Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
919/12.6TBGRD
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
CUSTAS
RESPONSABILIDADE
ISENÇÕES
Data do Acordão: 04/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: INDEFERIMENTO
Área Temática:
CUSTAS PROCESSUAIS - CONCEITO E ISENÇÕES.
DIREITO FALIMENTAR - RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS DO PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / CUSTAS PROCESSUAIS.
Doutrina:
- Arala Chaves, “Código das Custas Judiciais”, Anotações e Comentários, 1962, 5.
- Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, 361.
- Francesco Ferrara, Interpretação e Aplicação das Leis, Traduzido e prefaciado por Manuel de Andrade, 1934, 96.
- João Labareda, “Recuperação De Empresas E Falências”, in Textos, Centro De Estudos Judiciários, Sociedades Comerciais 1994/1995, 163/211.
- José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, 1981, vol. II, 199.
- José Lebre de Freitas e Cristina Máximo dos Santos, O Processo Civil na Constituição, 2008, 115.
- José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, “Código De processo Civil”, Anotado, Volume 2º, 175/180.
- Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código Dos Processos Especiais De Recuperação Da Empresa E De Falência”, Anotado, 3ª edição, 2ª reimpressão, 391/393, 557.
- Luís Carvalho Fernandes, “Efeitos substantivos da declaração de falência”, in Direito e Justiça, Volume IX, 1995, Tomo 2, 19/49.
- Manuel de Andrade, Noções Elementares De Processo Civil, 1976, 341/345.
- Oliveira Ascenção, Introdução Ao Estudo Do Direito, Edição dos serviços sociais da Universidade de Lisboa, ano 1972/1973, 464/471.
- Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 2013, 9ª edição, 11/13; “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado E Comentado, 2012, 4ª edição, 59/62.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º, 303.º, 304.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPCIVIL): - ARTIGOS 527.º, N.º1, 620.º, N.º1, 621.º, 631.º, N.ºS 1 E 2.
REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS (RCP): - ARTIGOS 1.º, N.ºS 1 E 2, 3.º, N.º1, 4.º, N.ºS 1, ALÍNEAS H) E U), 4 E 6.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 12 DE JANEIRO DE 1995, IN BMJ 443/264;
-DE 8 DE OUTUBRO DE 1997, IN BMJ 470/469.
Sumário :

I. O processo de insolvência está sujeito a custas, sendo as únicas isenções subjectivas as referidas nas alíneas h) e u) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais (Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador; as sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei), pagando todos os demais intervenientes processuais a taxa de justiça devida pelos actos a ela sujeitos.

II. Para efeitos de tributação são abrangidas as reclamações de crédito, entre outro processado e incidentes, desde que as custas devam (na letra da lei hajam) de ficar a cargo da mesma, sendo que, prima facie, as custas da insolvência ficarão a cargo da massa insolvente, caso esta venha a ser decretada por decisão transitada em julgado.

III. As custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aquelas em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento, sendo as restantes pelas partes intervenientes e na proporção da respectiva sucumbência.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos presentes autos de verificação do passivo, instaurados por apenso aos autos de insolvência de G, LDA, no qual o credor (trabalhador) M L impugnou os créditos reconhecidos e reclamados, entre os quais e no que à economia da presente reclamação diz respeito, os dos trabalhadores A, C e V, veio a ser proferida sentença a julgar parcialmente reconhecidos, verificados e graduados os créditos dos Reclamantes, aqui Recorridos.

 

Em sede de recurso de Apelação, a sentença de primeiro grau veio a ser revogada e julgados verificados os valores globais dos créditos reclamados pelos ali Apelantes, aqui Recorridos.

Inconformado com o Acórdão assim produzido, no que respeita aos aqui Recorridos A, C e V, recorreu o credor M L, tendo a final sido concedida parcialmente a Revista, apenas quanto ao cômputo da indemnização pedida pelas férias não gozadas pelo Recorrido V, mantendo-se no mais a decisão ínsita no Aresto censurado e nesta sequência foi proferida a seguinte condenação em matéria de custas sic «Custas por Recorrente e Recorrido na proporção do respectivo vencimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido àquele.».

