Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
8969/09.3TBCSC.L1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO MENDES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
REQUISITOS
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
ABUSO DO DIREITO
INVALIDADE
ACTO ADMINISTRATIVO
ATO ADMINISTRATIVO
NULIDADE
Data do Acordão: 06/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO / ACTO ADMINISTRATIVO ( ATO ADMINISTRATIVO ).
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES .
DIREITO DO CONSUMO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS.
Doutrina:
- Almeno de Sá, Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas, Coimbra, 1999, p. 21.
- António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, pp. 650-651; Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo, Almedina, 2006, pp. 58 e 59.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6.ª Edição, p. 516; Os Centros Comerciais (Shopping Center), p. 3 e sgs.; anotação aos ac. STJ de 24/3/92, 22/10/92, 18/3/93, 26/4/94 e 1/2/95, in RLJ, 128.º, pp. 371-372.
- Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, Obra Dispersa, I, pp. 186/7 e nota 77.
- Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, 1995, pp. 321, 324.
- Carlos Andrés Laguado Giraldo, “Condiciones Generales, Clausulas Abusivas y el Principio de Buena Fé en el contrato de seguro”, Universitas, n.º 105, 2003, p.236,
- Carlos Ferreira de Almeida, Contratos, II, p.5 e seguintes.
- Coutinho de Abreu, Do Abuso do Direito, 1983.
- Guilherme Machado Dray, “Breves Notas sobre o Ideal de Justiça Contratual e a Tutela do Contraente mais Débil”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, 2002, p. 80.
- Lebre de Freitas, Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil, pp. 560 a 569.
- Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª Edição, pp.63-64.
- Marta Carballo Fidalgo, La protección del Consumidor frente a las Cláusulas no Negociadas Individualmente, Editorial Bosch, 2013, p.96.
- Mota Pinto, Cessão da Posição Contratual, Almedina.
- Oliveira Ascensão, Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa-fé; “Integração Empresarial e Centros Comerciais”, EFDL, 1991; “Lojas em Centros Comerciais”, ROA, 1992, III, p. 835.
- Pedro R. Martinez, Da Cessação do Contrato, pp. 82 e 166.
- Pires de Lima/A. Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, p. 299.
- Sinde Monteiro, Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações, Almedina, Coimbra, 1989, p. 355.
- Vaz Serra, BMJ n.º 85/253.
- Vieira de Andrade, “Validade do acto administrativo”, DJAP, vol. VII, p. 582.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 227.º, 334.º, 405.º, 762.º, N.º2, 810.º.
CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 133.º, 134.º.
D.L. N.º 446/85 (LCCG): - ARTIGOS 12.º, 19.º.
RCCG: - ARTIGO 12.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:
-DE 19.04.2007 (PROC. N.º 0809/06), DE 13.04.99 (PROC. N.º 041639) E DE 04.05.2000, PROC. N.º 045905.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26/4/94 CJ 1994-2-59 E DE 1/2/95 CJ 1995-1-46; DE 5/7/2007; DE 31/5/2011; DE 12/3/2013; DE 11.12.2013, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT; DE 23/1/2014 (PROCESSO Nº 8070/06); DE 29/10/2014.
Sumário :

I. Para que se verifique uma situação típica geradora da nulidade de um acto administrativo por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental é necessário que essa violação do direito fundamental atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro"; caso contrário a sanção adequada será a anulabilidade.


II. Tendo em conta que a responsabilidade in contrahendo exige a verificação cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil e não estando provado que tenham sido postos em causa deveres de conduta de base legal na fase negociatória - designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado – ou que a conduta na fase de desenvolvimento do contrato possa considerar-se em violação objectiva da boa fé fica arredada a responsabilidade e consequente obrigação de indemnizar.

III. Para que possa ocorrer uma declaração de invalidade da cláusula contratual geral terá que verificar-se uma desajustada desproporção entre a obrigação/sujeição de uma das partes ao arbítrio ou poder negocial do outro (predisponente) minimamente enquadrável na fórmula do artigo 334º CC.

IV. A situação de inacção no exercício do direito determinante de supressio ocorre quando face à situação de confiança gerada à outra parte o exercício superveniente do direito se traduza numa desvantagem iníqua, eticamente intolerável.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I – AA– ..., Ldª intentou acção declarativa com processo comum, sob a forma ordinária, contra BB, Ldª pedindo a condenação da R. no pagamento de uma indemnização por danos emergentes e lucros cessantes, no total de € 479.329,73; de uma indemnização por danos de imagem, no valor de € 10.000,00, sempre com juros de mora e ainda a considerar ilegais, ou abusivos e ilegítimos, os aumentos das taxas de manutenção, declarando-os sem efeito.

Subsidiariamente pediu para ser considerada nula a cláusula 15º n.º 2 do contrato, devendo a R. restituir à autora o montante correspondente ao período em falta até ao termo do contrato, no valor de € 83.144,32, mais juros de mora a contar da data de comunicação da resolução.

Ainda subsidiariamente, e para o caso de ser válida a resolução do contrato, a autora entende que a ré lhe deverá devolver a parte do preço pago correspondente ao tempo que falta até ao termo do contrato.

Alegou em síntese que CC e a Ré BB, Ldª celebraram, no dia 28 de Julho de 1999, um contrato tipo de promessa de cessão do direito de utilização de um estabelecimento na ..., referente ao espaço “ L … do Edifício ... “, pelo prazo de 25 anos e preço de 22.560.000$00 (€ 112.528,81), mais IVA, que foi integralmente pago, adiantando que o referido CC se decidiu a celebrar esse contrato porque a Ré lhe garantiu que a M.... seria um empreendimento constituído por largas dezenas de estabelecimentos, com conceito integrado e global, acessos adequados, entre os quais um parque de estacionamento subterrâneo e um acesso pedonal com um nível elevado, arranjos paisagísticos, uma zona de marcas de alta costura, lavandaria automática e supermercado, bem como lojas âncora, tudo combinado com uma ampla promoção e tudo suportado pela maqueta exibida e material publicitário.

Segundo a A a R garantiu ainda que as taxas de manutenção seriam reduzidas (2.400$00/m2/ano) e que não seria autorizada a abertura de lojas que prosseguissem a mesma actividade da autora, no mesmo edifício.

Refere igualmente que no dia 23 de Maio de 2000, o referido  CC transmitiu à sociedade autora, constituída por si e pela mulher, a totalidade dos direitos e deveres emergentes do contrato antes mencionado, que a autora celebrou porque teve como boas as garantias dadas pela ré e acima mencionadas – que também constituem obrigações legais decorrentes da Concessão -, mas que a mesma não veio a cumprir.

Com efeito a R. apenas construiu o parque de estacionamento no ano de 2008, pelo que, até essa data, o estacionamento foi feito em frente dos espaços comerciais, com prejuízo para a fruição do espaço, o que contribuiu para afastar o público da M...., e foi agravado quando a ré decidiu cobrar um valor exagerado pelo estacionamento, bem como pela falta do acesso pedonal; que o arranjo paisagístico apenas em 2009 estava a ser implementado, nunca foi instalada qualquer zona de moda, a lavandaria e o supermercado apenas existiram temporariamente, e apenas cerca de 35% dos estabelecimentos iniciaram actividade, valor que nunca ultrapassou os 45%, com a ré a deixar de fazer qualquer promoção da M.....

Acrescenta que a limpeza, a sinalética e a iluminação também eram deficientes, o mesmo acontecendo com a vigilância e a segurança, o que deu origem a cenas de vandalismo, tudo situações que afastaram público da M.... e que por outro lado, a loja da autora sofre de maus cheiros, que a R também passou a arrendar espaços comerciais por períodos curtos, tendo também permitido a abertura no Edifício ..., de dois outros estabelecimentos com a mesma actividade da autora, com prejuízo para as vendas.

Todas as situações descritas tiveram como consequência, segundo a A, diminuição do seu volume de negócios, impedindo-a de obter as receitas projectadas, para além de terem prejudicado a sua imagem perante os devedores.

Em relação às taxas de manutenção, alega a A, que, em Janeiro de 2000, a R procedeu inesperadamente ao seu aumento para 13.600$00/m2/ano, ou seja, da ordem dos 500%, não tendo apresentado nessa ocasião ou posteriormente qualquer explicação plausível para esse aumento, para além de ter dito que o valor inicialmente previsto se tinha devido a um lapso seu, a um erro na previsão dos custos.

Afirma que tanto o CC como ela pagaram sempre essas taxas pelo valor inicialmente acordado, actualizado, e pediram insistentemente esclarecimentos sobre as razões que teriam conduzido ao seu aumento o qual considera ilegal e abusivo, por não ser proporcional nem adequado ao custo dos serviços prestados, por contrariar as regras da boa-fé e da proibição do abuso de direito, bem como a confiança suscitada pela ré, e por não ter sido fundamentado, até porque não existiu alteração em relação aos serviços abrangidos.

Afirmando que se soubessem que viriam a ocorrer as situações antes descritas, nem ela nem o CC teriam celebrado o contrato e nunca o teriam feito nas condições em que tal aconteceu indica que através de carta de 13 de Outubro de 2009, a R veio comunicar-lhe a resolução do contrato, com fundamento na falta de pagamento das taxas fixadas, o que a autora não aceitou.

Conclui que o alegado incumprimento de uma obrigação secundária nunca seria suficiente para levar à resolução do contrato e que o artigo 15 do contrato, pelo seu conteúdo genérico, nada acrescenta à regulamentação legal, para além de ter havido abuso de direito na resolução do contrato.

Na contestação, a R. invocou a excepção de incompetência material deste tribunal no que diz respeito ao pedido formulado pela autora sobre a ilegalidade da fixação das taxas de manutenção.

Para além disso afirma que as obrigações assumidas perante a autora são apenas aquelas que constam do contrato celebrado no dia 28 de Julho de 1999, nas quais não se incluem a generalidade das situações invocadas pela autora, que também não resultam do contrato de concessão e que algumas das situações invocadas pela autora traduzem obrigações da ré mas apenas perante o Estado, emergentes da concessão.

Afirma que a M.... tem em funcionamento largas dezenas de lojas, sujeitas a regras impostas pela ré, em número superior ao indicado pela autora e suficiente para garantir a continuidade da sua exploração comercial, sendo que a ré tudo tem feito para a abertura das restantes e que o actual acesso pelo Passeio M.... pertence à CMC, que o construiu, e está fora da área concessionada acrescentando que esse acesso pedonal existia na ocasião abertura da M.....

Em relação ao parque de estacionamento subterrâneo, apenas em 2007 é que a CMC lhe entregou o terreno necessário para a sua construção e por outro lado, existia estacionamento suficiente no interior da M...., em moldes que já estavam previstos no projecto da M.....

Acrescenta que a M.... sempre teve palmeiras e zonas verdes, que foram aumentando ao longo dos anos, em particular em 2008, sendo a ré livre de dispor dos espaços da M.... lavandaria e o supermercado também existiram, tratando-se de equipamentos destinados ao uso dos utentes das embarcações e não dos lojistas e que tem feito promoção da M...., promovendo as acções que descreve na contestação com pormenor, ao contrário da autora em relação ao seu estabelecimento.

Por outro dado a iluminação e a sinalética sempre foram adequadas e o horário comercial até às 2 horas, sendo certo que a violação desse horário foi uma das causas dos distúrbios ocorridos na M.... a seguir à sua abertura e a que a ré pôs cobro, nomeadamente com reforço da presença policial; do mesmo modo, a segurança e limpeza foram as adequadas, existindo um sistema de câmaras de vigilância, remodelado em 2008.

No que diz respeito às taxas de manutenção, a ré defende que actuou no âmbito dos poderes atribuídos pela Concessão e com observância dos requisitos legais, tendo procurado que os seus valores sejam equivalentes ao custo dos serviços prestados, acrescentando que as taxas se destinam a cobrir as despesas que tem com a exploração da M...., em especial com as partes comuns.

A previsão feita pela ré para o ano de 1999 veio a verificar-se errada e a ré fez uma nova previsão para o ano seguinte, corrigindo-a, tendo cobrado nos anos seguintes valores próximos.

Conclui que tinha fundamento para resolver o contrato e que os pedidos formulados pela autora carecem totalmente de fundamento, até porque a mesma, quando celebrou o contrato de cessão com o primitivo contraente, conhecia a situação concreta em que se encontrava a M.....

Em reconvenção pede a condenação da autora no pagamento dos valores de taxas em dívida, no total de € 11.386,89, acrescido de juros de mora comerciais; no pagamento de uma indemnização mensal de € 1.204,67, pela ocupação da loja após a extinção do contrato, além dos juros de mora, bem como das indemnizações vincendas até à entrega da loja, que também deve ser decretada.

