Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5908/10.2TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: EXPLORAÇÃO DE PEDREIRAS
REMUNERAÇÃO
NORMA IMPERATIVA
Data do Acordão: 10/07/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / LEIS, SUA APLICAÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 9.º, 294.º, 405.º, N.º1.
D.L. N.º 227/82, DE 14-06.
D.L. N.º 270/2001, DE 06-10: - ARTIGO 14.º, N.º 1.
D.L. N.º 392/76, DE 25-05.
D.L. N.º 89/90, DE 16-03.
DEC. REGULAMENTAR N.º 71/82, DE 26-10.
Sumário :
I -As pedreiras encontram-se fora do domínio público do Estado, pertencendo ao domínio privado do proprietário da superfície, podendo, quando devidamente licenciadas para o efeito, ser objecto de exploração meramente particular para proveito do seu proprietário e do explorante.

II - O regime jurídico do contrato de cedência de exploração de pedreiras, estabelecido no DL n.º 270/2001, de 06-10, tem, pelo menos de forma geral, carácter imperativo, devido aos interesses públicos envolvidos em matéria de exploração de massas minerais-pedreiras, exploração essa com alto valor de exportação e directamente ligada ao aproveitamento de um recurso natural escasso, para além da sua ligação com aspectos ambientais importantes, nomeadamente com recuperação paisagística e ainda com razões de segurança relacionadas, além do mais, com eventual utilização de explosivos.

III - O art. 14.º, n.º 1, daquele diploma, nos termos do qual “a retribuição devida ao proprietário do prédio é fixada no contrato e consiste numa renda anual fixa, acrescida de uma retribuição variável, designada «matagem», segundo o volume de produção, salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes” não reveste natureza imperativa.
Decisão Texto Integral:

               Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

               Em 30 de Julho de 2010, AA, S.A., instaurou ação com processo ordinário contra BB, S.A., pedindo que fosse declarada a nulidade do contrato de exploração de pedreira celebrado entre ambas, e, caso assim não fosse entendido, que fosse declarada a resolução do referido contrato, e se condenasse a ré a pagar à autora a quantia que viesse a ser liquidada em execução de sentença a título de indemnização pelos danos por esta sofridos.

               Para tanto, alega, em síntese, que:

               A autora dedica-se à extração, transformação e comércio de rochas e é dona de uma pedreira de granito sita na ..., freguesia de ..., em ....

               Por escritura pública realizada em 26 de Fevereiro de 2004, celebrou com a ré um contrato de cedência da exploração da pedreira, tendo por objeto a exploração de granito e armazenamento da pedra extraída, nos termos que constam do doc. junto a fls. 23 e ss.

               Conforme consta do contrato (cf. cl. 4ª, n.º 1), a título de renda, as partes acordaram que a ré pagaria à autora a quantia mensal de € 2.083,33, durante o primeiro período de vigência do contrato, quantitativo que seria de € 520,03 no segundo quadriénio e de € 5,00 mensais a partir do último quadriénio.

               Mais acordaram que a retribuição variável ficava expressamente excluída (cl. 4ª, n.º 4).

               Acontece que, ao excluir a remuneração variável, o contrato viola o disposto no art.º 14° do DL n.º 270/2001, de 6 de Outubro, o que constitui nulidade.

               Para além de não ter sido prevista a remuneração variável, as quantias acordadas a título de renda fixa são claramente desproporcionadas face aos rendimentos resultantes da exploração da pedreira. Este desequilíbrio entre as prestações é também gerador da nulidade do contrato.

               Invoca, ainda, que a ré, sem autorização da autora, iniciou a exploração de brita na pedreira, o que se traduz numa clara violação do contrato.

               Em face disso, a autora - por carta de 18/6/2010 - interpelou a ré para, no prazo de 48 horas, suspender a extração de brita, o que, contudo, não sucedeu.

               Por conseguinte, a título subsidiário, pretende que se declare resolvido o contrato, com base em incumprimento “grave e reiterado”, imputável à ora ré.

               Esta contestou, tendo pedido a improcedência da acção e a condenação da autora como litigante de má fé.

               Após resposta da autora ao pedido de condenação por litigância de má fé, foi proferido despacho saneador que decidiu não haver exceções nem nulidades secundárias, ao que se seguiu a enumeração da matéria de facto considerada desde logo assente e a elaboração da base instrutória.

