Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2953/17.0T8BCL.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: CONTRATOS DE EMPREGO-INSERÇÃO+
ACIDENTE DE TRABALHO
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DO TRABALHO
Data do Acordão: 05/19/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. O Autor estava a exercer funções, ao abrigo de um contrato atípico, “contrato-emprego-inserção+”, quando sofreu um acidente que lhe causou lesões e uma incapacidade, que pretende ver reconhecida e avaliada, para além dos danos não patrimoniais, que pretende ver indemnizados.
II. Temos assim um pedido e uma causa de pedir que nos permitem concluir pela competência dos Tribunais do Trabalho, na medida em que o artigo 126.º, n.º 1, al. c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, dispõe que é competência das secções do Trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais.
Decisão Texto Integral:




Processo n.º 2953/17.0T8BCL.G1.S1

Recurso de Revista

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório

AA, que foi admitido pelo Município ....., ao abrigo de um contrato de emprego-inserção+, intentou ação especial emergente de acidente de trabalho, contra:

Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., pedindo:

a) O pagamento de quantia não inferior a € 6.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

 b) O pagamento que se vier a liquidar em sede de execução de sentença em consequência da incapacidade que se vier a apurar, bem como das despesas com deslocações hospitalares, consultas, exames médicos e cirurgias que se venham a revelar absolutamente necessários.

O Tribunal de 1ª instância proferiu despacho saneador-sentença onde julgou o Tribunal do Trabalho absolutamente incompetente para conhecer da ação e absolveu os réus da instância.

Na sequência de um recurso interposto pelo Autor, o Tribunal da Relação proferiu acórdão em que, considerou que o Tribunal do Trabalho não era o competente materialmente e confirmou a sentença recorrida.

Inconformado, o Autor interpôs recurso de revista para este Tribunal, tendo apresentado as seguintes conclusões:

A) Ocorrendo a chamada “dupla conforme” em que o Acórdão recorrido confirmou, sem voto de vencido, a sentença proferida na primeira instância, verdade também que aquele mesmo douto Acórdão fundamentou a sua decisão em argumentos que não estão devidamente concretizados, sendo irrecusável que a decisão recorrida, tão carecida da necessária e conveniente fundamentação, redunda, todavia em graves prejuízos para o recorrente, o que se reputa totalmente injustificado e sem o necessário e melhor esclarecimentos dos seus legais fundamentos, tudo a requerer uma melhor aplicação do direito, nos termos do disposto no art.º 672.º, n.º 1, al. a), do CPC.

B) A questão em apreciação revela-se de extrema importância pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e também na jurisprudência com decisões em ambos os sentidos.

C) O Recorrente intentou ação de processo comum, em 11/12/2017, nos juízos cíveis do Tribunal Judicial da Comarca ..., a qual correu assim inicialmente os seus termos pelo Juízo Local Cível ..., Juiz ..., sob o nº …, tendo sido proferido, em 28/06/2018, despacho saneador que, oficiosamente, decidiu julgar por verificada a exceção dilatória de incompetência absoluta e considerou competente o Juízo do Trabalho – ..., do Tribunal da Comarca ..., para onde forma remetidos os autos.

D) A determinação da competência material do tribunal deve assentar na estrutura do objeto do processo, envolvida pela causa de pedir e pelo pedido formulado na petição inicial.

E) O acervo fáctico descrito na petição inicial, os respetivos enquadramentos jurídicos e normativos e os pedidos formulados pelo autor, conclui-se qua a apreciação e a decisão do caso sub iudice competirá ao Juízo de Trabalho territorialmente competente.

F) O Juízo do Trabalho ..., Juiz …, entendeu que tal competência para apreciação e decisão do acidente em apreço cabe na competência residual da jurisdição cível.

G) Entende o Recorrente que o tribunal do trabalho é o absolutamente competente para prosseguimento dos presentes autos, pois, mesmo e apesar do recorrente, à data do acidente ser beneficiário do Rendimento Social de Inserção, o acidente por si sofrido enquanto exercia funções para o Município de ..., deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei nº 98/2009, de 4/09, neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 053/17, de 25/01/2018 e o Acórdão do Tribunal dos Conflitos 015/17, de 19/10/2017.

