Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
537/14.4T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
AVALIAÇÃO DE BENS
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
RELAÇÃO DE BENS
RECLAMAÇÕES
Data do Acordão: 11/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA ANULADO O ACÓRDÃO
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÕES EM GERAL / PARTILHA DA HERANÇA / COLAÇÃO / VALOR DOS BENS DOADOS.
Doutrina:
- Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume I, p. 525 ; Volume II, p. 203/204.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 2109.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 589.º, 590.º E 591.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDACÇÃO DADA PELO DL N.º 227/94, DE 08-09: - ARTIGO 1353.º, N.º 4, ALÍNEA A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 21-01-2003, RELATOR SILVA SALAZAR.
Sumário :
I Resulta do artigo 2109º, nº1 do CCivil que o valor dos bens doados é o que os mesmos tiverem à data da abertura da sucessão, mas se sobrevier um valor superior do bem por via de uma avaliação requerida por algum dos interessado é este o valor a ter em conta a não ser que os demais interessados o contestem, e se o contestarem esse valor nunca poderá ser tomado em atenção para efeitos de partilha, sem mais.

II Este regime específico do processo de inventário não se coaduna com o regime geral das avaliações, nomeadamente, quanto à necessidade de requerer uma segunda avaliação no prazo de dez dias a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, nos termos dos dispositivos aludidos nos artigos 589º a 591º do CPCivil, o que significa que a decisão que indeferiu, sem mais, aquela diligência, não se pode manter.

III Tendo em atenção o disposto no artigo 1353º, nº4, alínea a) do CPCivil na redacção dada pelo DL 227/94, de 8 de Setembro aqui aplicável, é à conferência de interessados que compete deliberar das reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados e sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

IV Em tema de processo de inventário há lugar a uma segunda avaliação quando os interessados, na conferência, não acordem no valor a atribuir aos bens e requeiram a sua efectivação:  este regime específico do processo de inventário não se coaduna com o regime geral das avaliações, nomeadamente, quanto à necessidade de requerer uma segunda avaliação no prazo de dez dias a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, nos termos dos dispositivos aludidos nos artigos 589º a 591º do CPCivil.

V Não impondo a Lei qualquer prazo para a reclamação da omissão de bens, poderá  a mesma ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos presentes autos de inventário por óbito de M, M S, M R e B, no qual exerce funções de cabeça de casal o interessado J, em 24 de setembro de 2018 foi proferida sentença homologatória da partilha a qual consta de fls 1172 e verso.

Os interessados F e C interpuseram recurso de Apelação de tal decisão bem como das seguintes decisões interlocutórias proferidas no âmbito do inventário:

I)Despacho exarado nos autos a fls 678 datado de 22 de Janeiro de 2014, que rejeitou o requerimento apresentado pela ora Recorrente F, cfr fls 671 a 677, de reclamação e pedido de esclarecimentos do Relatório de Avaliação junto aos autos;

ii) Despacho exarado nos autos, fls 873 a 881, datado de 27 de Outubro de 2016 que indeferiu o requerimento apresentado pelo ora Recorrente, C, que pugnava pelo cumprimento do disposto no art. 2109º do CC (o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão);

iii) Despacho exarado nos autos, a fls 994, datado de 15 de Maio de 2017 ( e não 16 de Maio, como por manifesto lapso vem indicado no Acórdão em crise) que indeferiu o requerimento apresentado pelos ora Recorrentes, F eC, que denunciava a omissão de uma doação em dinheiro efetuada a um presuntivo herdeiro legitimário;

iv) Despacho determinativo da forma à partilha.

A Apelação veio a ser julgada improcedente por Acórdão da Relação de Évora de fls 1218 a 1230, do qual, de novo irresignados, vieram aqueles Interessados interpor recurso de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- Vem o presente recurso interposto do douto acórdão exarado pelo Tribunal da Relação de Évora, que confirmou a sentença homologatória da partilha e as decisões interlocutórias proferidas nos autos, mantendo integralmente as decisões exaradas na 1ª instância na comarca de Faro.

- Encontra-se pendente de decisão final o incidente de prestação de contas que corre por apenso aos presentes autos de inventário.