              Oportunamente teve lugar audiência de discussão e julgamento, tendo sido decidida a matéria de facto sujeita a instrução, e, apresentadas alegações de direito por ambas as partes, foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.

               Inconformada, apelou a autora, sem êxito, uma vez que a Relação negou provimento ao recurso e confirmou, referindo expressamente fazê-lo com diversa fundamentação, a sentença ali recorrida.

               Do acórdão de 18/02/2014, que assim decidiu, interpôs a autora a presente revista, formulando, em alegações, as seguintes conclusões:

               1 - Surgem as presentes alegações no âmbito de recurso de revista interposto do douto Acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a sentença de primeira instância, a qual absolveu a recorrida, considerando não se aplicar ao contrato de cedência de exploração de pedreira posto em crise nos presentes autos, a natureza obrigatória da forma de remuneração prevista no artigo 14º do DL n.º 270/2001, não declarando, em consequência, a nulidade do mesmo, decisão com que a recorrente se não pode conformar.

               2 - O douto Acórdão em recurso manteve e confirmou a decisão de primeira instância desatendendo a pretensão da recorrente no que respeita à arguida nulidade do contrato de cedência de exploração da pedreira em razão da forma como nele foi prevista a remuneração, assentando, contudo, em fundamentação essencialmente diferente.

               3 - Tal contrato foi celebrado em 26 de Fevereiro de 2004, nele se prevendo a exploração de granito e armazenamento da pedra extraída pela recorrida na Pedreira de Sta. ..., propriedade da recorrente, determinando que o prazo da concessão da exploração é de 4 anos, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo e estabelecendo, ainda, na cláusula 4ª, a forma de retribuição, que contempla uma renda fixa para o primeiro ano de vigência do contrato e para cada uma das renovações, excluindo expressamente qualquer retribuição variável.

               4 - O contrato cuja validade a recorrente questiona nos presentes autos encontra-se, face à data da sua celebração, sujeito ao regime jurídico consubstanciado no DL n.º 270/2001 que, no seu artigo 14º, n.º 1, expressamente prevê a composição da retribuição devida aos proprietários dos prédios cuja exploração é concedida, sendo a mesma constituída por uma parte fixa e uma parte variável, designada “matagem”, que tem em conta o volume da produção.

               5 - A questão que se pretende ver decidida por esse Venerando Tribunal consubstancia-se na interpretação do referido artigo 14º do DL n.º 270/2001 de 6 de Outubro, no sentido de determinar se os contratantes se encontram ou não adstritos a fixar obrigatoriamente uma retribuição variável nos contratos de exploração de pedreiras.

               6 - O referido Decreto-Lei n.º 270/2001 continha e contém o regime jurídico aplicável à revelação e aproveitamento de massas minerais, compreendendo a pesquisa e a exploração, nele se estabelecendo, no artigo 14º, n.º 1, que “a retribuição devida ao proprietário do prédio é fixada no contrato e consiste numa renda fixa, acrescida de uma retribuição variável, designada “matagem”, segundo o volume da produção, salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes”.

               7 - Indiscutível é, reconhecido aliás por ambas as decisões postas em crise, que o regime legal regulador da presente atividade assume caráter imperativo, em razão dos interesses públicos que se visou acautelar, questionando-se se pode ser afastada tal imperatividade na forma de fixar a composição da retribuição devida ao proprietário da pedreira.

               8 - Constituindo este o ponto de discórdia dos dois arestos em análise: enquanto a primeira instância considera que a forma de redação do preceito e a sua inserção num diploma de natureza imperativa implica a obrigatoriedade de a renda anual ser composta por uma parte fixa e outra variável, considera o acórdão recorrido que tal matéria se insere na disciplina dos contratos de exploração celebrados entre o proprietário do prédio e um terceiro, conferindo-se às partes uma ampla liberdade na fixação do seu conteúdo, permitindo-se, por isso, o afastamento da parte variável.

