Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1617/06.5TBSTB.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
COMISSÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
COLISÃO DE VEÍCULOS
LESADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/02/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário :
1. Não pode invocar-se a presunção de culpa contida no art. 503º, nº3, para, na indefinição factual acerca da dinâmica do acidente, considerar culpado o condutor/comissário relativamente aos danos sofridos por ele próprio, consubstanciados na lesão de bens corporais e da saúde – já que tal norma delimita o âmbito da presunção de culpa e da consequente responsabilidade apenas relativamente aos danos que, enquanto lesante, o comissário causar (e não aos que ele próprio sofrer, na veste de lesado, em consequência do acidente).

2. Deste modo, ocorrendo uma colisão entre um veículo pesado e um velocípede, ambos conduzidos por comissários por conta das respectivas entidades patronais, mas que apenas haja causado lesões físicas ao condutor do velocípede – não tendo este causado quaisquer danos ao outro interveniente na colisão e não detendo, deste modo, a qualidade de lesante, mas exclusivamente a de lesado – a responsabilidade pela indemnização recai, a título de culpa presumida, exclusivamente sobre o condutor/comissário que causou os danos.

3. Não é aplicável o prazo prescricional mais longo, previsto no nº3 do art. 498º do CC, quando, na indefinição factual acerca das circunstâncias concretas do acidente, a responsabilidade é imputada a um dos intervenientes a título de culpa presumida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1.AA, S.A., intentou acção declarativa, na forma ordinária, contra BB Companhia de Seguros, S.A., e...... – Serviços de Limpezas, Lda, pedindo a condenação das RR a pagar-lhe a quantia de €49.948,13 e respectivos juros, que – em consequência de ter ocorrido acidente de viação, igualmente configurável como acidente laboral, - liquidou ao sinistrado, na qualidade de seguradora da respectiva entidade patronal, pretendendo ser ressarcida por quem responde, a título definitivo, pelos danos : a seguradora da responsabilidade civil extracontratual, fundada em comportamento culposo do condutor do veículo que causou o acidente.
A R /seguradora contestou, impugnando as circunstâncias do acidente e suscitando a excepção de prescrição do direito invocado pela A; por sua vez, a 2ª R suscitou a sua ilegitimidade, por a responsabilidade civil pelos riscos de circulação do veículo que lhe pertencia ter sido transferida para a 1ª R – tendo a A desistido do pedido formulado. E, no início da audiência de julgamento, ampliou o pedido inicialmente deduzido, de modo a ser ressarcida dos quantitativos pagos na pendência da lide.
Foi proferida sentença a julgar parcialmente procedente o pedido, condenando a 1ª R a pagar à A. a quantia de €4.857,00 e respectivos juros.
Inconformada com o assim decidido, a A apelou, tendo, porém, a Relação confirmado inteiramente o decidido em 1ª instância.

2. Novamente inconformada, interpôs a A. a presente revista, que encerra com as seguintes conclusões:

1. O direito subsumível aos factos do presente litígio, não permite, considerar prescrito o direito ao reembolso de todos os pagamentos efectuados à mais de três anos a contar da data da interposição da acção nem a repartição da culpa por ambos os condutores para a eclosão do acidente
2. Não decorre do art. 498ª, n.º 3 do Código Civil, que a Recorrente está obrigada a provar que o agente causador do acidente cometeu efectivamente um crime.
3. Para que o prazo prescricional de cinco anos opere, é necessário que as lesões sofridas pelo sinistrado, constituam, em abstracto, um crime.
4. Tendo em conta a gravidade e a extensão das lesões sofridas pelo condutor do velocípede, em abstracto, estas configuram um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. no art. 148ª do Código Penal.
5. De acordo com o art. 118ª, n.º 1 al. c) do Código Penal, o prazo prescricional é de cinco anos
6. O prazo de prescrição do art. 118ª, n.º 1 al. c) é aplicável "ex-vi" pelo art. 498ª, n.º 3 do Código Civil
7. O art. 148ª do Código Penal, estabelece que para que alguém seja condenado pelo crime de ofensa a integridade física por negligência é necessário que estejam preenchidos os seguintes requisitos: i) haja negligencia; ii) ofensa do corpo ou saúde de outra pessoa.
8. No acidente em crise, existiu, negligência, conforme esta é estabelecida no art. 15º, al. b) do Código Penal, uma vez que, o condutor do empilhador, não procedeu "com o cuidado a que, segundo as circunstâncias" estava obrigado ou era capaz, ainda que não tenha chegado "sequer a representar a possibilidade de realização do facto"
9.Assim, o prazo de prescrição a considerar é o de cinco anos, nos termos e para efeito do n93 do art. 498ª, n.º 3 do Código Civil.
10. Não se aceita a repartição de culpas na eclosão do acidente, devendo ser considerado como o único e exclusivo responsável pela, produção do acidente o condutor do empilhador.
11. Foi o empilhador que embateu com a traseira no lado esquerdo do velocípede provocando a queda do sinistrado para o lado direito, enquanto realizava uma manobra de marcha-atrás.
12. A manobra de marcha-atrás é considerada como de recurso e que devido à sua especificidade e até perigosidade deverá ser feita no menor trajecto possível, dispendendo com ela o menor tempo possível - art. 46º do Código da Estrada.
13. Violou assim, o condutor do empilhador, com a sua manobra, o disposto no art. 35s, na 1 do Código da Estrada, sendo o único e exclusivo responsável na produção do acidente dos presentes autos..
Nestes termos e nos de mais de direito aplicáveis, deve ser o douto Acórdão revogado, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, e por outra decisão substituída que respeite a correcta aplicação dos normativos que subsumem a essência fáctica do caso dos autos, fazendo-se assim, a costumada Justiça.

