Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
553/17.4GALSD.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: M. CARMO SILVA DIAS
Descritores: RECURSO PER SALTUM
TRÁFICO DE PESSOAS
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
LENOCÍNIO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA PARCELAR
MEDIDA DA PENA
PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Tendo presente que o crime de tráfico de pessoas, sendo de execução vinculada (e, neste caso, cometido dolosamente através do aproveitamento da situação de especial vulnerabilidade da vítima), contém a intenção de realizar um resultado que não faz parte do tipo (neste caso, a intenção dos arguidos de explorar sexualmente a vítima), percebe-se que a consumação do crime não depende da verificação do resultado (exploração sexual da mesma vítima); a consumação desse resultado, através de conduta posterior, ou seja, de uma ação diversa, verificados os respetivos pressupostos, pode integrar crime distinto (como aqui sucedeu, perante os factos apurados, o crime de lenocínio qualificado) em concurso efetivo.
II - Ou seja, a verificação dos pressupostos do crime de lenocínio qualificado pelo qual o arguido foi condenado, não impede o preenchimento do crime de tráfico de pessoas, uma vez que se verificam os pressupostos objetivos e subjetivos deste tipo legal, como decorre claramente dos factos provados.
III - A vítima, naquelas circunstâncias em que estava colocada, não era livre de decidir de forma consciente e esclarecida sobre a proposta que lhe fora apresentada pelos arguidos, pelo que objetar com o seu “acordo” ou com a possibilidade de “recusar o convite” feito na Alemanha é irrelevante, tanto mais que os arguidos conheciam bem a situação dela e aproveitaram-se da sua especial vulnerabilidade para a “aliciar” (ou seja, para a “seduzir” a aderir facilmente à proposta apresentada de vir dedicar-se à prática de atos de prostituição em Portugal), com a intenção de a explorar sexualmente, ficando eles com todos os proventos que ela obtivesse da prática de atos de prostituição em Portugal.
IV - Os arguidos, agindo em coautoria, não se coibiram de tratar a vítima como se fosse uma “coisa” sua, tendo planeado explorá-la sexualmente, visando ficar com todas as quantias que ela obtivesse e deixá-la sem recursos económicos, assim ficando na sua (dos arguidos) dependência económica e psicológica, o que significava que, dessa forma, a iam transformar numa quase sua “escrava”. Daí que as semelhanças do crime de tráfico de pessoas seja antes com o crime de escravidão e não com o crime de lenocínio, como pretende o recorrente.
V - Sendo o tráfico de pessoas um crime de ato cortado não se pode confundir a autonomia e consumação desse tipo legal, com um suposto “ato preparatório” do crime de lenocínio, nem sequer quando o recorrente/arguido invoca que teve sempre como única e exclusiva intenção ou objetivo (em toda a sua conduta), desde que formulou o “convite” à vítima, ter apenas lucro com a prostituição que aquela viesse a desenvolver. Perante os factos apurados o raciocínio a fazer é antes que as ações distintas praticadas pelos arguidos integram um concurso efetivo entre o crime de tráfico de pessoas p. e p. no art. 160.º, n.º 1, al. d), do CP e o crime de lenocínio qualificado p. e p. no art. 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e al. d), do CP, desde logo porque cada um deles protege bens jurídico-penais distintos.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 553/17.4GALSD.S1

Recurso   

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I-Relatório

1. No processo comum (tribunal coletivo) n.º 553/17.4GALSD do Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz 2, comarca de Porto Este, por acórdão de 10.01.2022, o arguido AA foi condenado, além do mais (no que aqui interessa) pela prática, em coautoria com a arguida BB e em concurso efetivo, de:

- um (1) crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, na pena de quatro (4) anos e seis (6) meses de prisão; e

- um (1) crime de lenocínio agravado, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d), do Código Penal, na pena de três (3) anos e seis (6) meses de prisão,

- em cúmulo jurídico na pena única de seis (6) anos de prisão.

Além disso, foi condenado nas penas acessórias de:

– proibição do exercício de profissão, emprego, funções ou atividades, públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores (nos termos do artigo 69.º-B, n.º 2 do Código Penal); e

– proibição de assumir a confiança de menor, em especial a adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores (nos termos do artigo 69.º-C, n.º 2 do Código Penal), por um período de seis (6) anos.

O mesmo arguido foi absolvido no mais que lhe era imputado no processo n.º 602/17… (apenso A);

E, ambos os arguidos AA e BB foram condenados solidariamente a pagar a CC a quantia de dez mil euros (10 000 €) arbitrada a título de reparação pelos prejuízos por si sofridos.

2. Inconformado com essa decisão, recorreu o mesmo arguido AA, apresentando as seguintes conclusões[1]:

A - O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, supra tecida, sem prejuízo das de conhecimento oficioso;

B – Não estão preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do crime de tráfico de pessoas, p. e p. pelo artigo 160º n.º 1 do CP, pelo que implica absolvição do arguido/recorrente de tal crime;

C – Na sua decisão, o tribunal “a quo” em sede de e de condenação, inquinou a sua fundamentação e decisão, concluindo pela condenação pelo crime de tráfico de pessoas, que de todos os factos provados e a motivação esbarram com o preenchimento com o único crime de lenocínio, p. e p. pelo artigo 169º n.º 1 e 2, do CP;

D – Olvidou o tribunal “a quo”, toda a ação volitiva, por banda do aqui recorrente, ao traçar os seus objetivos e a foram de os atingir à custa da ofendida, obtenção de lucro, plano esse traçado na ... com a anuência da ofendida, capaz e com todo o discernimento para poder fazer escolhas;

E – Lembra-se aqui, que a ofendida por seu moto próprio abandonou a casa de abrigo onde estava (nos factos provados) e dedicava-se à prostituição apos tal na ...;

F – A ofendida anuiu em deslocar-se para Portugal, bem sabendo e querendo dedicar-se à prostituição em Portugal;

G - O recorrente é primário;

H – Para o recorrente a atividade da prostituição e no seu entendimento, é uma atividade normal para obtenção de proventos, pois a ela também se dedicava a sua companheira, e nos presentes autos co-arguida.

Assim, e reitera-se, deverá o recorrente ser absolvido pelo crime de tráfico de pessoas, e condenado pelo do crime de lenocínio, pena essa suspensa na sua execução.

Termina pedindo o provimento do recurso, com a consequente revogação ou alteração do acórdão recorrido, tendo em atenção a sua pretensão.

3. Na resposta ao recurso, o Ministério Público na 1ª instância apresentou as seguintes conclusões:

1. Independentemente da sua intenção de obter lucro, para si ou para outrem, com a prática da prostituição pela ofendida, mostra-se preenchido o elemento objectivo e subjectivo do crime de tráfico de pessoas, na medida em que “importou” a ofendida da ..., para fins de exploração sexual, aproveitando-se da sua especial vulnerabilidade.

2. Não é necessária a verificação da exploração efectiva da vítima nem a extracção efectiva de um órgão seu, basta que o agente tenha essa intenção: para a consumação do crime de tráfico de pessoas não se exige que a vítima tenha, de facto, sido explorada sexualmente ou no seu trabalho, bastando que as acções referidas no n.° 1 do art. 160° do Código Penal sejam praticadas com uma dessas intenções de exploração sexual ou laboral, ou com a intenção de extracção de órgãos.

3. Os bens jurídicos protegidos, apesar de próximos, são distintos, pois que enquanto o crime de tráfico protege a dignidade da pessoa humana, o crime de lenocínio já visa proteger a liberdade e a auto-determinação sexual.

4. O facto do crime meio se consumar independentemente do crime fim ser ou não cometido pela mesma pessoa, também aponta claramente para o concurso efectivo.

5. Apesar de estarmos perante a protecção, em ambos os casos, do bem jurídico “liberdade da pessoa”, protegem-se manifestações/expressões diferentes dessa liberdade pessoal: num caso, a liberdade de acção ou decisão; no outro, a liberdade sexual.

6. O sentido de ilicitude revelado pela conduta do agente é plúrimo: a deslocação, sob coacção (típica) de uma pessoa, e o favorecimento da prostituição sob coacção (típica) dessa pessoa.

7. Bem andou o Tribunal a quo ao condenar o arguido pela prática em concurso real, ou efectivo de um crime de tráfico de pessoas e de um crime de lenocínio.

8. Nenhuma das penas parcelares nos merece censura.

9. No douto acórdão salientou-se o carácter elevado da culpa, a elevada ilicitude e as elevadíssimas necessidades de prevenção geral e especial, sendo que nada abona em favor do arguido, salvo a ausência de antecedentes criminais.

10. O recorrente furta-se desde Dezembro de 2017 à acção da Justiça, não cumprindo a obrigação de apresentações periódicas a que se mostrava sujeito, e ausentando da sua residência sem comunicar morada onde se pudesse encontrar, e que apenas a 7 de Março de 2022, na sequência do cumprimento de mandados de detenção europeu, o mesmo foi detido, o que quanto a nós é sinal de que é notoriamente avesso ao respeito das obrigações que assume.

11. E, mais importante ainda, que não é possível aplicar um regime de prova, com observância de plano de reinserção social, tendo e vista o seu aperfeiçoamento social e a sua reintegração na sociedade.

12. A pena única não deve fixar-se muito próximo do mínimo legal, embora não atinja, ainda, o meio da pena.

Termina pedindo que seja negado provimento ao recurso e mantida na totalidade a decisão recorrida.

4. O recurso foi admitido para o STJ, por despacho de 18.01.2022, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigos 406.º, n.º 1, 407.º, n.º 2, al. a), 408.º, n.º 1, al. a) e 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal).

5. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, a Srª. PGA emitiu parecer no sentido de concordar com a resposta apresentada na 1ª instância, concluindo não merecer provimento o recurso em apreciação.

6. Notificados do parecer, pronunciaram-se por um lado a assistente CC, concluindo que deve ser mantida a decisão recorrida e, por outro lado, o arguido que concluiu pela procedência do recurso que apresentou.

7. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem cumpridos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Cumpre, assim, apreciar e decidir.

II. Fundamentação

Factos
Resulta do acórdão da 1ª instância a seguinte decisão sobre a matéria de facto:

6. Factos provados

I A

1) Em data concretamente não apurada, mas anterior ao verão de 2015 e nos termos infra descritos, o arguido AA decidiu aumentar os seus rendimentos à custa de mulheres que se dedicavam à prática de atos sexuais, designadamente coito vaginal e oral, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro, atividade que é normalmente conhecida por prostituição;

2) Também em data concretamente não apurada, mas seguramente antes do verão de 2015, o arguido AA e a arguida BB (doravante, por facilidade de exposição, designada simplesmente por BB) iniciaram um relacionamento amoroso;

3) A arguida BB, antes de se deslocar para Portugal nos termos infra descritos, vivia na ... com o arguido AA e dedicava-se à prostituição;

4) CC (doravante, apenas por facilidade de exposição, designada apenas

por CC) nasceu no dia .../.../1995, na ...;

5) Após completar 18 anos de idade, CC deslocou-se para a ..., aí se dedicando à prática de atos sexuais, designadamente coito vaginal e oral, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro, exercendo tal atividade em casas particulares, “clubes” e também na rua;

B i

6) Os arguidos AA e BB conheceram CC em 2014 ou 2015, na ..., quando esta já se dedicava à prostituição e tendo conhecimento dessa situação;

7) No verão de 2015, na ..., CC havia deixado uma instituição de apoio a mulheres vítimas de exploração e violência e dedicava-se à prostituição, na rua, por conta de um indivíduo de etnia cigana chamado DD;

8) Sabendo do descrito em 7) e visando obter proventos económicos à custa de tal atividade, nomeadamente de se apropriar e gastar em seu (deles) benefício de todas as quantias que a mesma lograsse obter, os arguidos AA e BB engendraram um plao que tinha em vista aliciar e, depois, transportar CC para Portugal para aqui, com recurso à ameaça e violência se necessário fosse, viesse ela a dedicar-se à prática de atos de prostituição, ficando eles com os proventos que a mesma auferisse de tal atividade;

9) Assim, no âmbito de plano que engendraram, os arguidos AA e BB propuseram a CC que, juntamente com BB, viesse dedicar-se à prática de atos de prostituição em Portugal, o que foi aceite;

10) Então, no quadro do plano previamente estabelecido, no verão de 2015 e no quadro do acordo estabelecido entre os arguidos BB e AA, este último AA transportou a arguida BB e CC para Portugal, passando a residir, sempre juntos:

– primeiro e durante cerca de três meses, na freguesia das ..., concelho ...; e

– depois, na Rua ..., ..., na freguesia de ..., concelho ..., residência que era composta por dois quartos, sendo um deles ocupado pos arguidos AA e BB e outro por CC.

alojamentos que foram fornecidos pelos arguidos AA e BB;

11) Enquanto esteve em Portugal, CC ou não falava ou mal falava português e não tinha qualquer documentação válida consigo, o que os arguidos AA e BB sabiam;

12) Além disso, para além dos arguidos AA e BB, não conhecia outras pessoas, assim como não tinha familiares nem amigos, o que os arguidos AA e BB sabiam;

13) Então, desde que chegou a Portugal e ao dia 5 de agosto de 2017, data em que foi mãe de um bebé, CC dedicou-se à atividade de prostituição, praticando atos sexuais, designadamente atos de coito vaginal e coito oral, contra o pagamento de quantias em dinheiro, nos locais que eram escolhidos pelo arguido AA;

14) Para o efeito, o arguido AA, todos os dias, mas com exceção da altura em que se deslocou para o estrangeiro, transportava CC, designadamente utilizando o veículo automóvel ..., modelo ..., de matrícula ... SB C...., CC para várias localidades, designadamente ... (concelho ...), ... e ... (concelho ...), sendo esta última quando se mudaram para aquele concelho;

15) Para que CC pudesse desenvolver a sua atividade de prostituição em ..., o arguido AA contactou com EE que, para permitir que aquela se prostituísse naquela zona, lhe cobrava a quantia de 150 € semanalmente;

16) No quadro acima descrito, CC dedicava-se à atividade de prostituição entre as 9.00 e as 12.00 horas e as 13.30 e as 17.00 horas, sendo o arguido AA a ir buscá-la à hora do almoço, que ele próprio confecionava;

17) CC cobrava 10 € por cada ato sexual, independentemente de se tratar de relação de coito vaginal ou oral, embora, constatando que os clientes tinham mais possibilidades financeiras, também pudesse cobrar entre 20 € a 30 €;

18) Com a descrita atividade, CC lograva obter cerca de 100 € diárias, havendo, todavia, dias em que conseguiu 500 €;

19) Todas as quantias que CC conseguia com a descrita atividade, entregava ao arguido AA, que as fazia suas, gerindo-as como bem entendesse, designadamente para o consumo de estupefacientes e de bebidas alcoólicas;

20) Quando o arguido AA não se encontrava em Portugal, no âmbito do acordo que aquele havia estabelecido com a arguida BB, CC entregava o dinheiro a esta última;

ii

21) Frequentemente, quando CC não pretendia prostituir-se, o arguido AA, com o conhecimento e assentimento da arguida BB, dizia que era preciso dinheiro para pagar as despesas e, para a obrigar a prostituir-se, agredia-a de diferentes modos, nomeadamente atingindo-a, diversas vezes, com socos, pontapés e com um cabo elétrico;

22) Além disso, nesse contexto e com o aludido desiderato, o arguido AA, com o conhecimento e assentimento da arguida BB, não permitia que CC mantivesse qualquer contacto com os seus familiares ou com quaisquer outras pessoas amigas ou próximas dela e, quando isso sucedia, agredia-a;

23) Numa ocasião em que se apercebeu que CC havia conseguido falar telefonicamente com familiares seus a pedir ajuda por se sentir sequestrada e obrigada a prostituir-se, o arguido AA ficou muito exaltado e agrediu-a, dando-lhe pontapés;