               9 - Perfilha a recorrente a tese interpretativa da primeira instância, afigurando-se-lhe que o afastamento da retribuição variável viola não só o espírito, como a própria letra da lei, uma vez que o legislador quis claramente assegurar ao proprietário da pedreira uma remuneração estreitamente ligada ao resultado da exploração, pretendendo compensar o cedente pelas consequências que advêm da exploração, designadamente o desgaste e o esgotamento da pedreira.

               10 - O facto de no artigo 14º do Decreto-Lei ter desaparecido a palavra “obrigatória” no que respeita à forma de remuneração, contrariamente ao que ocorria no que a esta matéria rege nos anteriores diplomas, não significa o afastamento do regime imperativo, uma vez que tal imperatividade está subjacente em todo o enquadramento legal disciplinador da atividade.

               11 - A ressalva contida no artigo 14º, n.º 1, in fine, “salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes”, não pode ser entendida, no entendimento da recorrente, como uma faculdade atribuída às partes de prescindirem da retribuição variável (matagem), mas sim como uma possibilidade, dada pelo legislador, de encontrarem uma outra forma de a calcular, não de dela poderem prescindir.

               12 - No caso sub iudice, as partes limitaram-se a eliminar ou excluir a retribuição variável e não curaram de estabelecer uma forma alternativa de fixar a mesma, realçando-se que a lei estabelece uma retribuição variável com base no volume da produção, sendo que o que permite é que a dita forma de retribuição possa assentar noutro critério, que deverá ficar expresso no contrato de forma clara e inequívoca, o que não sucedeu.

               13 - Não tendo as partes, no caso concreto, estabelecido qualquer forma alternativa de fixar a retribuição variável, limitando-se a exclui-la, fizeram-no ao arrepio da lei, sendo este o entendimento da douta sentença de primeira instância, que assume que “a forma de remuneração acordada no contrato dos autos viola o regime instituído naquele preceito legal, cuja natureza é imperativa.”

               14 - Vai, aliás, mais longe a referida sentença quando admite que, não obstante a nulidade de uma cláusula contratual poder, por vezes, ser suprida pela inserção automática da norma legal no conteúdo do contrato, tal não será possível no presente caso, em virtude das características da norma violada, que exigiria atividade autónoma das partes para o seu cumprimento, ou seja, teria de se verificar o acordo das partes para que, no contrato, fosse fixada a retribuição nos termos previstos na lei.

               15 - Sendo este o entendimento da mencionada sentença, não se alcança como não é retirado o efeito jurídico da nulidade da cláusula 4ª do contrato de exploração e que se consubstanciaria na declaração de nulidade do contrato.

               16 - Ao invés, sufraga o acórdão recorrido, tendo essencialmente em consideração a letra da lei nos sucessivos diplomas reguladores da atividade de exploração de pedreiras, a mais ampla liberdade contratual na fixação da forma de retribuição dos contratos de exploração, entendimento que a recorrente não pode perfilhar atenta a especificidade da atividade em questão.

               17 - Assim, afastar a natureza obrigatória da forma de remuneração prevista no artigo 14º do DL n.º 270/2001 é, na perspetiva da recorrente, incompatível com a preterição do regime jurídico imperativo previsto no referido diploma, não sendo possível defender que, faltando um dos elementos essenciais do contrato de exploração, o mesmo se mantenha porque as partes assim o entendem.

               18 - Em consequência, a nulidade da cláusula do contrato de exploração referente à fixação da remuneração, não contemplando a matagem, acarreta necessariamente a nulidade de tal contrato, tendo a declaração de nulidade do negócio efeito retroativo, devendo, nos termos do artigo 289º, n.º 1, do CC, ser restituído tudo o que tiver sido prestado.

               19 - Contudo, tendo as partes efetuado prestações com fundamento em contrato nulo, deve este ser valorado como relação contratual de facto, suscetível de enquadrar os efeitos em causa na dimensão de efeitos ex lege do acto praticado, pelo que, no domínio das relações obrigacionais duradouras, tudo se passará como se a nulidade do negócio jurídico operasse unicamente para o futuro (ex nunc).

               20 - Perfilhando a recorrente a teoria de que “o contrato nulo não é um nada jurídico, mas algo existente (embora de errada perfeição)”, não terá esta que devolver as prestações recebidas pela exploração da pedreira, assistindo-lhe a faculdade de as conservar em função do gozo da coisa proporcionada à recorrida.