- Nesse incidente está em causa um crédito da recorrente F sobre a herança.

- Tal crédito, a existir, constitui encargo da herança e devia ter sido considerado nas operações de partilha.

- A omissão do julgamento da prestação de contas antes de decidida a causa principal, que daquela depende, consubstancia, no entendimento dos recorrentes, nulidade da sentença, bem como das operações de partilha efectuadas nos autos.

- Em sede de conferência de interessados foi aprovado passivo, reconhecido judicialmente, que não foi considerado nas operações de partilha.

- Houve omissão do cálculo e pagamento do passivo, o que constitui nulidade.

- O Tribunal a quo considerou que as nulidades invocadas pelos recorrentes não se enquadram em nenhuma das previsões do art. 615° do CPC, julgando-as improcedentes.

- Mais considerou que a sentença homologatória da partilha tem uma estrutura muito simples, não tendo que se pronunciar sobre as questões alegadas pelos recorrentes.

- Entendem estes que existe contradição nos fundamentos do douto acórdão recorrido quanto a esta matéria.

- E que as nulidades que invocaram se incluem na previsão da alínea d) do n°1 do art. 615° do CPC, devendo ser consideradas.

- Nos presentes autos foi, a requerimento da ora recorrente, efectuada avaliação dos imóveis pertencentes à herança bem como - a requerimento de apenas alguns dos interessados - dos imóveis doados em vida dos inventariados a dois herdeiros legitimários.

- Tal avaliação, no entender da recorrente  F continha diversas contradições, divergências, inexactidões, erros de cálculo, medições erradas de áreas e - relativamente a uma das verbas - pressupostos de avaliação inexistentes.

- O que os recorrentes entendem constituir nulidade por falta de pronúncia.

- Nos pontos 89 a 128 das suas alegações de recurso de Apelação os recorrentes arguiram a violação de uma norma da lei substantiva (art. 2109° do Código Civil).

- Com efeito, dispõe este artigo que o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão.

- Nos presentes autos, a avaliação efectuada considerou como valor dos bens o valor actual (20 anos depois da abertura da sucessão).

- Entendem os recorrentes que a norma em causa tem carácter imperativo e não permite derrogações nem interpretações casuísticas que desvirtuem a vontade do legislador.

- Pelo que devia ter sido aplicada.

- Houve omissão na partilha de uma doação em dinheiro a favor de um presuntivo herdeiro legitimado.

- Essa doação foi relacionada pela ora recorrente quando desempenhava o cargo de cabeça-de-casal nos autos.

- E não foi contestada por nenhum dos interessados, nem sequer pelo respectivo beneficiário.

- Quando a ora recorrente pediu escusa do cargo de cabeça-de-casal por ter atingido os 72 anos de idade,

- O novo cabeça-de-casal apresentou nova relação de bens onde tal doação foi omitida.

- A ora recorrente não se apercebeu de tal omissão.

- Mas veio apontá-la antes da elaboração do mapa de partilha.

- Bastava actualizar o montante da doação em dinheiro, nos termos da lei, e incluí-la no mapa de partilha, obviando a que tenha que se requerer e efectuar uma partilha adicional para inclusão de tal doação, mas a pretensão dos recorrentes foi indeferida.

- Consideram estes que o despacho de indeferimento se encontra ferido de nulidade por falta de fundamentação.

- Nulidade que vieram arguir na 2ª instância, requerendo que fosse ordenada a inclusão de tal doação no mapa de partilha.

- Tal arguição de nulidade não foi apreciada pelo Tribunal "a quo", apesar de constar das conclusões do recurso e tal falta de pronúncia consubstancia nulidade parcial do douto acórdão recorrido.

- Para além disso, consideram os recorrentes que existe contradição na fundamentação do acórdão recorrido na apreciação desta matéria.

- Devia ter-se considerado a invocação da omissão da verba como uma reclamação à relação de bens, tramitando-a em conformidade.

- Resulta da pág. 25 do acórdão recorrido – 3º parágrafo - que houve erro de julgamento, resultante de lapso na leitura ou entendimento das alegações dos recorrentes, e tal erro terá, com certeza, condicionado a apreciação do julgador na 2ª instância, na matéria respeitante à imputação das doações e à redução das liberalidades por inoficiosidade.

- A ter sido devidamente apreciada a questão, e sem esse erro, seria diferente o julgamento na 2ª instância e provavelmente procedente a pretensão dos recorrentes.

- As 3 doações de imóveis referidas nos autos, efectuadas a favor de dois herdeiros legitimários, foram efectuadas por conta da quota disponível dos doadores.

 - A doação por conta da quota disponível equivale a uma dispensa de colação e corresponde, normalmente, a uma vontade dos doadores de beneficiarem algum ou alguns dos herdeiros, afastando a igualdade na partilha e a divisão igualitária dos quinhões hereditários.

- O nosso ordenamento jurídico respeita essa vontade, mas impõe como limite a intangibilidade da legítima de alguns herdeiros.

- Sendo que, as doações efectuadas em vida a algum ou a alguns dos herdeiros legitimários poderão ter que ser reduzidas, se houver inoficiosidade (art. 2108° CC), ou seja, se afectarem a legítima de algum dos herdeiros (art. 2168° do CC) e nesse caso, serão reduzidas as doações, com os critérios apontados no art. 2171° e segs. do CC, no que for necessário para que a legítima ou legítimas sejam preenchidas (art. 2169° CC).

- Ora, no caso dos autos, os cálculos efectuados no mapa de partilha beneficiam indevidamente o interessado J.

- Com efeito, obrigam a uma redução da doação efectuada à ora recorrente em mais 75.000,00 € do que seria necessário para o preenchimento da legítima daquele interessado.

- E beneficiando-o igualmente em relação ao interessado B.

- Com a redução da doação da interessada F, o B ficaria com uma legítima de 133. 474,07 € (a que lhe é devida).

- Mas o interessado J ficaria com o valor de 208.474,07 € (mais do que a sua legítima) e isto porque não foi considerada na sua herança a doação que também recebeu de seus pais no valor de 75.000,00 € (verba 6 da relação de bens).

- A falta de consideração deste valor tem como consequência uma redução por inoficiosidade da doação a  F que vai muito para além do que é necessário,

- Pois o interessado J apenas necessita do valor de 524,07 € para ver preenchida a sua legítima.

- Julgando como julgou violou o Tribunal a quo as disposições dos artigos 2068°, 2108°, n°2, 2109°, 2162°, 2168° e 2169°, todos do Código Civil e 485°, n°2, 608°, n°2, 615°, n°1, alínea d) e 1375°, n°2, todos do CPC.

Não foram apresentadas contra alegações pelos restantes Interessados.

II Põem-se como problemas a resolver no âmbito da presente Revista saber: i) da influência do processo de prestação de contas na marcha do inventário; ii) da nulidade da avaliação efectuada aos imóveis; iii) da omissão imputada à relação de bens; iv) dos erros de cálculo existentes no mapa da partilha e sua influência na composição dos quinhões dos Interessados.

1.Da pendência do processo de prestação de contas e sua influência no desfecho do inventário.

Insurgem-se os Recorrentes contra o Acórdão proferido, além do mais, porque no seu entendimento encontrando-se pendente um processo de prestação de contas instaurado pela aqui Recorrente F no qual está em causa um eventual crédito desta sobre a herança, a omissão do seu julgamento antes de decidida a causa principal, que daquela depende, consubstancia, no entendimento dos Recorrentes, nulidade da sentença, bem como das operações de partilha efectuadas nos autos.

As causa de nulidade da sentença são aquelas que vêm consignadas no artigo 615º, nº1, alíneas a) a e), do CPCivil, sendo certo que, sem embargo de os Recorrentes não indicarem qual das nulidades aí consignadas padecerá a sentença homologatória da partilha e consequentemente o Acórdão e confirmou aquela, presumimos que se trate da constante na alínea d), de omissão de pronúncia ou excesso da mesma, consoante se entenda, que não houve pronunciamento sobre a questão da relevância da prestação de contas instaurada por apenso aos autos de inventário pela Recorrente, devendo tê-lo havido e/ou ao pronunciar-se sobre a partilha, sem aquele elemento entendido como relevante para o desfecho do resultado da mesma, o Tribunal terá excedido os seus limites de cognição.

Porém, a questão aqui suscitada em sede de inventário encontra-se deslocada, já que, se os Recorrentes entendiam que a mesma poderia constituir uma questão prejudicial em relação a estes autos deveriam tê-la suscitado no seu âmbito, o que se não mostra terem feito, nos termos do normativo inserto no artigo 272º, nº1 do CPCivil, de onde, a suscitação ora efectuada carecer de fundamento legal, mormente em sede de vício susceptível de poder anular a sentença homologatória da partilha.

De outra banda, falece o argumentário da Recorrente quando pretende que tal crédito, a existir, constitui encargo da herança e devia ter sido considerado nas operações de partilha, sendo em sede de conferência de interessados foi aprovado passivo, reconhecido judicialmente, que não foi considerado, tendo havido omissão do cálculo e pagamento do passivo, o que constitui nulidade, já que, na acta de conferência de interessados havida em 12 de Setembro de 2012, constante de fls 620 a 622, apenas se reconheceu judicialmente a quota parte do passivo relativo aos Interessados que aprovaram as dividas, nos termos dos artigos 1356º e 1354º do CPCivil e no que diz respeito à quota parte da Interessada F, aqui Recorrente, o ficou decidido que se não conhecia da sua existência, nos termos do artigo 1355º do CPCivil, por as alegadas dívidas não estarem documentalmente provadas, o que significa que o passivo então aprovado e não aprovado, ficou definitivamente definido em termos de inventário, sem prejuízo de acções subsequentes a intentar contra os herdeiros.

  

Improcede, pois, a arguida nulidade.

2.Da nulidade imputada à avaliação efectuada.

Insurgem-se os Recorrentes contra a decisão proferida uma vez que no seu entender o relatório da avaliação efectuada continha diversas contradições, divergências, inexactidões, erros de cálculo, medições erradas de áreas e - relativamente a uma das verbas - pressupostos de avaliação inexistentes, o que entendem constituir nulidade por falta de pronúncia e por isso nos pontos 89 a 128 das suas alegações de recurso de Apelação os recorrentes arguiram a violação de uma norma da lei substantiva o disposto no artigo 2109° do CCivil, no qual se preceitua que o valor dos bens doados é o que eles tiverem à data da abertura da sucessão, tendo a avaliação efectuada considerou como valor dos bens o valor actual, 20 anos depois da abertura da sucessão, sendo que a norma em causa tem carácter imperativo e não permite derrogações nem interpretações casuísticas que desvirtuem a vontade do legislador.

Pretendem os Recorrentes assim por em crise o despacho exarado nos autos a fls 678, datado de 22 de Janeiro de 2014, que rejeitou o requerimento apresentado pela ora Recorrente F, cfr fls 671 a 677, de reclamação e pedido de esclarecimentos do Relatório de Avaliação junto aos autos de fls 628 a 662 e que teve como objecto os imóveis que constituíam as verbas 1 a 7 da relação de bens.

No seu requerimento de fls 671 a 676 a aqui Recorrente suscitou várias dúvidas relativamente ao relatório apresentado, mormente no que tange aos valores atribuídos, concluindo pela notificação do Perito para as esclarecer.

No auto de avaliação elaborado pelo Perito nomeado pelo Tribunal, relativamente a vários imóveis relacionados e apresentado em 3 de Março de 2013, foi atribuído ao imóvel descrito na verba n.º7, Misto r82-Z e u390 o valor de €300.000, valor este objecto de impugnação por banda da Recorrente, pois tratar-se-ía de um valor actualizado e não o valor do imóvel à data da abertura da sucessão.

Vejamos.

Atenta a data de instauração do processo, são-lhe aplicáveis as normas decorrentes do CPCivil com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.° 227/94, de 8 de Setembro.

Resulta do artigo 1353º, na redacção daquele diploma, que os assuntos a submeter à conferência de interessados, eram os seguintes, no que interessa à solução da problemática aqui em discussão:

«1 - Na conferência podem os interessados acordar, por unanimidade, e ainda com a concordância do Ministério Público quando tiver intervenção principal no processo, que a composição dos quinhões se realize por algum dos modos seguintes:

a) Designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados;

b) Indicando as verbas ou lotes e respectivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objecto de sorteio pelos interessados;

c) Acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados.

2 - As diligências referidas nas alíneas a) e b) do número anterior podem ser precedidas de arbitramento, requerido pelos interessados ou oficiosamente determinado pelo juiz, destinado a possibilitar a repartição igualitária e equitativa dos bens pelos vários interessados.

3 - À conferência compete ainda deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

4 - Na falta do acordo previsto no n.º 1, incumbe ainda à conferência deliberar sobre:

a) As reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados;

b) Quaisquer questões cuja resolução possa influir na partilha.

5 - A deliberação dos interessados presentes, relativa às matérias contidas no n.º 4, vincula os que não comparecerem, salvo se não tiverem sido devidamente notificados.

(…)».

A avaliação dos imóveis que consubstanciam as verbas nºs 1 e 2 da relação de bens foi requerida em sede de conferência de interessados, cfr fls 620 a 622, em 12 de Setembro de 2012, pela Interessada F  a qual, no acto, declarou que os valores ali referidos eram inferiores ao seu valor real. Por seu turno o Cabeça de Casal J e o Interessado B, suscitaram o alargamento da avaliação aos restantes verbas da relação de bens referentes ao imobiliário, diligência essa que foi deferida na sua totalidade.

Como deflui inequivocamente do supra extractado normativo, é à conferência de interessados que compete deliberar das reclamações deduzidas sobre o valor atribuído aos bens relacionados e sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança, não sendo o arbitramento realizado, objecto de quaisquer outras suscitações, a não ser, como se atentou no Aresto recorrido, eventualmente, a reclamação contra alguma deficiência, contradição ou obscuridade, ou que as conclusões não foram devidamente fundamentadas ao abrigo do normativo inserto no artigo 587º do CPCivil pretérito (hoje o artigo 485º, nº1), por aplicação analógica, situação essa que não foi considerada pela Recorrente.

Assim sendo, não obstante o indeferimento de que foi alvo a pretensão da Recorrente, cfr despacho de fls 678, poderia a mesma ressuscitar o problema, aquando da conferência de interessados designada para o dia 24 de Junho de 2016, através do despacho que faz fls 811 e 812, que fixou o respectivo objecto, isto é: i) obter acordo quanto à designação das verbas da composição dos quinhões e dos valores pelo que deveriam ser adjudicados; ii) obter acordo quanto à indicação das verbas ou lotes e respectivos valores para que pudessem ser objecto de sorteio; ou iii) obter acordo quanto à venda total ou parcial dos bens.

Não obstante a Recorrente em sede de conferência de interessados nada tenha reclamado sobre os valores da avaliação com os quais não estava de acordo, como decorre das actas das conferências de fls 828 e 829, esta ocorrida naquela data, e fls fls 870 a 872, em 21 de Outubro de 2016, foram aquelas diligências suspensas devido ao requerimento então apresentado pelos Interessados C, este também Recorrente, e P, os quais pretendiam que se tivesse em consideração o valor indicado pelo cabeça de casal em 13 de Junho de 2011, quantos às verbas 5 e 6, e que fosse ordenada nova avaliação à verba nº7, a fim de apurar o seu valor à data da abertura da sucessão – 1993 – caso os Interessados não chegassem a acordo quanto ao respectivo valor.

O requerimento assim formulado foi objecto de indeferimento através do despacho de fls 873 a  881, datado de 27 de Outubro de 2016, onde se determinou que o valor dos bens que compunham o acervo hereditário seria o decorrente do relatório de avaliação.

A conferência de interessados prosseguiu nos dias 2 de Março de 2017 (acta de fls 951 a 954) e em 6 de Abril de 2017 (acta de fls 961 a 963), não tendo havido qualquer acordo dos Interessados e foram licitadas as verbas 1 a 4; as verbas 5 a 7, não foram licitadas, tendo os donatários manifestado a intenção que as mesmas lhes fossem adjudicadas e nenhum dos presentes a tal se opôs.