Notificados, vêm agora os Recorridos reclamar no que tange àquela sobredita condenação em custas, por entenderem ter havido manifesto lapso no enquadramento jurídico, a qual teria sido produzida em contrariedade com a parte do Acórdão impugnado, respeitante à responsabilidade da massa insolvente, a qual já havia transitado em julgado, acrescendo ainda a circunstância de o Tribunal recorrido ao receber o recurso de Revista, ter desonerado os aqui, como ali, Recorridos, ora Reclamantes, do pagamento da taxa de justiça (in)devida pela apresentação das respectivas contra alegações.

Arrimam-se os Reclamantes num Acórdão da Relação de Coimbra de 20 de Março de 2012, proferido no processo 110/11.9TBCLB-E.C1, inserto no site da dgsi, em cujo ponto III do respectivo sumário se pode ler o seguinte:

«Porque a obrigação de suportar o pagamento de taxa de justiça se refere ao impulso processual induzido por um interveniente processual que possa ser ulteriormente responsabilizado pelas custas, não é essa taxa devida quando a obrigação de custas não existe, logo à partida, para quem induz esse impulso processual.».

As contrapartes nada disseram.

Pela Relatora foi ordenado o pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação da presente reclamação, cfr despacho de fls 1962, o que foi efectuado.

Contudo, o cumprimento daquele despacho da Relatora foi condicional, acompanhado de uma reclamação para a conferência, com os mesmos fundamentos que deram origem à anterior reclamação, porquanto no entender dos Reclamantes, «(…) também não deveria o impulso processual de apresentação do requerimento de rectificação e/ou Reforma do acórdão proferido pelo STJ ser onerado com taxa de justiça, (…)»

II Vejamos então.

1.Da legitimidade dos Reclamantes.

Como questão prévia temos de chamar à colação a circunstância da falta de interesse em agir (reclamar) por parte dos Reclamantes, aqui Recorridos, para apresentarem a presente impugnação, com ressalva para o Recorrido V, cujo pedido veio a soçobrar parcialmente e, por isso, o único a ter sido condenado nas custas, na proporção do respectivo decaimento juntamente com a massa insolvente.

De facto, não tendo aqueloutros intervenientes processuais decaído em qualquer das pretensões formuladas, carecem de legitimidade para recorrer/reclamar, da decisão proferida, artigo 631º, nº1 e 2 do NCPCivil, sempre se acrescentando ex abundanti que estamos, neste preciso conspectu da verificação de créditos por banda dos trabalhadores da insolvente, face a um litisconsórcio voluntário, o que sempre afastaria, a se e se outras razões não existissem, qualquer justificação para que o pedido agora formulado fosse feito conjuntamente, podendo e devendo ter sido feito pelo sucumbente V, único afectado pela decisão e a quem interessa a sua alteração.

2.Do caso julgado.

 

Feito este pequeno parêntesis e no que tange ao fundo da questão.

Em primeiro lugar não é certo que tenha havido por parte deste Supremo Tribunal, maxime, no Acórdão produzido e agora questionado no que toca às custas, qualquer violação de caso julgado formado pelo Acórdão da Relação nesta matéria.

É que, naquele Acórdão, os aqui Recorridos ao obterem ganho de causa total, nunca em circunstância alguma poderiam ser condenados em custas, como obviamente o não foram, de onde o dispositivo daquele Aresto ter consignado o seguinte:

«(…)4.Decisão

Pelas razões expostas, na procedência do recurso interposto, revogamos a decisão da 1.ª instância, julgando verificados os valores dos créditos reclamados pelos aqui apelantes, que damos como reproduzidos.

Custas a cargo da massa falida.(…)».

A sentença (Acórdão) constitui caso julgado nos precisos limites em que julga, artigo 621º do NCPCivil, pelo que, no que à economia da questão colocada diz respeito, se se concedeu ganho de causa aos aqui Recorridos, ali Recorrentes, nunca poderiam os mesmos ter sido condenado em custas, por a tal se oporem os princípios gerais aplicáveis, o que efectivamente não aconteceu, pelo que improcede a argumentação que ex adverso se produziu.

Já no que diz respeito ao despacho do Exº Sr Desembargador Relator que dispensou os aqui Reclamantes, Recorridos no recurso de Apelação, do pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação das contra alegações na Revista, trata-se de questão diversa.