               21 - Acresce que a nulidade pode ser acompanhada do dever de indemnizar por parte de um dos intervenientes no negócio pelo que, tendo o contrato em causa sido executado ao longo dos últimos 10 anos (2004 até ao presente) a falta de retribuição variável devida à recorrente leva a que esta possa exigir à recorrida uma indemnização correspondente ao valor respetivo a tal retribuição variável, calculado de acordo com os volumes de produção obtidos, e no qual esta deve ser condenada.

               22 - O contrato de exploração de pedreira em causa nos autos foi celebrado pelas partes ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 270/2001, que tem caráter imperativo atenta a prossecução de interesses públicos que visa assegurar e que contém o regime jurídico aplicável à revelação e aproveitamento de massas minerais, compreendendo a pesquisa e a exploração.

               23 - É um contrato nominado e típico, uma vez que não só lhe é atribuída pela lei uma denominação como o seu regime se encontra também tipificado, sendo que o regime jurídico do contrato de exploração, no que diz respeito à retribuição devida ao proprietário da pedreira que vai ser explorada, determina que a mesma deva ser fixada no contrato e consiste “numa renda anual fixa, acrescida de uma retribuição variável, designada “matagem”, segundo o volume da produção, salvo se outra forma for expressamente acordada entre as partes”.

               24 - Da análise do conteúdo do contrato dos autos e do respetivo confronto com as disposições legais aplicáveis do DL 270/2001, entende a recorrente que o mesmo enferma de vício suscetível de afetar a sua validade e eficácia, concretamente, a falta de consagração de uma retribuição variável, atento o disposto no artigo 14º, n.º 1, daquele diploma.

               25 - Entende a recorrente que o contrato de exploração não respeitou a norma transcrita, uma vez que da mesma resulta que a remuneração ou retribuição num contrato de exploração de uma pedreira deve compor-se de uma parte fixa (a renda) e de uma parte variável (a matagem).

               26 - Existindo violação contratual de uma regra legal de natureza imperativa a consequência só pode ser a nulidade, nos termos do artigo 294º do Código Civil, que deve ser declarada pelo Tribunal que da mesma pode conhecer, independentemente de ser arguida pelas partes, nos termos do artigo 286º do Código Civil, produzindo efeitos não apenas para futuro (ex nunc) como também para o passado (ex tunc).

               27 - Não obstante, no domínio das relações obrigacionais duradoras em curso de execução tudo se deverá passar como se a nulidade do negócio operasse apenas ex nunc.

               28 - Podendo a nulidade ser acompanhada do dever de indemnizar por parte de um dos intervenientes no negócio e tendo o contrato em causa sido executado ao longo dos últimos 10 anos, a falta de retribuição variável devida à recorrente leva a que esta tenha direito a uma indemnização correspondente ao valor respetivo a tal retribuição variável, calculado de acordo com os volumes de produção obtidos, de acordo com o que estipula o artigo 14º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 270/2001.

               29 - Pelo que violou o douto acórdão recorrido o artigo 14º, n.º 1, do DL 279/2001, e os artigos 286º e 294º do CC.

               Termina pedindo que seja revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que declare a nulidade do contrato de cedência de exploração de pedreira celebrado entre as partes e condene a recorrida no pagamento de uma indemnização à recorrente correspondente ao valor da retribuição variável não paga ao longo dos últimos 10 anos, a liquidar em execução de sentença.

               Em contra alegações, a recorrida, além de pugnar pela improcedência do recurso, suscitou a questão prévia da inadmissibilidade deste, questão essa que já se mostra decidida no sentido da admissibilidade.

               Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos declarados assentes pelas instâncias são os seguintes:

               1. Por escritura pública de exploração de pedreira, outorgada no dia 26 de Fevereiro de 2004 no Cartório Notarial de Estremoz, a autora declarou ceder, em regime de exploração nos termos do Decreto-Lei n.º 270/2001, de 6 de Outubro, e das cláusulas expressas em escritura, à sociedade CC - …, Lda., que declarou aceitar, os seguintes prédios:

               - pedreira de granito com a área de 49.000 m2, sita na ..., na freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, inscrito na matriz sob o n.º …;

               - prédio urbano, composto de rés-do-chão, destinado a instalações de apoio à pedreira, com a área de 98 m2, sito na ..., freguesia de ..., descrito na mesma Conservatória sob o número …, inscrito na matriz sob o n.º ….