24) Mais tarde, na sequência do telefonema referido em 23), uma mulher, que se identificou como sendo de uma força policial, telefonou a CC oferecendo-lhe ajuda, o que esta recusou porque o arguido AA se encontrava ao seu lado no momento em que tal chamada foi recebida;

25) O arguido controlava os telefonemas efetuados por CC;

26) Não obstante CC lhe entregar todo o dinheiro que conseguia da descrita atividade de prostituição que desenvolvia, o arguido AA recusava-se a dar qualquer quantia quando aquela lho solicitava, designadamente para comprar alimentos ou vestuário;

27) Quando CC se encontrava na menstruação e sabendo que havia clientes que perderiam interesse em manter a prática de coito vaginal nessas circunstâncias, o arguido AA obrigava-a colocar toalhitas na vagina;

28) A 17 de abril de 1917, CC ficou a saber que se encontrava grávida, o que comunicou ao arguido AA;

29) Para não perder qualquer rendimento obtido com a atividade de prostituição desenvolvida por CC, o arguido AA tentou que aquela abortasse, o que não conseguiram;

30) Não obstante o seu estado de gravidez, o arguido AA, com o conhecimento e assentimento da arguida BB, a pretexto de que continuava a precisar de dinheiro, exigia que CC continuasse a dedicar-se à descrita atividade de prostituição;

31) CC teve uma gravidez não vigiada, tendo necessidade de se deslocar ao C.…, E.P.E. nos dias 17 de abril de 2017 (data em que lhe foi diagnosticada a gravidez) e no dia 26 de julho de 2017, desta vez sofrendo de vaginose e de infeção urinária;

32) Ainda no dia 5 de agosto de 2017, CC dedicou-se à atividade de prostituição, tendo atendido 4 clientes, mas como se sentiu mal, durante a tarde, deslocou-se ao C.…, E.P.E.;

33) O parto ocorreu no dia 6.8.2017, às 35 semanas e 5 dias e nascendo um bebé do sexo feminino com 2190 g;

34) Acresce que, em três ocasiões concretamente não apuradas, mas situadas entre o momento que passaram a residir em ... e julho de 2017, na residência acima referida sita em ..., o arguido AA obrigou CC a manter trato sexual, praticando atos de coito vaginal e oral, com 4 amigos seus em simultâneo;

iii

35) A arguida BB também se dedicava à prática da prostituição, sendo igualmente transportada para os locais onde desenvolvia essa atividade pelo arguido AA;

36) Apesar de manter um relacionamento amoroso com a arguida BB, o arguido AA também mantinha relações sexuais com CC, o que sucedia em cerca de duas vezes por semana;

37) Tal situação gerava alguns conflitos entre a arguida BB e CC;

38) Em dia concretamente não apurado, mas no inverno, na sequência de uma discussão entre a CC e BB, o arguido AA obrigou aquela CC a permanecer sentada no exterior da residência por cerca de 20 minutos, sujeita ao frio que se fazia sentir;

39) E numa outra ocasião, em data concretamente não apurada, BB atingiu com um cinzeiro CC, na cabeça;

40) A arguida BB engravidou em meados de 2017 e, desde então, não mais se dedicou `atividade de prostituição, passando os arguidos AA e BB a viver exclusivamente dos rendimentos que BB conseguia angariar da atividade de prostituição a que, apesar de grávida, continuou a dedicar-se;

41) Mesmo quando o arguido AA não se encontrava em Portugal, com receio que o mesmo regressando a pudesse agredir, CC entregava todo o dinheiro que conseguia obter da descrita atividade de prostituição à arguida BB;

42) Nesse contexto, a arguida BB remetia ao arguido BB as quantias que CC lhe entregava, o que aconteceu, designadamente, nas seguintes ocasiões:

– 500 €, no dia 18.4.2016;

– 700 €, no dia 18.7.2016;

– 790 €, no dia 17.8.2016;

– 500 €, no dia 20.8.2016;

– 350 €, no dia 23.8.2016;

– 450 €, no dia 4.10.2016;

– 300 €, no dia 8.10.2016;

– 170 €, no dia 25.10.2016;

– 120 €, no dia 26.4.2017;

– 100 €, no dia 30.5.2017;

– 130 €, no dia 8.6.2017;

– 180 €, no dia 17.7.2017; e

– 190 €, no dia 24.7.2017.

iv

43) No dia 15 ou 16 de julho, o arguido AA abandonou o país, deslocando-se para a ..., regressando a 11 de setembro de 2017;

44) No dia 18 de setembro de 2017, quando se encontrava a circular junto ao ... no veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ... SB C...., o arguido foi detido;

45) Nesse momento, o arguido detinha os seguintes bens que lhe foram apreendidos:

i. Consigo:

– 1 telemóvel de marca ..., modelo ..., com o IMEI ...66, com o cartão da operadora MEO/TMN com o n.º ...85 C/W7;

– 230 €, divididos em 1 nota de 100 €, 2 notas de 50 €, 1 nota de 20 € e 1 nota com de 10 €;

– Duplicado de formulário de envio de dinheiro da Western Union, datado de 4.4.2016 no valor de 100 €, remetido pelo arguido em benefício de FF, com uma folha e respetivo talão agrafado;

– Certificado de matrícula (Parte II), em língua ..., referente ao veículo de marca ... com o número de identificação (Chassis) WBAAP ..., de GG para HH datado de 18.8.2017;

– Certificado de matrícula (Parte I) em língua ... e referente ao título de propriedade do referido veículo em nome de HH;

– 1 folha de bloco de notas contendo endereço manuscrito em língua ...; e – 2 pedaços de papel contendo endereços de correio eletrónico manuscritos;

ii. No veículo automóvel de marca ..., modelo ..., de matrícula ... SB C...., que também foi apreendido:

– 1 iPhone, modelo A.…29, com o IMEI ...06, contendo um cartão da operadora VODAFONE, sem número, e respetiva capa protetora;

– 1 telemóvel de marca ..., modelo ..., com o IMEI ...09, contendo um cartão da operadora VODAFONE, sem número;

– 1 iPhone, modelo A.…32, com o IMEI ...35, contendo um cartão da operadora VODAFONE, sem número;

– Comprovativo de envio de dinheiro da Western Union, em língua ... datado de 21.8.2017 no valor de 89,80 €, remetido pelo arguido em benefício de II;

– Comprovativo de envio de dinheiro da Western Union, em língua ..., datado de 5.9.2017 no valor de 30 €, remetido pelo arguido em benefício de II;

– Comprovativo de envio de dinheiro da Western Union, datado de 11.9.2017 no valor de 100 €, remetido pelo arguido em benefício de II;

– Comprovativo de envio de dinheiro da Western Union, datado de 14.9.2017 no valor de 50 €, remetido pelo arguido em benefício de JJ;

– Comprovativo de envio de dinheiro da Western Union, datado de 18.9.2017 no valor de 50 €, remetido pelo arguido em benefício de II;

– 1 cartão bancário Privat Card Premium emitido em nome de KK;

– 1 folha de bloco de notas com a chancela “...” com os nºs de telefone manuscritos ...30 e ...74;

– 1 pedaço de papel com o número de telemóvel ...88 manuscrito; e

– 1 fatura/recibo dos CTT em formato de talão, datado de 11.9.2017 e referente a comprovativo de envio de dinheiro para a ..., no valor de 100 €, remetido pelo arguido em benefício de II;

46) O arguido AA utilizava os bens que lhe foram apreendidos, designadamente os telemóveis e o veículo automóvel, nas atividades descritas supra, sendo o dinheiro apreendido produto da descrita atividade e estando os restantes bens relacionados com a mesma;

47) No dia 19 de setembro de 2017, foi apreendida uma cápsula vazia de munição de calibre 6,35 mm, entregue por LL.

C

48) Os arguidos AA e BB atuaram em comunhão de esforços e no âmbito de plano que entre ambos haviam estabelecido;

49) Atuaram no modo supra descrito sabendo que aliciavam CC para fins de exploração sexual, o que quiseram e conseguiram, aproveitando-se da situação em que ela se encontrava, o que representaram, quiseram e conseguiram;

50) Sabiam ainda que alojavam e que o arguido AA transportava CC para local onde esta se dedicava à prática de atos de prostituição, o que quiseram e conseguiram, aproveitando-se da situação que ela, ao tempo, vivenciava e utilizando os meios de violência e ameaça descritos, o que também previamente representaram, quiseram e conseguiram;

51) Atuaram ainda com a intenção, conseguida, de obter rendimentos da atividade de prostituição a que CC se dedicava, o que previu e quis;

52) Os arguidos AA e BB atuaram livre voluntária e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas;

II

53) Desconhece-se o paradeiro dos arguidos AA e BB;

54) Ao arguido AA, após interrogatório judicial no dia 20 de setembro de 2017, foi aplicada a medida de coação de obrigação de apresentação trissemanal no posto de polícia da sua área de residência e entrega do seu passaporte;

55) O arguido não entregou o passaporte;

56) Os arguidos AA e BB não têm antecedentes criminais.

7. Factos não provados

Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.

Designadamente, não se provaram os seguintes factos

a) Sem prejuízo do descrito em 2) e 3) dos factos provados, o arguido AA conheceu a arguida BB na ...;

b) Sem prejuízo do descrito em 6) a 9) dos factos provados, os arguidos AA e BB aliciaram CC com a possibilidade de a mesma vir a obter rendimentos avultados com o exercício da atividade de prostituição em Portugal;

c) Sem prejuízo do descrito em 17) dos factos provados, CC cobrava 10 € por cada ato de cópula anal;

d) Desde que chegou a Portugal até ao mês de julho de 2017, por inúmeras vezes, CC foi privada de alimentação;

e) No dia 15 de setembro de 2017, o arguido AA deslocou-se às imediações da residência de LL, questionando-o acerca do local onde se encontraria CC e ameaçando-o na sua integridade física;

f) No dia 23 de agosto de 2017, pelas 16.56 horas, o arguido AA através do número de contacto ...33 telefonou para o telemóvel com o número ...89, pertencente a MM, que se encontrava na residência do seu tio, LL, sita na …, ..., ... e, em tom de voz grave e sério, proferiu o seguinte: “Mato-te a ti e ao teu tio também. Juro pelos meus cinco filhos que vos vou matar, a ti e ao teu tio. Vou mandar uns amigos para vos matar. Vou-te matar, isto não fica assim. Dou cabo de vós”;

g) O arguido agiu com o intuito, concretizado, de inquietar e assustar MM e LL, e com o propósito de que as expressões proferidas chegassem também ao conhecimento de LL, o que realmente aconteceu, logo de imediato, uma vez que este se encontrava na companhia de MM quando esta recebeu o telefonema;

h) Ao proferir as palavras acima referidas, o arguido quis significar que, ele próprio ou através de alguém a seu mando, iria molestar fisicamente e matar MM e LL logo que lhe fosse possível, o que fez com foros de seriedade, deixando-os com receio e medo da concretização de tais intentos e limitando a sua liberdade de determinação pessoal;

i) Agiu, deste modo, de forma deliberada, livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

8. Motivação

Α.

Em termos genéricos, o Tribunal fundou a sua convicção considerando as declarações da assistente, os depoimentos das testemunhas e a prova documental que consta dos autos, analisando todos os elementos probatórios ao dispor do Tribunal em confronto entre si e de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do julgador (artigo 127.º do Código de Processo Penal).

Concretizemos.

Β. Factos provados.

Β.α. Factualidade descrita em 1) a 5) dos factos provados.

Β.α.1. Na formação da convicção do Tribunal relativamente ao descrito em 1) dos factos provados, o Tribunal atendeu ao conjunto de elementos de prova que fundaram a sua convicção relativamente à restante factualidade. E deles se detalhará infra.

Β.α.2. Já no que diz respeito ao descrito em 4) dos factos provados, o Tribunal tomou em consideração o teor da fotocópia que consta de 23 em conjugação com a ficha de inscrição no Centro de Saúde que se mostra a fls. 24 e, ainda, com a identificação que a mesma forneceu aquando das suas declarações para memória futura.

Β.β. Factualidade descrita em 6) a 47) dos factos provados.

Β.β.1. O mais importante elemento de prova de que se socorreu o Tribunal para fundar a sua convicção no que a esta factualidade diz respeito, foram as declarações de CC, tendo a mesma prestado declarações para memória futura (cf. fls. 488).

a) Na apreciação das declarações prestadas por CC, uma primeira advertência deve ser feita: em tal diligência processual, com o acordo dos sujeitos processuais então presentes, foram(-lhe) lidas as declarações que a mesma havia prestado perante o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, pelo que tais declarações foram tidas em consideração na formação da convicção do tribunal, não tanto em si mesmo, mas essencialmente na medida em que foram confirmadas — e nalguns pontos isso não sucedeu — por aquela CC.

b) Uma segunda advertência deve ainda ser feita: aquelas declarações foram analisadas e valoradas com especiais cuidados.

Com efeito, e independentemente de questões mais “patológicas” (como seja o desejo de, pela punição, ver satisfeito um qualquer desejo de vingança), é sabido que as pessoas que são intervenientes em factos similares aos descritos nos factos provados — e cabe aqui lembrar que CC foi vítima de factos que revelam, para além da desconsideração pela sua pessoa, ter sido praticamente um instrumento, um objeto nas mãos dos arguidos, e muito particularmente do arguido AA — podem marcar os seus depoimentos ou declarações por um excessivo subjetivismo, seja para acentuar determinadas consequências, seja para obnubilar condutas suas que possam ter servido como provocação ou causa ou que, também, mereçam alguma forma de censura (desleixo ou negligência ou até vontade de obter algum tipo de compensação financeira), seja para acentuar ou sublinhar certas caraterísticas do agente que, de algum modo, até sirvam para “desculpar” falhas próprias.

É, justamente, tendo presente este circunstancialismo que se impunha que o Tribunal analisasse com especial cuidado as declarações prestadas por CC. O que, efetivamente fez.

b) E, de todo o modo, o Tribunal atribuiu credibilidade às declarações de CC.

Em primeiro lugar, deve destacar-se que, no essencial, as declarações prestadas por CC se apresentaram, em si mesmo, coerentes, lógicas, relatando os factos em que também foi interveniente numa dinâmica que, à luz das regras da experiência, surgiu como credível.

Depois, muito embora o seu depoimento fosse marcado por uma carga emotiva forte, a verdade é que pareceu ao Tribunal que apenas procurou descrever os factos na sua objetividade, não sendo patente qualquer sentimento de vingança ou de retorsão contra o arguido. Aliás, neste contexto, é paradigmática a afirmação de que gostaria que AA fosse castigado, mas não desejaria que fosse preso porque tem 5 filhos na ...…

Acresce ainda, que CC dava conta de alguns factos sem que se desse conta da sua efetiva gravidade, tal como se pode ver do modo como descreve o facto de entregar todo o dinheiro que ganhava ao AA.

Ademais, reforçando a credibilidade do respetivo depoimento, não há no processo qualquer sinal de pretender o que quer que seja do arguido, nomeadamente algum tipo de compensação ou indemnização.

Por fim, de modo muito relevante e, não obstante, tal comprovação referir-se a matérias acessórias ou laterais, o depoimento de CC relativamente a algumas situações, encontrou suporte noutros elementos de prova, muito particularmente os depoimentos NN, OO e LL, para além de vária prova documental. Neste circunstancialismo e a título de exemplo, cabe referir que CC faz referência a um EE como sendo pessoa que cobrava pelos locais na via pública onde se exercia a prostituição, fazendo-o sem saber se haveria ou não possibilidade de confirmar tal versão; que, assinale-se e em face do teor de fls. 997 a 1066 (certidão da decisão condenatória por extorsão a mulheres que exerciam a atividade de prostituição em ... de EE, elemento que o Tribunal atendeu), é inteiramente confirmada por outro elemento de prova.