H) Também o Acórdão do Tribunal de Conflitos de 19/10/2017, proferido no âmbito do Proc. nº 15/2017, que numa situação idêntica à reportada nos presentes autos considerou que o acidente sofrido pelo trabalhador como acidente de trabalho, nos termos da Lei nº 98/2009, concretamente à luz dos artigos 3º que se refere ao âmbito da lei e da noção conceito de acidente de trabalho que resulta dos artigos 8º e 9º do referido diploma.

I) Igualmente num recente Acórdão do TRP de 10/07/2019, Proc. 1942/18.2T8VNG.P1 “atenta a força persuasiva que tem um Acórdão do Tribunal de Conflitos, será de seguir o seu posicionamento. Assim e em suma, havendo contratos de emprego-inserção uma dependência funcional e uma relação jurídico de subordinação por parte do seu beneficiário em relação à entidade promotora na prestação do trabalho socialmente necessário, podemos considerar que existe uma relação laboral sui generis. Sendo o beneficiário de tais contratos de emprego-inserção um trabalhador por conta de outrem em sentido lato, o sinistro ocorrido na execução desse contrato deve ser considerado como um acidente de trabalho, sendo os juízos do trabalho os competentes para conhecer das suas consequências”.

J) Atenta a causa de pedir e os pedidos formulados na p.i., que versam sobre direitos conferidos pela Lei n.º 98/2018, o tribunal do trabalho é o competente em razão da matéria para conhecer a presente ação, não se compreendendo o porquê da improcedência do recurso, e consequentemente confirmação da decisão recorrida, quando o próprio Tribunal da Relação de Guimarães tem proferido inúmeros acórdãos no sentido de considerar o tribunal do trabalho competente para apreciar e decidir estas questões.

K) O Tribunal fez errada interpretação e aplicação da lei sendo o acórdão recorrida passível de censura, o que conduz, sem prejuízo de melhor opinião, à procedência do presente recurso, estão preenchidos os requisitos de que depende a admissão da presente revista excecional, estando devidamente alegada matéria factual adequada e idónea (art.º 672.º, nº 2, al. a), do CPC).

L) Os presentes autos foram remetidos da jurisdição cível para este Juízo do Trabalho, pelo que, e salvo o devido respeito, caberia a este Juízo do Trabalho remeter os presentes novamente à jurisdição cível para posterior tramitação ou remeter os autos ao Venerando Tribunal da Relação de Guimarães para dirimir o presente conflito de competências, nos termos do disposto no art.º 111.º do CPC, contudo tal não aconteceu.

M) Atento o exposto, e salvo o devido respeito, estamos perante um conflito de competência, a ser dirimido pelo Tribunal ad quem, nos termos do disposto no art.º 111.º do CPC, atentas as decisões proferidas, conflito esse que urge dirimir.

N) Por tudo isto, o Douto Acórdão violou os artigos 3.º, 8.º e 9.º da Lei nº 98/09, de 04/09, o artigo 11º do Código do Trabalho, o artigo 111º do CPC e o artigo 126º, nº 1, al. c), da LOFTJ, pelo que deve ser revogado.

O) Assim, o Tribunal fez errada interpretação e aplicação da lei sendo o acórdão recorrida passível de censura, o que conduz, sem prejuízo de melhor opinião, à procedência do presente recurso, estão preenchidos os requisitos de que depende a admissão da presente revista excecional, estando devidamente alegada matéria factual adequada e idónea (art.º 672.º, n.º 2, al. a), do CPC).

TERMOS EM QUE, deve ser dado provimento ao presente recurso de revista excecional e, em consequência, determinar o prosseguimento dos autos, julgando o Tribunal do Trabalho absolutamente competente para conhecer a presente ação.

Se assim, não se entender, atento o exposto e o facto dos presentes autos terem já sido remetidos dos juízos cíveis (onde foram intentados inicialmente), e por se verificar a existência de um conflito negativo de competência, se requer a V. Exas. se dignem dirimir o presente conflito.”

Nas contra-alegações a Ré/Seguradora pugnou pela inadmissibilidade da revista, atento o valor fixado à ação de € 6.000,00. O Réu/Município ... pugnou pela manutenção do acórdão recorrido.

A presente Revista, não obstante, ter sido interposta como revista excepcional, sempre seria admissível, independentemente do valor da causa, bem como da existência, ou não, de dupla conforme, pois estão em causa regras de competência material, pelo que o recurso é sempre admissível, ao abrigo do art.º 629.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido de considerar que o Tribunal do Trabalho é o competente para julgar esta causa, porquanto o acidente em causa, deve ser qualificado como um acidente de trabalho.