               2. A referida sociedade CC foi objeto de uma alteração de denominação, tendo passado a designar-se por BB – …, S.A.

               3. Nos termos da escritura pública referida em 1. a A. cedeu à exploradora o direito exclusivo à realização de trabalhos de prospeção, pesquisa e exploração da referida pedreira de granito, titular da licença número 358.

               4. Nos termos da cláusula 2ª da aludida escritura, a concessão tem como objeto a exploração de granito e armazenamento de pedra extraída, bem como tudo o que se encontra na área objeto do referido contrato.

               5. Foi acordado entre as partes que o prazo da concessão é de 4 anos, com início em 26 de Fevereiro de 2004 e termo em 25 de Fevereiro de 2008, renovável por iguais e sucessivos períodos de tempo.

               6. No n.º 2 da cláusula 3ª da aludida escritura consta que: “A proprietária não goza do direito de denúncia do contrato, quer durante a fase de pesquisa, quer após esta, ou no das suas três primeiras renovações, de acordo com o número 2 do artigo 16° do dito Decreto-Lei.”

               7. Nos termos da cláusula 4ª do referido contrato, acordaram as partes em que a ora R. pagaria à A., a título de renda, a quantia mensal de € 2.803,33, durante o primeiro período de vigência do contrato, e que durante o período da primeira renovação contratual (quinto ao oitavo ano), a renda passaria a ser € 520,03 mensais, e ainda que, a partir da segunda renovação (nono ano), a renda seria reduzida para o montante de € 5,00 mensais.

               8. No n.º 4 da referida cláusula 4ª pode ler-se que “da contrapartida está excluída, expressamente, a retribuição variável designada por matagem”.

               9. Nos termos da cláusula 6ª do contrato, acordaram as partes que “A título de compensação por todas as construções e benfeitorias realizadas pela proprietária na pedreira e anexos, a exploradora pagará, nesta data, àquela, a quantia de cinquenta mil euros, de cujo recebimento dá a proprietária a respetiva quitação”.

               10. Nos termos da cláusula 8ª, n.º 1, do contrato, estabeleceram as partes que este poderia ser rescindido pela exploradora com fundamento em crise generalizada do mercado ou má qualidade do granito, constando do n.º 2 desta cláusula que se entenderá por crise generalizada do mercado, “a ocorrência durante dois anos consecutivos de uma quebra superior a cinquenta por cento nas vendas de granito, comparativamente ao ano de referência anterior”.

               11. A R. paga à A., neste momento, a quantia de € 520,03 mensais a título de renda.

               12. Na sequência da celebração do contrato de exploração, tomou a R. a posse dos terrenos referidos, tendo sido efetuada, com o expresso acordo da ora A., a transmissão da licença que se encontrava na titularidade da ora A. para a R.

               13. Por carta enviada à R., com data de 18 de Junho de 2010, cuja cópia consta de fls. 35 dos autos, a A. pretendeu resolver o contrato dos autos.

               14. A exploração de brita é feita com recurso a explosivos.

               15. Para além da área de 5ha, a ré ocupa uma parcela de terreno de dimensão não apurada, o que faz na sequência da autorização recebida da autora na ocasião da celebração do contrato.

               16. A autora e a ré celebraram o “contrato promessa de compra e venda de imóvel” junto com a contestação, através do qual a autora (1ª contraente) prometeu vender à ré (2ª outorgante), que prometeu comprar, pelo preço de € 25.000,00, os seguintes prédios:

               - Uma parcela de terreno com a área de 121.040 m2, destinada a indústria de granito;

               - Uma pedreira de granito com a área de 49.000 m2, integrada na parcela de terreno supra identificada, inscrita na matriz predial sob o artigo … e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número …, da freguesia de ...;

               - Um prédio urbano composto de rés do chão, destinado a instalações de apoio à pedreira, com a área de 98 m2, implantado no prédio urbano atrás descrito.

               17. Mais constou da cláusula 5ª desse contrato que:

               - A escritura pública de compra e venda será celebrada no prazo máximo de cinco anos.

