Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
17648/08.8TDPRT-J.P1-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
REJEIÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Inexistindo uma identidade de situações de facto que permita concluir pela existência, em concreto, de uma oposição de soluções de direito, não é possível afirmar a oposição de julgados para os efeitos do disposto no art. 437.º, n.º 2, do CPP, mesmo que se constate que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nas considerações que teceram na sua fundamentação, se pronunciaram sobre um tema de direito de modo dissonante.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo tribunal de Justiça



1. Relatório

Por acórdão proferido em 18.02.2012, no proc. n.º 17648/08..., do ... juízo do Tribunal Judicial de ..., o arguido AA foi condenado como autor de três crimes de falsificação de documento agravada, dois crimes de burla qualificada, um crime de falsificação de documento simples, e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos de prisão suspensa na execução por igual período, condicionada ao pagamento de indemnização.

Posteriormente, e ao que ora releva, veio a ser declarada extinta esta pena por prescrição, decisão de primeira instância confirmada por acórdão da Relação ......, de 14 de Julho de 2021, que julgou improcedente o recurso interposto pelas assistentes, desse despacho.

Por considerar existir uma situação de “oposição de julgados”, veio então o Sr. Procurador-Geral Adjunto junto da Relação … interpor o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, com os seguintes fundamentos:

“I – A questão a apreciar, para fixação de jurisprudência: saber se o prazo de prescrição de uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, deverá ser o fixado no art.º 122.º, n.º 1, al. d) do CPenal (de 4 anos), ou o prazo fixado no art.º 122.º, n.º 1, al. b) do CPenal (de 15 anos).

II – O Tribunal da Relação …., no Acórdão, proferido nos presentes autos em 14.07.2021, transitado em julgado, entendeu, designadamente, que;

Por acórdão transitado em julgado em 03.09.2013 (…) o arguido foi condenado na pena única de cinco anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, e sujeita ao pagamento, no prazo de um ano, da indemnização devida aos lesados, fixada no mesmo acórdão. (…).

A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, pelo que não se lhe aplicam as disposições das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal.

Inclui-se, por esse motivo, “nos restantes casos” previstos na alínea d) do mesmo dispositivo legal.

Com efeito, independentemente do período de suspensão da execução da pena de prisão fixado (entre um e cinco anos – cf. artigo 50º, nº 5 do Código Penal), o prazo de prescrição a aplicar a uma pena de prisão suspensa na sua execução é sempre de 4 anos (cf. artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal).

III – O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão, proferido, em 28.02.2018, no proc. 125/97.8IDSTB-A.S1, disponível em www.dgsi.pt, transitado em julgado, entendeu que;

- Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão) [3].

Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa [4].

Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.

IV - Analisados quer o Acórdão ora recorrido, proferido pelo Tribunal da Relação …, em 14.07.2021 (processo 17648/08....) quer o Acórdão fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 28.02.2018, no proc. 125/97.8IDSTB-A.S1, constata-se que as disposições do artigo 122.º do CP foram interpretadas e aplicadas em termos divergentes, com decisões opostas.

V - Importa reter, que o Acórdão STJ, datado de 28.02.2018, proc. 125/97.8IDSTB, acima referido, traz-nos uma leitura diferente, sobre a questão da determinação do prazo de prescrição das penas suspensas, daquela que vem sendo feita pela generalidade da jurisprudência, designadamente de Segunda Instância, leitura que, não sendo nova, agora claramente afronta o entendimento, cremos que, ainda maioritário sobre a matéria.

VI - A aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade – art.º 40.º do CP, e, a determinação da medida da pena, é feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção – art.º 71.º, n.º 1, do CP.

VII - Na determinação da medida concreta da pena o Tribunal define o quanto da pena necessário para assegurar as finalidades da pena – a proteção de bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

VIII - Para penas de medida igual ou superior a 5 anos de prisão, o legislador definiu como prazo de prescrição o período de 15 anos (art.º 122.º, n.º 1, al. b), do CP).

IX - Pelo que, só o decurso desse prazo de 15 anos, e ressalvando o prazo de suspensão, faz com que a execução não tenha sentido, porque o facto deixou de carecer de punição (cfr. o Ac. do STJ 12/2013, DR I S, de 16/10/2013, no qual se refere; as penas principais são as diretamente aplicáveis, as únicas que podem por si sós constar das normas incriminatórias, as que são expressa e individualizadamente previstas para sancionamento dos tipos de crimes).

X - Deverá entender-se que a norma do art.º 122.º do CP, é unicamente aplicável “(…) nos casos restantes”, isto é, em todos aqueles casos em que a pena imposta é de medida inferior às previstas nas alíneas b) e c), do art.º 122.º do CP.