Β.β.2. Do que vai dito, torna-se patente que o Tribunal deu relevo ainda a outros elementos de prova.

a) Desde logo, o Tribunal valorou os depoimentos de NN e de LL que, muito embora não fossem “testemunhas diretas” dos factos descritos, não deixaram de revelar elementos — estes sim, que diretamente observaram — que permitem fazer alguma luz sobre os factos ora em motivação, tais como o facto de efetivamente CC se dedicar à prostituição, ser o arguido AA quem a transportava, o local onde residiam ou da gravidez de CC (e de BB, já agora) — assinalando-se que LL dá conta de que mesmo grávida CC continuou a dedicar-se à prostituição — e até episódios de agressões.

Estas testemunhas mostraram-se credíveis, sendo notório que nada tinham contra os arguidos e que, aliás, não deixaram de dar conta de elementos que os favorecia: por exemplo, NN, muito embora não fosse uma testemunha “próxima” dos arguidos, foi claro na afirmação de que não se apercebeu de que AA exercesse qualquer tipo de domínio sobre CC (ou sobre BB); e LL deu conta que, ao contrário do que referia o libelo acusatório, o arguido AA não teria ameaçado quem quer que fosse da sua família.

b) Ainda com importância na formação da convicção da sua convicção, o Tribunal atendeu ao depoimento de OO, inspetor do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, relevo que lhe adveio não tanto do que diretamente viu ou assistiu — não presenciou os factos — mas das diligências de prova que realizou e que levaram à recolha de alguma documentação, sendo certo, ainda que, e considerando a sua experiência na investigação de ilícitos deste género onde estão em causa cidadãos estrangeiros e de nacionalidade ... em particular, foi dando achegas importantes quanto ao modus operandi em casos similares e que, no caso dos autos e de acordo com a prova recolhida, obtinha grandes semelhanças.

Assim sendo, foi importante o depoimento desta testemunha para contextualizar (e, nesse sentido, explicar) outros elementos probatórios, tais como o teor das fotos de fls. 76 v., as recolhas de elementos do facebook dos arguidos (cf. fls. 87 a 90), as informações prestadas pela Western Union (fls. 143 e fls. 186 a 189), assim como o teor da documentação e demais objetos apreendidos ao arguido AA (cf. fls. 167 a 171, fls. 172 a 179).

Β.β.3. Desta ordem de considerações, fácil é de assinalar que o Tribunal valorou, ainda, os elementos documentais a que se aludiu, assim como os autos de revista e apreensão que constam de fls. 167 a 171, fls. 172 a 179 e de fls. 259.

Β.β.4. Com importância ainda, a documentação clínica referente a CC que se mostra a fls. 213 a 223, fls. 330 a 340, fls. 445 a 540, revelador do estado de saúde dela, principalmente quanto ao parto da bebé do sexo feminino.

Β.γ. Factualidade descrita em 48) a 52) dos factos provados.

Esta factualidade resulta da normalidade das coisas perante o descrito em 1) a 47) dos factos provados, sendo certo que nenhuma prova foi produzida que permitisse ao Tribunal afastar ou suspeitar que “o normal acontecer” não se verificou no caso em apreço.

Ainda assim, deve assinalar-se que as testemunhas LL e NN — para além da própria CC — deram conta de terem mantido contactos com os arguidos e não deram conta de qualquer suspeita de que os arguidos fujam da normalidade acima assinalada.

Β.δ. Factualidade descrita em 53) a 56) dos factos provados.

O tribunal aqui valeu-se dos elementos documentais que constam dos autos e, bem assim dos depoimentos das testemunhas NN, LL e OO, nomeadamente:

– certificado do registo criminal dos arguidos de fls. 894 e de fls. 887; – fls. 276 a 285.

Γ. Factos não provados.

Γ.α. Factualidade descrita em a) a e) dos factos não provados.

Esta factualidade vinha descrita na acusação deste processo, mas a verdade é que, para além do descrito nos factos provados, não se produziu qualquer prova donde pudesse o Tribunal chegar à confirmação desta factualidade.

Assim, por ausência de prova sobre a mesma, o Tribunal considerou esta factualidade como não provada.

Γ.β. Factualidade descrita em f) a i) dos factos não provados.

Não foi produzida qualquer prova sobre esta matéria, dela tendo falado LL, mas negando-a.

Direito

Como sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação que apresentou (art. 412.º, n.º 1, do CPP).

Os  poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça restringem-se exclusivamente ao reexame da matéria de direito (art. 434.º do CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2 do CPP ou, na redação introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21.12, visto o disposto no art. 5.º do CPP (ou seja, desde que da aplicabilidade imediata da lei nova não haja um agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido ou quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo), sem prejuízo do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 1 do art. 432.º

Ora, analisadas as conclusões do recurso do arguido AA, verifica-se que coloca as seguintes questões:

1ª- errado enquadramento jurídico-penal dos factos dados como provados (por os factos dados como provados, na sua perspetiva, não integrarem o crime de tráfico de pessoas p. e p. no art. 160.º do CP, pelo qual também foi condenado);

2ª- ser excessiva a pena aplicada pelo crime de lenocínio agravado cometido, a qual deve ser reduzida para 3 anos de prisão e suspensa na sua execução.

Vamos então analisar as questões colocadas pelo recorrente, tendo presente que, não ocorrendo quaisquer dos vícios previstos nas alíneas a), b) ou c) do n.º 2 do art. 410º, do CPP, nem nulidades ou irregularidades de conhecimento oficioso, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto acima transcrita, a qual nessa parte se mostra devidamente sustentada e fundamentada.

Pois bem.

1ª Questão

Argumenta o recorrente, em resumo, que agiu «a montante a jusante com o único propósito de lucrar com a prostituição» da ofendida/assistente, «imbuído de alguma vezes de violência ou ameaça grave” , “através de ardil ou manobra fraudulenta” , “com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho” ou “aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima”, mas ela (a assistente) sempre teve liberdade de ação e poder de decisão, optando por vir e decidindo vir para Portugal, para se prostituir, tendo podido na ..., recusar o convite para se vir prostituir para Portugal, e não o fez, estando consciente da realidade que iria encontrar, sendo todos os atos preparatórios que praticou relativos ao crime de lenocínio que cometeu, não havendo factos relativos ao crime de tráfico de pessoas, do qual deve ser absolvido por não se verificarem os pressupostos objetivos e subjetivos do tipo.

Pois bem.

Relativamente ao crime de tráfico de pessoas e, no que aqui interessa, também quanto ao crime de lenocínio, escreveu-se o seguinte no Acórdão impugnado[2]:

“(…)

10. Imputa o Ministério Público aos arguidos AA e BB, em coautoria, a prática de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al d), do Código Penal (são deste diploma legal as normas doravante citadas sem menção da sua proveniência).

Estatui o artigo 160.º, assim tipificando o crime de tráfico de pessoas, o seguinte:

“1 – Quem oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa para fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas: a) Por meio de violência, rapto ou ameaça grave;

b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;

c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica, de trabalho ou familiar;

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima ou

e) Mediante a obtenção do consentimento da pessoa que tem o controlo sobre a vítima; é punido com pena de prisão de três a dez anos.”

a) O bem jurídico que se pretende tutelar é liberdade de decisão e ação de outra pessoa, ou, num sentido mais amplo, a liberdade pessoal (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 464; considerando, igualmente, que é este o bem jurídico protegido pela norma do artigo 160.º — a “liberdade pessoal” — acrescentando, todavia, que “este crime de tráfico de pessoas atinge, de forma radical e direta, a dignidade da pessoa humana, ao transformar o corpo da vítima em mero objeto de exploração sexual ou laboral, ou como numa espécie de depósito de órgãos”, considerando, por isso, que “também é manifesto que a dignidade da pessoa humana também é diretamente tutelada, visando, assim, este tipo legal proteger esta dignidade na sua globalidade, a qual é, radicalmente, atingida com o tráfico de pessoas”, Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I, Coimbra Editora, 2012, pág. 678).

b) A concretização da incriminação, nos termos em que se encontra definida atualmente no Código Penal, resulta da crescente consciencialização de que o tráfico de pessoas constitui um dos maiores ataques à dignidade da pessoa, é levada a cabo de modo transnacional e, além disso, por organizações criminosas altamente sofisticadas e espalhadas por vários países. Aliás, é este particular contexto, que nos permitem acentuar duas notas:

– em primeiro lugar, a consideração da gravidade do tráfico de pessoas, em si mesmo e no quadro especialmente organizado em que se desenvolve, leva a que, para alguns efeitos, a Constituição da República Portuguesa coloque tal atividade no âmbito da criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada”, a par do “terrorismo e o tráfico (…) de armas e de estupefacientes” (artigo 34.º, n.º 3), sendo, também por isso, que a lei permite a entrada no domicílio de outra pessoa mesmo durante a noite (cf. artigos 1.º, als. l) e m) e 177.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Penal); e

– em segundo, os Estados têm procurado formas de cooperação internacional de combate a tal fenómeno, devendo salientar-se, entre outros instrumentos normativos internacionais, a Convenção do Conselho da Europa Relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos, também conhecida por Convenção de Varsóvia, aí concluída em 2005, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 1/2008, de 14 de janeiro, sendo ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 9/2008, de 14 de janeiro e publicada no Diário da República 1.ª série – N.º 9 – 14 de Janeiro de 2008.

Tal Convenção é expressa na afirmação de que “tem por finalidade” (artigo 1.º, n.º 1):

“a) Prevenir e lutar contra o tráfico de seres humanos, garantindo a igualdade entre mulheres e homens;

b) Proteger os direitos humanos das vítimas de tráfico, estabelecer um quadro completo de proteção e de assistência às vítimas e às testemunhas garantindo a igualdade entre mulheres e homens, bem como assegurar investigações e procedimentos eficazes;

c) Promover a cooperação internacional no domínio da luta contra o tráfico de seres humanos”. Mais considera ser aplicável a todas as formas de tráfico de seres humanos, de âmbito nacional ou internacional, independentemente da sua ligação ou não ligação à criminalidade organizada” (artigo 2.º).

Ora, a Convenção de Varsóvia entende (artigo 4.º) que, “para efeitos da presente Convenção:

a) «Tráfico de seres humanos» designa o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou ao uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou de uma situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa com autoridade sobre outra, para fins de exploração. A exploração deverá incluir, pelo menos, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, a escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a extração de órgãos;

b) O consentimento dado pela vítima de «tráfico de seres humanos» à exploração referida na alínea a) do presente artigo será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios indicados na alínea a) do presente artigo;

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração deverão ser considerados «tráfico de seres humanos» mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos na alínea a) do presente artigo;

d) «Criança» designa qualquer pessoa com idade inferior a 18 anos;

e) «Vítima» designa qualquer pessoa física sujeita a tráfico de seres humanos conforme definido no presente artigo.”

11. Olhando agora mais de perto a redação do artigo 160.º, n.º 1, a conduta proibida traduz-se em, “para fins de exploração incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas”, e por meios que descreve nas diferentes alíneas, “oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa”.

Trata-se, assim de um crime que é normalmente praticado por ação, mas também pode sê-lo por omissão, posto que sobre o agente recaia o dever jurídico de garante (artigo 10.º, n.º 2) sobre aquela pessoa que é objeto de tráfico (de oferta, entrega, transporte, …). E, em todo o caso, não incidindo sobre a pessoa o dever de garante, a sua punição poderá pensar-se no quadro do crime de omissão de auxílio (artigo 200.º, n.º 1).

12. A conduta prevista no n.º 1 do artigo 160.º — respeitante a pessoas maiores de 18 anos, diferentemente do que sucede com crianças (menores de 18 anos), onde o tráfico de pessoas se poderá realizar “por qualquer meio” (artigo 160.º, n.º 2) — é de execução vinculada, isto é, a oferta, entrega, recrutamento, aliciamento, aceitação, transporte, alojamento ou acolhimento terá de ser realizada de acordo com um dos meios expressamente previstos nas alíneas a) e e) e que visam, essencialmente, quebrar, limitar ou mesmo excluir a liberdade de decisão e de ação da vítima.

13. Olhando, desde já, para o caso dos autos, a acusação imputa aos arguidos a prática do crime de tráfico de pessoas por os mesmos terem atuado “aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima” (al. d) do n.º 1 do artigo 160.º).

Vejamos, então, o que se deve entender por “incapacidade psíquica” e “situação de especial vulnerabilidade”.

a) A incapacidade psíquica implica que “a vítima tenha uma incapacidade ou uma incapacidade diminuída para avaliar o sentido e as consequências da «proposta» que lhe é feita”, sendo análoga à inimputabilidade ou imputabilidade diminuída (Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, págs. 680 e 681).

b) O conceito de “especial vulnerabilidade da vítima” não é fácil de densificar.

i. Como primeira nota, deve assinalar-se que esta vulnerabilidade não se confunde com aquela que também resulta da alínea c) do n.º 1 do artigo 160.º: esta última constitui uma espécie de “vulnerabilidade relativa”, em termos de apenas aquelas pessoas que se encontram numa especial relação (de autoridade resultante de uma relação familiar ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho) para com a vítima de tal posição poderem abusar, constituindo, assim, um crime especifico; já a vulnerabilidade a que se alude na alínea d) do n.º 2 do artigo 169.º traduz-se numa vulnerabilidade absoluta, que resulta da situação em que a vítima se encontra em si mesmo e em relação a todas as pessoas, que, por isso, pode ser aproveitada por qualquer pessoa, razão pela qual constitui um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa (Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, pág. 681).

ii. A situação de especial vulnerabilidade de vítima deve aqui ser interpretada no sentido de que não lhe resta “«uma alternativa real e aceitável» senão submeter-se ao que lhe é proposto”, apelando-se, assim, a critérios de “razoabilidade”, justamente porque há situações em que muito embora existam “alternativas”, “estas não são humanamente aceitáveis — por exemplo, o risco de expulsão de um país, a pobreza extrema — havendo, assim, que considerar a “autenticidade da liberdade de opção” da vítima” (Pedro Vaz Pato, O crime de tráfico de pessoas no Código Penal revisto Análise de algumas questões, edição policopiada[3], págs. 10 e 11; trabalho também publicado na Revista do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) – 1.º Semestre 2008 – n.º 8 (Especial), págs. 179 e ss.; no mesmo sentido, Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, pág. 682; em sentido diferente, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág.432, referindo que esta norma “só inclui a vulnerabilidade em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, por identidade de razão com o artigo 155.º, n.º 1, al. b), o artigo 158.º, n.º 2, al. e), e até com o artigo 218.º, n.º 2, al. c)”).

Neste contexto, assume relevo como indício da situação de especial vulnerabilidade da vítima “o das condições objetivas em que se efetua o trabalho ou atividade em causa”, na medida em que, “em regra e salvo circunstâncias muito especiais, nunca alguém aceitaria um trabalho ou uma atividade e condições contrárias à dignidade da pessoa humana se pudesse decidir em plena liberdade e se não se encontrasse numa situação de vulnerabilidade que afeta ou anula essa liberdade”, pelo que “a ofensa objetiva da dignidade da pessoa humana indicia claramente a inautenticidade de um consentimento e o aproveitamento de uma situação de vulnerabilidade” (Pedro Vaz Pato, O crime de tráfico cit., pág. 11; reconhecendo a utilidade deste critério, Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, pág. 682), embora se deva ter presente que o crime não precisa, para a sua consumação, que a vítima tenha sido efetivamente explorada sexualmente, no trabalho, na mendicidade, na escravidão, ocorra a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas, já que basta que as condutas típicas previstas no n.º 1 do artigo 160.º sejam realizadas tendo em vista tal atividade.