A recorrida pugna pela manutenção do decidido no acórdão recorrido.

3. As instâncias fizeram assentar a solução jurídica do pleito na seguinte ateria de facto:

1- A Autora exerce actividade de Seguros, para a qual se encontra devidamente autorizada (al. a).
2 - No exercício da sua actividade, a A. ajustou com a firma “ CC Cedência de Serviços, Lda., e acordo de Seguro do ramo de Acidentes de Trabalho, titulado pela Apólice n° 00000000(al. b).
3 - Por via desse contrato de seguros, o ora Autora assumiu a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos funcionários da CC Cedência de Serviços, Lda., nomeadamente, no que se refere ao trabalhador DD (al. c).
4 - No dia 18 de Junho de 2001, foi participada à ora A. a ocorrência de um acidente de trabalho em Setúbal, na Doca ... dos Estaleiros da ......., em Setúbal (al. d).
5 - Na sequência do acidente descrito, DD sofreu perda de massa corporal na perna esquerda e uma contusão na fonte do lado esquerdo (al. e).
6 - Tendo sido transportado para o Hospital de Setúbal, onde recebeu a primeira assistência médica (al. f).
7 - E daí foi transferido para o Hospital de S. José onde foi sujeito a uma intervenção cirúrgica (al. h).
8 - O sinistrado esteve ainda internado no Hospital do Barreiro e no Hospital de Setúbal (al. i).
9 - Em virtude das lesões sofridas no acidente em apreço, por decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho do Barreiro datado de 15 de Maio de 2003 e transitada a 16 de Junho de 2003, ao sinistrado DD, foi considerado uma desvalorização de 26,4% (al. j).
10 - Nessa sentença proferida no processo n.º 440/2002, que correu termos no Tribunal de Trabalho do Barreiro, a A. foi condenada a pagar ao sinistrado a título de incapacidade permanente para o trabalho, a pensão anual e vitalícia no montante de 7.384,74 €, com efeitos a partir de 17/05/02 (al. m).
11 - No momento do acidente, a responsabilidade civil pelos danos emergentes da utilização do empilhador havia sido transferida para a Companhia de Seguros BB, S.A., através da apólice n° 000000000 (al. n).
12 - A...... ajustou com a Companhia de Seguros BB um acordo de seguro do ramo” ............. -Construções -Máquinas” titulada pela apólice n° 00-00000000000, uma redução de franquia de € 250,00 para €1.750,00 (al. o).
13 - No embate descrito em D) foram intervenientes uma máquina empilhadora, propriedade da...... conduzida por ............ (art°. 1º da b.i)
14 - E um velocípede conduzido por DD (art°.2°. da b.i).
15 - Momentos antes do acidente DD encontrava-se na central de bombagem n°1, situada a sul da doca 31 (art°.3° da b.i).
16 - Ao proceder ao vazamento e enchimento das docas (art°. 4°. da b.i).
17 - DD desempenhava funções de supervisão do departamento de bombeiros navais (art°.5°. da b.i).
18 - Quando DD terminou a tarefa na central de bombagem n°1, deslocou-se para a central de bombagem n° 2 (art°.6°. da b.i).
19 - A central de bombagem n° 2 situa-se a distância não concretamente apurada a norte da central de bombagem n°1 (art°. 7°. da b.i).
20 - Para que efeito DD utilizou um velocípede (art°. 8°. da b.i)
21 - Para se deslocarem no interior dos estaleiros na ............, os trabalhadores utilizam velocípedes (art°. 9°. da b.i).
22 - O DD circulava no lado poente da plataforma da doca 31, no sentido sul/ norte (art°. 10°. da b.i).
23 - O embate ocorreu em local não concretamente apurado da plataforma da Doca n°. 31, quando o empilhador empreendia manobra de marcha-atrás (arts. 11º. e 12°.da b.i).
24 - O embate deu-se com a parte traseira do empilhador na parte lateral do Velocípede (art°.16°. da b.i).
25 - E no lado esquerdo do corpo do sinistrado (art°. 17°. da b.i).
26 - Por força deste embate, o velocípede e o seu condutor tombaram para o lado direito (art°.18°. da b.i).
27 - Quando ocorreu o acidente dos presentes, EE desempenhava a função de motorista, por conta, direcção e no interesse da 2ª Ré (art°. 24°. da b.i).
28 - DD foi submetido a outros exames e tratamentos médicos na Ortopedia Moderna , Lda, na ......... do Sul Lda, na ....... Lda e na Neurocin-Clinica de Lisboa (art°. 25°. da b.i).
29 - No cumprimento do acordo de seguro, a ora A. pagou tratamentos hospitalares do sinistrado, bem como outras despesas de saúde e transportes decorrentes do acidente dos presentes autos, no valor de 13.579.27€ (art°. 26°. da b.i).
29 - A ora A. suportou os períodos de incapacidade temporária para o trabalho, do sinistrado, no valor de 8.306,72€, até 14 de Maio de 2002 (art°. 27°. da b.i).
30 - A ora A. despendeu ainda a quantia de 210,21 € com a averiguação do acidente (art°. 28° da b.i).
31 - A autora procedeu à entrega a DD do montante global de €28.062,14 satisfeito a título de pensões (art°. 29°. da p.i).
32- A Autora suportou, até ao momento, o pagamento da pensão anual e vitalícia, a título de incapacidade permanente para o trabalho fixado na decisão a que alude em M) da matéria assente, no montante de €23.067,75 29 (art°. 30° da b.i).