XI - 15 - O entendimento de que que a prescrição das penas de prisão, de medida igual ou superior a 2 anos, suspensas na sua execução, ocorre, sempre, decorridos que sejam 4 anos, por aplicação do disposto no art.º 122.º, n.º 1, al. d), independentemente da medida da pena de prisão, concretamente imposta, e suspensa, VIOLA o disposto nos art.º 40.º, 71.º e 122.º, n.º 1, al.s b) e c), todos, do CP, pois não assegura a proteção dos bens jurídicos violados nem as exigências de prevenção.

XII - O decurso do período de 4 anos, nos casos de condenações em penas de prisão de medida igual ou superior a 2 anos, embora suspensas na sua execução, não torna a execução sem sentido, nem o facto deixou de carecer de punição, porque na determinação da pena concreta o Tribunal considerou, que a medida da culpa do arguido e as exigências de prevenção e de reintegração do arguido na sociedade, impunham uma pena principal de medida, igual ou superior a 2 anos de prisão, consequentemente superior às consideradas na al. d), do art.º 122.º do CP.

XIII - Se na determinação da medida concreta da pena se deve atender às exigências de prevenção e de reintegração do arguido na sociedade, servindo a culpa do arguido como limite inultrapassável da medida da pena, terá de considerar-se que são essas exigências, de prevenção e de reintegração do arguido na sociedade, que fundaram a medida concreta da pena, de cinco anos de prisão, em que o arguido, destes autos, foi condenado.

XIV – Porquanto “a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos” violados.

XV - “Quando se afirma que é função do direito penal tutelar bens jurídicos não se tem em vista só o momento da ameaça da pena, mas também – e de maneira igualmente essencial – o momento da sua aplicação. Aqui, pois, proteção de bens jurídicos assume um significado prospetivo, que se traduz na tutela da expectativa da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da  necessidade de pena que o art.º 18.º-2 da CRP iniludivelmente consagra” (Figueiredo Dias).

XVI - A tutela dos bens jurídicos violados só é garantida se o prazo de prescrição das penas for referido à medida concreta da pena aplicada ao crime na sentença condenatória.

XVII - Tendo sido fixada a pena de cinco anos de prisão, embora suspensa, teremos de concluir que o prazo de prescrição da referida pena será de 15 anos, nos termos fixados art.º 122.º, n.º 1, al b), do CP.

XIII - “(…) o texto legal se torna carente de interpretação (…), oferecendo as palavras que o compõem, segundo o seu sentido comum e literal, um quadro (e portanto uma pluralidade) de significações dentro do qual o aplicador da lei se pode mover e pode optar sem ultrapassar os limites legítimos da interpretação”. “decisivo será assim, por outro lado, que a interpretação seja teleologicamente comandada, isto é, em definitivo determinada à luz do fim almejado pela norma; e por outro que seja ela funcionalmente justificada, quer dizer adequada à função que o conceito (e, em definitivo, a regulamentação) assume no sistema” (Figueiredo Dias).

XIX - “a interpretação não deve cingir-se à letra mas reconstituir a partir dela o “pensamento legislativo”. (…). “A letra (…) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite nos termos do art.º 9.º, n.º 2”, do CC (Batista Machado).

XX - “a compreensão finalística da lei, ou seja, a interpretação teleológica veio se afirmando (…) o fim (…) é visto antes como o sentido do valor reconhecido racionalmente enquanto motivo determinante da ação. Fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atualização o legislador teve me vista garantir, armando-o de sanções, assim como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor” (Miguel Reale) que realça os seguintes pontos essenciais: “a) toda a interpretação jurídica é de natureza teleológica (finalística) fundada na consciência axiológica (valorativa) do Direito; b) toda a interpretação jurídica dá-se numa estrutura de significações, e não de forma isolada; c) cada preceito significa algo situado no todo do ordenamento jurídico”.

XXI - A interpretação “só atingiu o seu objetivo quando, por seu intermédio, se encontrou uma decisão que satisfaz as exigências gerais da ordem jurídica – justiça, igual medida das decisões, adequação à “natureza das coisas” ou à relação da vida, preservação do interesse valorado como preponderante pela ordem jurídica, conformidade com a constituição. O interprete deve desde o princípio não perder de vista este objetivo. Deve pois corrigir o seu entendimento provisório da norma, se conduz a uma decisão que é evidentemente injusta, absurda ou incompatível com o princípios axiológicos primaciais” (Karl Larenz).

XXII - Na interpretação da lei, embora a letra constitua limite das interpretações possíveis, deverá o interprete escolher aquela que “satisfaz as exigências gerais da ordem jurídica – justiça, igual medida das decisões, adequação à natureza das coisas ou à relação da vida, preservação do interesse valorado como preponderante pela ordem jurídica, conformidade com a constituição”.