Na réplica, a autora alega que a cláusula 18º do contrato é contrária à boa-fé e proibida e defende a competência dos tribunais comuns para conhecer do pedido formulado e que, por outro lado, se a resolução do contrato fosse considerada válida, a não devolução das prestações correspondentes ao período em que o contrato não vigorou traduziria o exercício do direito de uma forma que excede manifestamente a boa-fé.

A autora contestou o pedido reconvencional, e invocando a prescrição das taxas anteriores a 23 de Janeiro de 2005.

Defendeu a improcedência desse pedido, pelos motivos já alegados na petição inicial, acrescentando que a ré vem defender que as taxas cobradas afinal não se destinam a suportar os custos com os serviços prestados, mas os custos com as partes comuns e com a exploração da M...., como são muitos daqueles que a ré enumera no artigo 491, onde inclui a renda paga ao Estado, custos com pessoal, amortizações, fornecimentos ou seguros.

Na tréplica, a ré nega fundamento para a excepção de prescrição bem como para o pedido de condenação como litigância de má-fé formulado pela autora.

Procedeu-se ao saneamento dos autos julgando-se improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, suscitada pela Ré na sua contestação - reconvenção.

Foi proferida sentença que julgou procedente a acção e, em consequência, condenou a ré a pagar à autora uma quantia, a liquidar em momento ulterior, pelos prejuízos sofridos pela autora, nos termos acima mencionados sob a alínea e) n.º 10, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até pagamento; a ver declarado que a fixação e cobrança das taxas, no ano de 2000 e em todos os anos seguintes até à data em que a ré declarou a resolução do contrato, foi ilegal e que a autora não está obrigada ao seu pagamento; bem como a reconhecer que a resolução do contrato foi inválida e não produziu efeitos; julgou integralmente improcedente o pedido reconvencional, com absolvição da reconvinda.

A R apresentou recurso de apelação na sequencia do qual viria a ser proferido acórdão no qual se decidiu julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida e, em consequência, absolver a Ré BB ... de todos os pedidos contra ela formulados pela A. AA, ..., S.A; julgar parcialmente procedente a apelação no que respeita ao pedido reconvencional oportunamente formulado, declarando-se validamente resolvido, por falta de pagamento integral das taxas previstas no contrato de utilização de estabelecimento comercial na ..., com a condenação da autora/reconvinda na imediata entrega à Ré/reconvinte da loja, livre e desocupada, e no pagamento dos valores de taxas em dívida (em conformidade com o valor fixado pela concessionária), referentes aos anos de 2002 em diante, acrescido de juros de mora comerciais até efectivo e integral pagamento; declarar ainda a licitude da cláusula 15ª, nº 2 do contrato em questão; confirmar-se a decisão recorrida quanto à improcedência da parte sobrante do pedido reconvencional (incluindo a procedência da excepção de prescrição no pagamento das taxas relativas aos anos de 2000 e de 2001).

II. Deste acórdão foi pela A interposto o presente recurso de revista.

Alegou a A/recorrente (AA) da forma constante da alegação de fls. 4384 a 4471 dos autos, cujo teor se dá por reproduzidos para todos os efeitos legais.

Contra-alegou a recorrida (BB) pela forma constante de 4503 a 4516, igualmente se dando por reproduzido todo o teor do documento apresentado.

Em face do teor das conclusões da alegação resultam colocadas as questões seguintes (cujo desenvolvimento e análise será efectuado em local próprio):

III – FACTOS PROVADOS.

Relativos ao contrato de concessão e regulamento de exploração.

1º - Depois da aprovação, através do DL n.º 335/1991, de 7 de Setembro, das bases gerais da construção e exploração da ..., por uma entidade privada, mas em regime de serviço público, e da realização de concurso, no dia 21 de Setembro de 1995, o Estado Português (representado pela Enatur), celebrou com a ré BB, o respectivo Contrato de Concessão, cuja cópia consta de fls. 301 e seguintes dos autos, e no qual foram reproduzidas, no essencial, as referidas bases gerais da concessão - documentos juntos.

2º - Do conteúdo do DL n.º 335/91 (diploma ao qual se referem todas as “Bases” a seguir mencionadas) e do contrato de concessão (ao qual se referem todas as “Cláusulas” a seguir indicadas), retiram-se os seguintes aspectos:

a) - Sobre “as normas reguladoras da concessão”, constou da Cláusula 3ª: “A Concessão e as relações entre a entidade concedente e a empresa concessionária serão reguladas pelas cláusulas contratuais, pelo Regulamento de Exploração e Utilização da ..., pelo Decreto-Lei n.º 335/91 … e na falta de disposição contratual ou legal específica, pelos princípios gerais vigentes em matéria de Concessão de exploração de bens, de serviços públicos e de obras públicas...”

- E no n.º 3 da Cláusula 5ª, constou:

“Em caso de divergência entre o disposto no presente Contrato e qualquer dos documentos ou diplomas referidos na Cláusula 3ª … aplicar-se-á, sem prejuízo de normas legais de natureza imperativa, o disposto no presente Contrato. Em caso de omissões do presente Contrato aplicar-se-á sucessivamente o disposto nos documentos e diplomas referidos na Cláusula 3ª e nas alíneas a) e b) do número anterior.” (alíneas referentes ao concurso internacional).

b) – Nos termos da Base I e da Cláusula 4ª, a "concessão" teve como objecto "a construção e exploração, em regime de serviço público regular e contínuo, de uma M.... para apoio à navegação e abrigo portuário de embarcações de recreio, bem como as instalações e serviços de natureza comercial e industrial operacionais, complementares e acessórios que possam contribuir para a melhor prossecução desse objectivo, denominando-se o complexo "....".

c) – Na Base I e na Cláusula 7ª, constou que entre as "obrigações da concessionária relativas à construção" compreenderam-se as de "elaborar os projectos de execução, realizar todas as obras e fornecer todos os serviços, equipamentos, utensílios e, bem assim, quaisquer bens que sejam necessários à realização do objecto da concessão, em conformidade com os projectos, estudos e o caderno de encargos elaborados pela entidade concedente"; e de "realizar as obras necessárias aos acessos à M.... e à sua integração na zona envolvente."

d) – Mais constou da Base XII e da Clausula 16º, n. 1, que "A ... será explorada em regime de serviço público, de forma regular e contínua, nos termos fixados no contrato de concessão e em conformidade com o disposto no respectivo regulamento de exploração e utilização."

e) - E que "A exploração da M.... em regime de serviço público obriga a concessionária a: a) Fazer funcionar regular e continuamente o estabelecimento da concessão; b) Prestar aos utentes os serviços que integram o objecto da concessão, sujeito ao pontual pagamento das tarifas previstas...” (esclareça-se que esta última parte apenas consta do contrato); “c) Assegurar que os serviços sejam prestados com a maior segurança, eficiência e economia, segundo métodos racionais e técnicas actualizadas, por forma a garantir prestações de qualidade" (do diploma consta ainda: “…e de preços compatíveis e concorrentes com estabelecimentos similares”) - Base XIII e Cláusula 17ª.

f) – De acordo com a Base XV e a Cláusula 19ª, entre as "obrigações da concessionária relativas à exploração", compreendem-se, entre outras, as seguintes: "Praticar todos os actos respeitantes à administração da M.... e à conservação dos seus espaços, edifícios e equipamentos... Velar pela guarda e conservação de pessoas e bens..."

g) – Em relação ao “Regulamento de exploração e utilização da M....”, a Base XVI, n.º 2, estabelecia que “Do regulamento... deverão constar as normas as normas respeitantes à execução de todas as operações a efectuar na M.... e às condições de prestação dos respectivos serviços, designadamente as expressamente indicadas no contrato de concessão”.

h) – E sobre o mesmo Regulamento, o n.º 2 da Cláusula 20ª do contrato de concessão, estabelecia que “O Regulamento deverá estar aprovado até um ano antes da data prevista para a entrada em funcionamento da M.......”

i) - Sobre “a cobrança de tarifas pela concessionária”, constou da Base XVII e da Cláusula 21, o seguinte:

"1. A concessionária terá direito de cobrar taxas pelos serviços que prestar no âmbito da concessão e pela utilização das instalações e equipamentos da M.....

"2. O valor das referidas taxas, bem como as respectivas regras gerais de aplicação, será fixado na tabela de tarifas.

"3. A tabela de tarifas referida no número anterior, bem como as suas revisões, será livremente fixado pela concessionária, que delas dará conhecimento ao concedente antes da sua entrada em vigor.

“4. A concessionária não poderá cobrar quaisquer taxas que não constem da tabela de tarifas nem aplica-las por forma diferente daquela que dela constar ou onerar, por qualquer outra forma, o preço dos serviços ou da utilização das instalações.”

j) – Sobre a “conservação dos bens afectos à concessão”, constou da Base XX e da Cláusula 24ª o seguinte:

“1. A concessionária obriga-se a manter em permanente estado de bom funcionamento, conservação e segurança os bens que constituem o estabelecimento e a substituir, de sua conta e responsabilidade, todos os que se destruírem ou mostrarem inadequados para os fins a que se destinam por desgaste físico, avaria, deterioração ou por se tornarem obsoletos (...)

“4. Para ocorrer aos encargos emergentes das obrigações de reparação, conservação e reapetrechamento, deverá a concessionária afectar parte dos lucros anuais à constituição de um fundo de conservação e renovação (...)”

3º - O Regulamento de Exploração e Utilização da M.... veio a ser aprovado por Despacho Conjunto n.º 734/2001, publicado no DR II série, de 9 de Agosto de 2001, portanto, cerca de dois anos depois da abertura da M.....

4º - Deste Regulamento consta, nomeadamente:

a) – “O presente Regulamento está sujeito às normas constantes do contrato de concessão... bem como às disposições do Decreto-Lei n.º 335/91, de 7 de Setembro... e, na falta de disposição contratual ou legal específica, pelos princípios gerais vigentes em matéria de concessão de exploração de bens, de serviços públicos e de obras públicas...” - artigo 1º, n.º 2.

b) – A ..., na qual se incluem os estabelecimentos comerciais, é um conceito integrado e global que necessita de uma acção permanente de todos os seus agentes, em benefício mútuo, baseada em princípios, designadamente, de harmonização de imagem, política promocional e de animação, continuidade de exploração e fomento da ocupação plena, o que constitui condição essencial para o êxito e bom desenvolvimento da .... A manutenção da AC (área comercial) deve ser objecto de especial atenção, designadamente quanto à harmonização das suas características técnicas, qualidade dos materiais empregues e demais elementos que a constituem.” – artigo 4º, n.º 2.

c) – O artigo 26º, em relação a “Taxas”, reproduz o que consta das Bases Gerais da Concessão e do Contrato de concessão, e acima mencionado, com excepção do n.º 3, que contém a seguinte alteração:

“3. A tabela de tarifas referida no número anterior, as suas revisões, bem como o elenco dos serviços prestados, serão livremente fixadas pela concessionária, que delas dará conhecimento à ENATUR...”

d) – O artigo 28º (sobre "pagamentos") dispôs:

"O pagamento de todas e quaisquer taxas devidas, designadamente as taxas de conservação, manutenção, reparação, limpeza, promoção geral, vigilância, publicidade, animação, fornecimento de energia eléctrica, cargas e descargas, lixo, água, telefone e de quaisquer outros serviços prestados será efectuado mediante a apresentação de facturas nos prazos e condições previstos na mesma."

e) O artigo 38º, n.º 2 estabelece o seguinte:

“A manutenção, fiscalização, conservação e reparação das áreas de circulação, dependências, máquinas, equipamentos e outras instalações de uso comum serão feitas pela concessionária, segundo o seu exclusivo critério...”

f) – O artigo 40º, sobre “Serviços”, refere:

“1. A concessionária poderá, sempre que entender necessário, conveniente ou adequado ao bom e regular funcionamento da M...., estabelecer serviços obrigatórios cujos custos serão suportados pelos titulares de um direito de uso exclusivo de posto de acostagem, de um direito de utilização de estabelecimento comercial ou de quaisquer outros direitos acordados contratualmente com a concessionária, segundo critérios e normas estabelecidos pela mesma.

“2. Aos custos referidos no número anterior aplica-se o previsto nos artigos 26º, 27º e 28º.”

5º - O Estado Português transferiu entretanto para a CMC, através da Fortaleza …, E.M., os poderes de entidade concedente, em sua representação – alíneas e) e f) dos fatos assentes.

6º - A BB construiu (através de empreiteiras) e explora a ... – alínea g).

7º - A ... é composta por um porto de recreio, com uma área terrestre na qual existem instalações para autoridades (SEF, GNR, Capitania do Porto de …), uma estação salva vidas do ISN, heliporto, posto de abastecimento de combustíveis para automóveis e embarcações, zona de alajem de embarcações, zona de reparação e manutenção de embarcações, lojas, escritórios, zonas técnicas, espaços verdes e áreas de circulação e estacionamento, entre outras – alínea h).

8º - E foi inaugurada em 9 de Agosto de 1999 – alínea i).