4. A primeira questão a resolver prende-se com a determinação e repartição de culpas entre os intervenientes no acidente: este ocorreu quando o empilhador, manobrado por comissário ao serviço da respectiva empresa proprietária – e cujos riscos de laboração a 1ª R. havia segurado, - embateu no lesado que – no exercício das suas funções profissionais, - se deslocava, dentro das instalações da entidade patronal, utilizando para tanto um velocípede, sofrendo as lesões físicas que lhe determinaram a incapacidade laboral ressarcida prioritariamente pela A.
Perante a fluidez de contornos da matéria de facto respeitante às exactas e precisas circunstâncias em que ocorreu o embate, importa naturalmente começar por indagar em que termos se poderão considerar preenchidos os pressupostos de uma obrigação de indemnizar fundada em culpa presumida : e, quanto a este ponto, entendeu o acórdão recorrido que – não havendo elementos fácticos bastantes para apurar da culpa efectiva de qualquer dos intervenientes na colisão, - ambos deveriam responder a título de culpa presumida, já que ambos circulavam no exercício das funções de comissário, por conta das respectivas entidades patronais, afirmando:

Não podemos deixar de, assim, em face da culpa presumida de ambos os condutores, já que ambos conduziam, no desenrolar da sua actividade laboral, veículos das respectivas entidades patronais, de considerar adequada a repartição de culpa de 30% para o velocípede e de 70% para o empilhador, dada a dimensão dos mesmos, e ainda que nenhum deles possa alcançar grande velocidade, o risco criado pelo empilhador, precisamente pelo seu peso e dimensão, tem de haver-se por superior.
Como é sabido, a problemática da interpretação do âmbito – e fundamento material - da presunção de culpa que recai sobre o comissário, por força do preceituado no nº3 do art. 503º do CC foi, durante muito tempo, objecto de ampla controvérsia que – no essencial – acabou por ser resolvida através da uniformização de jurisprudência pelo STJ, ficando assente:

- que a dita presunção de culpa é aplicável no domínio das «relações externas» entre o comissário, como lesante, e o titular ou titulares do direito de indemnização ( Assento 1/83, de 14/4/83);

- que tal presunção de culpa do comissário é aplicável ao caso de colisão de veículos, previsto e regulado no art. 506º, nº1, do CC, quer sejam ambos conduzidos por comissários, sem que a culpa presumida de qualquer deles haja sido ilidida ( aplicando-se então o princípio de repartição de culpas constante do nº2 do citado art. 506º - Ac. das Secções Reunidas do STJ de 17/12/85), quer um dos veículos seja conduzido pelo respectivo proprietário e o outro por um comissário (respondendo este, a título de culpa presumida, pela totalidade dos danos que causou – Assento 3/94, de 26 de Janeiro);

- que tal solução normativa, alegadamente discriminatória de quem conduz uma viatura no exercício de uma actividade profissional por conta de outrem, não viola o princípio constitucional da igualdade (Ac. do TC 226/92).

Importa, todavia, não perder de vista os aspectos peculiares do caso «sub juditio» : na verdade, o condutor do velocípede utilizava-o, dentro das instalações da sua entidade patronal, no exercício das respectivas tarefas profissionais ; e, em consequência do embate contra a empilhadora, também manobrada por comissário, - ocorrido em circunstâncias relativamente indeterminadas, que inviabilizam um juízo seguro e consistente sobre a exacta dinâmica do acidente e eventuais culpas efectivas dos intervenientes na referida colisão – sofreu o utente do velocípede as lesões físicas apuradas pelas instâncias, geradoras da situação de incapacidade laboral ressarcida pela A.
Não está, pois, em causa, neste concreto e peculiar circunstancialismo, que o condutor do velocípede tenha causado danos a terceiros, desde logo ao proprietário da empilhadora que com ele colidiu : face à particularidade do acidente, o utente do velocípede não pode seguramente qualificar-se como lesante, isto é, como autor de um facto ilícito que tenha causado danos a outrem , mas antes e apenas como lesado , ao sofrer na sua pessoa os danos corporais que originaram o período de incapacidade laboral ressarcido em primeira linha pela A.

Ora, neste concreto circunstancialismo, não pode invocar-se quanto a ele a presunção de culpa contida no nº3 do art. 503º do CC, que se reporta exclusivamente aos danos que o condutor/comissário causar – e não aos danos que ele vier a sofrer, na sua própria .pessoa, em consequência do sinistro. Ou seja: não pode invocar-se a presunção de culpa contida no art. 503º, nº3, para , na indefinição factual acerca da dinâmica do acidente, considerar culpado o condutor/comissário relativamente aos danos sofridos por ele próprio, consubstanciados na lesão de bens corporais e da saúde – já que tal norma delimita o âmbito da presunção de culpa e da consequente responsabilidade apenas relativamente aos danos que, enquanto lesante, o comissário causar (e não aos que ele próprio sofrer, na veste de lesado, em consequência do acidente).
Neste nosso entendimento, se, por exemplo, ocorrer, em circunstâncias factuais indeterminadas, uma colisão entre um velocípede, conduzido por um trabalhador no exercício das suas funções profissionais, e um veículo automóvel, conduzido pelo seu proprietário, de que resultem exclusivamente danos físicos na pessoa do condutor do velocípede, não pode obviamente fazer-se funcionar contra este último a presunção de culpa contida no referido nº3, de modo a isentar automaticamente de qualquer responsabilidade o proprietário do veículo automóvel, ainda que a título de risco ; na verdade, num caso com esta configuração , é manifesto que o condutor do velocípede não causou qualquer dano susceptível de desencadear a respectiva responsabilidade civil extracontratual : o que poderá estar em causa, numa situação deste tipo, é averiguar se, porventura, não terá ocorrido «culpa do lesado», enquadrável no art. 570º do CC, susceptível de ter contribuído para a produção ou agravamento dos danos por ele próprio sofridos – não sendo, porém, ao apuramento de tal culpa do lesado aplicável a presunção que o nº3 do art. 503º coloca a cargo do comissário/lesante.
Seria, aliás, manifestamente inadequado pretender transpor para situações deste tipo, em que da colisão de uma viatura automóvel com um velocípede, tripulado por comissário, resultam exclusivamente lesões físicas para este último, as – aliás controversas - razões que a doutrina tem apontado para justificar e legitimar a presunção de culpa que o referido art. 503º, nº3, faz recair sobre o comissário/lesante: o afrouxamento da vigilância do veículo e da sua manutenção e bom funcionamento, a fadiga do condutor, o subestimar do risco, o facilitar da condução…- de modo a considerar este último o mais perigoso, a ponto de, na dúvida insanável sobre a dinâmica do acidente, se presumir culpado.