XXIII - A interpretação da norma do art.º 122.º, n.º 1, al. d), do CP, defendida no Acórdão fundamento, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, em 28.02.2018, proc. 125/97.8IDSTB-A.S1, é aquela que se nos afigura mais consentânea, não só com o texto legal (a al. d), do n.º 1 do art.º 122.º do CP, refere-se aos “casos restantes”, o que permite excluir todas as penas de prisão de medida igual ou superior a 2 anos, previstos nas restantes alíneas) como também é aquela que melhor responde e consagra as finalidades das penas (art.º 40.º do CP), quer seja a proteção de bens jurídicos, quer seja a reintegração do agente na sociedade.

Consequentemente;

Deve ser julgado procedente o presente recurso para fixação de jurisprudência, reconhecendo-se a existência de contradição de julgados entre os acórdãos Recorrido e Fundamento quanto à questão fundamental de direito indicada, determinando-se como correta a orientação adotada pelo Acórdão Fundamento e, consequentemente, a anulação do acórdão recorrido, pelas razões aduzidas, procedendo-se ao reenvio dos autos ao Tribunal da Relação para revisão da decisão recorrida em conformidade com a jurisprudência que for fixada, nos termos e em cumprimento dos artigos 441.º e 445.º do CPP.”

Só as assistentes responderam ao recurso, acompanhando a posição do Ministério Público recorrente.

Neste Supremo Tribunal, a Sra. Procuradora-Geral Adjunta, em cumprimento do art. 440.º, n.º 1, 1.ª parte, do CPP, pronunciou-se desenvolvidamente nos seguintes termos:

“ (…)   3- Como decorre do disposto nos artigos 439º, nº 1, 441º, nº 1 e 442º, n.º 1, todos do CPP, a pronúncia neste momento processual deve incidir apenas sobre os pressupostos processuais comuns aos recursos ordinários – tais como a competência, legitimidade, tempestividade, regime e efeito – e sobre os pressupostos próprios deste recurso extraordinário – a efectiva oposição de soluções sobre a mesma questão de direito, em acórdão anterior. 


4- O art. 437, do CPP, dispõe que: “1- Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2- É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça.”

Por sua vez, o art. 438, nº 1, do mesmo diploma, estabelece que o recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

5 - Assim, quanto aos pressupostos processuais comuns, afigura-se-nos que não se suscitam quaisquer questões que obstem ao conhecimento do recurso, quer no que respeita à legitimidade do recorrente quer quanto à tempestividade do recurso, sendo que, nos termos do art.º 438º, n.º 3 do CPP, o recurso não tem efeito suspensivo e sobe nos termos indicados no art.º 439º n.º 2, do citado código.

Afigura-se-nos, todavia, que o mesmo não ocorre quanto ao pressuposto próprio do recurso extraordinário, isto é, quanto ao pressuposto substantivo – a efectiva oposição de julgados, que entendemos não se verificar.

6 - O recorrente argumenta que nos acórdãos recorrido e fundamento “as disposições do artigo 122.º do CP foram interpretadas e aplicadas em termos divergentes, com decisões opostas” e a final pede se reconheça a “existência de contradição de julgados entre os acórdãos Recorrido e Fundamento quanto à questão fundamental de direito indicada” – “saber se o prazo de prescrição de uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, deverá ser o fixado no art.º 122.º, n.º 1, al. d) do CPenal (de 4 anos), ou o prazo fixado no art.º 122.º, n.º 1, al. b) do CPenal (de 15 anos)” .


7 - Mas afigura-se-nos que num e noutro processo a decisão não incidiu sobre a resolução da «mesma» questão de direito.

É que embora, em termos genéricos, esteja em causa em ambos os arestos o prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na respectiva execução, a questão concreta que se coloca é diferente em cada um dos processos, porque diferente é a situação de facto subjacente.

Assim, ao acórdão recorrido subjaz a situação seguinte:

- por acórdão transitado em julgado em 03.09.2013, o arguido foi condenado na pena única de cinco anos de prisão suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e ao pagamento, no prazo de um ano, da indemnização devida aos lesados, fixada no mesmo acórdão;

- por despacho de 28/06/2019, foi determinada a prorrogação, por 2 anos e 6 meses, do prazo de suspensão de execução daquela pena;

- em 28/01/2021, foi proferida decisão que declarou aquela pena extinta por prescrição;

- desta decisão recorreram as assistentes para o Tribunal da Relação do Porto, que,

- por acórdão de 14/07/2021, julgou o recurso improcedente.