II.Fundamentação

Tal como resulta das conclusões do recurso de revista que delimitam o seu o objeto, a questão que importa apreciar é de saber se o Tribunal do Trabalho é, ou não, o competente para julgar um acidente ocorrido durante o exercício de funções ao abrigo de um “contrato de emprego-inserção+.

Fundamentos de facto

A fundamentação de facto relevante para a apreciação deste recurso é aquela que resulta da alegação do autor e da documentação junta aos autos:

- O Autor celebrou em maio de 2016, um “Contrato Emprego-Inserção+” com o Município  ...;

 - No âmbito do exercício de funções decorrente desse contrato, mais concretamente, quando se encontrava a recolher lixo, sofreu um acidente, que lhe provocou lesões incapacitantes, nomeadamente, perda de parte de um dedo da mão, sofrendo ainda de dores, perda de mobilidade, angústia pela incapacidade com que ficou, bem como pela insegurança em relação a seu futuro.

- Nessa sequência, o Autor intentou ação declarativa comum na jurisdição cível, sendo que o Juízo Cível, ao qual os autos foram distribuídos, se declarou incompetente em razão da matéria, absolveu as RR. da instância e após transito da decisão, determinou a remessa do processado ao Tribunal do Trabalho; o Tribunal do Trabalho, também se declarou incompetente, o que foi confirmado pelo Tribunal da Relação.

Fundamentos de direito

Da análise da sentença da 1ª instância e do acórdão recorrido que a confirmou, constatamos que ambas as instâncias concluíram que não sendo a relação contratual entre o Autor e o Município de natureza laboral, o acidente sofrido nesse âmbito também não podia ser objeto de apreciação por parte dos Tribunais do Trabalho, porquanto não se estaria perante um acidente de trabalho.

No entanto, para a jurisprudência deste Tribunal, quando se está perante um acidente ocorrido no exercício de funções desempenhadas ao abrigo de um contrato de emprego-inserção+, é aplicável a Lei dos Acidentes de Trabalho e, como tal, o tribunal competente é o Tribunal do Trabalho, a título de exemplo, indicam-se alguns acórdãos do Tribunal de Conflitos que já se pronunciou, diversas vezes, sobre esta questão:

Em 31 de Janeiro de 2019, por decisão proferida no proc. 040/18 afirmou-se: Cabe aos tribunais judiciais conhecer de ação de condenação em que se pede a uma Câmara Municipal a reparação de danos resultantes de acidente por causa de tarefas exercidas no âmbito de “Contrato de Emprego Inserção+” celebrado com a autora.  Na fundamentação expendida neste acórdão, pode ler-se: “O acidente em causa observa os requisitos suficientes e necessários para ser considerado como um acidente de trabalho nos termos da Lei n.º 98/2009 e, em virtude da relação do regime destes acidentes com o regime jurídico do contrato de trabalho, por força do disposto no art.º 4.º, n.º 4, al b), do ETAF, a competência para conhecer do litígio sub judice deve ser atribuída aos tribunais judiciais.

Em 25 de Janeiro de 2018, no proc. 053/17, afirmou-se: “O acidente sofrido por um trabalhador, beneficiário do Rendimento Social de Inserção, a exercer funções para um município, no âmbito de um contrato emprego-inserção+, no tempo e no local de trabalho, deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 04.09.

Em 19 de outubro de 2017, no processo n.º 015/17, afirmou-se: I - O acidente sofrido por um trabalhador, beneficiário do Rendimento Social de Inserção, a exercer funções de pedreiro, para um município, no âmbito de um “contrato emprego-inserção”, no tempo e no local de trabalho, deve ser considerado como acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro. II - O município, enquanto destinatário do trabalho prestado, é responsável pela reparação das consequências do acidente referido no número anterior, nos termos do n.º 1 do artigo 3.º da referida Lei.

 No ano de 2020, foram também proferidos, entre outros, no mesmo sentido os seguintes acórdãos do Tribunal de Conflitos:

 A 3 de Novembro de 2020, no proc. n.º 044/19, afirmou-se: “O Tribunal de Conflitos, (…) decide atribuir a competência em razão da matéria para o conhecimento da reparação reclamada pela autora nesta ação, participante na ação emergente de acidente que sofreu no local e no tempo da respetiva prestação no âmbito do “contrato emprego-inserção”, aos tribunais da jurisdição comum, concretamente ao Juízo do Trabalho de ...”

