporem ao dono do prédio a obrigação de reparar os danos sofridos pelo proprietário vizinho, mesmo no caso de terem sido tomadas as medidas consideradas necessárias para os prevenir. Mas tal circunstância não obsta a que de todas elas resulte o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo proprietário ou pelas coisas ou animais que lhe pertencem. Nesse aspecto não repugna considerar tais disposições como simples afloramentos especiais dum princípio geral de recorte mais amplo, semelhante ao que tem sido aceite na jurisprudência e, em seguida, na doutrina germânica».
Já para Menezes Cordeiro (ob. cit. II, n° 76, IV), a resposta para uma tal situação deve ser encontrada nas regras sobre o abuso de direito, embora, como regista o citado acórdão de 29-03-2012, não deixe de referir que se trata de uma solução que acaba por ser sustentada num dever geral de prevenção cuja descoberta constitui, no seu entender, um «prenúncio feliz de um activar definitivo das potencialidades contidas no Código de 1966».
[13] Acórdão, já citado, de 29-03-2012.
[14] Relembramos que a 1ª instância fixara em 75% a responsabilidade do R na reparação da ruína do prédio dos AA, por considerar ser essa medida em que a demolição, imputável àquele, confluiu para tal resultado, no aludido contexto multifactorial.
[15] Acórdão desta Secção de 2-11-2010 (p. 2290/04.0TBBCL.G1.S1). V. ainda, a título de ex., os Acs. deste Tribunal de 3‑03‑2009 (p. 09A0009), de 27-01-2011 (p. 777/04.4TBALB.C1.S1), de 25-02-2014 (p. 5796/04.8TVLSB.L1.S1, in Sumários de Acórdãos de 2014) e de 24-11-2016 (p. 96/14.8TBSPS.C1.S1).
[16] Cit. in CC Anotado, de P. Lima e A. Varela, I, 4ª ed. p. 578.
[17] Diz o recorrente que as paredes de apoio eram de taipa.
[18] É o que defende Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, I, 12ª ed., 2015, Almedina, 301 e notas (739) e (740), para quem a avaliação se fará, naturalmente, pela consideração do valor locativo do bem.
[19] Cf. Maria da Graça Trigo, “Responsabilidade Civil, Temas Especiais”, Universidade Católica Portuguesa, 2015, 63 a 67.
[20] Cf. Paulo Mota Pinto, “Interesse Contratual Negativo e Interesse Contratual Positivo”, I, Coimbra Editora, 2008, 592.