Aquela específica decisão, que assim definiu a problemática do pagamento daquela taxa de justiça (in)devida pela prática daquele acto concreto, fez caso julgado formal tout court no que à mesma concerne, artigo 620º, nº1 do NCPCivil, e nessa sequência as contra alegações foram tidas em atenção.

3.Quanto às custas propriamente ditas e da sua exigência em sede de processo de insolvência.

A existência de um processo judicial tem como corolário a sua sujeição às regras gerais sobre custas, sendo estas o somatório de todas as despesas que as partes estão obrigadas a fazer para a condução do processo em Tribunal, compreendendo a taxa de justiça e os encargos, cuja satisfação vai ocorrendo ao longo do processo, chamando-se preparos as importâncias que são pedidas paulatinamente às partes a titulo de antecipação de custas, antes da altura em que estas devam ser contadas e regularizadas.

Isto significa que a actividade jurisdicional não é exercida gratuitamente, impendendo sobre os litigantes o ónus de pagar determinadas «taxas» para que possam por em marcha a máquina da justiça e têm de satisfazer, no final do processo, todas as quantias de que o Tribunal se não haja embolsado por meio daquele adiantamento, cfr José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1981, vol II, 199.

Já o artigo 1º do CCJudiciais de 1940 (Dec 30:688, de 26 de Agosto de 1940, alterado pelo Dec 31:668, de 22 de Novembro de 1941) dispunha que os processos cíveis estavam sujeitos a custas, as quais compreendiam o imposto de justiça, os selos e os encargos («Os processos cíveis e de natureza corporativa estão sujeitos a custas, que compreendem somente o imposto de justiça e os encargos.»)

Subsequentemente, com entrada em vigor do CCJudiciais de 1962, aprovado pelo DL 44329, de 8 de Maio de 1962, o artigo 1º, embora reproduzindo o artigo anterior, veio deixar claro que as isenções de custas constituiriam uma excepção e que deveriam resultar da Lei («1. Os processos cíveis estão sujeitos a custas, salvo se forem excepcionalmente isentos por lei.»),

Neste mesmo diploma, no seu artigo 30º, sob a epígrafe (Falências e insolvências: o que compreendem), dispunha-se o seguinte:

«Para efeitos de tributação, a designação de falências abrange o processo principal, a apreensão dos bens, os embargos do falido ou insolvente, ou do seu cônjuge, descendentes, herdeiros, legatários ou representantes, a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas da administração, os arrestos decretados antes de ser declarada a falência ou insolvência se não tiver havido oposição de pessoa diferente das indicadas, e quaisquer incidentes ainda que processados em separado, se as respectivas custas deverem ficar a cargo da massa.».

O Código das Custas Judiciais aprovado pelo DL 224-A/96, de 26 de Novembro, que procedeu à revogação daquele diploma de 1962, embora com as excepções consignadas no artigo 2º do seu preâmbulo, das quais se não curam aqui, manteve no seu artigo 1º, em absoluto, embora com alteração de forma, mas sem qualquer divergência no conteúdo, o que já se predispunha a propósito no diploma anterior sobre a abrangência das custas, bem como da necessidade das eventuais isenções terem carácter excepcional e deverem estar consignadas na Lei, prevendo-se no artigo 29º, nº1, estarem dispensados do pagamento da taxa de justiça inicial e subsequente os interessados que fossem a juízo apresentar-se à falência, consagrando o seu nº3 a dispensa de pagamento de taxa de justiça subsequente nos processos falimentares.

Esta dispensa de pagamento da taxa de justiça inicial e subsequente foi mantida, na alteração havida ao apontado normativo pelo DL 324/2003, de 27 de Dezembro, passando a integrar, respectivamente, o nº1, alínea f) e o nº4.

No que dizia respeito aos processos especiais de recuperação de empresa e de concordata particular, também não era devida taxa de justiça inicial, nem subsequente, cfr artigo 247º, nº9 do CPEREF (nas versões dos DL 132/93, de 23 de Abril; DL 157/97, de 24 de Junho; DL 323/2001, de 17 de Dezembro; DL 38/2003, de 8 de Março), sendo certo que nos casos em que ao processo falimentar requerido sobreviesse aquele procedimento de recuperação ou a extinção da acção por via de concordata particular, os preparos efectuados seriam sujeitos a devolução nos termos do seu nº2 (caso especifico e expressamente regulado de isenção objectiva).