Assim, “a desumanidade crassa das condições de exploração sexual ou laboral a que o agente pretende sujeitar, ou sabe às quais ela será sujeita por outrem, será um critério para a afirmação da circunstância “aproveitamento da especial vulnerabilidade da vítima, constituindo, ao mesmo tempo, o elemento subjetivo do crime” (Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, págs. 682 e 683).

iii. Em face desta ordem de considerações, percebe-se que, muito embora esta norma procure tutelar a liberdade de ação e de decisão, o consentimento da vítima revela-se, aqui, irrelevante, o que bem se compreende considerando o particular conceito de especial vulnerabilidade aqui pressuposto: se a vítima se encontra numa situação tal de não ter uma real e efetiva alternativa possível à que lhe é posta, logo teremos de concluir que, à partida, não tem qualquer liberdade e, por isso, o seu consentimento não se apresenta, desde logo, livre.

14. O crime de tráfico de pessoas exige, ainda, que as conduta objetivas de oferecer, entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa o sejam para “fins de exploração, incluindo a exploração sexual, a exploração do trabalho, a mendicidade, a escravidão, a extração de órgãos ou a exploração de outras atividades criminosas.

Há, pois, uma “intenção (para fins de) de realização de um resultado” (a exploração) “que não faz parte do tipo, mas que é provocado por uma ação ulterior a praticar pelo próprio agente ou por terceiro”, razão pela qual se pode afirmar que “não é necessária a exploração efetiva da vítima” (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 431).

O crime é doloso e, salvo no que diz respeito à atividade ardilosa ou fraudulenta (prevista na alínea b) do n.º 1), admite qualquer modalidade de dolo, incluindo o dolo eventual, incluindo a intenção de exploração tida como elemento implícito do tipo (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 433; e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, Almedina, 2.ª ed., 2015, pág. 707; contra, entendendo que, no mínimo, o n.º 1 do artigo 160.º exige dolo necessário, Américo Taipa de Carvalho, Comentário cit. I, pág. 684, referindo, a propósito, “tendo em conta que os tipos legais descritos nos n.os 1 e 2 exigem o elemento subjetivo «fins de exploração», isto é, exigem que o agente ofereça, entregue, etc. a vítima com o objetivo de esta vir a ser (ou, pelo menos, sabendo que está virá a ser) explorada sexualmente, etc., pensamos que não é suficiente o dolo eventual, mas que se exige que o agente atue com essa finalidade (dolo direto) ou, pelo menos, saiba que o destino da vítima irá ser o de sujeição à exploração sexual, laboral, ou à extração de órgão (dolo necessário)”).

15. Chegados a este ponto, cabe então afirmar se há, ou não, a prática do imputado crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al. d), do Código Penal.

E, desde já se adianta, a nosso ver os factos provados permitem afirmar a imputação feita no libelo acusatório.

O que se provou foi que os arguidos AA e BB — no quadro de um plano que engendraram e que visava aliciá-la e, depois, transportá-la para Portugal para aqui se apropriarem dos proventos que a mesma obtivesse à custa de tal atividade — propuseram a CC que viesse para Portugal dedicar-se à prostituição. Obtido o acordo dela, o arguido AA transportou-a (juntamente com BB, sua companheira e que também se dedicava à prostituição) para Portugal.

Acresce que deve considerar-se CC como uma vítima em situação de especial vulnerabilidade: note-se que a mesma é aliciada na ... — para onde foi, assinale-se, logo após completar 18 anos de idade — quando nem sequer havia completado 20 anos de idade, sendo que, ao tempo, se dedicava à atividade de prostituição na rua, por conta de um indivíduo e depois de ter deixado uma instituição de apoio a mulheres vítimas de exploração e violência.

Ademais, considerando os termos em que CC “aceitou” vir dedicar-se à atividade de prostituição — devendo destacar-se o seguinte: aceitou vir para um país onde não conhecia a língua, vivendo em alojamentos que eram providenciados pelos arguidos, sendo despojada da sua documentação (não tinha qualquer documentação válida), sem qualquer tipo de retaguarda de apoio (familiar ou outra, porque, além dos próprios arguidos, não tinha familiares nem amigos, assinalando-se que o arguido AA impedia os normais contactos com a sua [dela] família na ... e dedicando-se à prostituição (às vezes contra a sua vontade e mesmo estando grávida até ao termo da sua gravidez…) sem sequer ficar para si com qualquer rendimento dessa atividade — teremos então de concluir que se encontrava numa situação de especial vulnerabilidade, porque só assim se compreende que tivesse “aceitado” sujeitar-se a tais condições de vida.

Neste contexto, como é bom de ver — e como tivemos oportunidade de realçar já — a “aceitação” de CC em vir para Portugal dedicar-se à atividade de prostituição nos termos que se mostram referidos se mostra irrelevante enquanto causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.

Além disso, provou-se ainda que a atuação dos arguidos foi dirigida, justamente, à exploração sexual de CC, uma vez que agiram visando obter benefícios económicos à custa da atividade de prostituição que ela viesse a realizar em Portugal.

Mais se provou que aliciaram aquela CC para fins de exploração sexual, aproveitando-se da especial situação de vulnerabilidade daquela, o que conheciam, quiseram (e até conseguiram), atuando livre voluntária e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas.

(…)

19. A acusação imputa ainda aos arguidos AA e BB, em coautoria, a prática de um crime de lenocínio, previsto e punível pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. d) do Código Penal.

Dispõe o artigo 169.º do Código Penal (são deste diploma legal as normas doravante citadas sem menção da sua proveniência):

“1. Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.

2. Se o agente cometer o crime previsto no número anterior: a) Por meio de violência ou ameaça grave;

b) Através de ardil ou manobra fraudulenta;

c) Com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho; ou

d) Aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima,

é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

a) Encontra-se inserido este tipo legal de crime na secção intitulada “crimes contra a liberdade sexual”, onde o bem jurídico protegido é o da liberdade de determinação sexual de todas as pessoas, independentemente da idade (idade que é já um elemento determinante da proteção penal conferida pela criminalização das condutas previstas na secção II, com a epígrafe “crimes contra a autodeterminação sexual, onde o bem jurídico protegido engloba também o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual — cf. Jorge de Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2012, pág. 712).

Porém, considerando as condutas que atualmente são abrangidas pelo tipo legal previsto no n.º 1 do artigo 169.º em apreço, pode questionar-se se aqui, mais do que a proteção da liberdade de expressão sexual da pessoa, “persiste uma certa ideia de defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade, que não é encarada hoje como função do direito penal e, de qualquer modo, não presidiu ao enquadramento dos crimes contra a liberdade sexual no título mais vasto dos crimes contra as pessoas e como uma forma que assumem os atentados contra a liberdade” (cf. Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2012, pág. 796, defendendo, por isso, estarmos aqui perante um crime cuja incriminação é desprovida de sentido, porquanto só se considera “legítima a incriminação de condutas do foro sexual se e na medida em que atentem contra um específico bem jurídico eminentemente pessoal”, pelo que o direito penal só deveria intervir “em dois grupos de casos: quando está em causa o desenvolvimento de menores ou quando, em relação a adultos, se utilize a violência, a ameaça grave, se provoque erro ou se aproveite do seu estado de pessoa «indefesa»”; o que fosse além disto, continuam aquelas Autoras, nomeadamente a incriminação do lenocínio prevista no artigo 1619.º, n.º 1, seria “proteger bens jurídicos transpersonalistas de étimo moralista por via do direito penal”, “o que se tem hoje por ilegítimo”).

É justamente considerando este modo de olhar o bem jurídico que há quem afirme que o que se tutela no crime de lenocínio previsto no artigo 169.º, n.º 1, “não é, nem deve ser, a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, mas sim «o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto»” (exatamente assim, Sénio Manuel dos Reis Alves, Crimes Sexuais: Notas e comentários aos artigos 163.º a 179.º do Código Penal, Almedina, 1995, págs. 67 a 69, que, por isso, propunha “ a inserção sistemática dos artigos 170.º e 176.º no Título IV «Dos crimes contra a vida em sociedade»”).

Esta ordem de ideias conduz-nos, efetivamente, a considerar que o bem jurídico protegido no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, tal como anteriormente no artigo 170.º, n.º 1, do mesmo Código, não é a liberdade de determinação sexual da pessoa que se dedica à prostituição (defendendo esta ideia, pode ver-se Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, pág. 464; e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal Parte Geral e Especial, Almedina, 2.ª ed., 2015, pág. 750) ou sequer a “dignidade da pessoa que se prostitui” (Pedro Vaz Patto, Direito Penal e Ética Sexual, in Direito e Justiça [Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa], vol. XV, 2001 – tomo II, pág. 138).

Na verdade, na redação do referido preceito (do mesmo modo na redação anterior e contrariamente à redação que a precedeu), tal crime existe, ainda que aquele que pratica a prostituição o faça livremente, sem quaisquer constrangimentos: se a prostituta ou o prostituto, de maior idade e no perfeito estado das suas faculdades, pretende exercer a prostituição, o favorecimento que outro fizer dessa atividade, com intuito lucrativo, não atinge a sua liberdade de determinação sexual.

b) Esta última nota — a de que, afinal, a norma incriminadora pode atingir aquelas situações em que não há qualquer ataque ou ofensa à liberdade sexual daquele que pratica a prostituição — permite questionar a conformidade constitucional do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal.

E, na verdade, tal debate foi travado no Palácio Ratton (segue-se, no essencial, Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 72/2021, de 27.1.2021, proferido no processo n.º 1458/2017 e consultado em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210072.html).

(…)

20. Esta ordem de razões naturalmente que cede perante a redação do artigo 169.º, n.º 2, porque, neste caso, o exercício da prostituição — e veremos adiante que se deve entender por prostituição — é conseguido por meios que dispensam (ou, pelo menos corrompem) a autonomia da pessoa, a sua liberdade, quais sejam, “por meio de violência ou ameaça grave “ (al. a)), “através de ardil ou manobra fraudulenta” (al. b)), “com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho” (al. c)) ou “aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima” (al. d)).

Por isso, o bem jurídico protegido no artigo 169.º, n.º 2 (no crime de lenocínio qualificado) é a liberdade de autodeterminação sexual da pessoa.

21. O agente do crime “pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que atue profissionalmente ou com intenção lucrativa” (Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 803, que, no essencial, iremos seguir).

Faz-se notar que o agente, necessariamente, terá de se apresentar como “um intermediário” ou um “medianeiro” — que fomenta, favorece ou facilita o exercício da prostituição — visando a sua atuação a satisfação de interesses libidinosos de outra pessoa e sendo um terceiro em relação aos intervenientes no ato sexual.

De todo o modo, deve assinalar-se que a satisfação de interesses de terceiros não se apresenta como elemento essencial ao crime de lenocínio, já que são configuráveis hipóteses em que o agente (desde que não intervenha no ato sexual) desenvolva uma atividade que tenha em vista também a satisfação de interesses próprios, desde que o faça profissionalmente e com intenção lucrativa — elementos que, estes sim, se revelam essenciais ao crime de lenocínio.

 Assim, essencial é que o agente atue “profissionalmente” ou “com intenção lucrativa”. Se no primeiro caso pressupõe-se uma atividade “profissional”, relacionado com uma caraterística de habitualidade, ainda que não se apresente como o único e exclusivo modo de vida, já o fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição “com intenção lucrativa” admite a sua realização através de uma atividade meramente pontual ou esporádica.

Por outra banda, não pode ser agente do crime o comummente chamado “rufião”. Embora este “viva às custas de uma prostituta ou um prostituto” (e, por isso, os rendimentos que obtém provêm da atividade de prostituição levada a cado por outra pessoa), a verdade é que não fomenta, favorece ou facilita esse exercício (Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, págs. 802 e 803; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 464; e M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código cit., pág. 751).

22. Vítima do crime de lenocínio é, de seu lado, qualquer pessoa, homem ou mulher, desde que maior.

Sendo menor, o crime será o de lenocínio de menor, previsto e punido pelo artigo 175.º.

23. A conduta típica é, “profissionalmente ou com intenção lucrativa”, “fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa da prostituição”.

a) Prostituição existirá quando se pratiquem atos sexuais de relevo “a troco de uma contrapartida”, “normalmente traduzida em dinheiro”.

“É prostituição a conduta da pessoa do sexo masculino ou feminino que pratica um ou mais atos sexuais de relevo (incluindo cópula, coito anal ou oral e a introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos), mediante pagamento ou contrapartida”, sendo “irrelevante se a pessoa tem uma posição ativa ou passiva no ato sexual”, não tendo ainda que a conduta do prostituto ou da prostituta de constituir o seu modo de vida e nem mesmo representar uma atividade reiterada, podendo constituir um ato isolado ou esporádico ou uma atividade intermitente ou permanente (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., págs. 464 e 865).

b) Fomentar significa “incentivar a corrupção, ou, melhor dizendo, determiná-la (quando ainda não exista), agravá-la (se já existe) ou evitar que enfraqueça ou termine (quando já está em curso)” (Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 805 e 806, que, no essencial, seguimos).

Favorecer ou facilitar significam “auxiliar ou apoiar, no segundo caso, diferentemente do primeiro, com contribuição direta dos meios ou instrumentos que levam à exclusão ou manutenção do status delituoso”.

Fomentando, “o agente colabora no processo de decisão”, enquanto favorecendo ou facilitando, “colabora no processo de execução”.

A primeira situação corresponde à situação denominada de “lenocínio principal”, enquanto as restantes correspondem ao denominado “lenocínio acessório”.

Em qualquer dos casos, porém, o agente “apenas colabora no encaminhamento da vítima para a prostituição, mas não determina a sua vontade para a prática dos referidos atos”, não havendo qualquer coação.

c) O agente terá de atuar “profissionalmente” ou “com intenção lucrativa”, nos termos que já se assinalaram.

d) Sendo esta a configuração típica do crime de lenocínio — e não esquecendo que o crime procura tutelar a liberdade e determinação sexual ― estamos perante um crime de resultado, pois apenas se preenche o tipo legal em causa quando a vítima efetivamente chega a praticar a prostituição (neste sentido, Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 813; contra, considerando que se trata de um crime de mera atividade ou formal, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 464).

24. Se o agente, além disto, utiliza os meios previsto no n.º 2 do artigo 169.º ― violência ou ameaça grave” (al. a)), “através de ardil ou manobra fraudulenta” (al. b)), “com abuso de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho” (al. c)) ou “aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima” (al. d)) ― comete o crime de lenocínio qualificado ou agravado. São, assim, os particulares meios utilizados que qualificam a conduta do agente.

Deste modo, (seguimos, no essencial, Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 811) “a conduta típica traduz-se em o agente, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição através de um meio típico de coação, imediatamente dirigido à prática da prostituição” (falando expressamente numa relação meio-fim entre a utilização dos meios coativos para a prática da prostituição, M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código cit., pág. 752). Por isso, estão em causa “atuações (a utilização de meios) que, por diferentes formas embora, todas têm como efeito privar a pessoa da capacidade de livremente e de forma esclarecida optar por dedicar-se à prostituição”.

É essencial, assim, que o agente continue a agir profissionalmente ou com intenção lucrativa, porque se o não fizer, a sua conduta não é punível no quadro do lenocínio qualificado, embora o possa ser no âmbito de outros crimes contra a liberdade sexual ou mesmo contra a liberdade pessoal (neste sentido, Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 812; Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 466).

25. Imputa-se aos arguidos a prática de um crime de lenocínio qualificado, sendo as condutas qualificativas as previstas nas alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 169.º.

Resulta, assim, do n.º 1 e da alínea a) do n.º 2, do artigo 169.º do Código Penal que se o agente “profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição” “por meio de violência ou ameaça grave”, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

a) O primeiro meio típico de coação à prática de prostituição é, desde logo, a violência.

Neste contexto, deve considerar-se, apenas, o “uso da força física (como vis absoluta ou como vis compulsiva) destinada a vencer uma resistência oferecida ou esperada”, bem se podendo dizer que “à violência tem de assistir uma qualquer corporalidade do meio de coação” (Jorge de Figueiredo Dias, Comentário cit. I, pág. 726, embora a propósito do crime de coação sexual, mas, como referem Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo [Comentário cit. I, pág. 811] com inteira aplicação à alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º).