A 25 de Junho de 2020, no proc. n.º 050/19, afirmou-se: (…) mesmo que se entendesse que certos traços deste contrato, por exemplo, a possibilidade reconhecida à entidade promotora de resolver o contrato mesmo na presença de faltas justificadas (artigo 11.º, n.º 2, alínea c) - não permitiriam a sua qualificação como contrato de trabalho, ainda que especial, tal não seria, de todo, obstáculo à aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho. Com efeito o âmbito de aplicação desta não se restringe às situações de trabalho subordinado. Resulta inequivocamente que o regime previsto na Lei n.º 98/2009 “abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos” (artigo 3.º, n.º 1), devendo sempre que a referida lei não imponha entendimento diferente presumir-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços. Mas a Lei vai ainda mais longe e, além destas situações de dependência económica, estende o seu âmbito de aplicação às situações do praticante, aprendiz e estagiário e a situações de formação profissional que define de modo muito amplo, como tendo por “finalidade a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador”. Acresce que é a própria Portaria n.º128/2009 que impõe à entidade promotora a celebração de um seguro “que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário” (artigo 14.º n.º 3). Esta menção aos riscos que ocorram “durante e por causa” do exercício das referidas atividades deve ser lida à luz do conceito de acidente de trabalho que decorre dos artigos 8.º e 9.º da LAT que é aplicável a acidentes como o dos autos, até porque um acidente de trajeto é ainda um acidente ocorrido “por causa” do trabalho e tal menção deve ser lida atendendo à Constituição da República Portuguesa e ao seu artigo 59º, n.º 1, alínea f).”

Em 25 de Junho de 2020, outros dois acórdãos do Tribunal de Conflitos, com os n.ºs de Proc. 051/19 e 052/19, seguiram o mesmo entendimento,

Do contrato junto aos autos, fls.137, denominado contrato emprego-inserção +, resulta que o mesmo é regido pela Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, alterada pelas Portarias n.º 294/2010, de 31 de maio,  n.º 164/2011, de 18 de abril,  n.º 378-H/2013, de 31 de Dezembro, e n.º 20-B/2014, de 30 de janeiro e regulamentada pelo Despacho n.º 1573-A/2014.

No caso, as diferentes cláusulas do contrato que o Autor celebrou com o Município de ..., transpõem, em parte, o regime legal que consta da referida Portaria. Este contrato insere-se no regime jurídico do Rendimento Social de Inserção criado pela Lei n.º 13/2003, de 21 de maio, fazendo parte do programa de inserção previsto naquele regime, como aliás, resulta da identificação do próprio contrato, onde se pode ler:

CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO +

Celebrado no âmbito da Medida Contrato Emprego-inserção+

Desempregados Beneficiários do Rendimento Social de Inserção e outros desempregados elegíveis”

Previamente ao clausulado pode ler-se que o contrato é celebrado entre o Município de ... e o ora Autor, AA, “no âmbito das Medidas Emprego-Inserção+, que sujeitam às cláusulas seguintes:”

Atentemos agora no clausulado do referido contrato:

CLÁUSULA 1ª

(Objeto)

1. O primeiro outorgante obriga-se a proporcionar ao segundo outorgante, que aceita, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de serviços gerais, no âmbito do projeto por si organizado e aprovado em 06/04/2016, no âmbito da (Portaria 128/2009, de 30 janeiro, alterada e republicada pelas Portarias n.º 294/2010, de 31 de Maio, n.º 164/2011, de 18 de Abril, n.º 378-H/2013, de 31 de Dezembro, n.º 20-B/2014, de 30 de Janeiro e regulamentada pelo Despacho n.º 1573-A/2014, de 30 de Janeiro, pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., adiante designado por IEFP, I.P., nos termos da supramencionada medida.

2. O primeiro outorgante não pode exigir ao segundo outorgante o desempenho de tarefas que não se integrem no projeto aprovado, e as atividades a desenvolver não podem corresponder ao preenchimento de postos de trabalho.

CLÁUSULA 2ª

(Local e horário)

A prestação de trabalho socialmente necessário, referida no número 1 da cláusula primeira, terá lugar no(a) ... e realizar-se-á de acordo com o horário que legal e convencionalmente está em vigor para o setor de atividade onde se insere o projeto da medida contrato emprego-inserção+ (devendo decorrer a tempo completo) e conforme acordado entre as partes no presente contrato, ou seja, entre as 09:00 e as 17:00 (o horário poderá a vir a sofrer alteração dependendo do serviço onde será integrada).

CLÁUSULA 3ª

(Direitos dos beneficiários do rendimento social de inserção e outros desempregados elegíveis)

1. O segundo outorgante tem direito a receber do primeiro outorgante:

a) Uma bolsa de ocupação mensal, de montante igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (fixado em € 419,22);

b) Refeição ou subsídio de alimentação referente a cada dia de atividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na sua falta, ao atribuído aos trabalhadores que exerçam funções públicas:

c) O pagamento das despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de atividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projeto;

d) (… alínea para beneficiários com deficiência e incapacidade)

e) Um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário.

2. O primeiro outorgante compromete-se a respeitar as condições de segurança e saúde no trabalho a que estiver obrigado nos termos legais e convencionais do setor de atividade em que se integra.

3. O segundo outorgante disporá de um período até ao limite de horas correspondentes a 4 dias por mês, para efetuar diligências de procura ativa de emprego, devendo comprovar a efetivação das mesmas.

CLÁUSULA 4ª

(Deveres dos beneficiários, do rendimento social de inserção e outros desempregados elegíveis)

1. São deveres do segundo outorgante:

A) Aceitar a prestação de trabalho necessário no âmbito do projeto, desde que aquele reúna, cumulativamente, as seguintes condições:

a1) Seja compatível com a capacidade física e com a qualificação ou experiência profissional do segundo outorgante;

a2) Consista na satisfação, de necessidades sociais ou coletivas ao nível local ou regional;

a3) Permita a execução das tarefas de acordo com as normas legais de higiene, e segurança e saúde no trabalho;

a4) Não corresponda ao preenchimento de postos de trabalho nos quadros de pessoal do primeiro outorgante.

b) Tratar com urbanidade o primeiro outorgante, seus representantes e demais colaboradores, bem como os outros participantes no projeto;

c) Guardar lealdade ao primeiro outorgante, designadamente, não transmitindo para o exterior informações de que tenha tomado conhecimento durante a execução do projeto;

d) Utilizar com cuidado e zelar pela boa conservação de equipamentos e demais bens que lhe sejam confiados, pelo primeiro outorgante ou seus representantes, no decurso da execução do projeto;

e) Responder, pela forma e no prazo solicitado, a todos os inquéritos relativos ao projeto formulados pelo Serviço de Emprego, após a sua conclusão;

f) Comparecer nos serviços do IEFP, I. P., sempre que for convocado;

g) Aceitar emprego conveniente e/ou formação profissional considerada relevante para a integração no mercado de trabalho, caso lhe venha a ser proposto pelo IEFP, I. P. no decorrer do projeto.

CLÁUSULA 5ª

(Faltas e seus efeitos)

1. As faltas podem ser justificadas ou injustificadas, nos termos gerais aplicáveis à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante.

2. As faltas injustificadas determinam sempre o desconto na bolsa de ocupação mensal atribuída, correspondente ao período de ausência.

3. Constitui causa de rescisão do presente contrato a ocorrência de:

a) Mais de cinco faltas injustificadas seguidas ou interpoladas;

b) Faltas justificadas durante quinze dias consecutivos ou interpolados.

4. As faltas justificadas não retiram ao segundo outorgante o direito à bolsa de ocupação mensal, correspondente aos dias em falta, sem prejuízo do disposto no número anterior.

5. O segundo outorgante não terá direito ao recebimento da bolsa de ocupação mensal, quando seja acionado o seguro, durante o período de falta por motivo de acidente.

6. As faltas por motivo de convocatória pelo IEFP, I.P. tendo em vista a obtenção de emprego ou a frequência de ações de formação profissional, são consideradas faltas justificadas.

CLÁUSULA 6ª

(Suspensão do contrato)

1. O segundo outorgante pode suspender o contrato por motivo de doença ou parentalidade durante um período não superior a seis meses.

2. Durante a suspensão do contrato não é devida pelo primeiro outorgante ao segundo outorgante, a bolsa de ocupação mensal e os restantes apoios previstos.

3. O primeiro outorgante pode suspender o contrato por facto a ele relativo, nomeadamente, por encerramento temporário do estabelecimento onde decorre a atividade, por período não superior a um mês.