Quanto à base de tributação, no CPEREF, nas várias versões supra aludidas, o artigo 248º estipulava no seu nº1 «Para efeitos de tributação os processos de recuperação abrangem as justificações e reclamações de créditos, bem como as propostas de meios de recuperação alternativos, apresentadas por credores ou pela empresa no desenvolvimento normal da acção.» e o nº2, adiantava «Para o mesmo efeito, o processo de falência abrange o processo principal, as propostas de concordata particular, a apreensão dos bens, os embargos do falido, (…)a liquidação do activo, a verificação do passivo, o pagamento aos credores, as contas da administração,, os arrestos antes de ser declarada a falência, se não tiver havido oposição de pessoa diferente das indicadas, e quaisquer incidentes, ainda que processados em separado, se as respectivas custas houverem de ficar a cargo da massa.».

Por sua vez dispunha o artigo 249º daquele mesmo diploma, idêntico em qualquer das suas versões, sob a epígrafe «Responsabilidade das custas do processo», «1-As custas do processo de recuperação da empresa ou da concordata particular constituem encargo do devedor.»; «2-As custas do processo de falência são encargo da massa falida.».

Esta dualidade tem, como é óbvio, uma manifesta razão de ser, porque enquanto na recuperação de empresa e na concordata, a empresa continua a existir enquanto tal embora sujeita a determinadas limitações impostas pelo novo regime jurídico instituído com vista à respectiva restruturação e reabilitação, sendo ela o sujeito de direitos e obrigações, a obrigação que sobre si recai no pagamento das custas justifica-se pois é a própria empresa a retirar proveito do processo; no caso em que ocorre a declaração de falência, o falido fica imediatamente privado de por si e/ou no caso de uma pessoa colectiva, do poder de administração e de disposição dos seus bens, presentes e futuros, os quais passam a integrar a massa falida, constituindo esta um «património especial», soit disant, cfr João Labareda, Recuperação De Empresas E Falências, in Textos, Centro De Estudos Judiciários, Sociedades Comerciais 1994/1995, 163/211.

Aqui, verifica-se a jurisdicionalização de uma situação de facto, um alter ego do devedor, que carenciado de meios económicos e de crédito se encontra impossibilitado de cumprir as suas obrigações, artigos 3º e 147º do CPEREF (idênticos nas suas várias alterações), vide a propósito Luís Carvalho Fernandes, Efeitos substantivos da declaração de falência, in Direito e Justiça, Volume IX, 1995, Tomo 2, 19/49; Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código Dos Processos Especiais De Recuperação Da Empresa E De Falência Anotado, 3ª edição, 2ª reimpressão, 391/393.

Todavia, aquela disposição especial respeitante a custas, não é mais do que o apanágio do que decorria da legislação processual geral concernente a esta matéria, vg, o disposto no artigo 446º, nº1 do CPCivil então em vigor, na redacção que lhe foi dada pelo DL 47690, de 11 de Maio de 1967 a qual se manteve inalterável ao longo das várias modificações sofridas por aquele diploma, que estabelecia o seguinte:

«1. A decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.

2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

3. Tendo ficado vencidos vários autores ou vários réus, respondem pelas custas em partes iguais, salvo se houver diferença sensível quanto á participação de cada um deles na acção, porque nesse caso as custas serão distribuídas segundo a medida da sua participação; no caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas.», este normativo corresponde quase na integra ao disposto no artigo 447º do CPCivil de 1961 (DL 44129 de 28 de Dezembro de 1961) onde se predispunha «1. A sentença que julgar a causa ou algum dos seus incidentes condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, nos casos especiais em que não haja vencimento da acção, quem do processo houver tirado proveito. 2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. 3. Tendo ficado vencidos vários autores ou vários réus, respondem pelas custas em partes iguais, salvo se houver diferença sensível quanto ao grau da participação de cada um deles na acção, porque neste caso as custas são distribuídas segundo a medida da sua participação. No caso de condenação por obrigação solidária, a solidariedade estende-se às custas. 4. (…)», sendo que este mesmo ínsito correspondia ao do artigo 456º do Código anterior..