               - O preço a pagar pela 2ª contraente à 1ª contraente na data da escritura pública de compra e venda será o resultante da diferença entre o montante estabelecido na cláusula 3ª do presente contrato (€ 25.000,00) e as quantias eventualmente pagas pela 2ª contraente, a título de rendas, durante o período da primeira renovação do contrato de exploração celebrado nesta mesma data.

               18. E constou da cláusula 6ª do mesmo contrato o seguinte:

               “A 1ª contraente é responsável e assumirá todos os encargos relativos aos imóveis objeto do presente contrato promessa, desde que vencidos ou exigíveis anteriormente à celebração da escritura do contrato de exploração supra referido, com expressa exclusão daqueles que resultem da ocupação acordada nos termos do referido contrato de exploração.”

               19. O negócio que foi acordado entre as partes foi feito sem pressões.

               20. Na sequência do contrato promessa antes referido, as partes pretendiam que a ré começasse desde logo a explorar a pedreira.

               21. Como a autora não tinha ainda registado o prédio a seu favor, nem o mesmo se encontrava desanexado do prédio mãe a que pertencia, a autora e a ré acordaram então num contrato de exploração da mesma pedreira, enquanto aquela procedia ao registo de aquisição a seu favor do prédio onde esta se incluía.

               22. A retribuição ajustada no contrato de exploração teve em conta todo o pressuposto e condicionalismo do negócio.

               ***

              Como se vê pela conclusão 5ª das alegações da recorrente, a questão única a decidir consiste em determinar da natureza imperativa ou não do disposto no art.º 14º, n.º 1, do Dec. – Lei n.º 270/2001, de 06/10, nos termos do qual “a retribuição devida ao proprietário do prédio é fixada no contrato e consiste numa renda anual fixa, acrescida de uma retribuição variável, designada «matagem», segundo o volume da produção, salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes”.

               Isto porque a sentença da 1ª instância considerou esse dispositivo como tendo natureza imperativa, o que, devido à exclusão no contrato em causa da parcela variável da remuneração, constituiria violação do mesmo dispositivo, determinando em princípio, face ao disposto no art.º 294º do Cód. Civil, a nulidade do contrato de cedência de exploração de pedreira em causa, só não tendo nessa decisão sido tal nulidade declarada porque foi considerado que se estava perante dois contratos interligados e intrinsecamente dependentes (o de cedência de exploração da pedreira e o contrato – promessa de compra e venda dos imóveis), atendendo ainda ao que foi estabelecido quanto ao pagamento da remuneração, naquele, e do preço, neste, o que segundo tal sentença implicaria que as razões determinantes da natureza obrigatória da parcela variável da remuneração não teriam aplicação na hipótese dos autos, sentido em que também apontavam as regras da boa fé; já o acórdão recorrido entendeu não ter o dito art.º 14º uma tal natureza por a lei deixar à liberdade das partes o estabelecimento de uma forma de remuneração como a fixada por estas, sem embargo do caráter imperativo do regime jurídico geral desse tipo de contrato.

               Entende-se com efeito que o regime jurídico do contrato em causa, de cedência de exploração de pedreira, estabelecido no citado Dec. – Lei n.º 270/2001, - que é o aplicável por o contrato em análise ter sido celebrado em 26 de Fevereiro de 2004 -, tem, pelo menos de forma geral, caráter imperativo, devido aos interesses públicos a que se alude no preâmbulo desse diploma, envolvidos em matéria de exploração de massas minerais-pedreiras, exploração essa com alto valor de exportação e diretamente ligada ao aproveitamento de um recurso natural escasso, para além da sua ligação com aspetos ambientais importantes, nomeadamente com recuperação paisagística e ainda com razões de segurança relacionadas, além do mais, com eventual utilização de explosivos. Trata-se, aliás, de interesses já revelados no preâmbulo de diploma anteriores regulamentadores da mesma matéria, caso do Dec. – Lei n.º 392/76, de 25/05, do Dec. – Lei n.º 227/82, de 14/06, do Dec. Regulamentar n.º 71/82, de 26/10, e do Dec. – Lei n.º 89/90, de 16/03, em que se nota claramente um objetivo forte de proteção dos interesses relacionados com o desenvolvimento da economia nacional.