9º - A Loja … da ... fica situada no Edifício ... (edifício mais a Sul no molhe central da ...), tem 29,5 m2, com saída e montra para a via de circulação entre o Edifício ... e o Edifício Molhe Central e uma segunda saída para a área técnica (estaleiro) da ... – alíneas l) e m) dos fatos assentes.

Relativos à negociação e celebração do contrato de cessão de direito de utilização:

10º - Por documento escrito, cuja cópia consta a fls. 84 e segs. dos autos, denominado “Contrato Promessa de Cessão de Direito de Utilização de Estabelecimento Comercial na ...”, datado de 28 de Julho de 1999, a R. declarou prometer ceder a CC, que declarou prometer aceitar, o direito de utilização do estabelecimento comercial identificado com o n.º L … do Edifício ... sito na ..., pelo prazo de 25 (vinte e cinco) anos a contar da data da entrega e pelo preço de Esc.: 22.560.000$00 (correspondente a € 112.528,81), acrescido de IVA à taxa então em vigor (17%) - preço fixado na "cláusula quinta" do contrato - que foi totalmente pago pelo referido CC – alínea o).

11º - Entre os "Considerandos" desse contrato consta:

"4. Ambas as partes reconhecem que o conceito da ..., na qual se incluem os espaços comerciais, é um conceito integrado e global, que necessita de uma acção permanente e conjunta de todos os seus agentes em benefício mútuo, baseada em princípios de designadamente, harmonização da imagem, política promocional e de animação, continuidade da exploração e fomento da ocupação plena.

"5. As partes reconhecem e declaram que a materialização dos referidos princípios mediante a sua inclusão neste contrato e nos contratos análogos ao presente subscritos por outros cessionários da M...., e a sua observância durante a vigência dos mesmos, constitui uma condição essencial para o êxito e bom desenvolvimento do conceito da ... e uma base de apoio mútuo para o desenvolvimento de cada um dos projectos individuais."

12º - Aquele espaço destinava-se a ser usado na actividade de "apetrechos náuticos e assistência náutica", nos termos da cláusula 3ª do contrato.

13º - Na cláusula 8ª do contrato, constou: "O promitente cessionário deverá manter o estabelecimento comercial incluindo todas as instalações e equipamentos em bom estado de uso e conservação… sendo da (sua) responsabilidade os custos e despesas necessários à sua reparação."

14º - Em relação a “taxas de manutenção”, constou do n.º 1 da Cláusula 9ª do contrato:

“… o cessionário satisfará, na proporção que lhe corresponda, as taxas de manutenção e demais serviços prestados no âmbito da exploração da ..., tais como vigilância, limpeza ou promoção geral, de acordo com o disposto no Regulamento de Exploração … nos tarifários aplicáveis e outras normas regulamentares que venham a ser aprovadas … que são, na presente data, os que constam no Anexo 4 ao presente…”

15º - Na cláusula 10ª, referente a "Seguros", consta que o cessionário será responsável pelos danos causados "aos espaços e estabelecimentos comerciais ou outras instalações confinantes com o seu estabelecimento comercial" e que deverá celebrar e manter um "seguro de responsabilidade civil … no montante mínimo de 50.000.000$00, no qual a BB será identificada como beneficiária."

16º - A Cláusula 11ª do mesmo contrato refere-se à preservação da "imagem exterior" da M...., como "bem valioso e essencial ao bom desenvolvimento das actividades nela prosseguidas."

17º - E a Cláusula 12ª estabelece a obrigação de a cessionária (tal como aconteceu com os restantes) iniciar a actividade, no prazo máximo de 6 meses após a entrega, e a mantê-la de forma permanente, segundo os horários fixados no Regulamento, sob cominação de resolução do contrato e de uma penalidade diária de Esc.5.000$00 (cinco mil escudos), na moeda então em vigor.

18º - Na cláusula 13ª (obrigações relativas à concessão) constou que "o promitente cessionário declara aceitar e obriga-se a cumprir … as disposições do Contrato de Concessão que lhe sejam aplicáveis..."

19º - A cláusula 15ª (resolução-cessação-execução específica) refere:

"1. O incumprimento de qualquer das disposições do presente contrato e, em particular, a falta de pagamento de qualquer dos montantes referidos na cláusula 5 supra, que não tenha sido sanada no prazo de 30 dias … conferirá à parte adimplente o direito de resolver o presente contrato …sem prejuízo do direito de indemnização ou compensação por danos...

"2. No caso de resolução do presente contrato por causa imputável ao promitente cessionário, e sem prejuízo do direito de indemnização … a BB terá direito a cobrar, desde logo, a totalidade dos montantes devidos até à data inicialmente prevista do termo de duração do contrato, e não terá qualquer obrigação de devolução de quaisquer montantes que tenha recebido por parte do promitente cessionário por referência à referida data do termo do contrato (...)"

20º - E a cláusula 18ª: "o presente contrato constitui o acordo total entre as partes, apenas podendo ser alterado, modificado ou aditado por acordo escrito, constituindo as referidas alterações ou modificações, aditamentos ao presente contrato."

21º - Desse contrato constou um anexo, a fls. 103 dos autos, com o título de "Previsão das Taxas de Manutenção para 1999", onde constavam “Tarifas de conservação e condomínio para espaços em cessão de uso”, que eram de "2.400$00/m2/ano", para os espaços comerciais, e de "500$00/m2/ano", para os terraços, mais constando que se excluíam os consumos de ar condicionado, água e electricidade.

22º - O anexo antes referido foi elaborado e entregue pela ré e correspondia à informação prestada na ocasião – resposta ao nº 14 da BI.

23º - As taxas de manutenção eram um aspecto que CC considerava importante - mesma resposta.

24º - Com excepção do preço, as cláusulas daquele contrato foram elaboradas exclusivamente pela ora R., sem prévia negociação individual, que esta não admitiu, sendo que o referido CC se limitou a assinar o contrato – resposta ao n.º 1 da BI.

25º - O referido contrato promessa tipo foi celebrado na sequência da proposta de negócio/pré-reserva de espaço comercial, pré-elaborada pela ora R., também sem negociação prévia individual, e assinada por esta e por CC em 28 de Junho de 1999, conforme doc. n.º 4 junto com a petição – resposta ao n.º 2 da BI.

26º - Na altura da negociação e da celebração do contrato, a R. dizia aos interessados, como fez em relação a CC, que a ... seria constituída por largas dezenas de lojas, integradas em termos globais e cuja abertura ao público estaria prevista para data próxima da inauguração do empreendimento - resposta ao n.º 5 da BI.

27º - Antes da celebração do contrato, a pessoa que a ré colocou à frente da promoção das vendas entregou a CC a declaração que consta de fls. 1858, onde dizia que a referida loja 132 era “a última disponível” - resposta ao n.º 6 da BI

28º - A R. também dizia aos interessados, incluindo ao CC, que teriam início para breve a construção de um parque de estacionamento para automóveis, coberto, com cerca de 1.000 lugares, junto da entrada da M...., bem como a integração desse equipamento na zona envolvente e na entrada da M.... - resposta ao n.º 7 da BI.

29º - Do mesmo modo, dizia que estava para breve a construção de um acesso pedonal ao centro de …., pelo passeio M...., junto da Fortaleza … - resposta ao n.º 8 da BI.

30º - Este acesso estava previsto no caderno de encargos do concurso público lançado para a construção da M...., conforme consta dos seus estudo sobre "acessos", a fls. 1907 e planta de fls. 1915, nos quais aquele passeio surge com o nome de "L..." - mesma resposta.

31º - Também dizia que a ... estaria integrada na zona envolvente e dotada de arranjo paisagístico e espaços verdes, bem como de uma zona de moda, com marcas de prestígio, a instalar na zona da cobertura do parque de estacionamento, que seriam importantes para chamar público - resposta ao n.º 9 da BI.

32º - Mais referia que a M.... seria dotada de lavandaria e supermercado - resposta ao n.º 10 da BI.

33º - E que seria levado a cabo um ambicioso plano de promoção comercial da M...., que incluiria campanhas publicitárias regulares e, sobretudo, a captação de eventos, essencialmente náuticos, nacionais e internacionais, com vista à permanente dinamização da M.... - resposta ao n.º 11 da BI.

34º - A M.... era publicitada junto dos interessados, como o referido  CC, como um espaço de grande qualidade - resposta ao n.º 12 da BI.

35º - Na publicidade que era feita à M...., antes da sua abertura e imediatamente a seguir, a mesma era apresentada com as características referidas nos nºs anteriores - resposta ao n.º 13 da BI.

36º - Na altura não estava prevista a abertura de outros estabelecimentos que vendessem equipamentos, vestuário, calçado e acessórios ligados à actividade náutica – resposta ao n.º 15 da BI.

37º - Durante as negociações, a ré entregou material publicitário, como a fotografia da maqueta e documento juntos com a PI sob os nºs 5 e 5-A – resposta ao n.º 16 da BI.

38º - O CC celebrou o contrato, com o preço e restantes condições, por se ter convencido que a M.... teria as características mencionadas nos nºs anteriores – resposta ao n.º 18 da BI.

39º - Em 23 de Maio de 2000, através do "contrato de cessão da posição contratual", junto a fls. 114 dos autos, CC e DD cederam à AA– ..., Lda., da qual eram sócios gerentes:

“... a totalidade dos direitos e obrigações emergentes do "contrato promessa de cessão do direito de utilização de estabelecimento comercial na ..." .. mediante expressa autorização da BB, e a plena assunção pela cessionária de todos os direitos e obrigações previstos no referido contrato .." – alínea u) dos fatos assentes.

40º - Em consequência da cessão de posição contratual, a ora A. ficou devedora ao mencionado  CC da quantia de Esc.: 22.560.000$00 (€ 112.528,81), acrescida de IVA, à taxa legal de 17% (Esc.: 3.835.200$00/ € 19.129,90), correspondente ao preço que aquele havia pago pelo referido contrato – resposta ao n.º 19 da BI.

41º - Tendo sido convencionado entre o referido  CC e a ora A. que esta última restituiria ao primeiro aquele valor, sem que tenha estipulado qualquer prazo de reembolso – resposta ao n.º 20 da PI.

42º - A A. ainda não restituiu aquela quantia ao referido  CC – resposta ao n.º 21 da BI.

43º - Na ocasião da cessão da posição contratual, a autora conhecia o que havia sido dito pela ré a CC na ocasião da celebração do contrato sobre as características da M.... e taxas de manutenção, e acreditava que iriam ser construídos para breve os equipamentos referido no n.º 28, bem como os arranjos paisagísticos, tal como a ré também dizia na altura aos lojistas e a outros interessados – resposta ao n.º 22 da BI.

44º - A A. tem como objecto a importação, exportação e comércio de embarcações, equipamento náutico, vestuário, calçado, acessórios, mobiliário e peças de decoração, reparação de embarcações, manutenção, limpeza e seguros das mesmas, comércio de grupos electrogéneos, geradores de corrente – alínea a) dos factos assentes.

45º - Na sequência daquela cessão da posição contratual, a A. iniciou a exploração da loja com o n.º 132, na ..., instalada pelo referido  CC, na qual, até à presente data, desenvolve a actividade de comércio de equipamento técnico relacionado com a actividade náutica, bem como vestuário, calçado, acessórios e mobiliário náutico – resposta ao n.º 24 da BI.

Relativos ao estacionamento e acessos:

46º - No dia 23 de Julho de 1999, a CMC e a ré celebraram um “Protocolo”, que consta, a fls. 719 e segs. dos autos, onde consta, além do mais, o seguinte:

“Considerando que: (...)

“B) – No contrato de concessão... ficou consignada a cedência pela Câmara Municipal de Cascais do direito de superfície (por 50 anos) do local onde actualmente se encontra o Pavilhão Gimnodesportivo...

“C) Por acordo entre a Câmara... e a BB decidiu-se renegociar a contrapartida municipal, tendo sido do agrado da Câmara a opção pela construção e exploração de um parque de estacionamento subterrâneo, considerado essencial para a acessibilidade à M.....

“D) Com o acordo referido no considerando anterior ficou resolvido e definitivamente afastado o último dos pontos negativos apontados no estudo de impacto ambiental ao projecto da ... decorrente da ausência do parqueamento necessário para dar resposta ao afluxo próprio da M.... …

“E) Foi reformulado o anteprojecto de parqueamento subterrâneo e áreas comerciais... entregue na reunião de 20 de Maio de 1998 o referido anteprojecto...

“Cláusula Primeira:

“UM - .. a Câmara Municipal de Cascais obriga-se a constituir a favor da BB pelo período de 50 anos o direito de superfície sobre a parcela de terreno .. e a BB compromete-se a construir no seu subsolo um parque de estacionamento e proceder à sua gestão, exploração e manutenção.” –  documento mencionado.