O que deflui da conferência de interessados é o seguinte: quanto às verbas 1 a 4 não ocorreu qualquer problema, porquanto as mesmas foram objecto de licitação, decorrendo o respectivo valor do aumento dali resultante; no que tange às restantes verbas, 5 a 7, porque não licitadas, mantiveram na sequência do despacho de fls 873 a 881, o valor que lhes foi atribuído pela avaliação efectuada, valor esse que vem questionado no recurso.

Ora, a decisão recorrida, neste conspectu, parece ter esquecido o teor do artigo 1362º do CPCivil, o qual preceitua a propósito das reclamações efectuadas contra o valor atribuído aos bens :

«1 - Até ao início das licitações, podem os interessados e o Ministério Público, quando tenha intervenção principal no inventário, reclamar contra o valor atribuído a quaisquer bens relacionados, por defeito ou por excesso, indicando logo qual o valor que reputa exacto.

2 - A conferência delibera, por unanimidade, sobre o valor em que se devem computar os bens a que a reclamação se refere.

3 - Não se altera, porém, o valor se algum dos interessados declarar que aceita a coisa pelo valor declarado na relação de bens ou na reclamação apresentada, consoante esta se baseie no excesso ou no insuficiente valor constante da relação, equivalendo tal declaração à licitação; se mais de um interessado aceitar, abre-se logo licitação entre eles, sendo a coisa adjudicada ao que oferecer maior lanço.

4 - Não havendo unanimidade na apreciação da reclamação deduzida, nem se verificando a hipótese prevista no número anterior, poderá requerer-se a avaliação dos bens cujo valor foi questionado, a qual será efectuada nos termos do artigo 1369.º

5 - As reclamações contra o valor atribuído aos bens podem ser feitas verbalmente na conferência.».

Quer dizer, não obstante as reclamações havidas contra os valores das verbas 5 a 7, não se mostra ter havido pronunciamento por parte dos Interessados presentes na conferência sobre o dissenso, maxime se havia ou não de se considerar o valor indicado pelo Cabeça de Casal em 13 de Junho de 2011 quantos às verbas 5 e 6, nem em conformidade com o segmento normativo aludido naquele nº4, foi ordenada a avaliação da verba nº7, tal como havia sido requerido pelos Recorrentes e pelo Interessado P, a fim de se apurar o seu valor à data da abertura da sucessão, entendendo-se esta avaliação, embora fosse uma segunda, como a avaliação injuntivamente imposta, por se ter frustrado o acordo acerca da partilha se a conferência de interessados não alcançar unanimidade na atribuição do valor por que os bens devem ser adjudicados e nenhum dos interessados declarar que os aceita pelo valor declarado na relação de bens ou na reclamação apresentada.

É que, resultando do artigo 2109º, nº1 do CCivil que o valor dos bens doados é o que os mesmos tiverem à data da abertura da sucessão, e tendo advindo da avaliação efectuada um valor superior, contestado pelos Recorrentes e demais Interessados, é evidente que esse valor nunca poderia ser tomado em atenção para efeitos de partilha como ordenado foi.

Este regime específico do processo de inventário não se coaduna com o regime geral das avaliações, nomeadamente, quanto à necessidade de requerer uma segunda avaliação no prazo de dez dias a contar da notificação do resultado da primeira avaliação, nos termos dos dispositivos aludidos nos artigos 589º a 591º do CPCivil, o que significa que a decisão que indeferiu, sem mais, aquela diligência, não se pode manter.

Em tema de processo de inventário há lugar a uma segunda avaliação quando os interessados, na conferência, não acordem no valor a atribuir aos bens e requeiram a sua efectivação, cfr Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume II 203/204.

Uma vez que não se mostra ter havido acordo naquela conferência, quanto ao valor das verbas 5 a 7, nem foi ordenada a avaliação da verba 7, sobre a qual incidiu uma reclamação contra o seu excesso, têm de proceder, necessariamente, por aqui, as conclusões de recurso.

3.Da omissão havida na relação de bens.

Os Recorrentes impugnam ainda o Acórdão, na parte em que indeferiu o pedido formulado de inclusão de uma doação em dinheiro a favor de um presuntivo herdeiro legitimado, a qual havia sido relacionada pela Recorrente quando desempenhava o cargo de Cabeça de Casal nos autos e não foi contestada por nenhum dos Interessados, nem sequer pelo respectivo beneficiário, sendo que o novo Cabeça de Casal apresentou nova relação de bens onde tal doação foi omitida, e porque não se apercebeu de tal omissão a Recorrente veio apontá-la antes da elaboração do mapa de partilha, o que foi indeferido pelo Tribunal.

Como bem se dissertou no Acórdão sob censura, a Lei não impõe qualquer prazo para a reclamação da omissão de bens, a qual poderá ser efectuada até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, citando para o efeito Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol I, 525 e o Ac STJ de 21 de Janeiro de 2003 (Relator Silva Salazar), o que decorre do artigo 1348º, nº6 do CPCivil («As reclamações contra a relação de bens podem ainda ser apresentadas posteriormente, mas o reclamante será condenado a multa, excepto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio.»).

Contudo, acabou aquele Aresto por confirmar a decisão de primeiro grau, mantendo o indeferimento do questionado pela Recorrente, entendendo que não tinha havido uma qualquer reclamação quanto à falta de relacionação de bens, mas antes «[l]imitaram-se a vir dizer a “situação que não foi devidamente explicada nos autos”, pretendendo um esclarecimento. E assim sendo, foi bem indeferida essa pretensão, não merecendo censura o despacho recorrido.».

Atendendo a todo o circunstancialismo que envolveu a substituição dos cabeça de casal, com a susbstituição das relações de bens apresentadas e os sucessivos requerimentos apresentados, afigura-se-nos que o indeferimento encetado pelas instâncias, neste conspectu, assume contornos excessivamente formais, incompatíveis com as boas práticas ligadas à simplificação e aos princípios da colaboração e agilização processual.

Procedem pois as conclusões quanto a este ponto, devendo ser considerado o requerimento formulado pela Recorrente, com as consequências daí decorrentes.

4.Cálculos efectuados no mapa.

Imputam os Recorrentes vários erros de cálculo na partilha efectuada, erros esses que afectaram a composição dos quinhões atribuídos aos Interessados.

No que toca a este particular, verifica-se que a elaboração do mapa da partilha, bem como a respectiva sentença homologatória que sobre o mesmo irá incidir, mostra-se por ora posta em causa, face à solução dada às anteriores questões.

Isto é, cumpre primeiramente ter em atenção a avaliação das verbas 5 a 7 e a reclamação sobre a omissão da doação, devendo ser dada, na oportunidade, resolvidas que estejam essas questões, continuação à conferência de interessados, a fim de decidir sobre as aludidas verbas, ficando prejudicada pois, a apreciação das demais problemáticas, face à solução que irá incidir sobre aqueloutras.

III Destarte, concede-se parcialmente a Revista, anulando-se a decisão ínsita no Acórdão recorrido e em consequência a sentença homologatória da partilha, o despacho exarado nos autos a fls 994, datado de 15 de Maio de 2017 que indeferiu o requerimento apresentado pelos Recorrentes de reclamação da omissão de uma doação, bem como o despacho fls 873 a 881, datado de 27 de Outubro de 2016 e a decisão produzida na conferência de interessados havida em 6 de Abril de 2017, no que toca às verbas 5 a 7 e ao cumprimento do preceituado no artigo 1373º, nº1 do CPCivil, quanto à audição dos interessados quanto à forma a dar à partilha, devendo em sua substituição:

i)ser conhecida a omissão apontada à relação de bens;

ii) ser efectuada  a avaliação solicitada à verba 7;

iii)renovar-se, em conformidade, a continuação da conferência de interessados de 6 de Abril de 2017, dando integral cumprimento ao preceituado no artigo 1362º, nºs 2, 3 e 4 do CPCivil;

iv)cumprir-se, subsequentemente, os demais trâmites legais, vg, audição sobre a forma à partilha, despacho determinativo, mapa da partilha e sentença homologatória da mesma.

Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 12 de Novembro de 2019

(Ana Paula Boularot)

(Fernando Pinto de Almeida)

(José Rainho)