Nesse acórdão, o acórdão recorrido, considerou-se o seguinte:

 - “Para a apreciação da questão em apreço, importa lembrar que a suspensão da execução da pena de prisão constitui uma pena autónoma, uma pena de substituição, não privativa da liberdade, aplicada em medida nunca inferior a 1 ano e não superior a 5 anos (cfr. artigo 50º do Código Penal).”

  …

 “Esta ponderação da autonomia da pena de substituição revela-se fundamental para a determinação dos prazos de prescrição das penas.

O artigo 122º do Código Penal (sob a epígrafe “Prazos de prescrição das penas”), no seu nº 1, alínea b) estabelece como prazo de prescrição das penas de prisão iguais ou superiores a 5 anos, o de 15 anos; e, nos restantes casos, o prazo de prescrição das penas encontra-se fixado em 4 anos – cf. alínea d) do preceito referido.

A pena de suspensão da execução da prisão não é uma pena de prisão, pelo que não se lhe aplicam as disposições das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 122º do Código Penal. Inclui-se, por esse motivo, “nos restantes casos” previstos na alínea d) do mesmo dispositivo legal.

Com efeito, independentemente do período de suspensão da execução da pena de prisão fixado (entre um e cinco anos – cf. artigo 50º, nº 5 do Código Penal), o prazo de prescrição a aplicar a uma pena de prisão suspensa na sua execução é sempre de 4 anos (cf. Artigo 122º, nº 1, alínea d), do Código Penal).”


“Assim, do acima exposto, decorre que a pena principal aplicada ao arguido (5 anos de prisão) prescreve no prazo de 15 anos, enquanto a prescrição da pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão, em face da sua autonomia, ocorre com o decurso do prazo de 4 anos.

Contudo, a prescrição da pena principal aplicada só se coloca após o trânsito em julgado do despacho que revogar a pena de substituição, nos termos do artigo 56º do Código Penal, pois só nessa altura se pode considerar a sua verdadeira exequibilidade.”


“Nos termos do disposto no artigo 122º, nº 2 do Código Penal “O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena.”

No caso em apreço, a decisão condenatória respetiva transitou em julgado em 3 de setembro de 2013.

O prazo de prescrição da pena de substituição, pelas razões expendidas, é de 4 (quatro) anos, contados a partir desta data do trânsito, sem prejuízo, contudo das causas de suspensão e de interrupção estabelecidas nos artigos 125º e 126º do Código Penal.

Ou seja, a contagem do prazo de prescrição de quatro anos iniciou-se em 3 de setembro de 2013, cumprindo averiguar da existência de alguma causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena.

O artigo 125º do Código Penal, que prevê os casos de suspensão da prescrição, estabelece o seguinte:

“1. A prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar;

b) Vigorar a declaração de contumácia;

c) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou

d) Perdurar a dilação do pagamento da multa.

2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão”.

O artigo 126º, por sua vez, sobre a interrupção da prescrição, determina:

“1. A prescrição da pena e da medida de segurança interrompe-se:

a) Com a sua execução; ou

b) Com a declaração de contumácia.

2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.

3. A prescrição da pena e da medida de segurança tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade”.


“Nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 126º do Código Penal constitui causa de interrupção da prescrição da pena a sua execução, o que, no caso de penas suspensas, se traduz no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão. E de acordo com o nº 2 do mesmo preceito, depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição. O que significa que a pena suspensa prescreve decorridos 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado e o eventual período de prorrogação, sem que a suspensão tenha sido revogada ou a pena tenha sido extinta nos termos do artigo 57º, nºs 1 e 2 do Código Penal.

No caso em análise, a decisão que aplicou a pena suspensa transitou em julgado em 3 de setembro de 2013 e o prazo de prescrição iniciou-se na mesma data, conforme já referimos, mas foi logo, também nessa data, interrompido, nos termos do artigo 126º, nº 1, alínea a) do Código Penal, visto que, iniciando-se com aquele trânsito o período de suspensão da pena, deve considerar-se esse momento como aquele em que começa a execução da pena suspensa.

A pena de suspensão esteve em execução durante cinco anos, período durante o qual a prescrição da pena se interrompeu, ou seja, desde 3.9.2013 até 3.9.2018 não se contabilizou o prazo de prescrição da pena. Posteriormente, a suspensão foi prorrogada por mais 2 anos e 6 meses, porém, não era já admissível a prorrogação por força do disposto no artigo 55º, alínea d), do Código Penal, por isso, findo o prazo inicial da suspensão da pena iniciou-se novo prazo de prescrição, nos termos do artigo 126.º, n.º2, do Código Penal.

Não ocorreu causa de suspensão da prescrição. Nem outras causas de interrupção.

Assim, contabilizado o novo prazo de prescrição iniciado após a interrupção, o mesmo prazo completar-se-ia em 3.9.2022.

Sucede que antes de se atingir o fim do novo prazo completou-se o prazo máximo de prescrição que decorre da aplicação do nº 3 do artigo 126º do Código Penal.

De facto, a prescrição temporal em termos absolutos cominada no nº 3 do artigo 126º do Código Penal tem como pressuposto a relevância do tempo de suspensão do prazo de contagem (“ressalvado o tempo de suspensão”), mas não do tempo de interrupção do prazo de contagem da pena.

Assim, tendo em conta que no caso em apreço apenas existe uma causa de interrupção, mas já não de suspensão da contagem do prazo, sendo de 4 anos aquele prazo de prescrição (a contar da data do trânsito em julgado da decisão condenatória, ou seja, 03.09.2013), acrescido de metade (no total de 6 anos), nos termos do disposto no nº 3 do citado artigo 126º do Código Penal, consideramos que a pena aplicada ao arguido no âmbito dos presentes autos se encontra prescrita desde 03.09.2019 (03.09.2013+6 anos) – antes do decurso do prazo de 4 anos após a data em que terminou o prazo de suspensão da execução da pena de prisão”


“Com efeito, encontra-se extinta, por prescrição, a pena de substituição imposta ao arguido, encontrando-se igualmente extinta a respetiva responsabilidade criminal, pois que não é possível executar a pena principal, por não ter sido revogada a pena de suspensão da execução da pena (pena de substituição), mediante decisão transitada em julgado, nos termos do n.º 2 do artigo 56.º do Código Penal”.

8 - Por sua vez, o acórdão fundamento foi proferido no âmbito de uma providência de Habeas Corpus, com fundamento em prisão ilegal.

Estava em causa a detenção do arguido requerente, em 20/12/2017, para cumprimento da pena, que considerava prescrita, resultante da condenação, por decisão transitada em julgado a 6/01/2004, na pena única de 3 anos de prisão suspensa na respectiva execução por 4 anos, cuja suspensão havia sido revogada por decisão de 23/08/2007, por isso anterior ao decurso do prazo de suspensão, mas que apenas transitara em julgado em 29/06/2010, porque só em 9/06/2010 foi possível notificar o arguido dessa decisão de revogação.

Consignou-se nesse acórdão o seguinte:

- … “também parece ser consensual que o prazo de prescrição da pena principal só começa a correr com o trânsito em julgado da decisão de revogação da suspensão da execução da pena (v. n.º 2 do art. 122.º CP).

Já menos consensual parece ser o do prazo de prescrição das penas de prisão suspensas na sua execução.

A pena de suspensão da execução da pena de prisão [1] é uma pena de substituição [2], sendo estas actualmente configuradas como verdadeiras penas autónomas (Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, 1993, pág. 329).

A pena de suspensão da execução da pena de prisão, como pena de substituição, pode terminar pelo seu cumprimento após o decurso do prazo (art. 57.º do CP) ou pode terminar por força da sua revogação (art. 56.º do CP).

Uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída.”

E acrescenta:

“Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão) [3].

Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa [4].

Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.

Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se, como vimos atrás, para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada.

Conforme se escreve no Ac. STJ de 6/4/2016, Proc. 135/04.0IDAVR-C.S1, Rel. Santos Cabral «I - A partir do momento em que a suspensão da execução da pena de prisão foi revogada, e atempadamente, a pena que o arguido passou a ter que cumprir é a pena de prisão em que foi condenado. II - A partir do trânsito em julgado do despacho que operou essa revogação, a prescrição da pena a atender é a prescrição da pena de prisão pois que é a única em relação à qual se pode colocar, nessa altura, a questão da respectiva execução e não perante a pena cominada na primitiva sentença condenatória, de suspensão de execução da pena de prisão, a qual se encontra revogada.» [5].

A partir do momento em que a pena de substituição (suspensão da execução da pena de prisão) é revogada, através de decisão transitada, estamos perante uma pena de prisão a enquadrar, consoante a sua moldura, numa das alíneas do art. 122.º, n.º 1 do CP [6].

E a revogação implica o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença (art. 56.º, n.º 2 CP) sem qualquer desconto [7].

Durante o prazo da pena de suspensão (pode ir de 1 a 5 anos), o decurso da prescrição fica suspenso. Só começa a correr com o trânsito da decisão que aplicar a pena (n.º 2 do art. 122.º do CP).

O ponto fulcral a atender é o do momento do trânsito em julgado do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.”

E conclui:

“No caso dos autos, dado que a pena de prisão, inicialmente suspensa na sua execução, é de 3 anos, o prazo de prescrição é de 10 anos (art. 122.º, n.º 1, alínea c) do CP).

Assim, quer se conte o prazo de prescrição desde 6/1/2008 (data do termo do prazo de suspensão da execução da pena) até 29/6/2010 (data do trânsito da decisão revogatória da suspensão) (2 anos, 5 meses e 23 dias), e desde 29/6/2010 até 20/12/2017 (data em que o arguido foi detido) (7 anos 5 meses e 22 dias), o que perfaz 9 anos 11 meses e 15 dias, quer se entenda que se deve contar apenas a partir do trânsito da decisão revogatória (29/6/2010) até à data da detenção (20/12/2017), é manifesto que o prazo de 10 anos ainda se não havia esgotado aquando da prisão do requerente”.

9 - Como se vê dos segmentos transcritos, não há qualquer conflitualidade entre o decidido num e noutro acórdão, porque a situação subjacente a um e outro é diversa.      No acórdão fundamento estava em causa a prescrição da pena principal – a pena de 3 anos de prisão, dado que a suspensão da execução da pena havia sido revogada e no acórdão recorrido estava em causa a prescrição da pena de substituição.

É certo que no acórdão fundamento se diz que:

“Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão)”.

“Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa [4].

Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.”

 Mas este segmento do acórdão, não constitui qualquer decisão, nem sequer é um argumento a favor da decisão que a final foi tomada, dado que, a decisão não incide sobre a questão da prescrição da pena suspensa. É apenas um comentário, uma opinião face à pretensão do requerente para que fosse considerado o prazo de prescrição previsto na al. d) do art. 122, do Código Penal, apesar de a suspensão da execução da pena ter sido revogada.

10 - Como se sumariou no acórdão deste Supremo Tribunal de 2/10/2008 , o “recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, como é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, exige a verificação de oposição relevante de acórdãos que impõe que: (I) - as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito; (II) - que as decisões em oposição sejam expressas; (III) - que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.

2. A expressão «soluções opostas», pressupõe que nos dois acórdãos seja idêntica a situação de facto, em ambos havendo expressa resolução de direito e que a oposição respeita às decisões e não aos fundamentos, se nas decisões em confronto se consideraram idênticos factores, mas é diferente a situação de facto de cada caso, não se pode afirmar a existência de oposição de acórdãos para os efeitos do n.º 1 do art. 437.º do CPP”.

E no acórdão deste Supremo Tribunal de 9/01/2019 :

“I - O pressuposto da identidade fáctica tem vindo a ser exigido, de forma unânime pela jurisprudência do STJ para que se verifique a existência de oposição de julgados. Importa, pois, que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes para poder desencadear a aplicação das mesmas normas e relevar na definição da oposição das soluções encontradas.

II - A exigência de uma identidade das situações de facto nos dois acórdãos em conflito decorre de só com ela ser possível estabelecer uma comparação que permita concluir que, relativamente à mesma questão de direito, existem «soluções opostas», como pressupõe o nº 1 do art. 437º do CPP.”

Do mesmo modo no acórdão deste Supremo Tribunal de 23/01/2020, em que se consignou o seguinte:

“… o Supremo Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que a existência de decisões antagónicas pressupõe, para além de julgados expressos, a identidade de situações de facto base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes”;

“… a oposição de julgados pressupõe decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, sendo que a decisão da questão de direito não pode ser desligada do substracto factual sobre a qual incide”.

E conclui: “… a viabilidade do recurso de fixação de jurisprudência pressupõe que estejam em causa soluções de direito dadas a situações de facto idênticas”.

Mas, as decisões conflituantes têm também que ser expressas. Neste sentido se tem pronunciado este Supremo Tribunal, como se refere nos acórdãos citados e se reafirmou no acórdão de 6/01/2021 , em que se sumariou, o seguinte:

“I -   A exigência de oposição de julgados, de que não se pode prescindir na verificação dos pressupostos legais de admissão do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, nos termos do art. 437.º, n.º 1, do CPP, é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

II - A estes requisitos legais, o STJ, de forma pacífica, aditou a incontornável necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito.

III - Sendo o recurso de fixação de jurisprudência um recurso extraordinário e, por isso, excepcional, é entendimento comum do STJ que a interpretação das regras jurídicas disciplinadoras de tal recurso, deve fazer-se com as restrições e o rigor inerentes (ou exigidas) por essa excepcionalidade.

IV - A oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário.” 

11 - No caso dos autos, os acórdãos recorrido e fundamento não preconizaram uma solução oposta sobre a mesma questão de direito, chegaram a conclusões diversas quanto ao decurso do prazo prescricional da pena num e noutro processo, porque a concreta situação fáctica num e noutro caso era diversa.

Por outro lado, o segmento do acórdão fundamento indicado pelo Magistrado recorrente para demonstrar a oposição de julgados não constitui uma decisão, mas apenas uma afirmação proferida no contexto da desconstrução das razões aduzidas pelo requerente da providência de Habeas Corpus no sentido de demonstrar que a pena que cumpria estava prescrita e por isso era ilegal. E como resulta dos acórdãos atrás citados e constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, a oposição de julgados afere-se relativamente a decisões, expressas e principais, e não a quaisquer afirmações ou argumentos.  

Em conformidade com o exposto, consideramos não estar preenchido o pressuposto substantivo de oposição de julgados, previsto no artigo 437, nº 1, do CPP, pelo que somos de parecer que o recurso deve ser rejeitado, nos termos do disposto nos artigos 440, n.ºs 3 e 4 e 441, n.º 1, do Código de Processo Penal.”

Teve lugar a conferência.

                                                               

2. Fundamentação

O recurso de fixação de jurisprudência encontra-se previsto no Capítulo I, do Título II, do Livro XIX, do CPP, e os arts 437.º (Fundamento do recurso) e 438.º (Interposição e efeito) disciplinam os requisitos de natureza formal e de natureza substancial para a admissibilidade deste recurso extraordinário.

De acordo com os preceitos legais nomeados, os requisitos formais do recurso de fixação de jurisprudência consistem na legitimidade do recorrente, na interposição no prazo de trinta dias a contar do trânsito em julgado do acórdão recorrido, na identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição (acórdão fundamento, com menção da sua publicação se estiver publicado), no trânsito em julgado também do acórdão fundamento.

Os requisitos substanciais consistem na existência de dois acórdãos que respeitem à mesma questão de direito e sejam proferidos no domínio da mesma legislação (sem ocorrência de alteração no texto da lei que regula a situação controvertida) e que assentem em soluções de sinal contrário sobre essa mesma questão de direito.

Relativamente ao requisito da oposição entre soluções de direito, o Supremo Tribunal de Justiça consolidou jurisprudência no sentido de que essa oposição tem de definir-se a partir de uma identidade de facto, de uma situação de homologia encontrada nas situações de facto apreciadas nos dois acórdãos em observação

Assim, entre muitos, considerou-se no acórdão do STJ de 28/10/2020 (Rel. Augusto Matos), que “a oposição relevante de acórdãos ocorrerá quando existam nas decisões em confronto soluções de direito antagónicas e, não apenas, contraposição de fundamentos ou de afirmações, soluções de direito expressas e não implícitas, soluções jurídicas tomadas a título principal e não secundário”. E “ao mesmo tempo, as soluções de direito devem reportar-se a uma mesma questão fundamental de direito”.

Reiterou-se também no recente acórdão do STJ de 21.04.2021 (Rel. Nuno Gonçalves), mantendo-se uma jurisprudência do Supremo há muito uniforme, que “o pressuposto material da identidade da questão de direito exige que: a. as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham consagrado soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito; b. as decisões em oposição sejam expressas; c. as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões. Não pode haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões.” (itálico nosso)

Cumpre então verificar, a pedido do recorrente, se ocorre  uma efectiva oposição de soluções sobre uma mesma questão de direito, ou seja, se existe oposição de decisões sobre a questão concreta problematizada no recurso. Tal como o recorrente a apresenta, a questão respeitará a “saber se o prazo de prescrição de uma pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, deverá ser o fixado no art. 122.º, n.º 1, al. d) do CPenal (de 4 anos), ou o prazo fixado no art.º 122.º, n.º 1, al. b) do CPenal (de 15 anos)”.

Os dois acórdãos em observação – o acórdão recorrido e o acórdão fundamento – abordaram realmente esta (mesma) temática na fundamentação das decisões que proferiram. E segundo o recorrente fizeram-no consagrando diferentes e opostas soluções de direito a respeito da questão que enunciou.

Embora se vislumbre neles a apodada divergência de interpretações de direito, ela encontra-se apenas na fundamentação das decisões em causa. E a oposição, no sentido que releva para a “oposição de julgados”, e é fundamento para a fixação de jurisprudência, não ocorre aqui.

Não se exigindo uma identidade total ou absoluta entre os dois “pedaços de vida” (na conhecida expressão de Figueiredo Dias) que conduziram às soluções de direito em oposição, eles têm de se equivaler de modo a permitir constatar que se está a resolver de modo antagónico um mesmo problema de direito.

No caso presente, o problema de direito resolvido em cada uma das decisões em confronto não é o mesmo: o acórdão recorrido decidiu sobre a prescrição de uma pena de prisão suspensa; o acórdão fundamento decidiu sobre a prescrição de uma pena de prisão efectiva. E as considerações laterais que neste último possam ter sido feitas (e foram-no efectivamente) a propósito da prescrição das penas de prisão suspensa, mesmo que em oposição às tecidas a esse propósito no acórdão recorrido, não consubstancia uma oposição de julgados no sentido que releva para o presente recurso extraordinário.

Assim, tendo o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência de assentar em julgados explícitos que abordem de modo oposto a mesma questão de direito, no sentido amplo que se enunciou e que exige uma similitude de base factual relevante para a decisão, da leitura dos acórdãos recorrido e fundamento resulta claro que não se verifica a oposição.

Como a Senhora Procuradora-Geral Adjunta bem concretizou neste Supremo, em total correspondência com os textos dos dois acórdãos em observação, “não há qualquer conflitualidade entre o decidido num e noutro acórdão, porque a situação subjacente a um e outro é diversa. No acórdão fundamento estava em causa a prescrição da pena principal – a pena de 3 anos de prisão, dado que a suspensão da execução da pena havia sido revogada - e no acórdão recorrido estava em causa a prescrição da pena de substituição. (itálico nosso)

É certo que no acórdão fundamento se diz que:

“Não se nos apresenta defensável a posição que, em abstracto, defende a aplicação do disposto na alínea d) do art. 122.º do CP (prazo de 4 anos) à pena de substituição (pena de suspensão da execução da pena de prisão)”. “Meter no mesmo caldeirão, da cit. alínea d), todas as penas de suspensão da execução da pena de prisão, que podem oscilar entre o prazo de 1 e 5 anos (art. 50.º, n.º 5 do CP--prazos de suspensão) e que, também, podem substituir penas de prisão até 5 anos (n.º 1 do cit. art. 50.º), é algo que pode contender, além do mais, com o próprio princípio da culpa. Na referida alínea d) cabem todas as penas de prisão (inferiores a dois anos, suspensas ou não na sua execução, e penas de multa) não abrangidas nas alíneas anteriores.”

Mas este segmento do acórdão, não constitui qualquer decisão, nem sequer é um argumento a favor da decisão que a final foi tomada, dado que, a decisão não incide sobre a questão da prescrição da pena suspensa. É apenas um comentário, uma opinião face à pretensão do requerente para que fosse considerado o prazo de prescrição previsto na al. d) do art. 122, do Código Penal, apesar de a suspensão da execução da pena ter sido revogada.” (itálico nosso)

Na verdade, o acórdão recorrido decidira sobre a justeza de um despacho que considerara prescrita uma pena de substituição “prisão suspensa”, considerando designadamente que “o prazo de prescrição da pena de substituição, pelas razões expendidas, é de 4 (quatro) anos, contados a partir desta data do trânsito, sem prejuízo, contudo das causas de suspensão e de interrupção estabelecidas nos artigos 125º e 126º do Código Penal”.

Já no acórdão fundamento, proferido no âmbito de uma providência de Habeas Corpus com fundamento em prisão ilegal, considerara-se que “uma pena só é de substituição enquanto subsiste, enquanto substitui. A partir do momento em que é revogada (é a hipótese a considerar nestes autos), estamos perante uma pena de prisão pura e simples, isto é, perante a pena substituída. (…) Com a revogação ressurge, reaviva, a pena de prisão substituída, que é a pena originária. E é a esta (pena de prisão/pena originária) que deve atender-se, como vimos atrás, para efeitos de prescrição. Sendo de atender à pena principal, o regime é o da pena principal e não o da pena de substituição, que foi revogada.”

Não cumpre sindicar aqui a correcção dos acórdãos em nenhuma das afirmações que enunciaram no que respeita ao(s) problema(s) que resolveram. Cumpre apenas proferir pronúncia sobre o resultado a que conduziu a fiscalização estrita da oposição de julgados.

E pese embora se constate que o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, nas considerações que teceram na sua fundamentação, se pronunciaram sobre um tema de direito de modo dissonante, inexiste uma identidade de situações de facto que permita concluir pela existência, em concreto, de uma oposição de soluções de direito.

Em conclusão, as decisões em confronto, tomadas com base em situações de facto diferentes, não permitem afirmar a existência de oposição de julgados para os efeitos do disposto no art. 437.º, n.º 2, do CPP.


3. Decisão

Em face do exposto, por falta dos necessários requisitos substanciais, acordam na 3.ª Secção Criminal em rejeitar o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

Sem custas.


 Lisboa, 02.12.2021


Ana Barata Brito, relatora

José Luís Lopes da Mota, adjunto