              No entender da recorrente, a remuneração ao proprietário da pedreira tem obrigatoriamente de conter, além da parcela fixa, uma parcela variável, a matagem, calculada segundo o volume da produção a menos que as partes acordem expressamente noutra forma de cálculo, sendo esse, a seu ver, o significado da expressão contida na parte final do n.º 1 do dito art.º 14 (“salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes”). Para o acórdão recorrido, não é obrigatória a fixação da dita parcela variável, sendo supletiva a parte da norma desse n.º 1 do art.º 14º e sendo mesmo esse o sentido daquela transcrita expressão final.

              Ora, não se descortina nos dispositivos integrados nesses diplomas qualquer pretensão ou intenção de considerar de interesse público a salvaguarda dos interesses particulares das partes no contrato retirando-lhes a faculdade de defenderem, elas próprias, os seus interesses como entenderem melhor, apenas sem desrespeito pelas normas claramente destinadas à proteção dos aludidos interesses públicos respeitantes ao ambiente, à recuperação paisagística e ecológica, à segurança, ou à economia nacional, e não meramente particular.

              Acresce que, perante os critérios de interpretação da lei fixados no art.º 9º do Cód. Civil, e atendendo a que as pedreiras se encontram fora do domínio público do Estado, pertencendo ao domínio privado do proprietário da superfície (como já referia o art.º 3º, n.º 1, daquele Dec. – Lei n.º 227/82), e podendo, quando devidamente licenciadas para o efeito, ser objeto de exploração meramente particular para proveito do seu proprietário e do explorante, estes têm, por aplicação do princípio da liberdade contratual, nos termos do art.º 405º, n.º 1, do Cód. Civil, a faculdade de fixarem livremente o conteúdo dos contratos, embora dentro dos limites da lei. E, sendo tal princípio da liberdade contratual um princípio geral, essencial no nosso sistema jurídico, imperioso se torna, para ser derrogado, que a lei o faça clara e expressamente, o que aqui não sucede.

               É certo que, não exigindo os diplomas legais anteriores a fixação de uma parcela variável da remuneração ao proprietário, o mencionado Dec. Regulamentar n.º 71/82 (que regulamentou o Dec. – Lei n.º 227/82) dispôs no seu art.º 9º, n.º 1, que “a remuneração do proprietário será fixada no contrato e consistirá obrigatoriamente numa renda anual fixa, acrescida de uma remuneração variável – designada por matagem -, correspondente à quantidade de pedra extraída.” Estatuição essa que foi mantida no art.º 6º, n.º 1, do referido Dec. – Lei n.º 89/90, que estabelecia que “a retribuição devida ao proprietário do prédio é fixada no contrato e consiste obrigatoriamente numa renda anual fixa, acrescida de uma retribuição variável, designada por matagem, segundo o volume da produção, salvo se outra forma for expressamente aceite pelas partes.”

              Revogado, porém, esse diploma, pelo atual (Dec. – Lei n.º 270/2001, citado), constata-se que do seu art.º 14º, embora mantendo a expressão, referente à matagem, “segundo o volume da produção”, foi eliminada a expressão “obrigatoriamente”. E daqui só pode resultar que o legislador deixou de exigir que a remuneração fosse constituída por uma parcela fixa acompanhada por uma parcela variável, apenas indicando que, sendo fixada por vontade das partes uma parcela variável, o fosse em atenção ao volume da produção, ou seja, à quantidade da pedra extraída. Não possibilita, assim, a lei, a fixação da matagem com recurso a critério distinto do do volume da produção, o que possibilita é que a parcela variável seja fixada ou não, conforme as partes entendam, possibilitando a expressão “salvo se outra forma for expressamente acordada pelas partes” a fixação da remuneração por outra forma que porventura estas pretendam. Nem o facto de o regime jurídico em causa ser, em geral, imperativo, obsta a que na regulamentação do contrato sejam incluídas normas de natureza supletiva na parte em que estejam em questão interesses meramente particulares.

              Daí que se entenda não ocorrer fundamento para a anulação do contrato pretendida pela recorrente, o que impede a procedência da ação.

               ***                                        ***                                        ***

               Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

               Custas pela recorrente.

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                                     Lisboa,      7 de Outubro de 2014

Silva Salazar (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira