Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2899/14.4TTLSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: COMPLEMENTOS DE REFORMA
DUPLA CONFORME
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 07/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: INDEFERIDA A ADMISSIBILIDADE DA REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, 313, 314.
- LOPES DO REGO, «A Reforma do Processo Civil e o Processo Constitucional», Estudos em Homenagem do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora, 2014, 310.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 1, 671.º, N.ºS 1 E 3, 672.º, N.º 1, ALS. A) E B).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-PROCESSO N.º 2895/09.3TBLLE.E1.S.
-DE 16 DE FEVEREIRO DE 2012, PROCESSO N.º 1875/09.3TBBRG-A.C1.S1, CUJO SUMÁRIO ESTÁ DISPONÍVEL EM
HTTP://WWW.STJ.PT/FICHEIROS/JURISP-SUMARIOS/REVISTAEXCECIONAL/REVISTA-EXCECIONAL2012.PDF
Sumário :
1 - Não integra fundamentação essencialmente diferente, para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo do 671.º Código de Processo Civil, a invocação no acórdão do Tribunal da Relação que confirma sentença do Tribunal de 1.ª instância de argumentos derivados do Direito Europeu ou Internacional, complementares e no mesmo sentido dos da não inconstitucionalidade de norma inserta na Lei do Orçamento Geral do Estado, com base na qual foi suspenso o pagamento de complemento de reforma, em ação instaurada contra operador de transporte público de passageiros em que se pedia a reposição do pagamento daqueles complementos.

2 – As questões de constitucionalidade da norma da Lei do Orçamento Geral do Estado suscitadas no acórdão do Tribunal da Relação referido no número anterior e as dimensões sociais inerentes à suspensão do pagamento dos complementos de reforma, não integram, só por si, os fundamentos para admissão do recurso de revista, pela via da revista excecional, discriminados nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil

Decisão Texto Integral:

Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

1 - AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, XX, ZZ, instauraram a presente ação declarativa de condenação contra Metropolitano de Lisboa, EP., pedindo a condenação da Ré:

a) - A fazer terminar de imediato a cessação do pagamento dos complementos de reforma aos AA., retomando o seu pagamento nos termos praticados até dezembro de 2013;

b) - A pagar a cada um dos AA. o montante correspondente à soma de todos os complementos de pensões de reforma que a partir de janeiro de 2014 e até ao momento da sentença tenha deixado de pagar, acrescidos de juros de mora desde a data do vencimento até integral pagamento;

c) - A pagar a cada um dos AA., a título de indemnização por danos morais, o montante que vier a ser liquidado e decidido na sentença, acrescido dos respetivos juros de mora desde a data da citação até integral pagamento.

Invocaram como fundamento das suas pretensões, no essencial, que foram trabalhadores da Ré até à data da sua passagem à situação de reforma e que a Ré lhes atribuiu um complemento de pensão, cujo pagamento cessou em 1 de janeiro de 2014, na sequência da entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento de Estado para 2014. 

Mais alegaram que a Ré suspendeu o pagamento dos referidos complementos de pensão, com fundamento na aplicação do artigo 75.º da aludida Lei, norma que entendem ser inconstitucional porquanto viola vários princípios e normas constitucionais.

Referem ainda que a Ré quando os contratou reconheceu-lhes o direito ao complemento da pensão de reforma, direito que se constituiu como um dos elementos com base nos quais os AA. formaram a sua vontade de celebrar e manter os respetivos contratos de trabalho.

Concluem peticionando, para além dos danos patrimoniais correspondentes aos valores pecuniários em falta, o ressarcimento dos danos não patrimoniais, que pretendem ver igualmente reconhecidos na presente ação.

A Ré contestou, alegando, desde logo, que o Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a constitucionalidade do artigo 75.º da LOE para 2014, através do Acórdão n.º 413/2014 e que a suspensão do pagamento dos complementos de pensão, superiores a € 600,00, aos seus ex-trabalhadores em situação de reforma ocorreu em cumprimento da aludida norma legal, que a abrange porque nos três últimos exercícios apurados (2011, 2012 e 2013) teve resultados líquidos negativos.

Por outro lado, refere que não está legalmente impedida de alterar o normativo do AE nesta matéria e que a suspensão nos termos consagrados na LOE para 2014 não fere, em si mesma, qualquer expectativa dos trabalhadores, pois não inviabiliza que no futuro esse benefício se possa vir a verificar num quadro de reposição do equilíbrio económico e financeiro da Ré.

Conclui referindo que não se verifica qualquer violação do direito à contratação coletiva ou de outro dos invocados pelos AA., impugnando, ainda, os factos relativos aos alegados danos não patrimoniais descritos na petição inicial.

Proferido despacho saneador, foi neste a ação julgada totalmente improcedente, e a Ré absolvida do pedido.

Inconformados com esta decisão, dela apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 11 de janeiro de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pelos autores.»

Irresignados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional daquele acórdão, nos termos que resultam de fls. 902 e 903, e vieram igualmente interpor recurso de revista excecional para este Tribunal - (fls. 906 e ss.), referindo que o faziam «por cautela e para evitar que – sendo, na tese do Acórdão, o valor dos respetivos pedidos superior a € 30.000,00 – o Tribunal Constitucional pudesse mais tarde vir invocar, para não conhecer dos seus recursos, que eles não teriam previamente esgotado todas as vias de recurso ordinário».

Por despacho da Exm.ª Desembargadora relatora, de 22 de março de 2017, (fls. 1029 e 1030), foi admitido o recurso de revista excecional interposto, relativamente aos autores 7.º, 9.º, 14.º, 21.º, e 24.º.

Por despacho de 26 de abril de 2017, fls. 1035, foi recusada, relativamente a estes autores, a admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional e admitido esse recurso relativamente aos restantes.

 

O despacho da Exm.ª Desembargadora que rejeitou a admissão do recurso para o Tribunal Constitucional, relativamente aos autores em relação aos quais foi admitido o recurso de revista excecional, e que admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional relativamente aos demais, não foi impugnado, tendo consequentemente transitado em julgado.

Transitou igualmente o despacho proferido pela Exm.ª Desembargadora relatora de 22 de março, na parte em que rejeitou a admissão do recurso de revista excecional relativamente aos autores 22.º e 23.º

Remetido o processo ao Tribunal Constitucional, foi lavrado despacho pelo Exm.º Conselheiro relator, determinando a remessa do processo a este Tribunal, despacho que é do seguinte teor:

«Para cumprimento da parte final do despacho de fls. 103 – recurso de revista excecional admitido com subida “nos autos” – remeta o processo ao tribunal a quo, título devolutivo».

O Tribunal da Relação veio a remeter a processo a este Tribunal onde foi distribuído à formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social.

 

2 – Os recorrentes fundamentaram a admissão do presente recurso de revista excecional nos termos seguintes:

«Antes de mais, está em causa nestes autos a questão de se saber se é admissível, face a todo o ordenamento jurídico aplicável no nosso país, uma solução legislativa que, sob o argumento da verificação de factos totalmente estranhos à vontade e atuação dos AA. (como por exemplo os prejuízos da Empresa em que trabalhavam), lhes veio retirar o direito de receberem o complemento de reforma que lhes está formalmente reconhecido no Instituto de Regulamentação Coletiva aplicável, com base na qual não apenas formaram a decisão de se reformarem ou pré-reformarem como fizeram as suas opções de vida e assumiram os seus compromissos jurídico-financeiros, perdendo deste modo a garantia de um rendimento pessoal, certo, livremente disponível, com base no qual asseguravam a sua (ainda que parca) autonomia patrimonial e a continuação de um nível de vida minimamente satisfatório e condizente com o que detinham até aí.

Como o próprio Tribunal Constitucional consagrou recentemente, no seu Acórdão nº 3/2016, de 13/1/16, bem mais próximo do que o sistematicamente invocado e citado Acórdão nº 413/2014 – decidindo aliás relativamente às subvenções vitalícias atribuídas aos “pobres” e “desgraçados” titulares de cargos políticos pela Lei nº 4/85, de 9/4 (com as suas várias e sucessivas alterações, maxime a da Lei nº 52-A/2005, de 10/10) em sentido diametralmente oposto ao decidido no (milhentas vezes citado pela Ré e pela decisão ora recorrida) Acórdão nº 413/2014 relativamente aos complementos de reforma dos trabalhadores reformados aqui recorrentes e seus colegas – “se a evolução legislativa e uma mudança das conceções sociais dominantes contrariam a formação de uma base de confiança na perpetuação, inalterado do regime anteriormente em vigor, é de ter por legítimo e digno da proteção a crença – (…) merecedora da tutela constitucional – de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração (…) consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais”.

Temos, pois, aqui em causa questões que não são apenas de todo questões casuísticas e pontuais, mas sim questões suscetíveis de amplíssima capacidade de expansão da respetiva controvérsia.

Por um lado, porque está em questão, fundamentalmente (embora não só) o respeito por princípios fundamentais da nossa sociedade e da nossa Ordem Jurídica (como o do respeito pela dignidade da pessoa humana e o da certeza e segurança jurídicas, ínsitas na ideia do Estado de Direito), e à luz não apenas de preceitos da lei ordinária interna, e até também da lei constitucional nacional, mas também do direito internacional, maxime do direito comunitário, a cuja interpretação e aplicação conformes os julgadores nacionais estão vinculados, sendo ainda certo que, estando em casa (também) normas de Direito da União Europeia, os órgãos jurisdicionais nacionais deverão ser particularmente cautelosos relativamente a interpretações e aplicações erradas do mesmo Direito ou à ausência da sua aplicação, sob pena de o próprio Estado português correr o risco de se ver condenado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (como sucedeu recentemente, e exatamente por tal razão, com o Acórdão da 2ª Secção do mesmo Tribunal de 9/9/2015 no processo C-160/14, muito pouco divulgado entre nós mas objeto do Comunicado de Imprensa nº 96/15 do mesmo Tribunal de Justiça da União Europeia).

Por outro lado, para além de questões cuja apreciação, pela sua enorme relevância jurídica, se revela não apenas necessária mas até indispensável para uma melhor aplicação do Direito, os interesses em causa (significando a admissibilidade ou não de soluções legais que possibilitam e representam o lançamento na miséria, através de cortes nos respetivos rendimentos disponíveis que chegam a 60%, de milhares e milhares de cidadãos portugueses, reformados, sem qualquer alternativa real no mundo do trabalho e sem quaisquer outros rendimentos de substituição) são de inegável e particularíssima relevância social.

Deste modo, mais que os interesses, mais que legítimos, dos AA., está aqui em causa o interesse geral de uma boa e correta aplicação do Direito com a matriz e o sentido uniformizadores – mesmo que se não trate de Acórdãos formalmente uniformizadores da Jurisprudência – que as decisões do Supremo Tribunal de Justiça inegavelmente têm.

Encontram-se, assim, plenamente reunidos os requisitos das al. a) e b) do nº 1 do já citado artº 672º do NCPC, pelo que a efetiva verificação dos pressupostos para a presente revista excecional deve, antes de mais, ser liminarmente apreciada e decidida.»

Integraram nas alegações apresentadas, relativamente à definição do objeto do recurso de revista, as seguintes conclusões:

«9ª Acresce que, quando aos AA. ora recorrentes, o valor dos complementos de reforma a considerar no critério (ainda que erróneo) do Acórdão para efeitos do valor da causa e de recorribilidade das decisões é superior a 30.000,01 e, logo, inexiste qualquer razão para o STJ se eximir a conhecer do objeto do presente recurso.

10ª O Tribunal não está vinculado pelo enquadramento que as partes dão à questão mas, por um lado, tem de conhecer oficiosamente o Direito, todo o Direito (o que é, aliás, uma decorrência do princípio da legalidade do conteúdo das decisões judiciais), não se podendo eximir a fazê-lo sob fórmulas tabelares como as de que “não se vislumbram” violação de determinados preceitos, sem proceder a qualquer efetiva apreciação da questão,

11ª Como tem também e forçosamente de resolver todas as questões que lhe tenham sido submetidas, ainda que possa interpretar e aplicar normas jurídicas distintas, ou até as mesmas que as partes invocaram, mas num sentido diferente do alegado por elas.

12ª A eximição do Tribunal da Relação de Lisboa à análise e decisão das questões relativas à violação, ou não, pelo citado artº 75º da LOE-2014 de outros dispositivos normativos de valor hierárquico superior (designadamente de natureza comunitária) que aquele preceito deveria respeitar consubstancia uma ostensiva omissão de pronúncia, com a consequente nulidade, ex vi do nº 1 do artº 615º do NCPC, que ora aqui fica arguida.

13ª Mas acaso se entenda que não se trataria, em bom rigor, de uma verdadeira omissão de pronúncia, mas apenas e “apenas” de uma falta de análise e de consideração relativamente aos fundamentos ou argumentos jurídicos aduzidos pelos recorrentes, tal conduta não deixaria nunca de afetar, como afetou, a correção jurídica da decisão produzida.

14ª Na verdade, o Acórdão ora recorrido (tal como a sentença da 1ª instância) pode constituir uma decisão “célere” e expedita mas, limita-se praticamente a reafirmar a dita sentença e a reproduzir o Acórdão do TC nº 413/2014.

15ª E que não decide, nem sequer analisa, corretamente todas as vertentes da problemática aqui em causa, e muito em particular a relativa a outros preceitos e princípios de natureza claramente supralegal que vigoram na Ordem Jurídica interna portuguesa.

16ª Medidas como a redução salarial dos trabalhadores do Estado e do setor público, bem como o não pagamento do complemento das pensões de reforma a trabalhadores das empresa do setor empresarial do Estado, por constituírem uma medida de consolidação orçamental escolhida pelo Estado Português no sentido de cumprir e implementar o direito da União e as obrigações assumidas no pedido de assistência financeira, sempre teriam que estar sujeitas à validação jusfundamental decorrente dos princípios e direitos fundamentais consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

17ª Existe sobreposição de direitos fundamentais, nesta matéria, previstos na CDFUE e na Constituição da República Portuguesa, ou seja, perante ambos os catálogos, aquela medida (de redução retributiva) ofende direitos e princípios fundamentais.

18ª Não existindo qualquer conflito entre ambos os catálogos, não se colocará sequer o problema de determinar qual o instrumento normativo que confere um nível de proteção mais elevado.

19ª O caso ora sub judice demonstra a possibilidade de ocorrer uma articulação entre as duas codificações de direitos fundamentais, num sistema multinível, que lhes confere uma garantia acrescida.

20ª E se o Juiz nacional tem dúvidas – e mais ainda se é o órgão jurisdicional supremo a decidir, a nível interno, tal questão – sobre a interpretação e aplicação das normas de direito nacional de modo conforme com os preceitos e princípios do ordenamento jurídico comunitário, então deverá proceder ao reenvio prejudicial do processo ao Tribunal de Justiça da União europeia, para apreciação e decisão de tal questão de (in)conformidade.

21ª A retribuição e o complemento de uma pensão de reforma não podem nem devem ser encarados como mero “custo económico” pois estão estritamente ligados a uma existência condigna do trabalhador e da respetiva família.

22ª A diminuição da retribuição e o corte dos complementos ao colocarem em risco a subsistência dos trabalhadores e o seu núcleo familiar, afetam o princípio de dignidade humana, utilizado como critério interpretativo das normas constitucionais e como revelador de direitos fundamentais não escritos, impedindo que o seu quantum seja reduzido, de forma inesperada e para mais drástica, sem o acordo das partes.

23ª O corte dos referidos complementos, por ter sido apenas imposto aos trabalhadores de empresas do setor público empresarial, consubstancia ainda uma violação flagrante do princípio da igualdade e da proibição de discriminação em razão do vínculo laboral. Assim,

24ª A aplicação do artº 75º da Lei 83-C/2013, de 31/12 não só pode como deve ser recusada pelos Tribunais portugueses ao abrigo do artº 204º da CRP.

25ª O facto de o Tribunal Constitucional ter decidido num determinado sentido em sede de fiscalização sucessiva abstrata não impede nem inibe processualmente que possam ser acionados, por cidadãos individualmente considerados, os mecanismos de fiscalização sucessiva concreta, inexistindo aqui qualquer pretenso efeito de caso julgado.

26ª Acresce que as inconstitucionalidades imputadas pelos aqui AA. vão bem para além das que foram suscitadas pelos requerentes da fiscalização sucessiva abstrata, sendo que, como é óbvio, relativamente a essas outras o referido Acórdão do Tribunal Constitucional não apreciou nem decidiu coisa nenhuma,

27ª E, muito em particular, a questão da patente violação do princípio da igualdade de uma norma, bem como do conjunto de normas em que ela se insere no âmbito de um dado diploma legal, que faz recair o essencial do peso das chamadas “medidas de austeridade” sobre cidadãos que trabalham ou que, como os AA., trabalharam uma vida inteira por conta de outrém por contraposição com a brandura das medidas fiscais incidentes sobre os rendimentos do capital.

28ª De todo não corresponde à verdade o argumento e pressuposto daquele Acórdão do TC constante e que é o de que o Estado não teria exercido, relativamente à Empresa Ré, “influência dominante”. Com efeito,

29ª Essa “teoria” de que o Estado não exerceria influência dominante na Empresa Ré não tem qualquer suporte fáctico e está mesmo em completa contradição com aquilo que ela, Empresa, e os diversos órgãos do Estado foram, ao longo dos tempos, apurando, declarando, assumindo e dando por assente!

30ª Aquela já citada norma do artº 75º da LOE-2014, interpretada e aplicada como o fez a decisão recorrida, o que determina é suspender/cessar o pagamento de complemento de pensões que estava previsto em IRCT’s, ou seja, o que faz é não apenas suspender unilateralmente disposições contratuais livremente acordadas pelas partes de uma dada convenção coletiva,

31ª Como também, para não dizer sobretudo, impedir, para futuro, e em função de uma condição totalmente dependente da vontade e da atuação do Governo e de verificação não apenas totalmente incerta como a ocorrer, ou não, num período temporal absolutamente indeterminado, o estabelecimento de quaisquer derrogações à referida regra da chamada “suspensão” (verdadeira “cessação”) do pagamento do complemento.

32ª Mas o que o dito artº 75º da LOE, assim interpretado e aplicado, afinal o que faz é cessar a eficácia das situações jurídicas já perfeita e previamente estabelecidas por convenção coletiva de trabalho vigente,

33ª Pondo em causa esta em si mesma, e violando assim o artº 56º, nº 3 da CRP, o qual garante – e de forma direta e imediata, e não derivada da lei ordinária – o direito à contratação coletiva, e com um mínimo de conteúdo útil (ou “conteúdo essencial”).

34ª A tutela que a convenção coletiva de trabalho necessariamente pressupõe – e que a referida garantia constitucional impõe – impede assim que o legislador ordinário lese, e para mais de forma tão marcante e decisiva (corte puro e simples) como aqui o fez, os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho já anteriormente celebrados e em pleno vigor à data da entrada em vigor da lei,

35ª A consagração constitucional do direito à contratação coletiva só é substancialmente respeitada se se respeitar a reserva de convenção coletiva, e esta mesma reserva integra e abrange também o objeto da própria contratação coletiva, significando isso que está vedado ao legislador ordinário imiscuir-se e alterar o “núcleo duro” de matérias que constituem tal objeto.

36ª Os beneficiários do referido complemento de reforma – como os AA. – condicionaram decisões relevantes da sua vida ao direito ou, pelo menos, à legítima expectativa de receberem os complementos de pensões de reforma que lhes estavam garantidos ou, pelo menos, e tal como o TC consagrou no recentíssimo Acórdão nº 3/2016, de 13 de janeiro, de que tinham a crença legítima e digna de proteção constitucional de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração dos referidos complementos de reforma consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais.

37ª Ora, tal consubstancia uma grave e totalmente infundamentada violação do princípio da proteção da confiança, enquanto decorrência do Estado de direito, consagrado, como é sabido, no artº 2º da CRP, tal como o mesmo TC, no supracitado Acórdão consignou relativamente às subvenções vitalícias dos políticos. Ademais,

38ª Esta medida lança na fome, na miséria e no desemprego os AA., retirando-lhes nalguns casos mais de metade do que é hoje, para mais em plena época de crise, a sua única fonte de subsistência, atirando, só na Empresa Ré, uns milhares de pessoas para uma situação de enorme carência e gravidade económico-financeira,

39ª Enquanto o “benefício” (ou seja, a “poupança”) alegadamente alcançada com tal medida – aplicável a todas as empresas do Setor Empresarial do Estado e de forma muito particular a duas, o Metro de Lisboa e outra – ascende afinal a 11,3 ou, no máximo, 13 milhões de euros, ou seja, a qualquer coisa como 0,007% ou 0,008% do PIB (!?) !

40ª Tudo isto bem mostra – o mesmo sucedendo se a pretensa “poupança fosse dos já anteriormente referenciados 13,6 milhões de euros, ou seja, 0.008% do PIB – o completo desequilíbrio entre o pretenso benefício coletivo que resultaria da medida em causa e as graves desvantagens e prejuízos para os cidadãos afetados, com nova e violenta, desnecessária e totalmente desadequada violação do basilar princípio da proporcionalidade!

41ª Não é de todo compaginável com os princípios do Estado de direito exigir-se que o trabalhador de uma empresa do Setor Empresarial do Estado tenha de prever e de ter em conta que o acordo que ele (ou o respetivo Sindicato) celebrou com a administração da respetiva entidade empregadora possa afinal não ser cumprido, por o Estado, em cujo Setor Empresarial tal empresa se insere e que a tutela, assim o poder a todo o momento decidir e determinar !?

42ª A conformidade constitucional das várias soluções legislativas deve ser aferida por confronto com os preceitos e princípios constitucionais, e não em função da maior ou menor eficiência da solução normativa em causa para conseguir atingir, ou não, estes ou aqueles objetivos de natureza económico-financeira.

43ª E estas questões são tanto mais relevantes quanto outras medidas de todo não foram, todavia, adotadas pela referida entidade pública “mãe” (o Estado), designadamente quanto a modificações unilaterais com redução ou até eliminação forçada das contraprestações do Estado nos contratos de “swaps”, nas chamadas “parcerias público-privadas” ou até no âmbito das chamadas “rendas excessivas” no setor dos combustíveis e de energia !

44ª A “solução legal” que resulta desta vertente normativa do artº 75º da Lei OE-2014 consubstancia assim um evidente tratamento dos titulares de rendimentos como os de complementos de pensões (como é o caso dos AA.) de forma radicalmente diversa, completa, e totalmente infundamentada, da adotada relativamente aos titulares de outras fontes de rendimentos (como os AA.), maxime os de capital,

45ª Impondo-lhes assim uma marcada e mesmo gritante diferença de tratamento em absoluto infundada, desadequada, desproporcionada e desnecessária, ou seja, uma autêntica discriminação dos titulares deste tipo de rendimentos relativamente aos restantes cidadãos, o que consubstancia, manifestamente e também por esta via, uma nova e incontornável inconstitucionalidade material do referido artº 75º da LOE-2014, agora por violação do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da CRP.

46º A norma da Lei OE-2014 (o seu artº 75º), interpretada e aplicada como o foi pela mesma Empresa Ré como fundamento para a cessação do pagamento, revela-se multiplamente inconstitucional, também por violação designadamente do direito à contratação coletiva, consagrada no artº 56º, nº 3 da CRP, bem como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de Direito consagrado no artº 2º da Lei Fundamental, em particular pela ausência de necessidade, de adequação e de proporcionalidade de tal medida, e enfim do princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da mesma CRP! Deste modo,

47ª A referida cessação pela R. do pagamento aos AA. dos complementos de reforma a que eles têm legítimo direito consubstancia uma conduta ilícita, que faz incorrer a Empresa Ré na obrigação de a fazer de imediato cessar e ainda na obrigação de indemnização de todos os danos materiais e morais dela decorrentes, como sua consequência, em termos da causalidade adequada, que era aquilo que a sentença da 1ª instância e o Acórdão ora recorrido deveriam ter decidido e determinado, e erradamente não fizeram !

48ª Por outro lado, afigura-se evidente a desconformidade do artº 75º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, com os princípios e objetivos plasmados nos Tratados e Convenções Internacionais acima mencionados. Com efeito,

49ª Não há dúvida de que a Lei do Orçamento de Estado para 2014, tal como as para 2011, 2012 e 2013, implementaram medidas económicas e financeiras no quadro do Direito da União acima mencionado, denominado pelo TJUE como quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União e são suscetíveis de lesar direitos fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

50ª Não está em causa uma questão de remuneração ou do setor público “stricto sensu” mas sim o saber se a legislação interna em causa, ao implementar e concretizar direito da União, viola ou não o princípio da igualdade, a proibição de discriminação (artº 2º do Tratado e artºs 20º e 21º da CDFUE), basilares da construção da União, as condições de trabalho dignas (artº 31º, nº 1 da CDFUE), que têm na sua base o valor fundamental do respeito pela dignidade humana e a negociação coletiva, desrespeitando o conteúdo essencial desses direitos fundamentais.

51ª A jurisprudência do Tribunal Constitucional aplicou – e agora de forma óbvia para as subvenções vitalícias dos políticos no Acórdão no 3/2016 – o mecanismo da ponderação de interesses, considerando legítima a restrição do princípio da igualdade por estar em causa o interesse público de consolidação orçamental a que o Estado se encontra vinculado, até por imperativos da União Europeia, mas esqueceu-se de analisar essa igualdade não apenas entre os que trabalham (ou já trabalharam uma vida inteira) num ou noutro setor, mas entre todos esses cidadãos e os outros que não trabalham, nem trabalharam, mas são titulares de rendimentos do capital.

52ª Importará, por outro lado, analisar e verificar se, efetivamente, a redução prevista nas Leis do Orçamento de Estado e desde logo na Lei OE 2014 e no seu artº 75º, consubstancia tão-só uma questão puramente “interna”, ou se, ao invés, o direito da União Europeia não esteve e não continua a estar diretamente conexionado com esta linha estratégica de atuação do Estado. Ora,

53ª Se restasse alguma dúvida de que o Estado aplicou o direito da União através da redução das despesas com o pessoal inserida nas Leis do Orçamento de Estado desde 2011, as justificações apresentadas pelo Governo Português a este respeito, em conformidade, aliás, com o quadro normativo supra descrito, clarificam, de forma definitiva, essa questão.

54ª A “margem de manobra” que o Estado-Membro dispõe para concretizar as orientações de política orçamental consignadas no Memorando de Entendimento de todo não o desvincula da obrigação de salvaguardar os direitos fundamentais plasmados na CDFUE!

55ª Os tribunais nacionais, e desde logo os Tribunais do Trabalho portugueses e o Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto tribunais comuns da União Europeia, estão obrigados a averiguar da correta interpretação e aplicação da CDFUE quando esteja em causa o Direito da União Europeia, e o legislador nacional também se encontra estrictamente vinculado ao respeito pelos ditames da mesma CDFUE.

56ª O direito a condições de trabalho dignas previsto no referido artº 31º, nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E., num sentido amplo e interpretado à luz do princípio, essencial e basilar da dignidade do trabalhador, dos direitos fundamentais consagrados na Carta Social Europeia e do artº 59º, nº 1, al. a) da CRP, corresponde ainda ao direito a uma remuneração justa no ativo e uma prestação de reforma que assegure aos trabalhadores e respetiva família um nível de vida satisfatório, o que necessariamente implica a proibição absoluta da diminuição do respetivo meio de subsistência, sem o acordo do trabalhador, sobretudo no caso de o respetivo contrato, individual ou coletivo, se manter inalterado.

57ª A suspensão ou cessação do pagamento dos complementos de reforma desrespeita também o direito previsto no artº 31º, nº 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E., por não ser de todo previsível nem expectável pelos trabalhadores, os quais não podiam contar com um corte desse complemento, representando diminuições unilaterais e substanciais no seu rendimento anual, chegando mesmo a 60% e colocando em risco o nível de vida e os compromissos de ordem financeira oportunamente assumidos pelos trabalhadores e respetivas famílias.

58ª Não se trata aqui sequer de uma mera questão sobre remuneração ”stricto sensu”, ou seja, sobre o quantum remuneratório, matéria sobre a qual é vedada qualquer intervenção da União, mas sobre condições de trabalho e de vida alteradas unilateralmente pelo Estado num aspeto primordial para os cidadãos trabalhadores e respetiva família, que é o exato rendimento proveniente direta ou indirectamnente da sua atividade profissional, presente ou passado, e com base na qual garantem a sua subsistência.

59ª Por outro lado, a referida Lei do Orçamento de Estado para 2014, em especial no citado artº 75º, ao estabelecer que o regime de suspensão do pagamento dos mencionados complementos de reforma é imposto contra instrumentos de regulamentação coletiva de natureza convencional, prevalecendo sobre os mesmos, é claramente contrária ao direito de negociação coletiva previsto no artigo 28º da Carta e interligado com o artº 56º, nº 3 da CRP.

60ª Importará verificar ainda se, face à Constituição da República Portuguesa, a redução do meio de subsistência imposta aos AA. como ex-trabalhadores de uma Empresa do setor público e para mais com pressupostos referentes a factos que a eles são inteiramente estranhos, e com projeção para o futuro (como já teve em 2015 e continua a ter em 2016) está em conformidade com os direitos fundamentais nessa sede consagrados.

61ª A retribuição ou a pensão, ou o complemento da pensão do trabalhador não configura apenas uma medida de natureza puramente económico-financeira com a qual se possa “jogar” livremente no quadro de uma política económica, mesmo em situação de crise grave de sustentabilidade das finanças públicas do Estado.

62ª E para responder à questão essencial é antes de mais relevante ter presente o disposto no 1.º da CRP, o qual estabelece que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”. Por outro lado,

63ª E no capítulo dos Direitos e Deveres Fundamentais, o artº 13°, n°1 da C.R.P. consagra o princípio da igualdade dos cidadãos em duas vertentes: em face da lei e na sua dignidade social. Ora,

64ª Este preceito constitucional, por respeitar aos “direitos, liberdades e garantias”, é diretamente aplicável e vincula as entidades públicas e privadas — v. artº 18º, nº1 da CRP.

65ª E a lei só pode restringir esses direitos nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos — nº 2 do artº18º.

66ª Trata-se, assim, de um princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito Democrático, correspondente ao princípio geral de Direito que está inscrito em todas as constituições europeias, e consagrado também no artº 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, igualmente vigente na Ordem Jurídica interna portuguesa, e de grau hierárquico superior ao das leis ordinárias internas, designadamente as leis do Orçamento do Estado, por exemplo a LOE-2014.

67ª Na Carta Social Europeia, as Partes subscritoras reconheceram como objetivo de uma política que prosseguirão por todos os meios úteis, nos planos nacional e internacional, a realização de condições próprias a assegurar o exercício efetivo de todo um conjunto de direitos e princípios.

68ª Os direitos fundamentais consagrados na Carta Social Europeia e na Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores devem, segundo o artº 151º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, ser atendidos pela União e Estados-Membros na prossecução dos objetivos da política social.

69ª Neste sistema multinível em que na Ordem Jurídica portuguesa se integra, existe consenso no que respeita ao facto de a remuneração ou prestação de reforma ou complemento desta não se cingir ao mero aspeto económico na medida em que elas estão estritamente ligadas ao bem estar do trabalhador e da sua família, numa palavra, a uma existência digna!

70ª O “Princípio da Dignidade Humana”, em que, nos termos do já citado artº 1º da CRP, a República Portuguesa se baseia tem de ser perspetivado, na sociedade atual, de uma forma inovadora, deixando de fazer sentido a sua invocação tão só em casos-limite.

71ª No campo dos direitos sociais, justifica-se plenamente o apelo a esse direito fundador nos casos que configuram exclusões sociais e/ou degradação significativa das condições de vida dos trabalhadores resultante da redução inesperada e drástica do seu meio de subsistência e das condições de vida e de trabalho em geral.

72ª Assim, e como decorrência de todo este acervo normativo que se vem de referir e analisar, forçoso se torna concluir que o artº 75º da Lei nº 83-C/2013, de 31/12, ao proibir o pagamento dos complementos de reforma apenas aos trabalhadores das empresas do setor público empresarial, manifestamente violou também o princípio da igualdade, em ambas as vertentes, e o princípio da proibição da discriminação.

73ª A violação do princípio da igualdade verifica-se não só perante a lei mas sobretudo no que concerne à dignidade social dos trabalhadores.

74ª Por isso, uma redução do meio de subsistência de quem trabalha ou já trabalhou uma vida inteira, e que se assume como diminuição de salários e/ou o congelamento de acréscimos retributivos ou complementos de pensões, sem que seja declarado o estado de sítio ou o estado de emergência constitui uma flagrante violação daquele princípio elementar de tratamento igualitário, e, mais do que isso, ofende o princípio da dignidade social e humana dos trabalhadores.

75ª É que a redução de salários, tal como da prestação retributiva para os trabalhadores na pré-reforma e complemento da pensão de reforma para os reformados, na medida em que coloca em risco o nível de vida e os compromissos de ordem financeira assumidos pelos trabalhadores e respetiva família anteriormente a essa redução, viola, e viola gravemente, a garantia a uma existência condigna através da retribuição prevista no nº 1, al. a) do artigo 59º da CRP, e que é aplicável a todo o tipo de contrapartidas, simultâneas ou subsequentes, da prestação de trabalho.

76ª As restrições aos direitos sociais mais elementares dos trabalhadores impostas pelo Estado Português aos AA. como ex-trabalhadores do setor público empresarial, sendo que a sustentabilidade das finanças públicas prosseguida pelos orçamentos do Estado é um assunto da responsabilidade de todos os cidadãos, configura ainda uma discriminação em razão do vínculo laboral e que, por não ser previsível nem expectável pelos visados, é manifestamente contrária ao direito a uma existência condigna prevista no artigo 59º, nº 1, al. a) da CRP.

77ª E a natureza imperativa deste regime que decorre do referido artigo 75º da LOE, no sentido de que prevalece sobre quaisquer outras normas legais ou convencionais em contrário, viola, e de forma óbvia, a autonomia coletiva consagrada no artigo 56º da CRP já que neutralizou os resultados da negociação coletiva previstos nos instrumentos de regulamentação coletiva.

78ª O artº 75º da LOE é assim, e por todas estas razões – que, como se vê, extravasam por completo as temáticas e as questões aludidas, analisadas e decididas pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 413/2014 – múltipla e materialmente inconstitucional e violador de normas de direito internacional de valor hierarquicamente superior.

79ª A decisão ora sob recurso passou, afinal, por completo ao lado de todas as questões que supra se colocaram e analisaram, e se limitou a fazer uma espécie de uma confirmação tabelar da sentença da 1ª instância e de um “copy paste” do texto do Acórdão nº 413/2014 do TC.

80ª Sustentar que não houve violação do princípio da confiança no caso dos AA. porquanto quem teria formalizado a obrigação do pagamento dos complementos de reforma teriam sido as administrações das empresas do setor público empresarial e quem agora decide o não pagamento de tais complementos era o Estado, para além de representar a completa, absurda e intolerável hipervalorização da formalidade sobre a materialidade, configura mesmo uma arrepiante e constitucionalmente inadmissível insensibilidade face à proteção da dignidade da pessoa humana e aos princípios fundamentais de um Estado de direito.

81ª Não é de todo verdade que os complementos não tenham natureza retributiva, não só no sentido de constituírem, ou não, salários, mas sim e sobretudo no de serem uma contrapartida de uma vida inteira de trabalho e de consubstanciarem o (único) meio de subsistência de quem assim, tal como os AA., trabalhou.

82ª E, mais, o que foi livre e formalmente convencionado no âmbito de um negócio jurídico livre e eficazmente celebrado entre as partes dos contratos de trabalho dos AA. não foi uma  liberalidade, uma facilidade ou um “benefício”, mas sim um direito.

83ª Acresce que nem está demonstrada a existência de um verdadeiro interesse público na solução consagrada nem muito menos que os respetivos pressupostos se ajustem à realidade, dimensão e, mesmo, brutalidade da medida.

84ª E não basta a invocação, ou sequer a própria demonstração, de um fim público legítimo para logo justificar todos os meios alegadamente destinados a alcançá-los, já que o que caracteriza na sua essência um Estado de direito é precisamente que “os fins (mesmo os mais legítimos) não justificam (todos) os meios”!

85ª Argumentar com a suposta finalidade da contribuição para o saneamento financeiro e consolidação das empresas públicas e da não menor suposta adequação de uma medida que ao mesmo tempo que cobra menos 220 milhões de euros aos titulares dos rendimentos do capital, confisca a trabalhadores reformados do Metro de Lisboa, com pensões da ordem apenas das centenas ou, quando muito, de um milhar de euros mensais uma parcela de 40%, 50% ou 60% desse valor, para assim conseguir obter o valor, no máximo, de 13,5 milhões de euros, não tem o menor vislumbre de fundamento.

86ª A teoria de que a fixação, por contratação coletiva, de complementos de prestação de reforma não teria um suporte jurídico-constitucional, por se tratar de meros “benefícios” e, logo, estes não fazerem parte do núcleo duro do direito de contratação coletiva, não integrando o seu conteúdo essencial, também não tem assim qualquer fundamento, quer na letra, quer na “ratio” da Lei Fundamental.

87ª Quanto a direitos que têm natureza obrigacional privada, não se integrando por isso no sistema de segurança social pública, é que precisamente faz sentido que eles façam, ou possam fazer, parte do âmbito da própria contratação coletiva, mais ainda quando eles foram livre, expressa e formalmente negociados no momento temporal e nos estrictos condicionalismos e pressupostos em que aqui o foram.

88ª Pretender que, por a Ré se tratar de uma Empresa do Setor Público Empresarial, o mesmo Estado poderia legitimamente determinar, por via legislativa ou outra qualquer, que a regra do “pacta sunt servanda” poderia ser livremente afastada porque os AA. teriam sido suficientemente tolos para acederem a celebrar com a R. o seu contrato de trabalho, o seu acordo de pré-reforma ou a sua ida para a reforma, já que deveriam saber que a tutela em qualquer momento poderia mandar cessar o pagamento do complemento que fora requisito essencial para a formação dessa sua vontade de contratar, representa uma violação, gravíssima, do princípio da proteção da confiança, inferível do artº 2º da CRP e um absurdo tão monstruoso que os valores e os princípios vigentes, e não suspensos, na nossa Ordem Jurídica, bem como a sensibilidade jurídica e o sistema de Justiça dominantes na nossa Sociedade, claramente repudiam e impedem.

89ª Nestes termos, sendo patente a múltipla inconstitucionalidade e contraditoriedade com os preceitos supra nacionais acima citados do artº 75º da LOE-2014 e, logo, não podendo vigorar na Ordem Jurídica Portuguesa, nada obsta a que aos AA. seja reconhecido o direito a verem-‑se pagos dos complementos de reforma cuja liquidação a Ré unilateralmente cessou bem como a serem indemnizados dos gravíssimos damos materiais e morais que tal conduta lhes causou, julgando-se por isso inteiramente procedente a presente ação.»

Terminam referindo que «deve o Acórdão recorrido ser integralmente revogado e determinada a procedência da ação com a consequente condenação da R. nos pedidos dos AA., pois só assim se fará inteira JUSTIÇA!»

                                                                                        

A Ré pronunciou-se contra a admissão do presente recurso de revista e integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A) Não se verifica o preenchimento dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional.

B) Os Recorrentes nas suas alegações não concretizaram os pressupostos previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 672.° do CPC nem fundamentaram adequadamente a admissibilidade do recurso.

C) Esta concretização e esta fundamentação constituíam um ónus dos Recorrentes, cujo incumprimento determina a inadmissibilidade do recurso de revista excecional.

D) A questão da natureza jurídica dos complementos de pensão encontra-se clarificada na doutrina e na jurisprudência, incluindo a do STJ, não se verificando a necessidade de qualquer clarificação para uma melhor aplicação do direito.

E) A aplicação do artigo 75.° da LOE tem um âmbito de aplicação que afeta apenas alguns ex-‑trabalhadores reformados do Metropolitano de Lisboa e da Carris, não se verificando na presente ação a existência de interesses com uma particular relevância social.

F) Sendo certo que, encontrando-se já pendente um recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelos AA, o Supremo Tribunal de Justiça não é jurisdicionalmente competente para apreciar a legalidade dos atos legislativos praticados pela Assembleia da República.

G) De acordo com o artigo 280.° da CRP, cabe ao Tribunal Constitucional a competência para apreciar a ilegalidade da aplicação de normas cuja ilegalidade foi suscitada no processo.

H) A alegação da violação de legislação comunitária constitui uma alteração do pedido, face a forma como os Recorrentes conformaram o pedido na sua PI, pelo que não pode ser levado em conta na presente fase processual.

I) Contudo, ainda que assim não se entendesse, as decisões até à data proferidas pelo Tribunal Europeu de Justiça e pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vão no sentido, respetivamente, de uma ausência de jurisdição sobre matéria que não envolve questões de direito europeu e de confirmação da legalidade de uma questão semelhante à discutida nos presentes autos.

J) A decisão recorrida não enferma de qualquer vício.

K) Através do seu Acórdão n° 413/2014, o Tribunal Constitucional veio considerar que não se verificava a violação do princípio da proteção da confiança, do princípio da igualdade, do princípio da proporcionalidade, nem tão pouco do princípio da contratação coletiva.

L) Do mesmo modo, o Tribunal Constitucional, através das decisões proferidas nos Autos de Recurso n.° 826/15 e n.° 652/15, ambos da l.ª Secção do Tribunal Constitucional, relativos aos processos n.° 528/14.5TTLSB e n.° 465/14.3TILSB, também já se pronunciou, agora em sede de apreciação concreta da constitucionalidade, sobre a constitucionalidade da norma, tendo igualmente concluído pela sua constitucionalidade.

M) Pelo que, tendo o Tribunal Constitucional já concluído pela constitucionalidade em termos abstratos e confirmando-se, agora já em duas decisões, também a constitucionalidade em termos concretos do artigo 75.° da Lei n.° 83-C/2013, de 31 de dezembro, o cumprimento pela Recorrente do disposto na norma legal que determina a suspensão do pagamento dos complementos de pensão prevista neste artigo, não pode merecer qualquer censura de um ponto de vista jurídico.

N) Acresce que os Recorrentes conforme conformaram a sua P.I., não invocaram quaisquer factos concretos que possam justificar a reanálise da constitucionalidade da norma no presente processo em termos concretos.

O) Uma vez que a causa de pedir conforme foi formulada pelos Recorrentes é única e exclusivamente a inconstitucionalidade abstrata da norma.

P) Refira-se ainda que no caso presente não se verifica a violação de qualquer princípio constitucional.

Q) Não se verifica qualquer violação do princípio da igualdade, uma vez que a medida que aqui está em causa, o eventual direito ao pagamento de um complemento pago pela Recorrida que acresce à pensão da segurança social, constitui um benefício extraordinário no quadro dos direitos da generalidade dos trabalhadores do setor privado, ou mesmo do setor público.

R) O complemento de pensão auferido pela maioria dos Recorrentes constitui em muitos casos um benefício discricionário e gestionário que não se enquadra na lei nem no normativo do Acordo de Empresa.

S) Acresce que a Recorrida e os sindicatos negociaram já uma alteração do enquadramento jurídico do complemento de pensão, por forma a excluir este benefício dos trabalhadores admitidos após 2003, situação que já evidenciava as dificuldades da Recorrida no pagamento do complemento de pensão aos seus ex-trabalhadores.

T) Deve ainda ser referido que a comunidade de trabalho da Recorrida sempre teve por isso consciência da situação económica e financeira da empresa e das consequentes dificuldades em manter o pagamento deste benefício.

U) Não se verifica, portanto, qualquer violação dos princípios constitucionais da contratação coletiva, nem tão pouco da proteção da confiança.

V) Acresce ainda que a suspensão do pagamento do complemento de pensão, determinado pela LOE 2014, constitui uma medida transitória que poderá ser revogada, retomando-se o pagamento do complemento de pensão num quadro de reequilíbrio económico-financeiro da Recorrida.

W) Aliás, tal já aconteceu com a entrada em vigor da LOE para 2016.

X) Relativamente ao conteúdo do acórdão do TC n.°3/2016 de 13.01.2016 refira-se que o mesmo não só não alterou, como veio confirmar o sentido da anterior jurisprudência do Tribunal Constitucional relativamente à conformação constitucional do princípio da confiança.

Y) E que os complementos de pensão constituem um benefício com uma natureza privatística, resultante de uma negociação entre os trabalhadores e uma entidade empresarial, inexistindo por isso qualquer relação com o Estado.

Z) Enquanto no caso das subvenções de que beneficiam os ex-titulares de cargos políticos está em causa precisamente um compromisso assumido pelo Estado perante estes cidadãos.

AA) Assim, no caso das subvenções, está efetivamente em causa o respeito pelo princípio da confiança na relação entre o Estado e os cidadãos, o que não acontece no caso dos Recorrentes cuja relação se enquadra apenas no âmbito de uma relação de natureza laboral

BB) Sendo ainda de notar, repita-se, que os Recorrentes não alegam quaisquer factos nem nenhuma situação concreta que justifique uma reanálise, em concreto, da constitucionalidade do artigo 75.° da Lei n.° 83-C/2013.»

 Termina referindo que «deve o recurso ser rejeitado ou, não se entendendo assim, deverá o mesmo ser declarado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos, assim se fazendo Justiça».


II

1 - Conforme esta formação vem repetindo, o recurso de revista excecional não é um recurso extraordinário, nem tem rigorosamente autonomia face ao recurso de revista em geral. O que a revista excecional introduz no sistema jurídico é o alargamento da admissibilidade do recurso de revista nas situações em que, por força da existência de uma situação de dupla conformidade, nos termos do n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, tal recurso não seria possível.

Deste modo, constatada a ocorrência de uma relação de dupla conformidade entre a decisão da segunda instância, de que se pretende recorrer de revista, e a decisão da primeira instância que da mesma era objeto, o recurso de revista será ainda possível nas situações em que se mostrem preenchidos os pressupostos referidos nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, ou seja os pressupostos específicos da revista excecional.

No caso dos autos, os recorrentes pretendem que o recurso seja admitido pela via da revista excecional e invocam como fundamento dessa admissão as alíneas a) e b) daquele número 1 do artigo 672.º

A relação da revista excecional com o recurso de revista nos termos gerais impõe que admissão do recurso por esta via, para além do preenchimento daqueles pressupostos específicos, dependa, em primeira linha, do preenchimento das condições gerais de admissibilidade do recurso de revista, decorrentes do n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo civil e do n.º 1 do artigo 629.º do mesmo código.

No que se refere a este último dispositivo está em causa o valor do processo e o valor da sucumbência, para recorrer das decisões proferidas pelo Tribunal da Relação.

Tais condições mostram-se preenchidas, no que se refere aos recorrentes a quem o recurso foi admitido pelo despacho da Exm.ª Desembargadora relatora acima referido.

Cumpre ainda nesta sede ponderar a relação entre a decisão proferida pela 1.ª instância e a decisão recorrida, no sentido de se saber se existe uma relação de dupla conformidade entre as mesmas.

Comparados os segmentos decisórios das duas decisões, constata-se que se orientaram no mesmo sentido – improcedência dos pedidos formulados pelos autores - por se ter considerado, quer num caso, quer noutro, que a norma da Lei do Orçamento do Estado ao abrigo da qual a Ré suspendeu o pagamento dos complementos de reforma aos autores, não se mostra afetada da inconstitucionalidade que lhe era imputada.

A decisão recorrida, na sequência do recurso de apelação interposto pelos autores, alargou a fundamentação do decidido para os termos do Direito Europeu e Internacional invocados pelos recorrentes.

Tal alargamento não introduz alterações na fundamentação dessa decisão que se insiram no quadro da fundamentação “essencialmente diferente” referida no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil como critério excludente da relação de dupla conformidade, pressuposto negativo do direito ao recurso.

Na verdade, como os próprios recorrentes reconhecem, não há qualquer contradição entre os dispositivos do Direito Europeu ou Internacional, agora invocados pelos recorrentes, sendo certo que os autores instauraram a ação com referência apenas ao Direito Constitucional, uma vez que resulta daqueles dispositivos uma tutela com o mesmo âmbito da que resulta da Constituição da República Portuguesa.

Não se trata, pois, de uma disciplina divergente, que confira dimensões diversas aos direitos considerados, mas de uma disciplina paralela e convergente, também ela vigente na ordem jurídica interna e aqui invocável pelos cidadãos perante os Tribunais nas situações em que ocorram os pressupostos respetivos.

A fundamentação da decisão recorrida situada a esse nível, não pode pois considerar-‑se sequer divergente do parâmetro de constitucionalidade com base no qual os autores instauraram a ação e que está subjacente à sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

Estamos desse modo perante uma fundamentação idêntica, no que se refere à juridicidade que suporta o decidido, embora a mesma tenha em parte assento em fontes formalmente diversas.

Pode assim considerar-se que existe uma relação de dupla conformidade entre a sentença proferida pela 1.ª instância e o acórdão do Tribunal da Relação que a teve por objeto e do qual agora se pretende recorrer de revista.

2 - A articulação do recurso de revista excecional com os recursos de constitucionalidade coloca problemas que se refletem no caso dos autos.

LOPES DO REGO, abordando a articulação do n.º 2 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 75.º da referida Lei n.º 28/82, 15 de novembro, e considerando o recurso de revista excecional fundado na alínea c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil como um “recurso ordinário de uniformização de jurisprudência”, pronuncia-se no sentido de que «a parte pode optar pela prévia interposição do recurso ordinário de uniformização de jurisprudência» e, «se este não for admitido por se considerar que não ocorre o específico fundamento invocado, possibilita-se ainda à parte a interposição do recurso de constitucionalidade da decisão inicialmente proferida, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º»[1].

No que se refere à revista excecional fundada nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, interroga-se aquele autor afirmando que «apesar de não se tratar, em bom rigor, de um recurso fundado especificamente na invocação de um conflito jurisprudencial, deverá, por identidade de razões, dispensar-se a parte do ónus de esgotamento ou exaustão dos recurso ordinário possíveis?; e, optando a parte pela interposição da revista excecional, fundada na invocação de um relevante interesse jurídico ou social das questões que integram o respetivo objeto, quid juris se a formação entender que tal pressuposto se não verifica: poderá ainda a parte interpor para o TC ao abrigo da prorrogação do prazo concedida pelo n.º 2 do artigo 75.º?»[2].

Respondendo às questões suscitadas, depois de concluir pela admissibilidade do recurso de constitucionalidade imediato, pronuncia-se sobre a hipótese em que a parte opte, em primeiro lugar, pela interposição da revista excecional, referindo que «tendo a parte optado por utilizar a revista excecional – deve beneficiar da prorrogação consentida pelo n.º 2 do artigo 75.º da lei do TC, nos casos em que a formação entenda que se não verificam os pressupostos específicos invocados pelo recorrente»[3].

No caso dos autos, conforme acima se referiu, apesar de todos os autores terem interposto recurso de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, alguns deles vieram também, por «mera cautela», interpor o presente recurso de revista excecional.

Face à interposição deste recurso, foi rejeitado o recurso de constitucionalidade interposto relativamente aos autores a quem foi admitido o recurso de revista excecional.

Cumpre então indagar se se mostram preenchidos os pressupostos da admissão da revista pela via da revista excecional, referidos nas alíneas a) e b) do n.º1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

3 - Da fundamentação invocada pelos recorrentes destaca-se o apelo à afirmação da violação de direitos fundamentais pelas medidas decorrentes do dispositivo legal cuja constitucionalidade é posta em causa, nomeadamente, o direito à igualdade, o direito à contratação coletiva, e da violação de princípios relativamente à restrição de direitos fundamentais.

Referem para além do mais que «a norma da Lei OE-2014 (o seu artº 75º), interpretada e aplicada como o foi pela mesma Empresa Ré como fundamento para a cessação do pagamento, revela-se multiplamente inconstitucional, também por violação designadamente do direito à contratação coletiva, consagrada no artº 56º, nº 3 da CRP, bem como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de Direito consagrado no artº 2º da Lei Fundamental, em particular pela ausência de necessidade, de adequação e de proporcionalidade de tal medida, e enfim do princípio da igualdade, consagrado no artº 13º da mesma CRP».

Trata-se claramente do parâmetro de constitucionalidade em que os autores fundamentaram a ação instaurada e que não é posto em causa pela invocação superveniente de dimensões do Direito Internacional e Europeu, conforme acima se referiu.

Para além desta dimensão de natureza meramente jurídica, os autores referenciam os interesses de natureza social que estão em causa, na suspensão do pagamento dos aludidos complementos de reforma, tentando por essa forma abrir caminho para o preenchimento da situação prevista na alínea b) do referido n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

O pressuposto da admissão da revista excecional previsto na alínea a) do n.º1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil tem sido frequentemente abordado na jurisprudência da formação respetiva, estabilizando-se a orientação no sentido de que «I - O conceito genérico da referida al. a) do n.º 1 do art. 721.º-A do CPC implica que a questão sub judice surja como especialmente complexa e difícil, seja em razão de inovações no quadro legal, do uso de conceitos indeterminados, de remissões condicionadas à adaptabilidade a outra matéria das soluções da norma que funciona como supletiva e, em geral, quando o quadro legal suscite dúvidas profundas na doutrina e na jurisprudência, a ponto de ser de presumir que gere com probabilidade decisões divergentes».[4]

Pronunciando-se sobre este fundamento da revista excecional, refere ABRANTES GERALDES que «em geral, surge a exigência de que a questão jurídica em causa tenha um caráter paradigmático e exemplar, transponível para outras situações, assumindo relevância autónoma e independente em relação às partes envolvidas» e prossegue referindo que «as expressões adverbiais empregues na formulação normativa (“excecionalmente” e “claramente necessária” não consentem que se invoque como fundamento da revista excecional a mera discordância quanto ao decidido pela Relação. Tão pouco bastará a verificação de uma qualquer divergência interpretativa, sob pena de vulgarização do referido recurso em situações que não estiveram no espetro do legislador)[5]

E ainda a propósito daquele dispositivo, refere o mesmo autor que «constituindo um instrumento processual em que fundamentalmente se pretendem tutelar interesses ligados à “melhor aplicação do direito”, a intervenção do Supremo apenas se justifica em face de uma questão cujo relevo jurídico seja indiscutível, o que pode decorrer, por exemplo, da existência de legislação nova cuja interpretação seja passível de sérias divergências, tendo em vista atalhar decisões contraditórias (efeito preventivo), ou do facto de as instâncias terem decidido a questão ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou da doutrina (efeito reparador[6].

Por outro lado, também o pressuposto da admissão da revista excecional previsto na alínea b) do n.º 1 do referido artigo 672.º, tem sido objeto de uma reflexão frequente quer na formação geral da revista excecional, quer ao nível desta formação.

Referiu-se, com efeito, no acórdão da formação geral proferido no processo n.º 2895/09.3TBLLE.E1.S1, o seguinte: «para que se verifique o requisito contido na al. b) do n.º 1 do artigo 721.º - A do CPC há que atentar na matéria de facto articulada, de forma a determinar se, perante ela, poderá surgir uma situação em que possa haver colisão de uma decisão jurídica com valores socioculturais dominantes que a devam orientar e cuja eventual ofensa possa suscitar alarme social determinante de profundos sentimentos de inquietação que minem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas, ultrapassando os interesses em jogo significativamente os limites do caso concreto».

Importa finalmente que se tenha presente que, tal como se extrai dos fundamentos específicos da revista excecional, este meio de impugnação das decisões judiciais não visa, em primeira linha, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos das partes, mas a tutela jurisdicional efetiva do interesse geral na boa aplicação do Direito, e, por outro lado, a questão a analisar há de ter relevância jurídica, no sentido de que a sua dilucidação seja reclamada para uma melhor aplicação do Direito, o que só se justifica face a uma questão de Direito com caráter paradigmático.

4 - As questões de constitucionalidade têm um contencioso específico, há muito sedimentado no sistema jurídico português, no quadro da Constituição da República e da legislação orgânica e processual do Tribunal Constitucional que é alheio aos pressupostos da revista excecional decorrentes da mencionada norma do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Com efeito, se o que se visa com a revista excecional é abrir a porta a um recurso de revista que estaria vedado pela relação de dupla conformidade entre a decisão a recorrer e aquela que constitui seu objeto, o recorrente sempre teria aberta a via do recurso para o Tribunal Constitucional para discutir todas as questões de constitucionalidade suscitadas nos autos.

No caso dos autos, embora os recorrentes se refiram a decisões contraditórias ao nível do Tribunal da Relação e invoquem até uma suposta diversidade de julgamentos por parte do Tribunal Constitucional, existe Doutrina Constitucional sólida sobre os direitos fundamentais que se pretendem afetados e uma jurisprudência constitucional vasta sobre esses temas e sobre restrições daqueles direitos.

A divergência dos autores com o decidido pelo Tribunal da Relação e com a jurisprudência do Tribunal Constitucional invocada como fundamento daquela decisão não transforma o litígio dos autos num caso paradigmático, a justificar a intervenção deste Tribunal pela via da revista excecional, sendo certo que, no que se refere a dimensões constitucionais, tal decisão seria também ela suscetível de recurso para o Tribunal Constitucional, perdendo por essa via, no caso de não ser confirmada, o papel orientador que poderia justificar tal a intervenção.

Por outro lado, as medidas de suspensão de pagamento de complemento de reformas que são objeto do litígio inseriram-se num conjunto vasto de medidas de contenção salarial que atingiram múltiplos setores da sociedade portuguesa.

No contexto em que foram tomadas, tais medidas motivaram contestação por parte de alguns setores atingidos, não podendo, contudo, afirmar-se que as mesmas tenham atingido as bases em que assentam os sentimentos coletivos de segurança e tranquilidade que estão subjacentes ao aludido pressuposto da revista excecional.

Acresce que, a simples natureza laboral das questões postas não determina, sem mais, que se esteja perante interesses de particular relevância social, para os efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, o mesmo se podendo afirmar relativamente à dimensão jurídico-constitucional, alargada ao longo do processo ao Direito Europeu e Internacional.

A invocação pelos recorrentes da violação de dimensões constitucionais e do Direito Europeu e Internacional que pretendem ver aplicado no caso dos autos, não confere, por si só, às questões suscitadas relevo que permitam dar como preenchidos os pressupostos das referidas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Os recorrentes não demonstraram, pois, em cumprimento do disposto nas alíneas a) b) do n.º 2 daquele dispositivo, que estejam preenchidos os pressupostos para a admissão da revista excecional.


IV


Ante o exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excecional pretendida pelos recorrentes.

Custas a cargo dos recorrentes.

Transitado, devolva-se o processo ao Tribunal Constitucional.

                                  

Lisboa, 6 de julho de 2017

           

António Leones Dantas (Relator)

Pinto Hespanhol

           

Gonçalves Rocha

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[1] “A Reforma do Processo Civil e o Processo Constitucional”, Estudos em Homenagem do Conselheiro Artur Maurício, Coimbra Editora, 2014, p. 310.
[2] Idem, p. 313.
[3] Idem, p.314.
[4] Acórdão de 16 de fevereiro de 2012, proferido no processo n.º 1875/09.3TBBRG-A.C1.S1, cujo sumário está disponível em http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/revistaexcecional/revista-excecional2012.pdf
[5] Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2.ª Edição, Almedina, p. 314.
[6] Ibidem.