Esta violência não precisa de ser “pesada ou grave, mas será, em todo o caso indispensável que ela se considere idónea, segundo as circunstâncias do caso — nos termos conhecidos da doutrina da adequação —, a vencer a resistência efetiva ou esperada da vítima”, sendo aqui decisivo, em princípio, a perspetiva da vítima, de tal modo que poderá bastar, por exemplo e atento o caráter temeroso da vítima, uma mera bofetada ou simplesmente transportá-la de um lugar para outro (neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Comentário cit. I, pág. 726, embora a propósito do crime de coação sexual, mas, como referem Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo [Comentário cit. I, pág. 811] com inteira aplicação à alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º).

A violência pode — e normalmente precede — preceder o início dos atos de prostituição, mas também pode ocorrer após o seu início, mas, neste último caso, apenas se ela se destinar a vencer a oposição da vítima quando é sobrevinda.

A violência tanto se pode dirigir a uma pessoa — normalmente a vítima, mas também pode dirigir-se a um terceiro, especialmente se a vítima a ela está ligada por laços de proximidade existencial (familiar, relação de afeto, …) — e até contra coisas: o essencial, é que a violência tenha afetado, de modo relevante, a liberdade sexual da vitima e, no que diz respeito à violência exercida sobre coisas, ela terá de ter efeito coativo imediato sobre o corpo (neste sentido, Jorge de Figueiredo Dias, Comentário cit. I, pág. 727, embora a propósito do crime de coação sexual, mas, como referem Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo [Comentário cit. I, pág. 811] com inteira aplicação à alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º).

b) O outro meio coativo que se alude na alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º é a ameaça grave. Ameaça (seguimos, de perto, Jorge de Figueiredo Dias, Comentário cit. I, pág. 726, embora a propósito do crime de coação sexual, mas, como referem Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo [Comentário cit. I, pág. 811] com inteira aplicação à alínea a) do n.º 2 do artigo 169.º) é a manifestação do propósito de causar um mal futuro ou um perigo se a pessoa não aceitar prostituir-se.

A ameaça terá de ser “grave” e não, como consta do artigo 154.º, “com mal importante”.

Esta diferente redação, aliada à consideração das diferentes molduras penais aplicáveis — bem mais grave no lenocínio qualificado do que na simples ameaça — tem implicada a ideia de que a ameaça prevista no artigo 169.º, n.º 2, al. a), se deva considerar “tipicamente mais exigente do que a que ocorre no artigo 154.º”, razão pela qual ela (ameaça) se deve apresentar como grave não só no seu conteúdo, mas também quanto à medida e à sua intensidade (de tal modo que, v.g., a ameaça de uma bofetada não constituirá uma ameaça tipicamente relevante para efeitos do artigo 169.º, n.º 2, al. a), do Código Penal.

Por fim, o mal da ameaça pode ser dirigido também contra terceiro, mas só será relevante desde que “represente também para a vítima uma ameaça grave.”

Além disso, deve salientar-se que a ameaça dirigida contra o próprio autor da ameaça — por exemplo, o agente ameaça suicidar-se — não é, para este efeito, tipicamente relevante.

26. A acusação imputa ainda aos arguidos a prática do crime de lenocínio agravado nos termos do artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. d), do Código Penal: os arguidos terão, no entender do Ministério Público, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentado, favorecido ou facilitado o exercício por outra pessoa de prostituição “aproveitando-se de incapacidade psíquica ou de situação de especial vulnerabilidade da vítima”.

Inexistindo no processo a mais pequena referência a qualquer tipo de incapacidade psíquica por parte de CC, importa aqui analisar focar a nossa atenção para o conceito de especial vulnerabilidade da vítima.

Valem nesta sede a generalidade dos considerandos tecidos em 13. a propósito deste conceito de “especial vulnerabilidade da vítima” no crime de tráfico de pessoas, difícil de densificar.

Como primeira nota, deve assinalar-se que esta vulnerabilidade não se confunde com aquela que também resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 169.º: esta última constitui uma espécie de “vulnerabilidade relativa”, em termos de apenas aquelas pessoas que se encontram numa especial relação (de autoridade resultante de uma relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho) para com a vítima de tal posição poderem abusar, constituindo, assim, um crime especifico; já a vulnerabilidade a que se alude na alínea d) do n.º 2 do artigo 169.º se traduz numa vulnerabilidade absoluta, que resulta da situação em que a vítima se encontra e que, por isso, pode ser aproveitada por qualquer pessoa, razão pela qual constitui um crime comum, que pode ser praticado por qualquer pessoa.

A situação de especial vulnerabilidade da vítima deve aqui ser interpretada no sentido de ela “não ter outra alternativa possível senão submeter-se ao exercício da prostituição”, podendo, “assim, configurar-se como crime de lenocínio qualificado situações de desamparo social, como os casos em que a pessoa, por exemplo em situação de pobreza extrema e sem possibilidade de prover ao seu sustento e da sua família que dela depende, consente dedicar-se à prostituição” (Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário cit. I, pág. 811; em sentido oposto, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário cit., pág. 466, referindo que esta norma “só inclui a vulnerabilidade em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez, por identidade de razão com o artigo 155.º, n.º 1, al. b), o artigo 158.º, n.º 2, al. e), e até com o artigo 218.º, n.º 2, al. c)”, “portanto, arredada a tese da inclusão da situação social de «desamparo da vítima»” neste conceito, até porque, como até já assinalámos, para este Autor, “a necessidade «económica e social» da prostituta é um pressuposto típico (constitucionalmente implícito) de todo o crime de lenocínio e não apenas da sua forma qualificada”).

27. O crime é doloso, admitindo qualquer uma das suas modalidades.

28. Aqui chegados, importa então aplicar o direito aos factos.

a) Crê-se que, relativamente ao arguido AA, os factos provados não deixam margem para qualquer dúvida sobre esta matéria: depois de a transportar para Portugal, era essencial o arguido AA tratava de toda a “logística” que permitia e, nesse sentido, favorecia e promovia, a prática, por parte de CC, da atividade de prostituição, nomeadamente fornecendo-lhe alojamento (cf. o descrito em 10) dos factos provados), escolhendo os locais onde ela se prostituída e transportando-a para lá (cf. 13) e 14) dos factos provados), contactava os “donos” dos locais de prostituição (cf. 15) dos factos provados), confecionava-lhe as refeições (cf. o referido em 16) dos factos provados).

Estas atividades eram feitas por parte do arguido AA profissionalmente e com intenção lucrativa: aliás, isso mesmo é revelado no teor do descrito em 50) dos factos provados), assim se compreendendo que CC lhe entregasse todo o produto da sua atividade (cf. o descrito em 19) dos factos provados, mas também o referido em 21) dos factos provados)

Acresce que o arguido AA efetivamente obrigava CC a dedicar-se à atividade de prostituição, agredindo-a fisicamente com socos, pontapés (cf. o referido em 21) dos factos provados), mas também a forçando a colocar toalhitas na vagina quando se encontrava na menstruação (cf. o descrito em 27) dos factos provados), exigindo-lhe que continuasse a prostituir-se mesmo grávida (cf. o referido em 30) dos factos provados).

Se considerarmos, ainda, que CC se encontrava num país onde não tinha qualquer familiar, amigo ou conhecido para além dos arguidos, mal conhecia ou falava a língua, não tinha qualquer documentação válida consigo e que o arguido AA a impedia de manter contactos livremente com familiares seus ou outras pessoas — o que é bem revelado em 22) a 25) dos factos provados — para além de lhe recusar dar dinheiro quando lho era solicitado (cf. o descrito em 26) dos factos provados) e não permitir qualquer acompanhamento da gravidez (aliás, o que revelam os factos provados é que o arguido tentou que ela abortasse e, além disso, obrigava-a a prostituir-se nessa situação), teremos também de concluir que ela deve considerar-se como vítima especialmente vulnerável.

Por fim, provou-se que o arguido sabia alojava transportava CC para local onde esta se dedicava à prática de atos de prostituição, o que quis e conseguiu, aproveitando-se do descrito da sua situação de especial vulnerabilidade e utilizando os meios de violência e ameaça referidos, o que também previamente representou, quis e conseguiu, atuando com a intenção, conseguida, de obter rendimentos da atividade de prostituição a que CC se dedicava, o que previu e quis, agindo livre voluntária e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas.

b) Olhando agora para BB, deve reconhecer-se que a factualidade provada não se apresenta tão reveladora da sua atuação no que ao crime de lenocínio diz respeito, mas ainda assim entende-se que a mesma praticou este crime.

Desde logo, importa não esquecer que a atuação dos arguidos — e, por isso, também da arguida BB — é realizada num quadro de um plano que visava, justamente, explorar sexualmente CC, sendo que, nesse plano o papel liderante é assumido pelo arguido AA. Desde modo, embora num papel mais secundário, mas ainda assim relevante em termos de podermos dizer que a sua atuação se mostra imprescindível para o se e o como da realização do crime de lenocínio agravado, o que é evidenciado em factualidade vária, passando pelo fornecer alojamento, como o receber as quantias em dinheiro que eram ganhas por CC quando AA não se encontrava em Portugal (e, inclusivamente, remetendo-lhas), servindo de apoio àquele arguido na sua ação violenta e coatora da prática de atos de prostituição por parte de CC.

Neste contexto, refira-se, desde logo, que a presença de CC em Portugal se deveu ao facto de a arguida BB ter engendrado um plano com AA justamente tendo em vista a exploração sexual daquela (cf. o descrito em 8) e 9) dos factos provados). Além disso, ela pratica atos que não só favorecem a prostituição — desde logo, no fornecimento de alojamento (cf. o descrito em 10) dos factos provados — como também é conhecedora da situação de especial vulnerabilidade em que se encontrava CC e dela se aproveita.

Acresce que, numa ocasião, atingiu mesmo CC com um cinzeiro. E, muito embora se não possa dizer que esta conduta estivesse diretamente ligada à atividade de prostituição — na factualidade provada não se diz que a arguida atingiu aquela CC para, nessa situação concreta, a obrigar a prostituir-se — a verdade é que não se pode ignorar o contexto em que a mesma ocorre, estando efetivamente CC a ser obrigada a prostituir-se com recurso a violência (ademais numa particular situação em que não conhecia ninguém para além dos arguidos, estando sem documentação, sem conhecer a língua portuguesa, privada de contactos com os seus familiares e amigos).

Em face do que mais se provou, nomeadamente o descrito em 47) a 51) dos factos provados, teremos então de concluir que também a arguida BB praticou o crime de lenocínio agravado, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d), do Código Penal.

29. O que se acabou dizer, na conjugação do que se expendeu em 16. e 17., revela, então — e ainda — que os arguidos AA e BB praticaram o crime de lenocínio agravado, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d), do Código Penal, em coautoria.

30. Importa, ainda, analisar, ainda que muito sumariamente, o problema de saber se tendo sido o mesmo agente a, simultaneamente, “traficar” a pessoa para fins de exploração sexual recorrendo a um dos meios previstos no n.º 1 do artigo 160.º a, depois, efetivamente realizar a essa exploração, designadamente pela prática do crime de lenocínio, apenas pratica o crime de tráfico de pessoas previsto no artigo 160.º, n.º 1, cuja pena poderá chegar aos 10 anos de prisão, ou, além deste e em concurso efetivo com ele, também o crime de lenocínio previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2.

a) O ponto de partida deve ser o artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal, perspetivado em função da específica configuração típica dos crimes em confronto.

Diz-se, então, no artigo 30.º, n.º 1 do Código Penal que “o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente”.

i. A primeira nota a atender é que o artigo 30.º, n.º 1, não atende a um critério baseado no número de ações praticadas pelo agente para aferir do número (e do concurso de) infrações ou de crimes, antes segue um critério assente no número de tipos legais de crime violados. Isto porque o “critério de identificação do concurso pelo legislador é o número de tipos legais de crime preenchidos pelo agente, ou o número de vezes que um tipo legal se deixou preencher, sendo indiferente o número de ações em sentido naturalístico que são absorvidas por um só tipo legal de crime” (Maria Paula Ribeiro de Faria, Formas Especiais do Crime, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 374).

Todavia, continuamos sem saber o que se deve entender como “crime” ou, rectius, por “tipo de crime”. E descobri-lo é uma tarefa que não é isenta de dificuldades.

Vejamos.

ii. O Professor Eduardo Correia sustenta que o número de crimes se determina pelo número de juízos de censura dirigidos ao agente, reconduzidos estes às diferentes resoluções criminosas.

Este penalista, partindo da ideia de que o “número de infrações determinar-se-á pelo número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa atividade”, levando-o a afirmar que “se diversos valores ou bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados, independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só atividade”, havendo vários crimes sempre que há “vários juízos de censura”, esclarecendo que “seguro é que, sempre que possa verificar-se uma pluralidade de resoluções — de resoluções no sentido de determinações de vontade, de realizações do projeto criminoso — o juízo de censura será plúrimo” (Direito Criminal vol.II, Livraria Almedina, 1965, [reimpressão: 1988], págs.200 a 202).

Quanto ao modo ou critério a seguir para determinar uma pluralidade ou unidade de resoluções é necessário apelar-se à “conexão temporal que liga os vários momentos da conduta do agente”, afirmando-se uma unidade resolutiva naquelas situações em que, “em regra e de harmonia com os dados de experiência psicológica”, “o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação” (Eduardo Correia, Direito cit., pág. 202).

iii. Por seu turno, entende o Professor Figueiredo Dias que “o «crime» por cuja unidade ou pluralidade se pergunta é o facto punível e, por conseguinte, uma violação de bens jurídico-penais que integra um tipo legal ao caso efetivamente aplicável”, sendo que a essência de tal violação reside no “substrato de vida dotado de um sentido negativo de valor jurídico-penal”. De tal modo que o critério para diferenciar a unidade ou pluralidade de crimes se encontra na “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global”, em termos de se poder dizer que estamos perante um concurso efetivo se for possível emitir uma “pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos-típicos cometidos”, enquanto estaremos perante um único crime se o comportamento global do agente “é dominado por um único sentido autónomo de ilicitude”, situação em que estaremos perante um concurso aparente (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral Tomo I, Gestlegal, 3.ª ed., 202019, págs. 1149 a 1152).

Entende ainda o ilustre professor que “da pluralidade de normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir, prima facie, que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais de ilicitude” e em tal situação estaremos perante um concurso efetivo, puro ou próprio (Direito Penal cit., pág. 1069). “Casos existem, no entanto, em que uma tal presunção pode ser ilidida porque os sentidos singulares de ilicitude típica presentes no comportamento global se conexionam, se intercessionam ou parcialmente se cobrem de forma tal que, em definitivo, se deve concluir que aquele comportamento é dominado por um único sentido de desvalor jurídico-social” (Direito Penal cit., pág. 1075).

Ora, para se apurar essa relação de “dominância”, deve dar-se uso, como critério primacial, o da “unidade de sentido do acontecimento ilícito global final”, pois o que se passa é que “nestes casos, o agente se propôs uma realização típica de certa espécie” — por exemplo, obter uma vantagem patrimonial sobre certa pessoa burlando-a — e, para lograr (e consolidar) o desiderato, se serviu, como dolo necessário ou eventual, de métodos, de processos ou meios já em si mesmo também puníveis”, assim se observando a existência de um sentido de ilícito absolutamente dominante e «autónomo», a par de outro ou outros sentidos dominados ou «dependentes»” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 1180 a 1181).

Este critério é observável ou concretizável ou mesmo complementado por outros critérios donde resulte a esta “unidade de sentido do acontecimento ilícito global-final”, nomeadamente (desenvolvidamente, Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal cit., págs. 1182 a 1188):

– o critério do crime instrumental ou crime-meio (abarcando aquelas situações em que “um ilícito singular surge, perante o ilícito principal, unicamente como meio de o realizar e nesta realização esgota o seu sentido e efeitos”);

– a unidade de desígnio criminoso (que, em certas situações, “pode conferir a uma pluralidade de realizações típicas um sentido fundamentalmente unitário do ilícito”, quer se trate de um concurso homogéneo ou heterogéneo, quer se verifique ou não a contemporaneidade das realizações típicas);

– a conexão espácio-temporal das realizações típicas (observando-se que “uma certa unidade ou proximidade de espaço e/ou tempo das realizações típicas pode constituir forte estímulo para concluir pela intersecção dos sentidos dos ilícitos singulares e, por essa via, por uma leitura unitária do sentido de ilícito do comportamento total” e, por essa via, por um concurso aparente); e

– os diferentes estádios de evolução ou de intensidade da realização global.

iv. Já a Professora Paula Ribeiro de Faria, em sentido próximo do Professor Figueiredo Dias, considera que não pode ser a resolução criminosa (ou o processo volitivo) o critério decisivo para apurar do concurso de infrações. Ao invés, sendo indiciador de uma pluralidade de crimes a ocorrência de uma pluralidade de bens jurídicos violados e de uma pluralidade de processos volitivos, o decisivo, para afirmar a pluralidade de infrações, deve ser o critério do significado social do facto, pelo que, é “em face do significado efetivo do comportamento à luz das valorizações essenciais e prévias acerca da ilicitude de uma conduta (valorações de natureza social) que deve ser resolvida a questão da unidade ou multiplicidade de crimes”, já que, “no fundo, a decisão sobre a existência da unidade ou pluralidade de infrações vai depender de uma valoração prévia e global do sentido do facto à qual o aplicador do direito terá de adequar a relação entre os tipos legais de crime que tem perante ele, e não o inverso” (Maria Paula Ribeiro de Faria, Formas cit., págs. 374 a 376).

b) A posição defendida por Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário cit., pág. 433), referindo que “se o agente traficar uma pessoa e em seguida fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição pela mesma (de modo profissional ou com intenção lucrativa), verifica-se um concurso aparente (consunção) entre o crime de tráfico de pessoas e o crime de lenocínio, mas o agente deve apenas ser punido pelo crime de tráfico, por ter a moldura mais grave (consunção impura)”.

c) Todavia, há quem sustente de modo diferente.

i. Partindo do pressuposto de que o critério para aferir do concurso de infrações reside na existência de sentidos sociais ilícitos plúrimos, entende a Professora Anabela Miranda Rodrigues (A incriminação do tráfico de pessoas no contexto da política criminal contemporânea, in Estudo em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, vol. III, Coimbra Editora, 2010, pág. 584; também Anabela Maria Pinto de Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário Conimbricense do Código Penal Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª ed., 2012, págs. 814 e 815) que há concurso de crimes “porque, apesar de estarmos perante a proteção, em ambos os casos, do bem jurídico «liberdade da pessoa», protegem-se manifestações/expressões diferentes dessa liberdade pessoal: num caso a liberdade de ação ou de decisão; no outro, a liberdade sexual. E não é o caso de se falar aqui em concurso aparente, uma vez que da «pluralidade das normas típicas concretamente aplicáveis ao comportamento global é legítimo concluir (…) que aquele comportamento revela uma pluralidade de sentidos sociais» («materiais») de «ilicitude» (Figueiredo Dias)”, tanto mais que “o sentido de ilicitude revelado pela conduta do agente (um mesmo agente!) é plúrimo: a deslocação, sob coação (típica), de uma pessoa, e o favorecimento da prostituição sob coação (típica) dessa pessoa”, pelo que “nestes termos, não vemos razão para falar em «grau de instrumentalização da vítima” para distinguir o crime de tráfico do de lenocínio, previsto no n.º 2 do artigo 169.º”, isto porque “a coação que representa a situação de vulnerabilidade em que a vítima se encontra terá de existir sempre, em qualquer dos casos, podendo ser maior ou menor, mas tal não interessando ao tipo de crime cometido”, já que “o que releva para identificar o crime cometido é saber se a coação atinge a liberdade de ação ou de decisão, ou se atinge a liberdade pessoal, ou se atinge ambas — caso em que estaremos perante um concurso efetivo”.

ii. À mesma conclusão chega o Professor Américo Taipa de Carvalho (Comentário cit. I, págs. 687 e 688). Começando por distinguir a situação “em que o agente do tráfico pratica a ação e tráfico já com o objetivo de, posteriormente, vir a extrair à vítima do tráfico, um órgão, a explorá-la sexual ou laboralmente” daquela em que “o agente do tráfico sabe que a sua vítima virá a ser sujeita a tal extração ou exploração por um terceiro, que não por ele próprio, mas, todavia, acaba, posteriormente, por vir ele mesmo a explorar sexualmente ou laboralmente, ou extrair um órgão à pessoa por si traficada”, este autor entende que, “nesta segunda hipótese, estamos diante de um concurso efetivo, respondendo o agente pelo crime de tráfico e pelo outro crime de lenocínio qualificado (qualificado, pois não há uma dupla valoração da mesma circunstância, na medida em que, por exemplo, no caso de ter sido usada violência, no tráfico e no lenocínio, estamos diante de duas ações de violência e não face à mesma ação/meio violência), de ofensa à integridade física grave ou, eventualmente, de escravidão”. Já na primeira hipótese, “isto é, quando o agente de tráfico pratica a ação de tráfico já com o objetivo de, posteriormente, vir ele mesmo a extrair à vítima do tráfico um órgão, a explorá-la sexualmente ou laboralmente”, entende que há “concurso efetivo, respondendo o agente pelos dois crimes que efetivamente cometeu: o crime de tráfico de pessoas mais o crime de ofensa grave à integridade física ou de lenocínio”, na medida em que “sendo esta a solução defendida (cf. artigo 161.º) para o crime de rapto (respondendo o raptor, no caso de vir a concretizar a sua intenção de, por exemplo, violação, por rapto mais violação) também por analogia das situações o deve ser para o crime de tráfico de pessoas”: “se o raptor concretizar o crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual da vítima”, verifica-se “concurso efetivo entre o crime de rapto e o crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual”, pelo que “se, no rapto, há concurso efetivo do crime-meio (rapto) e do crime-fim (extorsão, violação, etc.), também, no crime de tráfico de pessoas, deveria afirmar-se o concurso efetivo do crime-meio (tráfico) e do crime-fim (lenocínio, extração de órgão, isto é, ofensa grave à integridade física)”.

d) Da nossa parte, temos para nós que as condutas de tráfico de pessoas e de lenocínio agravado, ambas em razão da situação de especial vulnerabilidade da vítima, mas também por haver uso de violência ou ameaça grave, justificam a punição do (mesmo) agente em concurso efetivo de crimes.

Em primeiro lugar, como se acentuou, os crimes de tráfico de pessoas e de lenocínio agravado tutelam bens jurídicos diferentes: num caso, a liberdade de decisão e de ação e, noutro, a liberdade e a autodeterminação sexual.

Depois, porque não se pode olhar o crime de lenocínio agravado como um simples ou mero desenvolvimento do crime de tráfico de pessoas, como se a pessoa “perdesse” a sua liberdade de autodeterminação sexual a partir do momento em que, para fins de exploração sexual, fosse “traficada”.

Ademais, importa também ter presente que a finalidade de exploração sexual não faz parte do tipo do crime de tráfico de pessoas — este é um crime de resultado cortado ou ato cortado —, isso só poderá significar, como se assinalou já, que o crime se consuma independentemente de tal finalidade se verificar ou não. O que inculca a ideia, político-criminalmente fundada, de que o resultado a que intende o tráfico de pessoas — a exploração sexual, in casu — deve ser alvo de punição autónoma se efetivamente se vier a concretizar.

Por fim, uma outra razão milita ainda em favor do concurso de infrações no caso sub iudice: o crime de tráfico de pessoas ocorreu apenas (o que não é pouco, note-se) com aproveitamento de uma situação de especial vulnerabilidade da vítima nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 160.º, sem que os arguidos tenham recorrido a qualquer tipo de conduta violenta ou intimidatória por meio de ameaças graves; todavia, a concretização do crime de lenocínio agravado não ocorreu apenas — e se assim fosse, já não era pouco — com aproveitamento daquela situação de especial vulnerabilidade, antes os arguidos AA e BB, com intenção lucrativa e disso fazendo vida profissional, lhes acrescentou, para forçar CC à prática de atos de prostituição, a utilização de meios violentos e de ameaças graves, designadamente agressões físicas e ameaças de agressões físicas.

Entende-se, assim, que há concurso de crimes.”

Pois bem.

Ao contrário do sustentado pelo recorrente/arguido, o facto por si alegado de ter atuado com o único objetivo de poder receber proventos à custa da ofendida e da sua atividade de prostituição e de todo o seu (do arguido/recorrente) comportamento ter sido motivado apenas pelo fim de lucrar com a prostituição (v.g. da ofendida), não significa que esteja afastado o preenchimento do crime de tráfico de pessoas.

Sobre a distinção entre o crime de tráfico de pessoas (art. 160.º do CP) e o crime de lenocínio (art. 169.º do CP) remete-se o recorrente para as considerações teóricas feitas no acórdão impugnado, designadamente na parte acima transcrita.

Saliente-se que cada um dos referidos tipos legais (tráfico de pessoas p. e p. no art. 160.º, n.º 1, al. d), do CP, por um lado e crime de lenocínio qualificado p. e p. no art. 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e d) do CP, por outro lado, que lhe foram imputados em co-autoria, tendo em atenção a acusação pública e a comunicação de alteração de factos efetuada no decurso da audiência de julgamento) não se confundem entre si, sendo distintos, desde logo tendo em atenção que protegem bens jurídico-penais diferentes e, por isso, apresentam fronteiras bem definidas que os distinguem.

Analisada a decisão sobre a matéria de facto, verifica-se que resulta, em resumo, dos factos apurados (como foi bem explicado no acórdão impugnado e, também, foi realçado na resposta ao recurso apresentada na 1ª instância pelo Ministério Público), que conhecendo a situação da ofendida CC, de nacionalidade ..., nascida em .../.../1995 (que fora para a ..., após completar 18 anos de idade, dedicando-se à prostituição na rua, por conta de outrem e depois de ter deixado uma instituição de apoio a mulheres vítimas de exploração e violência), os arguidos AA e BB engendraram um plano que tinha em vista aliciá-la e, depois, transportá-la para Portugal, para aqui, com recurso à ameaça e violência se necessário fosse, aquela vir a dedicar-se à prática de atos de prostituição, ficando eles com todos os proventos que a mesma auferisse de tal atividade.

Foi na execução desse plano prévio, que na ... propuseram à CC que, juntamente com a BB (companheira do arguido AA e que também se dedicava à prostituição), viesse dedicar-se à prática de atos de prostituição para Portugal, o que foi por ela aceite, sendo nesse âmbito que, no verão de 2015, o arguido AA a transportou (juntamente com a sua companheira, a arguida BB) para Portugal, passando os três a residir sempre juntos, no circunstancialismo apurado nos factos provados.

Aproveitaram-se da situação de especial vulnerabilidade da ofendida CC – atenta desde logo a forma como vivia, tanto mais que conheciam a situação de vida dela na ..., onde lhe apresentaram a proposta, aliciando-a a dedicar-se à prática de atos de prostituição em Portugal, ficando eles com todos os proventos que a mesma auferisse de tal atividade, sabendo que ela estava despojada da sua documentação (não tinha qualquer documentação válida), não tinha qualquer tipo de retaguarda de apoio (fosse familiar ou outro), além dos próprios arguidos, ficaria sem qualquer rendimento para si da atividade da prostituição que viesse a exercer, ficando absolutamente dependente dos arguidos, com quem viveria num país estrangeiro, com o qual não tinha qualquer tipo de ligações – para obter o seu (da ofendida) “acordo” no plano que lhe comunicaram, tendo-a depois o arguido/recorrente a transportado para Portugal, sendo nesse âmbito, que depois a impediram de manter os normais contactos com a família dela na ... e, chegando mesmo aquela a ter de dedicar-se à prostituição, às vezes contra a sua vontade, designadamente durante o período em que esteve grávida até à véspera de ter o filho.

E, com efeito, só através desse meio de execução (aproveitamento da situação de especial vulnerabilidade da ofendida CC, que foi por eles instrumentalizada) é que se compreende que tivessem conseguido quebrar a liberdade de ação e de decisão da vítima, levando-a a “aceitar” a proposta/convite que lhe foi feito, de vir dedicar-se à prática de atos de prostituição para Portugal, ficando totalmente dependente dos arguidos e sem quaisquer rendimentos que lhe permitissem fazer uma vida autónoma.

Ora, tendo presente que o crime de tráfico de pessoas, sendo de execução vinculada (e, neste caso, sendo cometido dolosamente através do aproveitamento da situação de especial vulnerabilidade da vítima CC) contém a intenção de realizar um resultado que não faz parte do tipo (neste caso concreto, a intenção dos arguidos de explorar sexualmente a ofendida CC), percebe-se que a consumação do crime não depende da verificação do resultado (exploração sexual da mesma ofendida) - trata-se de um crime de intenção -, pelo que a consumação desse resultado, através de conduta posterior, integrando ação diversa, verificados os respetivos pressupostos, pode integrar crime distinto (como aqui sucedeu, perante os factos apurados, o crime de lenocínio agravado ou qualificado) em concurso efetivo.

Ou seja, a verificação dos pressupostos do crime de lenocínio agravado ou qualificado pelo qual o arguido foi condenado (e com o qual concorda), não impede o preenchimento do crime de tráfico de pessoas, uma vez que se verificam os pressupostos objetivos e subjetivos deste tipo legal, como decorre claramente dos factos provados.

Resulta do art. 160.º, n.º 8, do CP que o “consentimento” da vítima dos crimes previstos nos números anteriores não exclui em caso algum a ilicitude do facto.

Acresce que, dos factos apurados não se extrai que tivesse ficado demonstrada a verificação de qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa dos arguidos.

Não tem razão o recorrente, quando alega, em resumo, que a ofendida/assistente tinha liberdade de ação e poder de decisão e que podia ter recusado o convite que lhe foi feito (na ...) para vir para Portugal prostituir-se.

Como foi notado pelo Coletivo, provou-se, ainda, que a atuação dos arguidos foi dirigida, justamente, à exploração sexual de CC, uma vez que agiram visando obter benefícios económicos à custa da atividade de prostituição que ela viesse a realizar em Portugal. Mais se provou que aliciaram aquela CC para fins de exploração sexual, aproveitando-se da especial situação de vulnerabilidade daquela, o que conheciam, quiseram (e até conseguiram), atuando livre voluntária e conscientemente, cientes do caráter ilícito e reprovável das suas condutas.

Com efeito, a ofendida, naquelas circunstâncias em que estava colocada, não era livre de decidir de forma consciente e esclarecida sobre a proposta que lhe fora apresentada pelos arguidos, pelo que objetar com o seu “acordo” ou com a possibilidade de recusar o convite é irrelevante, tanto mais que os arguidos conheciam bem a situação dela e aproveitaram-se da sua especial vulnerabilidade para a “aliciar” (ou seja, para a “seduzir” a aderir facilmente à proposta apresentada de vir dedicar-se à prática de atos de prostituição em Portugal) com a intenção de a explorar sexualmente, ficando eles com todos os proventos que ela obtivesse da prática de atos de prostituição em Portugal.

Deve o recorrente atentar na totalidade dos factos que se provaram para melhor perceber que, efetivamente, deles resulta que os arguidos, agindo em co-autoria, não se coibiram de tratar a ofendida como se fosse uma “coisa” sua, tendo planeado explorá-la sexualmente, visando ficar com todas as quantias que ela obtivesse e deixá-la sem recursos económicos, assim ficando na sua (dos arguidos) dependência económica e psicológica, o que significava que, dessa forma, a iam transformar numa quase sua “escrava”.