O Código Processo Civil manteve, desta sorte, em matéria de custas, como trave mestra, o principio da causalidade, segundo o qual a incumbência do respectivo pagamento recairá sobre a parte que lhes der causa, ou na ausência de vencimento, sobre quem do processo retirou proveito, cfr Manuel de Andrade, Noções Elementares De Processo Civil, 1976, 341/345 e José Alberto dos Reis, ibidem.

Quer isto dizer que o aludido princípio vale para a generalidade dos processos: paga as custas a parte vencida; paga as custas a parte que embora não tenha ficado vencida, tirou proveito da lide; e suportarão as custas, todos os intervenientes processuais, na proporção do respectivo decaimento, José lebre de Freitas, A. Montalvão machado, Rui Pinto, Código De processo Civil Anotado, Volume 2º, 175/180.

       

Veja-se que aquela regra básica fundamental sobre a incidência das custas a cargo da massa falida, referida no nº2 do artigo 249º do CPEREF, já nos aparecia anteriormente aflorada como encargo desta nos artigos 1244º e 1256º, nº1 do CPCivil no seu Titulo IV subordinado aos Processos Especiais onde se incluía o de falência e antes da revogação efectuada pelo DL 132/93, de 23 de Abril, desde que a condenação em custas pudesse surgir à luz das disposições gerais aplicáveis a esta matéria (artigo 1244º «As custas da falência e as que devam ser suportadas pela massa falida, bem como as despesas de administração, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis, embora tenham sido objecto de garantia real.»), cfr Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, ibidem, 557.

Podemos assim concluir que a pedra de toque de toda esta abordagem, se encontra nas regras gerais que norteiam a condenação em custas.

E, feito este pequeno sobrevoo sobre o histórico legislativo, debrucemo-nos agora sobre o que a propósito nos elucidam as disposições actualmente aplicáveis.

Não existem dúvidas de que os processos de insolvência, então como agora, estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, artigos 301º a 304º do CIRE.

Também não existem dúvidas que nos termos do artigo 1º, nº1 do Regulamento das Custas Processuais todos os processos estão sujeitos a custas, sendo considerados como processos, nos termos do seu nº2 qualquer «(…)acção, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação especial.».

De harmonia com o disposto no artigo 3º, nº1 do mesmo diploma, as custas abrangem, a taxa de justiça, isto é a prestação pecuniária que o Estado exige em regra aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem, os encargos e as custas de parte.

As excepções a tais regras gerais de pagamento das aludidas despesas, sempre na óptica da problemática aqui suscitada, vêm consignadas no Regulamento, maxime, no artigo 4º.

No que à sua economia concerne, iremos convocar dois dos segmentos normativos, constantes do seu nº1, alíneas h) e u):

«1.Estão isentos de custas:

(…)

h) Os trabalhadores ou familiares, em matéria de direito do trabalho, quando sejam representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, quando sejam gratuitos para o trabalhador, desde que o respectivo rendimento ilíquido à data da propositura da acção ou incidente ou, quando seja aplicável, à data do despedimento, não seja superior a 200 UC;

(…)

u) As sociedades civis ou comerciais, as cooperativas e os estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada que estejam em situação de insolvência ou em processo de recuperação de empresa, nos termos da lei, salvo no que respeita às acções que tenham por objecto litígios relativos ao direito do trabalho.»

(…)»

Daqui deflui, prima facie, reportando-nos ao processo de insolvência que nos ocupa, que no mesmo apenas a sociedade insolvente, porque assim foi declarada e enquanto empresa, está isenta de custas, alínea u) e em igual situação estariam os aqui Reclamantes se tivessem sido eventualmente representados pelo Ministério Público ou pelos serviços jurídicos do sindicato, posto que se discutiam assuntos relativos á sua actividade laboral, nomeadamente créditos decorrentes da mesma, desde que observadas as especificações da alínea h), o que se não mostra ter ocorrido no caso dos autos.

Porém, mesmo nas apontadas situações de isenção inicial de custas, os nºs 4 e 6 do citado artigo 4º, fazem afastar a manutenção da mesma, caso ocorra a desistência do pedido de insolvência, ou quando este seja indeferido liminarmente; e no caso da alínea h), quando a respectiva pretensão dos trabalhadores assim representados, for completamente vencida.