47º - Na sua abertura, para o público em geral e utentes (lojistas e amarristas), a M.... tinha acesso pedonal e de carros pela entrada, junto da casa de S. Bernardo, bem como um acesso, precário, pouco iluminado e pouco utilizado, pelas instalações do Clube Naval de … - ao fundo na fotografia de fls. 185 e que tinha o aspecto aí visível - acesso que, a meio, para quem vinha da M...., dava para umas escadas interiores pelas quais se acedia ao nível superior, do Passeio M....; existia também acesso náutico - resposta ao n.º 83 da BI.

48º - As escadas de acesso pedonal ao Passeio M.... estão fora da área da M.... e foram ali colocadas pela CMC, esclarecendo-se que inicialmente foi a ré quem mandou elaborar e apresentou no IPPAR o projecto para a construção do acesso ao passeio M.... nos moldes previstos no caderno de encargos do concurso, ou seja, pelo interior do fosso da Cidadela - resposta aos nºs 82 e 84 da BI.

49º - A requalificação da entrada da M.... só ocorreu alguns anos depois da abertura da M.... e o acesso pelo passeio M.... iniciou-se por volta de 2003, com a colocação de escadas (tipo andaime com tábuas a servir de degrau), substituídas, por volta de 2007, pelas escadas actualmente existentes, com qualidade e aspecto adequados ao local - resposta ao n.º 27 da BI.

50º - A entrada da M.... esteve sujeita a obras durante alguns anos e teve que ser requalificada por ocasião da construção do parque de estacionamento - resposta ao n.º 48 da BI.

51º - As obras para construção do parque de estacionamento chegaram a iniciar-se em finais de 1999, mas foram logo de seguida embargadas, por motivo concretamente não apurado, tendo depois surgido dúvidas sobre a integração dos terrenos no DPM, mencionadas no Parecer de fls. 2092, que motivaram atraso de vários anos, apenas tendo a construção terminado em 2008 - resposta ao n.º 28 da BI e documento.

52º - Sobre a construção do parque de estacionamento, a ré, através de advogado, enviou ao Secretário de Estado do Ordenamento do Território a exposição, com data de 12 de Junho de 2003, que consta de fls. 3002 e segs. dos autos, a solicitar urgência na solução, e onde, além do mais, refere o seguinte:

“Sucede que, devido à falta de área e lugares de parqueamento automóvel a BB e a CMC procuraram logo desde o início uma solução que permitisse resolver este problema que tem vindo a constituir um obstáculo ao pleno funcionamento e cabal aproveitamento de todas as potencialidades da ....

“Nesse sentido a BB e a CM concluíram que a melhor opção para resolver o problema seria a construção de um parque de estacionamento subterrâneo.

“Com vista à concretização desta solução a CMC comprometeu-se a constituir um direito de superfície a favor da BB a qual por seu turno se comprometeu a construir no respectivo subsolo um parque de estacionamento (...)” – documento mencionado.

53º - Sobre o mesmo assunto, a ré enviou ao Secretário de Estado do Ordenamento do Território a exposição, com data de 12 de Março de 2004, que consta de fls. 3008 e segs. dos autos, onde defende que o terreno em causa não está incluído em área de Domínio Público Marítimo, a solicitar urgência no desbloquear da situação que estava a impedir o andamento dom processo, e onde, em anexo, faz o resumo das diversas fases por que passou esse empreendimento, referindo, além do mais, o seguinte:

“D) Em Junho de 1996, a CMC propõe formalmente após vários contactos prévios com a BB e o IPPAR, a alteração da contrapartida municipal prevista no Contrato de Concessão, por interesses camarários.

“E) Em Junho de 1996, a BB revoga o acordo para construção e exploração do hotel previsto no âmbito da contrapartida municipal mediante o pagamento de indemnização.

“F) Em Julho de 1996, foi consignado o espaço para a construção da M.... e suas envolventes, com excepção dos terrenos previstos como contrapartida municipal.

“G) Em Outubro de 1998, a BB entrega o 1º projecto de construção do parque acordado com a Câmara Municipal de …, na sequência de acordo prévio com o IPPAR após análises conjuntas de diversos ante projectos de viabilidade.

“H) Em Novembro de 1998, a Câmara Municipal de … emite licença de escavação do parque subterrâneo...

“I) Em Janeiro de 1999, a Câmara informa a Enatur da alteração da contrapartida municipal.

“J) Em Abril de 1999, foi elaborado parecer n.º 5834, de 1999.04.08 da CDPM, que utilizou pressupostos errados para proferir decisão cujos pressupostos a BB desconheceu até muito recentemente... que se veio a revelar a causa para a situação de impasse prolongado...

“K) Em Julho de 1999, foi apresentado pela BB à Câmara Municipal de … o projecto corrigido... na sequência de diversas solicitações do IPPAR e da CMC (..).

“N) Em Agosto de 1999, com a abertura da ... deviam estar criadas as condições para se iniciar a exploração do parque de estacionamento, consequentemente o parque já devia estar construído (...)” – documento mencionado.

54º - As dúvidas que acabam de ser referidas foram ultrapassadas nos termos que constam dos normativos que constam a fls. 3175/7, que permitiram a celebração das escrituras de cedência dos terrenos, da CMC para a ré, em meados de 2007, esclarecendo-se que em finais do ano anterior já se tinha dado a entrega efectiva desses terrenos, que permitiu o início da construção do parque - resposta ao n.º 88 da BI.

55º - O parque de estacionamento encontra-se na sua grande maioria fora da ..., não sendo parte integrante da área concessionada - resposta ao n.º 87 da BI.

56º - A A. conhecia o estacionamento existente em 23 de Maio de 2000 na ... - resposta ao n.º 91 da BI.

57º - O Projecto/Caderno de Encargos referido no n.º 30 previa algum estacionamento no interior da M.... para os utentes e fornecedores de serviços, com os condicionalismos constante dos documentos mencionados na mesma resposta e na planta de fls. 1916 - resposta ao n.º 95 da BI.

58º - Em virtude da falta de outros locais de estacionamento adequados, o estacionamento do público e utentes (lojistas e amarristas) passou a ter lugar no interior dos espaços livres do interior da M...., incluindo em frente dos estabelecimentos do piso térreo, com prejuízo para a concretização dos arranjos paisagísticos e colocação de espaços verdes, bem como para a circulação das pessoas a pé e a sua tranquilidade - resposta ao n.º 29 da BI.

59º - Os clientes de cafés e restaurantes, também sofriam os efeitos negativos do estacionamento dos carros junto das respectivas esplanadas, incluindo a perda de vistas - resposta ao n.º 30 da BI.

60º - Desde a abertura da M.... e antes da construção do parque subterrâneo, existiu estacionamento no interior da M...., em número de lugares um pouco abaixo dos 400 - resposta ao n.º 86 da BI.

61º - A partir de Maio de 2000, o estacionamento passou a ser pago, pelo valor de 200$00/1€ na primeira hora, e de 300$00/1,5€ na segunda hora e seguintes, o que contribuiu para afastar público, conforme a ré reconheceu algum tempo depois, tendo reduzido esses valores - resposta ao n.º 31 da BI.

62º - O acesso para helicóptero foi terminado algum tempo depois da abertura da M.... - resposta ao n.º 85 da BI.

Arranjo paisagístico:

63º - O arranjo paisagístico e colocação de espaços verdes, em boa parte, apenas ocorreram depois de terminadas as obras de construção do parque de estacionamento - resposta ao n.º 33 da BI.

64º - Antes dessa data, tinham sido colocadas algumas palmeiras e floreiras e havia alguns espaços verdes - resposta ao n.º 35 da BI.

65º - A A. conhecia os arranjos paisagísticos existentes em 23 de Maio de 2000 na ... - resposta ao n.º 91 da BI.

66º - O tipo de plantas e espécies vegetais que compõem os espaços verdes é condicionado pela intensa exposição ao ar marítimo, com uma carga salina fortíssima, e também aos ventos frequentemente muito fortes que se verificam no local, sendo o coberto vegetal dos espaços verdes composto por espécies nativas bem adaptadas àquele específico ambiente marítimo - resposta ao n.º 98 da BI.

67º - Esta composição dos espaços verdes resultou também da recomendação das entidades ambientais - resposta ao n.º 100 da BI.

Zona de moda, lavandaria e supermercado:

68º - A área de moda com as características acima referidas nunca chegou a existir, ainda que noutro local da M.... - resposta ao n.º 36 da BI.

69º - Alguns meses depois da abertura da M...., abriu uma loja de lavandaria que funcionou durante um ou dois anos, como lavandaria normal e automática, sendo que passado um período de tempo não apurado, a ré disponibilizou um serviço de lavandaria que consistia em receber as roupas para lavar por uma empresa externa, que as entregava depois, até que a ré passou a ter em funcionamento a lavandaria automática ainda existente - resposta ao n.º 37 da BI.

70º - Algum tempo depois da abertura da M...., abriu um supermercado do ... que fechou 1/2 anos depois, sendo substituído, no mesmo espaço, por um estabelecimento do "..." que também veio a encerrar (mantendo-se desde então as instalações encerradas), após o que ainda funcionou o supermercado "...", que também encerrou, existindo depois estabelecimento mais reduzido e que vende artigos essenciais - resposta ao n.º 38 da BI.

Continuidade de exploração/ocupação:

71º - A percentagem dos estabelecimentos abertos teve o seu momento mais alto por volta de 2000 a 2002 - resposta ao n.º 39 da BI.

72º - Ao longo dos anos variou entre os cerca de 50% e os cerca de 60% do total - mesma resposta.

73º - No início havia 100/101 lojas e actualmente, devido à junção de alguns espaços a que a ré procedeu, esse número é de 84 - mesma resposta.

Relativos à promoção da M....:

74º - Em Fevereiro de 2002, foram apresentadas novas perspectivas com vista à promoção da M.... - resposta ao n.º 41 da BI.

75º - Alguns dos eventos náuticos realizados na M.... acarretaram restrições de acesso de automóveis à M.... - resposta ao n.º 42 da BI.

76º - A ré promoveu a realização de diversas competições náuticas - resposta ao n.º 45 da BI.

77º - Se existissem ecrãs em terra para seguir essas provas, o interesse do público teria aumentado - resposta ao n.º 46 da BI.

78º - A BB realizou ou promoveu várias actividades de promoção e animação na ..., ou com base nela, como Peças de teatro, Desfiles de moda, Provas de automobilismo, Lançamentos de produtos comerciais, Filmagens de programas de televisão e anúncios comerciais, tendo cedidos espaços para vários eventos promocionais - resposta ao n.º 101 da BI.

79º - Actualmente a R. continua a aceitar eventos publicitários na ..., sem cobrar, com a contrapartida da M.... aparecer nesses eventos e de se fazer referência à ... - resposta ao n.º 102 da BI.

80º - Estes eventos foram concretizados, tendo a ... aparecido nos respectivos meios publicitários ou de comunicação social usados - resposta ao n.º 107 da BI.

81º - A BB sempre realizou, promoveu ou organizou vários eventos não desportivos como modo de promover e publicitar a ... - resposta ao n.º 108 da BI.

82º - Foram realizadas várias provas desportivas com base na ... - resposta ao n.º 109 da BI.

83º - A generalidade dos habitantes de … e dos turistas que se deslocam a … conhecem a ... e sabem que na mesma existem vários estabelecimentos comerciais - resposta ao n.º 110 da BI.

84º - A publicidade da ... foi superior durante os anos de lançamento - resposta ao n.º 111 da BI.

85º - A publicidade da ... é realizada quer por publicidade tradicional, quer pela realização de eventos públicos, quer pela presença em meios de comunicação social, a que acrescem ainda um site na Internet, press releases, guias turísticos nacionais e internacionais, placares publicitários, panfletos, autocolantes para automóveis e barcos, e ofertas de roupas com o logótipo da ... - resposta ao n.º 112 da BI.

Relativos à iluminação, segurança, limpeza e horário:

86º - Durante vários anos a iluminação era insuficiente, particularmente em certos locais mais afastados da zona de restauração e bares, bem como a sinalética escassa - resposta ao n.º 47 da BI.

87º - Devido à insuficiência de serviços de segurança, até 2002, em particular nos fins de semana de Verão dos anos de 2000 e 2001, ocorreram situações frequentes de vandalismo e confronto físico entre jovens e grupos rivais, sobretudo à noite na zona dos bares mas que por vezes se estenderam a outros locais, o que gerou um clima de alguma insegurança - resposta ao n.º 49 da BI.

88º - Por esta razão, a ré - que inicialmente não se opôs ao encerramento mais tardio dos bares - a partir do dia 22 de Agosto de 2000 passou a exigir o cumprimento do horário estabelecido, até às 02:00 horas - resposta ao n.º 50 da BI.

89º - O funcionamento dos bares a partir das 02:00 horas aumentava o risco de ocorrerem distúrbios - resposta ao n.º 115 da BI.