Daí que as semelhanças do crime de tráfico de pessoas seja antes com o crime de escravidão e não com o crime de lenocínio, como pretende o recorrente.

Por isso, como bem recorda a assistente, Américo Taipa de Carvalho[4], assinala que desde a revisão penal de 2007, quando o crime de tráfico de pessoas foi alargado no seu âmbito e transferido do capítulo V “dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual” para o capítulo IV “dos crimes contra a liberdade pessoal”, o mesmo “passou a constituir um crime de quase escravidão”.

Ao atuar dolosamente da forma descrita nos factos dados como provados, os arguidos aproveitaram-se da situação de especial vulnerabilidade da ofendida, aliciando-a, com intenção de a explorarem sexualmente, tendo o recorrente a transportado até Portugal, para aquela vir para cá dedicar-se à prática de atos de prostituição.

Verificam-se, pois, todos os pressupostos (objetivos e subjetivos) do crime de tráfico de pessoas pelo qual o recorrente foi condenado.

Além disso, sendo o crime de tráfico de pessoas um crime de ato cortado não se pode confundir a autonomia e consumação desse tipo legal, como o faz o recorrente, com um suposto “ato preparatório” do crime de lenocínio.

Portanto, não pode o crime de tráfico de pessoas ser encarado como um ato preparatório do crime de lenocínio, nem sequer quando invoca que teve sempre como única e exclusiva intenção ou objetivo (em toda a sua conduta), desde que formulou o convite à vítima, ter apenas lucro com a prostituição que aquela viesse a desenvolver.

Aliás, os pressupostos de um tipo legal (neste caso ação de tráfico da vítima levada a cabo pelos arguidos) e de outro (ação de lenocínio qualificado da vítima levada a cabo pelos arguidos) são até distintos, sendo o de tráfico de pessoas um crime de intenção (cuja consumação ocorre, neste caso, com o aliciamento e transporte da vítima com a intenção de a explorar sexualmente, não dependendo da verificação deste resultado), enquanto o de lenocínio qualificado ocorreu posteriormente, sendo neste caso uma ação distinta que se traduziu na concretização daquela intenção (a sua consumação ocorreu, em resumo, com a exploração sexual que os arguidos fizeram da vítima, através dos meios de execução acima indicados, tal como ressalta dos termos dados como provados, após terem consumado o crime de tráfico de pessoas[5]).

Perante os factos apurados o raciocínio a fazer é antes que existe um concurso efetivo entre o crime de tráfico de pessoas p. e p. no art. 160.º, n.º 1, al. d), do CP e o crime de lenocínio qualificado p. e p. no art. 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e al. d), do CP, cometidos pelos arguidos, uma vez que se tratam de ações diferentes e cada um dos referidos crimes protege bens jurídico-penais distintos (resumidamente diremos que, no crime de tráfico de pessoas protege-se como assinala Taipa de Carvalho[6] a “liberdade pessoal”, sendo de forma mais direta a “dignidade humana”, enquanto que no crime de lenocínio qualificado protege-se a “liberdade sexual e de autodeterminação sexual da pessoa” ou então, de outra forma, podemos afirmar que, cada um deles protege expressões diferentes da liberdade pessoal, sendo no crime de tráfico de pessoas, nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque a “liberdade de ação ou de decisão”[7] e no crime de lenocínio, como afirmam Anabela Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo[8] a “liberdade sexual ou a autodeterminação sexual da pessoa”), como foi bem explicado no acórdão impugnado.

Em conclusão, improcede a argumentação do recorrente, não merecendo censura o enquadramento jurídico-penal efetuado pela 1ª instância.

2ª questão

O recorrente invoca que não lhe deveria ser aplicada a pena de 6 anos de prisão efetiva, mas antes ser absolvido do crime de tráfico de pessoas e aplicada a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, beneficiando da suspensão até por ser primário e por essa pena ser perfeitamente adequada à proteção dos anseios da comunidade e satisfazer as finalidades da punição.

Sobre a determinação da medida da pena escreveu-se no acórdão da 1ª instância sob recurso[9]:

34. Tendo-se concluído que os arguidos praticaram vários crimes, importa agora fixar as consequências jurídico-penais, nomeadamente a pena ou, rectius, as penas — uma vez que se determinará uma pena principal única (ver-se-á em que termos esta se fixa) e uma (outra) pena acessória) — que a cada um lhes será aplicada.

Nesta matéria impõe-se, desde logo, chamar a atenção para o artigo 40.º do Código Penal, norma que ilumina todo o complexo normativo relacionado com as penas, sejam principais, sejam acessórias.

Sendo o direito penal português informado pelo irrenunciável princípio da dignidade da pessoa humana, é óbvio que “em caso algum a pena poderá ultrapassar a medida da culpa” do agente da infração (artigo 40.º, n.º 2) e a sua aplicação é exigida apenas em nome da necessidade de “proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” (artigo 40.º, n.º 1), aqui se manifestando as finalidades de prevenção geral e especial da pena.

Quer isto dizer que, na escolha e determinação das penas a aplicar, devem valer, em primeiro lugar, as exigências de prevenção geral ou de tutela dos bens jurídicos no caso concreto, isto é, “primordialmente, a medida da pena há de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto” assumindo um “significado prospetivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, págs. 227 e 228). Dito de outro modo, através da aplicação de uma concreta pena, mostra-se à comunidade que a norma protetora de um certo bem jurídico continua válida e que a sua violação acarreta consequências.

Esta necessidade de tutela de bens jurídicos — embora nunca ultrapassando a culpa do agente — há de “fornecer um espaço de liberdade ou de indeterminação, uma moldura de prevenção dentro dos quais podem (e devem) atuar as considerações extraídas das exigências da prevenção especial de socialização” (Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., pág. 229), mas também (mas excecionalmente), as da prevenção especial negativa ou de intimidação. Por isso, e dentro da moldura de prevenção fixada pela necessidade de tutela de bens jurídicos — nunca, portanto abaixo do mínimo suportável pelas exigências de prevenção geral positiva — “podem e devem atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena”, devendo esta, na medida do possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade” (Jorge Figueiredo Dias, As Consequências cit., págs. 230 e 231), para além dos fatores relativos à prevenção especial negativa, de intimidação ou de segurança.

A culpa, como já foi dito, tem a função de servir fundamento (nulla poena sine culpa) e de limite máximo inultrapassável à pena, cumprindo assim o postulado constitucional da dignidade da pessoa humana.

Resumidamente (seguindo Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal: Parte Geral Tomo I, Gestlegal, 3.ª ed., 2019, pág. 96): “(1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo, ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.

B.1.2. Pena principal

35. Comecemos, então, por determinar a pena principal que deve ser aplicada a cada um dos arguidos.

Como vimos, os arguidos praticaram, em concurso efetivo e em coautoria, vários crimes.

A saber

– um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al. d), do Código Penal, punível com pena de prisão de 3 a 10 anos; e

– um crime de lenocínio agravado, previsto e punido pela artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e d), do Código Penal, punível com pena de prisão de 1 a 8 anos.

Tendo praticado vários crimes, será necessário determinar, dentro da respetiva moldura que acabámos de assinalar, a pena adequada a cada um dos ilícitos e, num momento posterior, seguindo as regras impostas pelo artigo 77.º, considerando em conjunto “os factos e a personalidade do agente” (artigo 77.º, n.º 1, fine) fixar uma pena única.

Refira-se que “a determinação da medida da pena” de cada um dos crimes, “dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (n.º 1 do artigo 71.º), devendo o tribunal, “na determinação concreta da pena”, atender a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele” (n.º 2 do dito artigo 71.º).

36. Vejamos, então, os concretos elementos que devem ser ponderados na determinação das penas a cada um dos ilícitos levados a cabo pelo arguido, devendo assinalar-se que há fatores que se mostram presentes em todos os ilícitos perpetrados.

a) Comecemos por destacar os fatores que devem pesar na pena de cada um dos crimes.

i. As exigências de prevenção geral que se fazem sentir nos crimes de tráfico de pessoas mostram-se elevadíssimas, estando tal criminalidade associada a organizações criminosas que não conhecem as fronteiras dos países, é servida por meios sofisticados, rendem altos lucros e, além disso, frequentemente, estão associadas a mecanismos de poder (de coerção, de exercício de violência, …) paralelo ao do Estado. É, pois, um crime que gera grande intranquilidade e alarme social, para além de uma sensação de impunidade em relação aos seus agentes, que, pela punição, cabe combater.

No caso dos autos, importa referir que a atuação dos arguidos, muito embora surja num quadro de comparticipação (coautoria), não se apresenta num contexto de uma organização. Aliás, o que revelam os factos provados, é que os arguidos, conhecedores das particulares fragilidades de CC, apenas a ela “traficava”, expressão que aqui utilizamos por ter o seu radical na designação do tipo legal de crime, mas também porque dá bem o sinal do quanto aquela CC foi instrumentalizada.

Contra os arguidos é de atender o facto de as suas condutas não se limitarem a ser uma qualquer atividade “intermediária” tendente ao tráfico, mas ser o seu verdadeiro motor: foram eles quem aliciou CC para fins de exploração sexual, sendo também eles (mais o arguido AA) quem forneceu, depois, os meios necessários à efetiva exploração.

Também não se pode olvidar que os arguidos sabiam que o aliciamento feito a CC implicava que a mesma passasse a viver em circunstâncias existenciais muito pouco dignas, sendo obrigada a realizar atividades típicas de prostituição contra a sua vontade à custa da violência, inclusive estando grávida e praticamente até ao fim da sua gravidez, ao que acresce que tal exploração haveria de ser realizada — o que os arguidos sabiam! — num país onde a vítima não conhecia a língua e não tinha qualquer tipo de retaguarda existencial, já que não tinha próxima elementos da sua família ou amigos ou sequer conhecidos, assinalando-se neste contexto, ainda, que era sujeita a um forte controlo, tal como ressalta do facto de o arguido AA controlar o seu telemóvel e impedir que a mesma contactasse com familiares ou outras pessoas que a poderiam ajudar. E, acresce — o que deve ser contabilizado contra o arguido AA — não deixou de usar de violência sempre que CC conseguia manter o contacto e ou pedir ajuda a familiares.

Também contra os arguidos terá de pesar o facto de o tráfico visar a exploração para fins sexuais a realizar noutro país, assim aumentando o desenraizamento da vítima e as suas possibilidades de defesa, para além de se dever considerar a idade de CC ao tempo em que foi aliciada — cerca de 20 anos — sendo ainda mito jovem.

Não se tente argumentar que CC foi aliciada para fins de exploração sexual quando, na verdade, já se dedicava à prática da prostituição, o que seria caso de diminuir/atenuar a responsabilidade penal dos arguidos. Bem pelo contrário, tal situação revela, afinal, que deve ser dirigido aos arguidos AA e BB um maior juízo de censura por se aproveitarem da difícil situação que vivenciava CC ao tempo em que foi aliciada, o que é revelado pelo facto de ter aceitado vir para Portugal dedicar-se a atividades de prostituição nas condições que se mostram reveladas nos factos provados, destacando-se o facto de não ficar com qualquer rendimento da sua atividade e ser coagida a prostituir-se por meios de agressões físicas e mesmo em situações em que se encontrava na menstruação ou, pior ainda, grávida.

ii. Quanto ao crime de lenocínio (agravado), deve dizer-se que as exigências de prevenção geral se apresentam elevadas. Com efeito, se é verdade que relativamente ao crime de lenocínio simples estas não se mostram elevadas — deve assinalar-se que a prostituição não é uma atividade ilícita e que, além disso, é exercida num quadro de plena liberdade, o que leva a que já haja movimentos sociais a defender a sua “legalização” (talvez a melhor expressão seria dizer a sua “regulamentação”, uma vez que num Estado de Direito Democrático de matriz liberal que assenta, entre outros, no respeito da liberdade e autodeterminação da pessoa enquanto pilar da sua imanente dignidade, os comportamentos que não são ilegais, devem ter-se por legais…) — já juízo diferente se terá de fazer relativamente ao lenocínio agravado por se tratar de um crime que causa particular preocupação comunitária e alarme social, associada à exploração do outro, à sua “coisificação”, a exigir, por isso, uma reação penal adequada e firme, sinalizando que tais condutas são mesmo proibidas, para além de, simultaneamente, servir de dissuasor da prática de novos crimes.

Neste enquadramento, não se poderá ignorar que a prática do crime de lenocínio agravado surge na sequência do crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual.

O período de tempo que durou a atividade de lenocínio (agravado) não pode ser ignorado na medida da pena,

Contra os arguidos terá de pesar, necessariamente, as condições em que a atividade de prostituição era exercida. Os atos sexuais não eram realizados em habitações/quartos/casas — até lhes poderemos chamar “prostíbulos” — com condições em que o exercício da prostituição se torna mais digno, desde logo, pelo local mais reservado em que é realizada, ou pelos meios que são colocados à disposição de quem a exercer (v.g., uma cama com roupa lavada…) e, ainda pelas condições de higiene disponibilizadas. Ao invés, CC desenvolvia uma “prostituição de rua”, em locais (no “monte”, à “beira da rua”) onde se encontrava à mercê das condições climatéricas (ao sol, à chuva, ao frio, ao calor, …).

Não se tente, em todo o caso, argumentar que CC exercia a prostituição nas condições em que o aceitou fazer, porque quando veio para Portugal já sabia que se iria dedicar à atividade de prostituição (atividade que, diga-se, já se dedicava antes de se deslocar para território nacional). Desde logo, deve lembrar-se que a prática de atos de prostituição por parte dela ocorreu num quadro de aproveitamento da sua especial situação de vulnerabilidade e por meio de violência. E, ainda que assim não fosse, crê-se que é fácil de perceber que as condições em é exercida a atividade (de prostituição) por outrem de que o agente aproveita devem pesar na medida pena, não sendo indiferente se, afinal, se proporcionam boas condições para o exercício de tal atividade ou, ao invés, a mesma é exercida em condições de indignidade, causadoras de maior sofrimento pessoal.

Também em desfavor dos arguidos — e muito particularmente o arguido AA — tem ainda de se considerar o facto de os mesmos a obrigarem ao exercício da prostituição em situações em que tal atividade se apresentava particularmente penosa, muito particularmente estando CC grávida (aqui revelando, além do mais, indiferença para com a sua situação pessoal, mas também do feto) ou quando se encontrava na menstruação em que esta era obrigada a colocar toalhitas na vagina.

Ainda contra os arguidos, terá ainda de se atentar que se apropriavam de todos os ganhos auferidos por CC na atividade de prostituição. Aliás, e tal matéria terá aqui de ser também considerada, momentos houve em que esse era o único ganho que era auferido pelo casal de arguidos.

Relevante ainda o facto de não permitirem que CC mantivesse contactos com os seus familiares e amigos, sendo certo que o arguido AA lhe controlava o telemóvel e quando esta conseguia solicitar algum tipo de ajuda, era agredida. Ademais, deve mesmo dizer-se que a trazendo para um país em que desconhecia a língua e não tinha quaisquer contactos, conseguiam melhores condições para verdadeiramente a controlar e impedir de ter outra alternativa ou escolha que não fosse, para ganho deles, continuar a dedicar-se à prostituição.

b) Vejamos os fatores de determinação da pena que surgem em ambos os crimes praticados pelos arguidos.

Agiram, sempre, com dolo e dolo intenso, direto.

As exigências relativas à prevenção especial revelam-se muito acentuadas.