Podemos assim concluir que neste processo de reclamação de créditos, instaurado por apenso ao processo de insolvência de G, Lda, os Recorridos, aqui Reclamantes, não estão isentos de custas, nem objectiva nem subjectivamente.

Aliás, se alguma isenção subjectiva houvesse, mal se compreenderia o pedido de apoio judiciário formulado pelo Recorrido A, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo (cfr fls 1845), posto que tal benesse apenas tem lugar quando a parte pretende litigar e para tal carece de meios económicos que lhe permitam fazê-lo, o que pressupõe à partida que o acesso ao direito e aos tribunais nas apontadas circunstâncias é oneroso e não gratuito, acerca da não gratuitidade do serviço da administração da justiça vide inter alia os Ac TC indicados por José Lebre de Freitas e Cristina Máximo dos Santos, in O Processo Civil na Constituição, 2008, 115; Salvador da Costa, O Apoio Judiciário, 2013, 9ª edição, 11/13.

Inexistindo qualquer disposição no Regulamento das Custas Processuais que dispensasse, por qualquer meio, os aqui Reclamantes do pagamento da taxa de justiça devida, pelos actos praticados e a praticar, no âmbito dos presentes autos e a ela sujeitos, com a ressalva do Reclamante A por via do beneficio de apoio judiciário que lhe foi concedido, vejamos se existe qualquer outra norma geral ou especial que conduza ao resultado propugnado por aqueles.

Começamos por afirmar que os processos de insolvência estão sujeitos a custas e ao pagamento da correspondente taxa de justiça, o que decorre dos artigos 301º a 304º do CIRE.

Dispõe o artigo 303º daquele diploma que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (…) a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, ainda que processados em separado.», acrescentando o artigo 304º que «As custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente ou do requerente, consoante a insolvência seja ou não decretada por decisão com trânsito em julgado.».

Quer dizer, ao invés do que nos é esgrimido em sede de argumentário reivindicativo por parte dos Reclamantes, o processo de insolvência, na esteira do que se encontra legalmente estipulado para qualquer outro tipo de processo,  não é tendencialmente gratuito para os respectivos intervenientes, pois, existem regras especiais e específicas que afastam expressis verbis essa asserção, a começar por aquele artigo 303º do CIRE quando nos diz que para efeitos de tributação o processo de insolvência abrange todo o processado autónomo ali referenciado cujas custas tenham de ficar a cargo da massa, o que significa que não são todas e quaisquer custas que estarão a cargo da massa, mas apenas aquelas que esta haja de suportar e a massa insolvente só suportará as custas na medida da sua sucumbência, por força das disposições processuais gerais aqui aplicáveis subsidiariamente, ex vi do artigo 17º do CIRE que para elas nos remete.

Ora, tendo em atenção a regra geral que rege a condenação em custas decorrente do disposto no artigo 527º do NCPCivil, temos que será condenada em custas a parte que a elas der causa, ou não havendo vencimento na acção, quem da mesma tirou proveito, entendendo-se que dá causa às custas do processo a parte vencida na proporção em que o for, tratando-se aqui da consagração do principio da causalidade entre a conduta de quem acciona ou é accionado e a lide respectiva, o que implica que a condição de vencido é determinante para a condenação no pagamento das custas, cfr sobre esta temática Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado E Comentado, 2012, 4ª edição, 59/62, embora ainda no âmbito do anterior CPCivil questão que se torna indiferente neste preciso contexto posto que o actual normativo corresponde literalmente ao artigo 446º daqueloutro; cfr ainda sobre esta temática de custas os Ac STJ de 12 de Janeiro de 1995 (Relator Sousa Inês), in BMJ 443/264, este em sede de processo de falência, onde especificamente se concluiu que a condenação em custas assenta no princípio da causalidade em que a parte vencida dá causa à actividade tributável, ou do proveito emergente do processo; e de 8 de Outubro de 1997 (Relator Isidro Matos Canas), in BMJ 470/469, onde se segue o mesmo principio mas a propósito de outra temática.