90º - A referida vandalização incluía as instalações das casas de banho públicas, que muitas vezes se encontravam degradadas e impróprias para utilização, verificando-se também faltas de limpeza atempada, com lixo por vezes espalhado pelas instalações da M.... - resposta ao n.º 53 da BI.

91º - A entidade policial competente no espaço da ... é a Polícia Marítima, a qual, tal como a PSP, não tem efectivos que lhe permitam realizar o patrulhamento contínuo da ... - resposta ao n.º 120 da BI.

92º - Em Outubro de 2001 a R. solicitou à PSP de … que um efectivo policial se encontrasse permanentemente na ... às Sextas-feiras, Sábados e vésperas de feriados, das 22h45 às 02h45, em regime de serviço remunerado pela BB, tendo, desde essa data, a PSP de Cascais prestado o referido serviço - resposta ao n.º 121 da BI.

93º - A partir daquela data, a presença remunerada de elementos da PSP contribuiu para que os distúrbios fossem diminuindo - resposta ao n.º 116 da BI.

94º - Nos últimos anos foram instaladas câmara de vigilância vídeo abrangendo a maior parte dos espaços públicos, nas quantidades referidas a fls. 2007, 2027 e 2039 - resposta ao n.º 51 da BI.

95º - Anteriormente já existiam algumas câmaras de videovigilância pelo menos em alguns edifícios, mas em número reduzido - resposta ao n.º 122 da BI.

96º - Surgiram notícias em jornais – como as de fls. 1718 e 1719 - sobre as situações de vandalismo referidas - resposta ao n.º 52 da BI e documentos.

97º - Como regra e com referência a data posterior à indicada no n.º 87, quando se verifica uma autorização da Câmara Municipal de …  para o alargamento temporário do horário de funcionamento dos estabelecimentos de restauração e bar na ... a BB procede ao reforço da segurança na ..., através do aumento da vigilância da SOV, do aumento do serviço remunerado da PSP e do aumento do serviço de limpeza - resposta ao n.º 117 da BI.

98º - Nos anos de 1999 e 2000, os serviços de segurança foram prestados pela empresa P... no ano de 2001, foram prestados pela empresa L... e, desde o ano de 2002 até ao presente, os serviços de segurança têm sido prestados pela empresa S.O.V. - resposta ao n.º 118 da BI.

99º - Essas empresas têm no local pessoas e equipamentos de segurança - resposta ao n.º 119 da BI.

100º - Existem três instalações sanitárias públicas na ... - resposta ao n.º 123 da BI.

101º - Uma das instalações sanitárias é fronteira à loja da A., do outro lado da rua, na fachada Sul do Edifício Central - resposta ao n.º 124 da BI.

102º - Nos meses subsequentes à abertura da M...., não existiam recipientes para lixo em quantidade suficiente - resposta ao n.º 55 da BI.

103º - Após esse período, existem vários recipientes de lixo na ... e recipientes para recolha separada de resíduos - resposta ao n.º 130 da BI.

104º - A limpeza das instalações sanitárias e da restante ... foi inicialmente assegurada pela empresa S…, passando a ser assegurada pela empresa ISS - resposta ao n.º 126 da BI.

105º - A ré contratou e paga os serviços dessas empresas, sendo as instalações sanitárias limpas várias vezes por dia, com referência ao período posterior ao referido no n.º 87 - resposta ao n.º 127 da BI.

106º - A ..., após o período referido no n.º 84 recebe limpezas gerais todos os dias e limpezas pontuais sempre que necessário, por vezes mais do que uma vez ao dia - resposta ao n.º 128 da BI.

107º - A BB limpa os pontões da ..., as águas superficiais da ... e o fundo da ..., recorrendo para tanto a uma empresa de mergulho.

Relativos às instalações da autora:

108º - A loja em causa foi entregue pela R. a  CC no dia 7 de Setembro de 1999, ainda em tosco, tal como aconteceu com as restantes, e com acordo daquele – alínea p).

109º - Assim, CC executou e custeou as obras de preparação para a actividade a desenvolver na loja, designadamente, a construção de um entrepiso, de uma escada rebatível, de um varandim, revestimento das paredes com pladur e da cabina de provas em madeira, colocação de prateleiras e suportes, pontos e focos de luz embutidos, instalação de ar condicionado, revestimento do pavimento em madeira (mogno) com sobre piso à entrada, construção de dois degraus para o piso inferior e instalação de letreiro luminoso exterior em alumínio e letras em relevo a inox, iluminado sob as letras com tubagem de iodo, entre outras) – resposta aos nºs 21 e 22 da BI.

110º - Por vezes surgem maus cheiros no interior da loja da autora - resposta ao n.º 58 da BI.

111º - A R. permitiu, em 2008 a abertura de, pelo menos, 2 (duas) lojas, no Edifício ..., cuja actividade era a de comércio de equipamento/vestuário náutico - resposta ao n.º 60 da BI.

112º - Uma dessas lojas situa-se ao lado da loja da autora - resposta ao n.º 61 da BI.

113º - A autora queixou-se desta situação - resposta ao n.º 62 da BI.

114º - A partir de certa altura, a ré passou a ceder espaços comerciais por períodos mais curtos, incluindo por um ano, com pagamentos mensais, o que significa um investimentos dos respectivos utentes inferior àquele que foi suportado por quem celebrou contratos antes ou por ocasião da abertura da M.... - resposta ao n.º 64 da BI.

Relativos aos prejuízos:

115º - As situações referidas nos números 49, 50, 51, 58, 59, 61, 63, 68, 70, 71, 72, 86, 87, 88, 96 e 102 contribuíram para afastar público da M.... - resposta ao n.º 54 da BI.

116º - Em virtude desta diminuição de público, também decresceu o volume de negócios da generalidade dos estabelecimentos, incluindo o da autora - resposta ao n.º 65 da BI.

117º - A autora teve vendas da ordem das mencionadas no n.º 66 da BI - resposta respectiva.

118º - Bem como resultados líquidos da ordem dos indicados no n.º 67 da BI - respectiva resposta.

119º - A autora tem actualmente dificuldade em cumprir as suas obrigações vencidas - resposta ao n.º 69 da BI.

120º - E tem dívida à segurança social, mencionada no doc. de fls. 3215 - resposta ao n.º 70 da BI.

121º - É a sócia DD quem está à frente da loja, com auxílio de uma funcionária - resposta ao n.º 71 da BI.

Relativos ás tarifas/taxas:

122º - Depois da abertura da M...., ainda em 1999, e sem qualquer explicação prévia, a ré emitiu e remeteu aos lojistas a factura das taxas de manutenção com o valor de 13.600$00 (€ 67,84/m2/ano) para os espaços comerciais e de 6.000$00 (€ 29,93/m2/ano) para os terraços - resposta aos nºs 73 e 137 da BI.

123º - Na sequência da reacção negativa da maior parte dos lojistas, a ré, através do escrito de fls. 146, comunicou-lhes que a inclusão em alguns contratos de uma Previsão de taxas para o ano de 1999 tinha sido devida a lapso, que não iria cobrar os valores referidos no número anterior no ano de 1999 e que isso iria acontecer apenas no ano seguinte - resposta ao n.º 136 da BI.

124º - Como meio de reagir aos aumentos das taxas e a outras situações que consideravam necessitarem da actuação da ré, como aquelas que constam dos números anteriores, relacionadas com parque de estacionamento, acessos, instalações, arranjos, limpeza e segurança, a maior partes dos lojistas então existentes constituíram uma Associação (A…) em finais de 1999, tendo  CC participado em reunião da mesma por volta de 2000, para além de receber informações que a associação lhe enviou, pelo menos por volta de 2003 - resposta ao n.º 79 da BI.

125º - Decorreram reuniões entre essa associação e a ré no sentido de ultrapassar as situações em causa - resposta ao n.º 80 da BI.

126º - Em resposta à associação de lojistas e para demonstrar a correcção dos valores das taxas fixadas após a abertura da M...., a ré apresentou o quadro junto a fls. 3237.

Esse quadro apresenta na sua parte superior dois quadros; no primeiro, ao lado esquerdo, constam custos “com pessoal”, onde se inclui a “administração”, que terminam no ano de 2001; no segundo, do lado direito, sob o título “taxas de manutenção”, aqueles custos com “pessoal “, do ano de 2001, são “imputados”, em percentagens, variáveis em relação a cada custo e a cada um dos sectores, a “lojas”, “terraços” e “oficinas”; segue-se, mais à direita, a imputação dos mesmos custos com “pessoal” à concessionária (na parte restante, não imputada aqueles sectores), também em percentagens, variáveis em relação a cada um dos custos.

Na parte inferior constam dois outros quadros, organizados segundo o mesmo método, mas agora com referência a “custos” (onde se incluem a “Direcção Técnica”, o “DAF” (departamento de administração financeira, em princípio, “Serviços administrativos”, “renda”, “seguros”, “manutenção de equipamento”, “custos a dividir” (?), entre outros).

No canto inferior esquerdo consta um resumo, referente ao ano de 2001, com “total BB 0,48%; Total taxas 0,52%” - resposta ao n.º 73 a) da BI.

127º - Ao qual aquela associação respondeu através da comunicação de fls. 3231 e 3603 dos autos, onde aceita alguns dos valores indicados pela ré, propõe a redução de outros, e rejeita alguns deles, por considerar que não devem ser tomados em consideração, casos dos custos com a administração, acessória da administração, DAF, renda que a ré para ao Estado, seguros gerais, gás, e custos a dividir, por desconhecer a que se referem - mesma resposta e documentos.

128º - Em anterior processo deste tribunal, para o mesmo efeito, a Directora dos Serviços Financeiros da ré apresentou os quadros de fls. 3534 e 3535, este com um quadro onde se menciona a “evolução de alguns dos custos que concorrem para a formação das taxas”, com os mesmos custos e valores que constam do n.º 134 da BI, resultante da alegação da ré - mesma resposta e documentos.

129º - E em momento posterior desse mesmo processo, a ré apresentou o estudo da D... junto a fls. 3017 e segs. dos presentes autos - mesma resposta e documento.

130º - Nos presentes autos, na sequência da notificação que foi feita pelo tribunal, a fls. 3432, a ré apresentou os mapas que constam de fls. 361/2, na linha dos valores que constam do Relatório da D... - mesma resposta e documento.

131º - No segundo semestre de 2002 passou a cobrar (valores inferiores) de € 60,00/m2 para os espaços comerciais e € 29,00/m2 para os terraços, o que sucedeu na sequência da comunicação escrita de fls. 3015, de 21 de Agosto de 2002, cujo teor é o seguinte:

"A BB manteve ao longo de mais de um ano reuniões com a A… no sentido de se encontrarem soluções conjuntas que permitissem ultrapassar algumas divergências que têm vindo a verificar-se, dificultando o bom funcionamento da M.....

"Constatámos que, apesar dos esforços desenvolvidos, não foi, infelizmente, possível a concertação dessas posições e, não sendo aceitável manter por mais tempo um impasse que a todos prejudica, podendo pôr em causa a sobrevivência de todo um projecto, decidiu a BB passar ao contacto directo com cada um dos cessionários.

"Por uma questão de coerência, manteremos a proposta efectuada à A...

"Deste modo, e relativamente aos contratos firmados até ao final de 1999, iremos proceder como segue:

"a) Lojas que se encontrem em funcionamento e com as suas contas saldadas:

"Sobre a facturação de taxas de manutenção já emitidas, procederemos à emissão de notas de crédito no valor de 40%, 35% e 25% respectivamente, sobre os anos de 2000, 2001 e 2002.

"Por alteração ao contrato, será concedida uma prorrogação de prazo de contrato por mais 2 anos, desde que ao longo do período continuem a ser cumpridas as suas obrigações (...)

"d) Valores das taxas

"Passarão a ser debitadas a partir do quarto trimestre do ano corrente, com os valores seguintes: Lojas - 60 €/m2/ano; Esplanadas - 29 €/m2/ano.

"No final do ano de 2003 serão actualizados (com base na proposta anteriormente efectuada à A…) tendo por base um acréscimo de valor correspondente ao agravamento do IPC, acrescido de um máximo de 50% deste (..)

"Esta posição que esperamos venha a merecer um bom acolhimento … cria condições para a dinamização urgente do espaço comercial …” – resposta ao n.º 138 da BI.

132º - A partir desta data, os aumentos não ultrapassaram a inflação, tomando sempre por base os valores fixados pela ré em 2002 - resposta ao n.º 74 da BI.

133º - E a 28 de Dezembro de 2006, através de uma circular enviada aos lojistas, a R. informou que não tencionava repercutir quaisquer aumentos de encargos que a BB venha a ter de suportar, nas facturas a emitir para o ano de 2007 - resposta ao n.º 75 da BI.

134º - A ré suporta ao longo dos anos custos da ordem dos indicados no n.º 134 da BI - resposta a este n.º da BI.