Em primeiro lugar, é de assinalar que não há nos autos qualquer gesto ou sinal donde se evidencie que repararam os danos que causaram ou, sequer, os mitigaram. Ao invés, o que aqui se deve ressaltar é que também não há na factualidade provada qualquer sinal de empatia para com a vítima e, ao invés, não faltam gestos onde se patenteia o sentimento de indiferença sentido relativamente à pessoa de CC: veja-se que esta era obrigada a dedicar-se à prostituição introduzindo toalhitas na vagina quando se encontrava na menstruação ou, o que, a nosso ver, surge com mais gravidade, a situação de gravidez de CC não impediu os arguidos (e muito particularmente o arguido AA) de persistir na sua conduta delituosa, continuando a obriga-la a realizar atos de prostituição, a tal ponto que sofreu algumas doenças. Aliás, neste contexto, importa salientar que CC se encontrava na sua atividade de prostituição quando se sentiu mal e foi levada para o C.…, E.P.E., tendo nascido um bebé do sexo feminino no dia seguinte, apenas com 2190 g (peso, claramente, baixo).

Não há, doutra banda, qualquer facto donde se possa retirar existir juízo crítico relativamente às suas condutas o que, não sendo valorado contra os arguidos, não pode ser considerado em sentido inverso a verificação de tal juízo crítico.

A ausência de antecedentes criminais só pode pesar em abono dos arguidos.

c) Nota final para sinalizar que a pena dos arguidos deverá distinguir-se de modo relevante, já que dos factos provados é notória a verificação de uma posição de liderança por parte do arguido AA, sendo ele também que surge como o grande beneficiado pela atividade delituosa desenvolvida por ambos os arguidos e, além disso, como a pessoa que maior controlo exerce sobre CC, sendo ele também que se apresenta como o seu maior agressor.

d) Assim, tudo sopesado, é adequado fixar as seguintes penas: i. ao arguido AA,

– 4 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al. d), do Código Penal; e

– 3 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de lenocínio agravado, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d), do Código Penal;

ii. à arguida BB,

– 4 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de pessoas, previsto e punido pelo artigo 160.º, n.º 1, al. d), do Código Penal; e

– 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de lenocínio agravado, previsto e punido pelo artigo 169.º, n.º 1 e n.º 2, als. a) e d), do Código Penal.

37. Determinada a pena a aplicar a cada um dos factos ilícitos típicos praticados por cada um dos arguidos e sabendo-se que estamos perante um caso de concurso efetivo de crimes, é necessário atender às regras especiais de determinação da pena constantes no artigo 77.º do Código Penal.

Na verdade, nesse normativo diz-se, no que ao caso interessa, que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa pena única” (n.º 1), sendo esta pena “dogmaticamente justificável à luz da consideração — necessariamente unitária — da pessoa ou da personalidade do agente” e “politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo da prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português As Consequências cit., pág. 280; em sentido similar, considerando que é nas finalidades da punição que se devem buscar os fundamentos do concurso de penas, já que se o agente tiver praticado vários crimes antes da condenação por qualquer deles, isso significaria que a lei não considerava o efeito reintegrador da pena, já que não atribuía qualquer efeito ao cumprimento da primeira das penas executadas, quando, pelo contrário, reconhecendo-se o efeito preventivo especial da pena, reintegrador do agente na sociedade em ordem a educá-lo para o respeito pelas normas, mal se compreenderia que não fosse atribuída qualquer relevância à execução de uma das penas e fosse necessário executá-las todas para realizar a sua finalidade de prevenção especial, pode ver-se Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, Editorial Verbo, 1999, pág. 165).

Quanto ao modo como deve o julgador determinar a pena única a aplicar, estabelece o n.º 2 do artigo 77.º que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes,” consagrando-se o sistema de pena conjunta encontrada atendendo, dentro de certos condicionalismos, num princípio de cumulação.

Ora, por aplicação dos princípios jurídicos atrás enunciados, ficamos então a conhecer as molduras das penas aplicáveis aos arguidos. A saber:

– ao arguido AA, entre 4 anos e 6 meses (limite mínimo) e os 8 anos de prisão; – à arguida BB, entre os 4 anos e os 6 anos e 6 meses.

38. Urge, agora, determinar a concreta medida da pena de concurso considerando “em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (artigo 77.º, n.º 1, 2.ª parte), assumindo-se este como um critério especial, ponderando “a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique” (Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., pág. 291), entre outros elementos.

Assim, a pena única do concurso — formada no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (sistema de acumulação) — deve ser fixada tendo em conta os factos e a personalidade do agente de tal modo que:

– na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta, entre outros, as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso; e

– na consideração da personalidade (que como tal se manifesta na totalidade dos factos em concurso) devem ser avaliados e determinados os termos em que ela se projeta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa ou antes se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.

Contudo, não podem ser postergadas as exigências de prevenção geral e, no que diz especialmente respeito à pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento do agente.

39. Feitos estes considerandos, passemos à análise do caso sub iudice.

A primeira nota que ressalta do conjunto dos factos praticados pelos arguidos, é que os crimes apresentam forte conexão entre si, atingindo a liberdade da vítima e tendo em vista, como desiderato último mesmo do crime de tráfico, a liberdade sexual de CC. Contexto em que se impõe assinalar que o tráfico de pessoas ocorre para fins de exploração sexual que será, depois, também realizada pelos arguidos, forçando CC à atividade de prostituição contra a sua vontade, seja aproveitando-se da sua situação de especial vulnerabilidade, seja recurso à violência. Assim revelando uma outra conexão: ambos os delitos têm a mesma vítima.

O grau de exploração feito a CC deve aqui também ser ponderado.

Na sua globalidade, teremos aqui de ponderar o período em que decorreu a atividade delituosa (cerca de 2 anos).

Ainda no que toca à análise global dos factos, considerando os concretos crimes praticados (e não deixando de anotar a elevada gravidade dos mesmos), o modo de execução deles apresenta uma ilicitude que, embora não se situe no seu patamar máximo, também se não deve considerar como diminuta.

As consequências das suas condutas devem aqui ser valoradas.

Ao nível da personalidade dos arguidos manifestada na globalidade dos factos, teremos aqui de anotar pouco em seu favor.

Desde logo, acentua-se que agiram sempre com dolo direto.

Depois, e muito relevante neste quadro, impõe-se salientar que o quadro global dos factos revela uma personalidade de todo indiferente ao outro e ao seu sofrimento, sendo marcada pela clara prevalência dos seus interesses em detrimento dos da sua vítima. Neste particular contexto, não se pode ignorar, por exemplo, que CC era obrigada a prostituir-se mesmo quando se encontrava na menstruação (tendo que introduzir toalhitas na vagina) e, muito particularmente, quando se encontrava grávida (assinalando-se que se prostitui até ao dia do parto…).

Em face de todos estes elementos, considerando o número de infrações praticadas pelos arguidos, o modo como foram executadas e a atitude interior em relação a elas, entende-se que a prática de várias infrações criminais não revela uma mera ocasionalidade, antes assinala uma tendência particularmente desvaliosa das suas personalidades.

Assim sendo, entende-se que a pena única não deve fixar-se muito próximo do mínimo legal, embora não atinja, ainda, o meio da pena. É, portanto, adequado condenar os arguidos nas seguintes penas únicas:

– 6 anos de prisão para o arguido AA; e

– 4 anos e 9 meses de prisão para a arguida BB.

(…)

Na perspetiva do recorrente, como se viu, não lhe deveria ser aplicada a pena de 6 anos de prisão efetiva, mas antes ser absolvido do crime de tráfico de pessoas e ser aplicada a pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pelo crime de lenocínio agravado/qualificado que cometeu.

Porém, tendo o recorrente decaído no pedido de absolvição do crime de tráfico de pessoas, é claro que subsiste a pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi aplicada por esse crime.

Não tendo o recorrente questionado, sequer a título subsidiário, essa pena individual, para o caso de não proceder a sua pretensão de absolvição do crime de tráfico de pessoas (como veio a suceder), não pode agora a mesma ser discutida (uma vez que não foi impugnada).

Importa, por isso, avaliar se foi ou não excessiva a pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão que lhe foi imposta pelo crime de lenocínio agravado/qualificado que cometeu, uma vez que na perspetiva do recorrente, deve ser reduzida para 3 anos de prisão e, a final, apurar se a pena única que lhe vier a ser aplicada pode ou não ser suspensa na sua execução (uma vez que o pedido de suspensão da execução da pena de prisão formulado apenas pode recair, em caso de concurso de crimes e subsequente cúmulo jurídico de penas, sobre a pena única que vier a ser aplicada e não sobre uma das penas parcelares).

Pois bem.

As finalidades da pena são, nos termos do artigo 40.º do Código Penal, a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[10].

Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstrata e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, se for o caso, escolher a espécie da pena que efetivamente deve ser cumprida[11].

No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstratas previstas em determinados crimes (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70º do CP.

Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida[12].

Depois, nos termos do artigo 71.º, n.º 1 e n.º 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Jorge de Figueiredo Dias[13], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[14], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[15] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, uma pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.

Em caso de concurso efetivo de crimes, resulta do art. 77.º do CP que existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[16].

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP[17]).

Uma vez determinada a pena única a aplicar, consoante o seu quantum, isto é, se a pena única não ultrapassar 5 anos de prisão, impõe-se ao tribunal apurar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva prevista na lei (como pretendido pelo recorrente); caso a pena única ultrapasse os 5 anos de prisão, já não é legalmente admissível a substituição por pena não detentiva (cf. art. 50.º, n.º 1, do CP).

Assim.

Para fundamentar o quantum da pena de prisão de 3 anos e 6 meses aplicada pelo referido crime de lenocínio agravado (cuja moldura abstrata é de pena de prisão de 1 a 8 anos) cometido pelo recorrente, em coautoria, o tribunal da 1ª instância justificou a par e passo todo o raciocínio que fez, inclusive tendo explicado a razão pela qual distinguia as penas aplicadas a cada um dos coautores.

E, concordamos na generalidade com a fundamentação apresentada, já acima transcrita.

Com efeito, perante os factos dados como provados, havia que considerar que o recorrente agiu com dolo direto (que o Coletivo teve em atenção, como devia) e, bem assim, com consciência da ilicitude da respetiva conduta, ainda que tivesse agido em coautoria.

A ilicitude dos factos apurados é elevada considerando o modo de execução do crime de lenocínio agravado/qualificado cometido.

Importava ter em atenção a gravidade da atuação do recorrente, tendo presente a respetiva ação concreta (muito mais ativa) relativamente ao crime de lenocínio agravado/qualificado cometido (até comparando-a com a da coarguida, pese embora esta não tivesse recorrido e também fosse simultaneamente uma vítima nas suas mãos) - sendo certo que o modo de execução insere-se dentro do que é habitual neste tipo de crime -, período de tempo (entre o verão de 2015 e a detenção do arguido/recorrente em 18.09.2017, ou seja, durante cerca de 2 anos) e forma como foi desenvolvendo a atividade criminosa na qual assumiu posição de liderança (sendo o recorrente que exercia maior controlo sobre a ofendida, ainda uma jovem, nascida em .../.../1995, para além de ter sido também o que mais a agrediu, tal como resulta dos factos provados), e consequências da sua conduta (vantagens ilícitas obtidas).

São também elevadas as exigências de prevenção geral positiva que se fazem sentir (como bem salientou a 1ª instância), tendo em atenção o bem jurídico violado a proteger, considerando até as condições em que a atividade de prostituição era exercida e como toda a situação era aproveitada pelos arguidos.

Embora tendo como limite a medida da sua culpa, a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes também é essencial, sendo certo que o arguido/recorrente não tem antecedentes criminais, o que é de esperar de qualquer cidadão, mesmo tendo em atenção a sua idade.

O tipo de crime cometido ora em análise revela bem as carências de socialização do recorrente, que nem manifestou qualquer atitude de ter interiorizado o desvalor da sua conduta (nem sequer teve qualquer ação demonstrativa de arrependimento para com a ofendida), sendo muito acentuadas as razões de prevenção especial, apesar de se ter em atenção o que se apurou em relação às suas condições pessoais, familiares e situação económica que, também revelam, ao mesmo tempo, que não foi capaz de escolher (como a generalidade dos cidadãos, mesmo quando atravessam dificuldades de diferente natureza) uma vida conforme ao direito.

Nada de novo acrescentou o recorrente que não tivesse já sido ponderado no acórdão proferido pela 1ª instância.

Ao contrário do que alega o recorrente, a pena de 3 anos e 6 meses prisão aplicada pela 1ª instância quanto ao crime de lenocínio agravado/qualificado cometido, foi adequada, equilibrada e proporcionada, satisfazendo as finalidades da punição, contribuindo para a sua reinserção social, permitindo que venha a readaptar a sua vida no futuro, de modo a respeitar as normas vigentes.

Assim, tudo ponderado, olhando para os factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido/recorrente, bem como tendo presente os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena individual aplicada pela 1ª instância quanto ao crime de lenocínio agravado/qualificado (improcedendo, portanto, nessa parte, a argumentação do recorrente).

Uma vez que o recorrente coloca a questão de não lhe dever ser aplicada a pena de 6 anos de prisão e avança com a pretensão de ser suspensa a execução da pena de prisão aplicada, haverá ainda que sindicar a operação que levou à realização de cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas, nos termos do art. 77.º do CP.

No âmbito do concurso de penas, a pena aplicável (a moldura abstrata do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos dois crimes em concurso (ou seja, 8 anos de prisão= 4anos 6 meses+ 3 anos 6 meses) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (ou seja, 4 anos e 6 meses de prisão).

Assim, atendendo aos respetivos factos no conjunto, período de tempo em que tudo se passou (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do “ilícito global” cometido) e à sua personalidade (que revela, ao longo dos cerca de dois anos, uma certa adequação aos factos cometidos, surpreendendo-se alguma “tendência criminosa”), bem como não esquecendo, relativamente ao ilícito global, as elevadas exigências de prevenção geral e especial, bem como as consequências gravosas de toda a atuação, assim como a sua idade e o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, julga-se ajustada e adequada a pena única de 6 (seis) anos de prisão, aplicada pela 1ª instância, considerando igualmente as suas carências de socialização e tendo presente o efeito previsível da mesma pena única sobre o seu comportamento futuro, a qual não é impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor da sua conduta e se vá preparando para adotar uma postura socialmente aceite.

Na perspetiva do direito penal preventivo, julga-se, pois, na medida justa a pena única aplicada pela 1ª instância (que não ultrapassa a medida da sua culpa, que é elevada) - que não pode ser suspensa na sua execução, face ao disposto no art. 50.º do CP -, assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

Improcede, pois, na totalidade o recurso interposto pelo recorrente/arguido, sendo certo que não foram violados os princípios e normas legais por ele invocadas.

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III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso interposto pelo Recorrente AA.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC`s.

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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2 do CPP), sendo assinado pela própria, pelo Senhor Juiz Conselheiro Adjunto e pelo Senhor Juiz Conselheiro Presidente da Secção.

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Supremo Tribunal de Justiça, 23.06.2022

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Cid Geraldo

Eduardo Almeida Loureiro

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[1] Transcrição, exceto quanto aos negritos que foram eliminados.
[2] Foram retirados os negritos.
[3] Consultável em http://www.tre.mj.pt/docs/ESTUDOS%20-%20MAT%20CRIMINAL/Crime_Trafico_Pessoas%20-%20Analise.pdf  
[4] Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, artigos 131.º a 201.º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 677.
[5] Ver, neste sentido, o acórdão impugnado e Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, artigos 131.º a 201.º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 688 e 689.
[6] Américo Taipa de Carvalho, ob cit., p. 678.
[7] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 629.
[8] Anabela Miranda Rodrigues e Sónia Fidalgo, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, artigos 131.º a 201.º, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 814 e 815 e Maria do Carmo Silva Dias, “Enquadramento legal dos «crimes sexuais» em Portugal, in Grande Livro Sobre a Violência Sexual, Compreensão, prevenção, avaliação e intervenção, 1ª edição, Edições Sílabo, Lisboa, 2022, p. 38.
[9] Foram retirados os negritos.
[10] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), 155, refere que o art. 40.º CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[11] Neste sentido, v.g. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p.198.
[12] Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”
[13] Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[14] Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[15] Jorge de Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[16] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[17] Ver Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.