Aliás se assim não fosse entendido, cairíamos numa completa subversão do sistema instituído, onde o princípio geral nesta matéria é o de que a responsabilidade pelo pagamento das custas assenta na ideia de que não deve pagar custas a parte que tem razão, passando o mesmo a conter desvios, nomeadamente no âmbito do processo de insolvência, fazendo-se recair sobre a massa insolvente toda e qualquer responsabilidade das custas, independentemente de a mesma poder obter ganho de causa nos processos e incidentes por aquele abrangidos nos termos do artigo 303º do CIRE.

O facto de o normativo inserto no artigo 304º do CIRE fazer consignar que as custas no processo ficam a cargo da massa insolvente, não poderá ser interpretado isoladamente, sem o apelo aos outros ínsitos legais existentes na ordem jurídica sob pena de se criarem brechas, incongruências e contradições insanáveis no sistema jurídico, o qual se pretende uno na medida em que «(…) A ordem jurídica forma um sistema de elementos coordenados e homogéneos entre si, não podendo comportar contradições. Daqui resulta que as leis se interpretam umas pelas outras - cada norma ou conjunto de normas funciona em relação às outras como elemento sistemático de interpretação», apud Castro Mendes, Introdução ao Estudo do Direito, 1977, 361; cfr também Francesco Ferrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, Traduzido e prefaciado por Manuel de Andrade, 1934, 96 «(…) Ocorre pois, que o jurista considere o efeito das normas na sua totalidade, e não apenas uma norma de per si; tal como o mecânico não precisa de conhecer só uma ou outra lei cinemática, nas deve também saber por que modo, na cooperação de várias leis, se produz o resultado complexivo. Está nisto a aplicação consciente do direito, ou a técnica da decisão: está em saber atinar com as diversas normas a que, na sua combinação, pertence governar o caso concreto.(…)».

 

A primeira das quebras, a entender-se do modo aventado pelos Reclamantes, seria desde logo fazer tábua rasa do preceituado no artigo 303º do CIRE, na parte em que acentua que «Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal, (…) a verificação do passivo, (…) e quaisquer outros incidentes cujas custas hajam de ficar a cargo da massa, (…)», pois tal normativo só poderá fazer sentido se concatenado com o preceituado no artigo 527º, nº1 do NCPCivil, a não se entender assim, então bastar-nos-ia a formulação do artigo 304º do CIRE, na interpretação de que esta norma seria, afinal das contas, em relação àquela, bem como à processual, uma norma excepcional, por forma a que às regras estabelecidas pelos artigos 303º do CIRE e 527º do NCPCivil a mesma se opusesse contrariando a valoração ínsita nesta para atingir finalidades particulares, o que como já vimos, se não vislumbra, acerca das regras excepcionais, Oliveira Ascenção, in Introdução Ao Estudo Do Direito, Edição dos serviços sociais da Universidade de Lisboa, ano 1972/1973, 464/471.

Tendo em atenção tudo o que se deixou exposto, poderemos retirar alguns corolários.

Primeiro: o processo de insolvência está sujeito a custas;

Segundo: as isenções subjectivas neste processo são unicamente as referidas nas alíneas h) e u) do artigo 4º do Regulamento das Custas Processuais;

Terceiro: todos os demais intervenientes processuais pagarão a taxa de justiça devida pelos actos a ela sujeitos.

Quarto: para efeitos de tributação são abrangidas as reclamações de crédito, entre outro processado e incidentes, desde que as custas devam (na letra da lei hajam) de ficar a cargo da mesma, sendo que, prima facie, as custas da insolvência ficarão a cargo da massa insolvente, caso esta venha a ser decretada por decisão transitada em julgado.

Quinto: as custas da insolvência que devam ficar a seu cargo são apenas aquelas em que a massa insolvente decaia e na medida de tal decaimento, sendo as restantes pelas partes intervenientes e na proporção da respectiva sucumbência.

Daqui decorre a sem razão dos Reclamantes no que diz respeito à tese defendida em sede de reclamação, sobre a sua isenção pessoal quer em sede de pagamento de taxa de justiça devida pela apresentação da reclamação, quer consequentemente em sede de custas, porque uma pressupõe logicamente a outra, naufragando a sua pretensão.

III Destarte, indeferem-se as reclamações apresentadas.

Custas pelos Reclamantes, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao Reclamante A, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs, para cada uma das reclamações.

Lisboa, 29 de Abril de 2014

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Azevedo Ramos)