135º - A oposição da maior parte dos lojistas aos valores de taxas fixados pela ré após a abertura da M.... chegou a ser noticiada em jornais - resposta ao n.º 77 da BI.

Relativos à resolução do contrato

136º - A autora tem pago as taxas de manutenção pelos valores acima referidos sob o n.º 21, aos quais aplica actualizações anuais - resposta ao n.º 78 da BI.

137º - Através da comunicação de fls. 147/8 dos autos, a ré propôs dar sem efeito os valores de taxas facturados, desde que a autora aceitasse a suspensão do contrato caso a ré viesse a proceder à remodelação da M...., proposta que tinha em vista criar condições para a concretização de um futuro projecto de reformulação/requalificação da M...., referido nos últimos Relatórios de Gestão da ré (fls. 2028 e 2039/40) - resposta ao n.º 81 da BI.

138º - A R., por carta datada de 15 de Abril de 2008, comunicou à autora o seguinte: “Aproveitamos para proceder à interpelação admonitória de V. Exa. para proceder ao pagamento integral da quantia em dívida, acrescida de juros de mora à taxa legal, até à data de 24.04.2008” - alínea v) dos fatos assentes.

139º - Por carta datada de 7 de Julho de 2008, a R. comunicou à autora “proceder a uma nova interpelação para procederem ao pagamento integral das quantias em dívida referente à loja 132 sita na ... no prazo de 30 dias, com natureza admonitória” - alínea x) dos factos assentes.

140º - Por carta datada de 22 de Setembro de 2008, a R. comunicou à autora que “Não tendo V. Exas. procedido ao pagamento da quantia em dívida no prazo de 30 dias constante da interpelação admonitória, vimos por este meio esclarecer que se verifica o incumprimento definitivo culposo do contrato por parte de V. Exas. o que permite à BB proceder à resolução do contrato.

"Acresce que se encontra também verificado o fundamento de resolução do contrato, acordado na cláusula 15ª do contrato em vigor.

"No entanto, (...) vimos por este meio informar que aguardaremos até às 12h do dia 6 de Outubro pela V. resposta. Caso não proceda ao pagamento da quantia em dívida até essa data, iremos proceder à resolução do contrato” - alínea z) dos fatos assentes.

141º - A R., através de carta datada de 13 de Outubro de 2008, registada com AR, comunicou à autora a resolução do referido contrato, por falta de pagamento das taxas fixadas - alínea aa) dos fatos assentes.

142º - A partir dessa data, a R. começou a enviar à A. facturas pela ocupação do espaço - alínea ab) dos fatos assentes.

143º - A BB enviou à A. as facturas (com IVA incluído), enumeradas na alínea AC) dos fatos assentes, que foram por ela recebidas, para cobranças das taxas fixadas - alínea ac).

144º - No total a BB enviou à A. que as recebeu, facturas respeitantes a taxas no valor de €15.658,36 - alínea ad).

145º - A BB recebeu, para pagamento dessas facturas, o total de € 4.271,47 - alínea ae).

146º - Não obstante a comunicação aludida em AA), a A. não devolveu à R. a loja 132 - alínea af) dos fatos assentes.

 

IV – Do mérito – Situando a questão jurídica que se coloca não poderemos deixar de ter em consideração que com a acção a A reagiu judicialmente à resolução unilateral do contrato[1] por parte da R invocando para tanto a inexistência de fundamentos para a resolução e (ou) subsidiariamente e para o caso de assim se não entender alegando que a actuação da R configura uma situação de abuso do direito de resolução e pedindo ainda a condenação da R no pagamento de indemnização por incumprimento do contrato; adianta ainda, e também subsidiariamente, que no caso de se entender como válida a resolução deverá a R devolver-lhe parte do preço pago correspondente ao período que falta até ao termo do contrato, isto com fundamento num alegada nulidade da cláusula 15º nº 2 do contrato (nulidade decorrente de violação do artigo 12º do RCCG).

Toda a estrutura da causa de pedir, e esta situação releva para todo o processo de formação da decisão, se suporta no facto de a A considerar ilegais e abusivos os aumentos das taxas de manutenção.

Enunciados os termos gerais das questões colocadas passaremos à análise das questões específicas colocadas no recurso.

A - Da ilegalidade/inexigibilidade das taxas

Por razão de sequência lógica e pela sua natureza prévia começaremos por apreciar a questão que se prende com a invocada ilegalidade/inexigibilidade das taxas de manutenção[2].

De acordo com o ponto de vista da A (recorrente), perspectiva que alicerça na matéria factual constante dos pontos 21º a 23º e 122º a 131º dos factos provados, o montante das taxas cobradas pela BB -  (re)fixação efectuada ainda no ano de 1999 – é profundamente desproporcionado e, além disso, a sua fixação não respeitou princípios elementares do procedimento administrativo por alegada violação dos princípios da audiência prévia e da fundamentação, sendo os actos administrativos que aprovaram as taxas e destituídos de efeitos jurídicos , independentemente de declaração de nulidade (artigos 133º e 134º CPA)[3].

De acordo com a posição da recorrente, que com a argumentação ora expendida procura ultrapassar as consequências legais da não impugnação do acto no prazo legal[4], a violação de normas constitucionais que impõem os deveres de audiência prévia e de fundamentação determinaria a nulidade do acto administrativo de fixação do montante da taxa por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental.

Esta questão (relativa ao acto administrativo praticado pela Ré quanto à fixação/aumento de taxas que se destinavam a cobrir despesas de manutenção e conservação do espaço da M....) foi decidida no acórdão recorrido no sentido de que tal acto “reveste a natureza jurídica de acto administrativo, correspondendo ao exercício de um verdadeiro poder de autoridade que foi conferido, por delegação do Estado Português, à Ré BB, S.A., por via da seu representante ENATUR – Empresa Nacional de Turismo, S.A., através do “ Contrato de Concessão da Construção e Exploração da ... “, celebrado em 21 de Setembro de 1995, na sequência da anterior publicação do Decreto-lei nº 335/91, de 7 de Setembro, com a redacção que lhe foi introduzida pelo Decreto-lei nº 14/94, de 20 de Janeiro, o qual aprovou as Bases Gerais da Concessão da ...”, acrescentando-se que se trata de um “acto administrativo perfeitamente comum no funcionamento das entidades administrativas, uma vez que se limita, pura e simplesmente, a fixar o montante pecuniário correspondente a determinada taxa a pagar pelo lojista residente na M...., com alteração, ao ritmo anual, do valor antecedente, não se encontrando inquinado do tipo de vício cuja gravidade imponha a cominação da sua nulidade”. Conclui-se no acórdão sob recurso que se trata de um “acto administrativo anulável, nos termos gerais do artigo 136º do Código do Procedimento Administrativo, pelo que competia ao respectivo interessado a sua impugnação judicial, a qual deveria ter tido lugar dentro do condicionalismo temporal prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 59º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, ou seja três meses a contar da notificação, da publicação ou do conhecimento do acto ou da sua execução… pelo que não lhe é legítimo discutir, através de acção judicial comum entrada em juízo em 2009 (quase dez anos após o primeiro aumento), a validade desse acto administrativo, há muito consolidado na ordem jurídica”.

Na situação que se nos coloca temos como certo que nos termos da Base XVII do DL 335/99, de 7 de Setembro (bases gerais da construção e exploração da ... por entidade privada) o valor das taxas e tarifas é livremente fixado pela concessionária que dele dará conhecimento ao concedente antes da sua entrada em vigor sendo igualmente certo que a obrigação do pagamento do montante dessa taxa (livremente fixado) decorre expressamente do contrato de cessão de direito de exploração de estabelecimento comercial aqui em causa conforme a sua cláusula nona (“Taxas, Impostos e Encargos”) onde expressamente se refere que “durante o período de vigência do presente Contrato, o Promitente Cessionário satisfará, na proporção que lhe corresponda, as taxas de manutenção e demais serviços prestados no âmbito da exploração da ..., tais como vigilância, limpeza ou promoção geral, de acordo com o disposto no Regulamento de Exploração da ..., nos tarifários aplicáveis e outras normas ou regulamentos que venham a ser aprovados pela ENATUR, e dos demais acordos a que fica vinculado o promitente cessionário do direito à utilização do Estabelecimento Comercial. Os referidos pagamentos serão efectuados antecipada e trimestralmente pelo promitente cessionário à BB, salvo se nas normas aplicáveis se dispuser em sentido diverso.
O promitente cessionário será responsável pelo pagamento de todas as taxas, impostos ou encargos que incidam sobre o estabelecimento comercial, bem como sobre o exercício da actividade a que o mesmo se destina “.
Não pondo em causa a obrigação de pagamento das taxas devidas nos termos contratuais a posição da recorrente A (como aliás terá ocorrido com grande parte dos lojistas) traduz uma discordância relativamente à refixação do valor dessas taxas num curto espaço de tempo após o inicio da vigência do contrato, discordância que deu origem a que por sua exclusiva iniciativa deixasse, sem praticar qualquer acto de impugnação, de pagar o valor refixado pagando apenas o valor inicial com as actualizações anuais.
Perante a decisão proferida em 2ª Instancia a recorrente vem agora com a tese acima já enunciada através da qual sustenta a nulidade do acto de fixação das taxas por violação de normas constitucionais que impõem na prática de actos administrativos a observância dos princípios da audiência prévia e da fundamentação; na tese da recorrente a omissão dessas formalidades essenciais determinaria a nulidade absoluta (independente de declaração) desses actos administrativos, a consequente inexigibilidade dos valores fixados e por ultimo, e ainda consequentemente, a inexistência de qualquer incumprimento contratual da sua parte fundamentador da resolução do contrato (no caso nos termos da cláusula 15ª).
Não merecendo, face nomeadamente ao que consta dos termos aplicáveis do diploma legal que estabelece as bases gerais da exploração da M...., censura a decisão que neste segmento é tomada no acórdão recorrido - porquanto é certo que se não verifica qualquer situação típica geradora da nulidade daquele acto administrativo designadamente por ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental[5] (entende-se que caso a violação do direito fundamental não atinja o seu "conteúdo essencial" ou o seu "núcleo duro" a sanção adequada será a anulabilidade) - deve acrescentar-se que da factualidade provada, concretamente da análise interpretativa do ficou consignado nos artigos 122 a 135 dos factos provados, não resulta qualquer violação pela concessionária dos deveres de fundamentação e audiência prévia; conforme se extrai dos pontos 125 a 129 (em particular do ponto 126) a M.... estabeleceu conversações e fundamentou a sua decisão em reuniões com a Associação representativa dos lojistas isto após ter fixado o valor das taxas e tarifas nos termos em que os mesmos deviam ser fixados, conforme nº 3 da Base XVII do DL. 335/91.
Mostra-se destituída de todo e qualquer fundamento factual sustentador a invocada nulidade absoluta do acto administrativo que refixou as taxas pelo que para além disto e independentemente disto não poderia a A recorrente dados os termos em que estava contratualmente vinculada deixar de, por iniciativa própria e sem qualquer acto de impugnação, pagar o montante das taxas exigidas pela R.
Dito isto e assim sendo, tal como (em situações de todo idênticas se decidiu no acórdão deste STJ de 2/12/2013 (Skipper v. BB) e igualmente no acórdão de 23/1/2014 (EE, Ldª v. BB), estando em causa uma eventual situação de anulabilidade de acto administrativo e não tendo a A aqui recorrente impugnado em tempo e local próprio a legalidade /exigibilidade da fixação das taxas tais actos são (contratualmente) válidos, sendo por isso exigível, nos termos contratuais existentes e em especial face ao que consta das cláusulas 9ª e 13ª do contrato, o seu pagamento (sendo que a falta de tal pagamento constituía nos termos contratuais que adiante analisaremos fundamento bastante para a resolução do contrato por parte da R).

B - Sobre um eventual incumprimento contratual da R e consequente obrigação de indemnizar.

Após análise e decisão sobre esta primeira questão passaremos a analisar e decidir sobre a invocada questão de um eventual incumprimento contratual por parte da R decorrente da não concretização das obrigações assumidas na fase de negociação e a consequente obrigação de indemnizar.

Para um correcto enquadramento de toda a questão (não só desta mas também – reflexamente - das que a seguir analisaremos) torna-se necessário precisar que nos situamos perante um contrato inominado ou atípico em tudo idêntico a um contrato de utilização de espaços em centro comerciais actualmente classificado na doutrina e jurisprudência como um contrato “inominado cujo principal elemento caracterizador consiste na integração empresarial”, isto é, “um contrato inominado ou atípico, livremente regulado pelas partes no exercício da sua autonomia” (ver Lebre de Freitas in Estudos Sobre Direito Civil e Processo Civil pg. 560 a 569, Oliveira Ascensão “Integração Empresarial e Centros Comerciais” EFDL 1991 e Lojas em Centros Comerciais in ROA 1992 III pg. 835, Antunes Varela in Os Centros Comerciais (Shopping Center) pg. 3 e sgs. e em anotação aos ac. STJ de 24/3/92, 22/10/92, 18/3/93, 26/4/94 e 1/2/95 in RLJ 128º pg. 371-372; STJ de 26/4/94 CJ 1994-2-59 e de 1/2/95 CJ 1995-1-46).