Revertendo à concreta situação dos autos, verifica-se:

- que recai sobre o condutor da empilhadora a presunção de culpa do art, 503º, nº3, já que a colisão causou danos relevantes ao tripulante do velocípede – surgindo, pois, claramente na veste de lesante, respondendo consequentemente perante o titular do direito de indemnização pelos danos causados, com base em culpa presumida;

- não pode fazer-se recair idêntica presunção de culpa sobre o condutor do velocípede, já que, detendo embora este a qualidade de comissário, não se mostra apurado que tenha causado quaisquer danos que legitimem, enquanto lesante, a sua responsabilidade civil extracontratual, alicerçada em culpa presumida.

E, assim sendo, não tem aplicação o regime contido no art. 506º - que pressupõe que nenhum dos condutores dos veículos que colidiram tenha culpa, efectiva ou presumida, nos comportamentos ilícitos causais do acidente , cabendo antes à seguradora de responsabilidade civil da empilhadora ressarcir os danos sofridos pelo lesado DD, em consequência das lesões físicas que sofreu e que foram ressarcidos pela A., investida no consequente direito de sub-rogação.

5. A segunda questão suscitada prende-se com o decidido quanto à prescrição dos direitos da A./seguradora – em particular com a eventual aplicação do regime contido no nº3 do art. 498º do CC, norma que amplia o prazo prescricional normal de 3 anos quando fique demonstrado que o facto ilícito que está na base do dever de indemnizar constitui crime para o qual a lei penal estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo.
Sobre esta questão, decidiram as instâncias que :
- quer o exercício dos direitos da A. se funde nas figuras da sub-rogação ou do direito de regresso, o prazo prescricional inicia-se, não na data do acidente, mas naquela em que a seguradora tenha efectuado os pagamentos que pretende repercutir sobre o definitivo responsável;
- que, não sendo admissível a sub-rogação relativamente a prestações futuras, não pode a A. obter de imediato as quantias que é previsível que, no futuro, continue a ter de pagar ao sinistrado;
- que, perante a matéria factual apurada e a sua indefinição, em pontos fundamentais, não é possível fazer funcionar o referido regime de ampliação do prazo da prescrição – não sendo manifestamente possível, considerar preenchidos, com os factos apurados, os elementos essenciais de um crime de ofensas corporais por negligência : daí que se tenha entendido que o prazo prescricional aplicável é o de 3 anos, contados da data de efectivação dos pagamentos que originaram a sub-rogação, estando, consequentemente , como se refere na sentença, prescrito o direito relativamente aos pagamentos efectuados até 12 de Março de 2003 data (12/3/2006)em que terá ocorrido interrupção da prescrição em curso, por via da propositura da acção em 7 de Março de 2006, nos termos do nº2 do art. 323º do CC.
O decidido pelas instâncias não merece, quanto a este ponto, qualquer censura: na verdade, face à fluidez da matéria de facto apurada, não podem efectivamente considerar-se preenchidos minimamente os elementos de qualquer tipo penal – importando realçar que , no caso concreto, a imputação de responsabilidade ao manobrador da empilhadora assentou exclusivamente na presunção de culpa que, como comissário, sobre ele incidia quanto aos danos causados ao lesado. E, como é evidente e incontroverso, não podem naturalmente extrair-se de tal culpa presumida quaisquer consequências relevantes no âmbito penal.

6. Nestes termos e pelos fundamentos apontados concede-se parcial provimento à revista, condenando, em consequência, a seguradora R. a pagar à A. os valores efectivamente satisfeitos , em consequência do sinistro, a partir de 12 de Março de 2003, consubstanciados em pensões e despesas e tratamentos hospitalares, incluindo os satisfeitos na pendência da lide. A tal valor, a liquidar nos termos do art. 380º do CPC, deverá ser abatido o montante da franquia contratual, e sendo o montante devido acrescido dos respectivos juros moratórios, nos termos decididos pelas instâncias, cuja decisão, quanto a este ponto, se confirma.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento.


Lisboa, 02 de Dezembro de 2010

Lopes do Rego (Relator)
Barreto Nunes
Orlando Afonso