A posição da recorrente nesta concreta questão, sublinhe-se que a sua actividade ligada ao comércio de equipamento técnico ligado com a actividade náutica e acessórios desta mesma actividade se dirige necessariamente a uma clientela muito especifica, alicerça-se no facto de entender que existiu um incumprimento contratual por parte da BB (suportado na factualidade que especificamente indica), incumprimento que se traduziria na não concretização de características essenciais do espaço global da M.... determinantes da vontade de contratar, características essas apresentadas durante a fase de negociação; e na posição da recorrente essas características do espaço global da M.... assumiram natureza vinculativa, inserindo-se no contrato atípico que foi celebrado (entre os factos integradores do alegado incumprimento refere a recorrente a não realização do parque de estacionamento subterrâneo no tempo e com as características anunciadas; a não construção atempada do acesso pedonal; o atraso na realização dos arranjos paisagísticos e seu tratamento; a ausência de “ zona de moda “, lavandaria e supermercado; a insuficiência da política promocional da M....; e os problemas relacionados com a segurança, iluminação e limpeza).

Prevaleceu no acórdão recorrido a tese segundo a qual do ponto de vista técnico-jurídico as omissões apontadas não podem ser fundamento para que se considere haver incumprimento do contrato de cessão do direito de utilização de loja celebrado entre a A. e a R, isto porque as obrigações indicadas como violadas ou omitidas pela R não se podem considerar obrigações secundárias ou deveres laterais apostos ao negócio ou estipulações verbais acessórias.
Devemos começar por referir, na análise deste segmento do recurso, que discordamos da interpretação feita no acórdão recorrido na parte em que resume os direitos e obrigações das partes contratantes ao que especificamente resulta do contrato entre elas celebrado ou seja na parte em que restringe as obrigações contratuais da BB à cedência de utilização da loja e conclusão da construção da mesma até 31 de Julho de 1999 (cláusulas 1 e 2 do Contrato); conforme resulta da natureza do contrato - espécie atípica e inominada que configura um misto de arrendamento para comércio e de prestação de serviços[6] - e em atenção aos específicos interesses associados à ideia criadora do espaço lúdico, desportivo e comercial que integra a ... (conceito integrado e global) recaíam sobre a R outras obrigações, nomeadamente de conservação, promoção, manutenção, segurança e limpeza do espaço que resultam para a concessionária do próprio Regulamento de Exploração e Utilização da M...., sendo que as taxas de manutenção a que aludimos no anterior segmento de análise mais não são de que a contrapartida dos serviços prestados (como refere Carlos Ferreira de Almeida sobre a finalidade meta - jurídica do contrato, função económica e social – Contratos II, páginas 15 e seguintes – “os contratos são acções, actos orientados para finalidades ou funções sendo estas que dão sentido e coerência ao conjunto dos restantes elementos textuais e que entre eles estabelecem relações de coesão” .
Por isso e apesar disso, o que podemos porém excluir em resultado do contexto geral do contrato e da prova relevante produzida é que eventuais deficiências na prestação desses serviços e atrasos na realização de obras cuja realização estava prevista possam ser interpretadas, atendendo até à actividade comercial concreta exercida pela A, como situações de incumprimento contratual – nomeadamente por violação de deveres de conduta orientados para o interesse no cumprimento do dever principal da prestação (com função auxiliar na realização positiva do fim contratual[7]) - e muito menos que se possa afirmar que essas deficiências (as quais com relevância e significativamente se limitam aos atrasos na construção do parque de estacionamento previsto na maqueta do empreendimento) estejam em relação directa e adequada com a frustração de qualquer expectativa de lucro, tenham sido determinantes de danos ressarcíveis.
Sendo certo que a vontade da A em celebrar o contrato foi, como aliás é normal na fase de negociação e preparação deste tipo de contratos, relevantemente determinada pelas informações que lhe foram dadas pela R no contexto geral de promoção do espaço[8] e que tinham a ver com as suas características potenciadoras de atracção de clientela, a verdade é que ao celebrar esse negócio numa fase de construção e desenvolvimento do espaço assumiu naturalmente o risco do negócio - o risco de não obter lucros ou os lucros esperados ou de sofrer prejuízos, o risco de por quaisquer circunstancias o espaço não assumir integralmente as características publicitadas, tanto mais que nas situações mais relevantes a possibilidade ou o momento de concretização dependia da previsão de várias entidades e de factores de concretização aleatória[9].
Em todas e quaisquer circunstancias e mais acentuadamente num quadro de crise/recessão económica do facto de um negócio não dar lucro ou não dar os lucros esperados, normalmente calculados por qualquer investidor prudente com base em prévios estudos de mercado, não resulta necessariamente que essa frustração de expectativa, esse erro de previsão, seja fruto de um erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio.
No caso concreto a circunstancia de a A, cuja iniciativa de investimento tinha implicitamente associados os riscos inerentes ao negócio, ter visto frustradas as suas expectativas ou não ter eventualmente realizado a sua expectativa de lucro e não significa que tenha contratado com base em erro sobre as circunstâncias que constituíram a base do negócio ou que tenha ocorrido qualquer relevante alteração de circunstancias determinante de tal frustração de expectativas.
Esta realidade é ainda mais acentuada pelo facto de – independentemente de todas as deficiências que aponta à actuação da R – a A, cuja actividade, repetimos, se dirige a uma clientela ligada à actividade náutica da própria M...., ter permanecido na exploração do estabelecimento durante cerca de 8 anos só reagindo através desta acção quando confrontada com a resolução unilateral do contrato por parte da R.
Acrescente-se ainda, dentro daquela que nos parece ser a perspectiva mais correcta de análise da fundamentação da causa de pedir na acção que – relativamente à fase de negociação/formação do contrato ou seja da fase pré-contratual – o contexto da factualidade assente não permite também e de forma nenhuma concluir que a R tenha incorrido em culpa in contrahendo nos termos do que dispõe o artigo 227º CC[10]; esta disposição legal impõe que quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte; impondo desta forma a boa fé como regra de conduta, estabelecendo como pressuposto da responsabilidade pelos danos culposamente causados à outra parte uma actuação violadora de um conjunto de deveres que inclui, entre vários outros, os de informação, de protecção e de lealdade (em causa no caso presente), que visam no essencial proteger a confiança (neste sentido Prof. António Menezes Cordeiro, “Da Boa Fé no Direito Civil, Almedina, Coimbra, 1997, págs. 650-651).
Sendo certo que na previsão da norma se inclui a protecção face a “contratos indesejados”, designadamente a celebração de um contrato não correspondente às expectativas, devido ao fornecimento pelo parceiro negocial de informações erradas ou à omissão do esclarecimento devido (v. Sinde Monteiro, “Responsabilidade por conselhos, recomendações ou informações”, Almedina, Coimbra, 1989, pág. 355) verdade é que da factualidade assente não se pode de forma nenhuma retirar qualquer violação pela R BB dos deveres de protecção de confiança nada permitindo configurar a sua actuação como violadora das regras da boa-fé (por além do mais não se poder afirmar que conhecesse ou devesse conhecer as situações que a recorrente aponta como violadoras do quadro contratual inicialmente previsto).
Assim e concluindo tendo em conta que a responsabilidade in contrahendo exige a verificação cumulativa dos requisitos da responsabilidade civil e não estando provado que no caso dos autos a R recorrida haja posto em causa deveres de conduta de base legal, na fase negociatória com os autores – designadamente os de informação ou esclarecimento, de protecção ou de cuidado – ou que a sua conduta na fase de desenvolvimento do contrato tenha possa considerar-se em violação objectiva da boa fé fica arredada a sua responsabilidade e consequente obrigação de indemnizar.
Carece de fundamento este segmento do recurso.

C – Sobre a alegada nulidade parcial do contrato –

Argumenta a recorrente que tratando-se de um contrato de adesão a aplicando-se in casu o disposto no DL 446/85 (adiante LCCG) deverá, por aplicação do disposto no artigo 12º ex vi do artigo 19º daquele diploma legal, declarar-se nulo o disposto no nº 2 da cláusula 15ª do contrato reduzindo-se o preço do contrato e restituindo-se a quantia de 83144,32€ correspondente ao período que falta para perfazer os 25 anos de utilização que tinham sido previstos[11].

Tendo como assente que estamos efectivamente perante um contrato de adesão, é certo que na referida cláusula 15º está clausulada a possibilidade de no caso de incumprimento de qualquer disposição do contrato a parte adimplente poder resolver o contrato nos termos ali previstos sendo que no nº 2 dessa cláusula se confere exclusivamente à BB, no caso de resolução contratual por parte do promitente cessionário e sem prejuízo do direito de indemnização, o direito a cobrar a totalidade dos montantes devidos até à data inicialmente prevista para termo da duração do contrato acrescendo que não tem nesse caso a contraente BB qualquer obrigação de devolução de quaisquer montantes recebidos do promitente cessionário por referencia à data do termos do contrato[12].

Tendo como certo que a regra da livre fixação do conteúdo dos contratos consagrada no artigo 405º CC está sujeita a limitações que se têm multiplicado de forma acentuada principalmente nos contratos em que afloram com mais frequência ou intensidade poderosos interesses colectivos ao lado dos meros interesses particulares limitações essas que se podem considerar englobadas genericamente nas palavras introdutórias do artigo 405º “dentro dos limites da lei[13][14] verdade é que essas limitações que têm a finalidade de assegurar a lisura e correcção com que as partes devem agir, para que o supra citado normativo remete, limitando as partes aos limites da lei, como o seja, ao dever de boa - fé, quer na preparação ou formação dos contratos (artigo 227º, n.º 1), quer na sua execução (artigo 762º, n.º 2).

No caso concreto[15] a fundamentação usada pela recorrente aponta para a alegada existência de uma cláusula relativamente proibida (invoca a recorrente a total desproporção gerada pela cláusula que criará intolerável diferença de regimes) cujo fundamento poderá sustentar-se na alínea c) do artigo 19º LCCG; como neste ponto se decidiu no acórdão recorrido a clausula 15ª nº 2 do contrato não inclui, nem prevê, qualquer cláusula penal (tal como a figura jurídica se encontra definida no artigo 810º do Código Civil) aplicável a um hipotético incumprimento por parte do cessionário não se tratando de proceder à fixação antecipada do quantum indemnizatório exigível para o caso de incumprimento contratual em que o cessionário viesse a incorrer tanto mais que no âmbito da mesma cláusula encontra-se perfeitamente autonomizado o “ direito de indemnização ou compensação por danos ou prejuízos causados “.

Conclui-se no acórdão recorrido que não há cabimento legal para a aplicação da alínea c) do artigo 19º do Decreto-lei nº 446/85, de 25 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei nº 220/95, de 31 de Agosto e pelo Decreto-lei nº 249/99, de 7 de Julho, relativa ao regime das denominadas “ Cláusulas Contratuais Gerais “, conforme pretendeu a A.

Não nos merecendo qualquer censura este segmento do acórdão recorrido, e atendendo a um especifico contexto contratual no qual a gestão de um espaço integrado e global implica uma especial responsabilidade de todos aqueles que nesse espaço exercem a sua actividade, acrescentamos que, em nosso entender e em complemento do que se referiu, não resulta da interpretação da cláusula em questão qualquer desajustada desproporção entre a obrigação/sujeição de uma das partes ao arbítrio ou poder negocial do outro (como refere o Professor Oliveira Ascensão- estudo citado na nota de rodapé nº 9 – “para que possa ocorrer uma declaração de invalidade da cláusula contratual geral teria de confirmar-se uma significativa, patente e desajustada desproporção entre a obrigação/sujeição de uma das partes ao arbítrio ou poder negocial do outro (predisponente) … é necessário ter bem presente que a invalidade do contrato, atendendo ao conteúdo, só poderia funcionar em casos em que a desproporção é manifesta. É a fórmula do art. 334.º C.C., a propósito do abuso do direito, que não poderia deixar de se aplicar aqui”.

Também neste ponto não merece censura o acórdão recorrido.

D - Sobre alegado abuso do direito de resolução do contrato –

Os argumentos utilizados pela recorrente em fundamentação deste segmento do recurso apontam no sentido de o procedimento da recorrida ser ofensivo dos limites impostos pela boa-fé porquanto, além do mais, a conduta da R ao não exercer o direito de resolução durante o longos período de 8 anos no qual a recorrente não pagou a totalidade das taxas criou a convicção que o direito não seria exercido; conclui desta forma pela existência de um comportamento contraditório da parte da BB enquadrável, na figura do abuso do direito na modalidade de “venire contra factum proprium” e mais precisamente na submodalidade da “supressio[16]”.

Entendeu-se no acórdão recorrido que a figura do abuso de direito, genericamente consagrada no artigo 334º do Código Civil, não tem aplicação à conduta da Ré, que se limitou a exigir o que lhe era devido, não sendo possível, nem concebível, a qualificação como manifestamente ofensivo dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito, do propósito do titular do direito potestativo que, ao fim de oito anos de insistentes e repetidos avisos para o cumprimento, pela contraparte, das obrigações contratualmente contempladas, decide colocar um ponto final na relação jurídica com esse mesmo fundamento, sendo certo que, antes de o fazer, ainda lhe concedeu prazos suplementares para poder obviar ao exercício do direito de resolução.

Acompanhamos no essencial a decisão tomada no acórdão recorrido acrescentando que, neste concreto segmento, se nos afiguram dificilmente sustentáveis os argumentos da recorrente.

De um modo geral a vocação da figura do abuso do direito tem como objectivo primordial – funcionando como que uma ‘válvula de segurança’ do sistema – obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstracção da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante[17].

 Na sua formulação dogmática e no quadro do instituto do abuso do direito, o “venire contra factum proprium’ assume uma estrutura que pressupõe duas condutas, sucessivas mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o “factum proprium” (no caso da supressio uma inacção) seguido, em contradição, do ‘venire’[18].

No caso da “supressio”, enquanto forma de protecção do beneficiário confiante inacção, inércia ou omissão do exercício de um direito por parte do seu titular a sua objectiva e concreta caracterização determina para além da constatação factual do não exercício prolongado do direito, outros factores que permitam suportar razoavelmente uma confiança do beneficiário no não exercício do direito, não sendo de deixar de ter em conta uma avaliação no sentido de que o exercício tardio direito maiores acarretou intoleráveis desvantagens do que as que decorreriam do seu exercício atempado.

A situação de inacção no exercício do direito determinaria neste caso que face à situação de confiança gerada à outra parte o exercício superveniente do direito se traduzisse numa desvantagem iníqua, eticamente intolerável (neste sentido o acórdão deste STJ, de 19/10/2000, referido por Menezes Cordeiro em “Litigância de Má-fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo”, Almedina, 2006, páginas 58 e 59).

Sendo, como diz Menezes Cordeiro[19], o quantum do não exercício determinado pelas circunstancias do caso, a factualidade provada não permite de modo nenhum concluir quer que o não exercício do direito de resolução por parte da R (recorrida) fosse susceptível de criar um sentimento de confiança no seu não exercício futuro quer que este exercício fosse no momento em que foi efectivado determinante de qualquer prejuízo acrescido. Como se refere no acórdão recorrido “não faz sentido algum, vir agora – depois de oito anos de sucessivos e ininterruptos incumprimentos – alegar que houve abuso do exercício do direito de resolução, ou de que não estivesse à espera que esse seu incumprimento gerasse os efeitos jurídicos expressamente contemplados no contrato que havia celebrado com a R” tanto mais que a A. se encontrava mais do que avisada de que deveria proceder ao pagamento dos montantes em dívida, sob pena do exercício pela R. do seu direito à resolução do contrato, tendo-os ignorado em absoluto.

Também neste segmento carece de fundamento o recurso.

V. Nos termos expostos acorda-se em negar a revista.

Custas, nas Instancias e neste recurso, pela A.

Lisboa, 2 de Junho de 2015

Mário Mendes (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

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[1] Tal como já ocorria na vigência do anterior Código Civil a resolução pode efectuar-se por declaração unilateral não carecendo de intervenção judicial (artigo 436º nº 1 CC) podendo obviamente a contraparte impugnar judicialmente a resolução.
[2] Refere J.C. Vieira de Andrade (“Validade do acto administrativo)”, DJAP, vol. VII, pág. 582 que num “… sistema de administração executiva, como o português, a generalidade da doutrina está de acordo em que a anulabilidade constitui a «invalidade-regra», em função das ideias de estabilidade (das relações jurídicas criadas pelos actos ou à sombra deles) e de autoridade (mas não já de «presunção de legalidade»), do ato administrativo - para uns porque a nulidade só existe nos casos expressamente previstos na lei; para outros, porque o regime da nulidade só se aplica em casos de vícios particularmente graves …”.
[3]  Decorre do art. 133.º do CPA (“actos nulos”, que são “… nulos os actos a que falte qualquer dos elementos essenciais ou para os quais a lei comine expressamente essa forma de invalidade...” (n.º 1), sendo “… designadamente, … nulos: … d) Os actos que ofendam o conteúdo essencial de um direito fundamental; …” (n.º 2) e no art. 134.º do mesmo Código prevê-se que o “… acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade” (n.º 1) e que a “… nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal …” (n.º 2).
[4] A anulabilidade, possuindo como traços essenciais o facto de o acto anulável ser juridicamente eficaz e produzir todos os seus efeitos até ao momento em que ocorra a sua anulação ou suspensão art. 127.º nº 2 CPA “a contrario”), de ser susceptível de sanação pelo decurso do tempo, por ratificação, reforma ou conversão (artºs. 136.º, n.º 1, 137.º, n.º 2 e 141.º CPA), de ser obrigatório para os particulares enquanto não for anulado, de carecer de impugnação num prazo certo e determinado ou fixado por lei (artºs. 136.º, n.º 2 CPA, e 58.º CPTA), de o pedido de anulação de determinado ato administrativo ter de ser deduzido apenas perante um tribunal administrativo (art. 136.º, n.º 2 do CPA), sendo que a sentença que procede ao reconhecimento da anulabilidade do acto possui natureza constitutiva.
[5] Relativamente às situações fundamentadoras de nulidade de acto administrativo por violação do conteúdo essencial de um direito fundamental v. Acórdãos do STA de 19.04.2007 (Proc. n.º 0809/06), de 13.04.99 (Proc. n.º 041639) e de 04.05.2000, Proc. n.º 045905.
[6] Sobre esta matéria v. Acórdão deste STJ e desta Secção de 5/7/2007 (Conselheiro Sebastião Póvoas)
[7] V. Mota Pinto “Cessão da Posição Contratual”, Almedina e acórdão deste STJ de 23/1/2014 (Conselheiro Álvaro Rodrigues)
[8] Não concordamos de todo com a tese defendida no acórdão no sentido de que se poderia, ainda que abstractamente e se tivesse sido essa a via seguida pela A, tratar de uma situação de erro sobre o objecto do negócio com as consequências previstas nos artigos 251 e 247 CC; quando muito tratar-se-ia de um error in futurum ou de um erro de previsão ou de prognose.
[9] Sobre situação de todo idêntica se pronunciou o acórdão deste STJ de 23/1/2014 (processo nº 8070/06) no sentido de que a responsabilidade por obrigações futuras tem que ser inequivocamente assumida para ganhar relevo jurídico, não bastando a mera declaração de que tal realização está prevista, ainda que tal conste de folhetos publicitários.
[10]   Mota Pinto (citado no acórdão deste STJ de 12/3/2013 – Conselheiro Gabriel Catarino), estima que o “iter negocial” deve ser dividido em dois períodos ou fases: “a) uma fase negociatória que vai desde o inicio das negociações até à formulação da proposta do contrato; e) uma fase decisória integrada por duas declarações de vontade.”
 Abordando, em seguida a questão da segurança jurídica e a necessidade de preservar e salvaguardar aquilo que designa como fundamento teleológico da relação pré-negocial, “o interesse público na segurança jurídica”, estima que este interesse exige “a confiança das partes na aparência duma dada eficácia negocial, presente e futura. Procura evitar-se que elas sejam enganadas pelo significado objectivo dos termos do negócio e das circunstâncias concomitantes.” São duas as formas que poderão obstar a que ocorra um logro ou engano na formação e perfuração de uma relação negocial, ou pré-negocial, a saber: “a) informando-a com exactidão sobre os factos essenciais para a determinação da sua vontade negocial; b) omitindo proposições ou informações inexactas sobre factos essenciais”, a que corresponderiam, na esteira de Hildebrandt, um dever de informação (Anzeigepflicht) e um dever de verdade (Wahrheipflicht). São, em resumo, para este autor, duas as obrigações que devem estar presentes e presidir a uma ajustada e correcta formação e consumação ou decisão de uma relação contratual: a) obrigação de informar; b) obrigação de verdade.
[11] Sobre esta matéria v. Carlos Andrés Laguado Giraldo, “Condiciones Generales, Clausulas  Abusivas y el Principio de Buena Fé en el contrato de seguro”, Universitas, n.º 105, 2003, p.236, Marta Carballo Fidalgo, “La protección del Consumidor frente a las Cláusulas no Negociadas Individualmente”, Editorial Bosch, 2013, p.96, Almeno de Sá, “Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva Sobre Cláusulas Abusivas”, Coimbra, 1999, p. 21 e Oliveira Ascensão, “Cláusulas Contratuais Gerais, Cláusulas Abusivas e Boa-fé”.
[12]  Trata-se aqui de uma cláusula resolutiva cuja função é, como nota BAPTISTA MACHADO (“Pressupostos da Resolução por Incumprimento” in “Obra Dispersa”, I, 186/7 e nota 77) “organizar ou regular o regime de incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução”, devendo ter-se presente que “a cláusula resolutiva expressa «deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada (…)”. Ainda funcionalmente, a cláusula resolutiva expressa assume a feição de meio de pressão sobre o devedor para o cumprimento das suas obrigações, como uma das “formas típicas de coerção privada” (CALVÃO DA SILVA, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1995, pg. 321).
[13] No Estudo de Guilherme Machado Dray, “Breves Notas sobre o Ideal de Justiça Contratual e a Tutela do Contraente mais Débil”, publicado no Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Inocêncio Galvão Telles, vol. I, 2002, pág. 80, citada no acórdão deste STJ de 31/5/2011 (Conselheiro Fonseca Ramos) – pode ler-se: “Actualmente, é relativamente pacífico o afastamento do dogma da autonomia da vontade enquanto fenómeno de produções contratuais necessariamente justas e equilibradas, atento o desequilíbrio negocial patenteado – por vezes – pelas partes contratantes. A célebre fórmula de Fouilée (1838-1912) “quem diz contratual, diz justo”, encontra-se hoje manifestamente desajustada da realidade.

[15]  No caso em apreciação o critério de avaliação dos pressupostos da extinção da relação contratual, nomeadamente da perda de interesse na manutenção do contrato, gerador do direito à resolução, independentemente de qualquer acto ou interpelação, está predeterminado e prefixado pelas partes, através da manifestação de vontade consubstanciada na cláusula resolutiva, de sorte que, verificados os pressupostos do respectivo funcionamento – não pagamento pontual das taxas da responsabilidade da contraparte -, não há que fazer apelo ao critério legal fundante do direito à resolução acolhido pelo art. 808º C. Civil; o pressuposto de invocação do incumprimento definitivo legitimador da resolução, à luz do convencionado, era o simples incumprimento da prestação identificada na cláusula (art. 406º-1 C. Civil).

Perante a redacção da cláusula as partes terão ponderado e “valorado previamente a gravidade da inadimplência a que voluntariamente atribuíram carácter de essencialidade e fundamento de resolução” na economia global do contrato, em termos tais que se atribuíram a faculdade de o resolver sem se discutir a gravidade do incumprimento (cf. CALVÃO DA SILVA, ob. cit., 324; PEDRO R. MARTINEZ, “Da Cessação do Contrato”, pp. 82 e 166).

[16] De acordo com a doutrina dominante “supressio” significa o desaparecimento de um direito não exercido por um lapso de tempo de modo a gerar no outro contratante ou naquele que se encontra no outro pólo da relação jurídica a expectativa de que o mesmo não mais será exercido. Pode-se dizer que essa situação de perda do direito resultará de à prolongada omissão de exercício do direito criadora de uma fundada expectativa de confiança no não exercício se segue um surpreendente acto comissivo, com que já legitimamente não contava a outra parte.
[17] cf., por todos, Vaz Serra, BMJ n.º 85/253; Coutinho de Abreu, ‘Do Abuso do Direito’, 1983; Manuel de Andrade, ‘Teoria Geral das Obrigações’, 3.ª Edição, pgs.63-64; Antunes Varela, ‘Das Obrigações em Geral’, Vol. I, 6.ª Edição, pg. 516; Pires de Lima/A. Varela, ‘Código Civil Anotado’, Vol. I, 4.ª Edição, pg. 299.
[18] V. acórdão deste STJ de 11.12.2013, disponível em www.dgsi.pt.
[19]  Segundo este autor, citado no acórdão deste STJ, de 29/10/2014 (Conselheiro Nuno Cameira) exige-se que o “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente. Como observa este autor  “antes todos deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídica” de impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação  conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo”.