4. A suspensão do contrato depende de autorização do IEFP, IP concedida no prazo de 5 dias úteis após o pedido do primeiro ou do segundo outorgante, o qual deve ser formalizado por escrito, indicando o fundamento e a duração previsível da suspensão, com a antecedência mínima de 8 dias úteis ou, quando tal for manifestamente impossível, até ao dia seguinte ao facto que deu origem ao pedido.

CLÁUSULA 7ª

(Cessação e resolução do contrato Emprego-inserção+)

1. O contrato emprego-inserção+ cessa no termo do prazo que foi fixado ou, ainda, quando o segundo outorgante:

a) Obtenha emprego conveniente ou inicie uma ação de formação profissional;

b) Recuse emprego conveniente ou uma ação de formação profissional;

c) Utilize meios fraudulentos nas suas relações com o IEFP, I.P., ou com o primeiro outorgante;

d) Transite para a situação de reforma;

e) Perca o direito ao rendimento social de inserção, por força do disposto no decreto-lei n.º 70/2010, de 16 de junho, nomeadamente, nas situações de alteração de rendimentos.

2. No caso de cessação do presente contrato, por motivos de passagem à situação de reforma ou de integração em ação de formação profissional, através de outra entidade que não o lEFP, I.P., o segundo outorgante obriga-se a comunicar, por escrito, ao primeiro outorgante com a indicação do fundamento e com a antecedência mínima de oito dias.

3. A violação grave ou reiterada dos deveres do segundo outorgante confere ao primeiro outorgante o direito de rescindir o presente contrato, cessando imediatamente todos os direitos dele emergentes.

4. O primeiro outorgante pode proceder à resolução do presente contrato se o segundo outorgante:

a) Utilizar meios fraudulentos nas suas relações como primeiro outorgante;

b) Faltar injustificadamente durante cinco dias consecutivos ou interpolados;

c) Faltar justificadamente durante quinze dias consecutivos ou interpolados;

d) Desobedecer às instruções sobre o exercício da atividade, provocar conflitos repetidos ou não cumprir as regras e instruções de segurança, higiene e saúde no trabalho;

e) Não cumprir o regime de faltas das ações de formação prévia quando previstas no projeto.

5. A resolução do contrato por qualquer dos motivos referidos no número anterior deve ser comunicada, por escrito, ao segundo outorgante, com indicação do fundamento e com a antecedência mínima de oito dias.

CLÁUSULA 8ª

(Renovação)

1. O primeiro outorgante deve informar o IEFP, l. P. da intenção de renovação, ou não, do contrato emprego-inserção+, comunicando a decisão obrigatoriamente por escrito ao segundo outorgante, com a antecedência mínima de 8 dias em relação ao termo do respetivo prazo, sob pena de caducidade do mesmo.

2. Caso seja autorizada a renovação do presente contrato, há lugar a um aditamento.

CLÁUSULA 9ª

(Alterações supervenientes - efeitos)

1. Quando o primeiro outorgante não puder cumprir integralmente o projeto, por razões alheias à sua vontade e a si não imputáveis, poderá proceder aos necessários ajustamentos, que passarão, depois de aprovados pelo IEFP, I.P., a vincular o segundo outorgante a partir da data em que deles tenha tomado conhecimento, considerando-se como parte integrante do contrato emprego-inserção+ estabelecido entre as partes.

2. As alterações ao projeto, pelos motivos referidos no número anterior, não desobrigam os outorgantes do cumprimento dos seus deveres recíprocos nem prejudicam o exercício recíproco dos seus direitos, nos termos referidos naquele número.

CLÁUSULA 10ª

(Duração)

O presente contrato vigorará pelo período estabelecido para a execução do projeto, sem prejuízo do disposto das cláusulas 6ª a 8ª, tendo início em 16.05.2016 e terminando no dia 20.04.2017.

Feito em ... aos 13 de maio de 2016.

Da análise do contrato que acabámos de transcrever, resulta que o Autor se obrigou para com o Município ... a prestar ao a sua atividade, tendo como contrapartida os direitos previstos na cláusula 3.ª do contrato, que são: a) Uma bolsa de ocupação mensal, de montante igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais; b) Refeição ou um subsídio de alimentação referente a cada dia de atividade, de valor correspondente ao atribuído à generalidade dos trabalhadores do primeiro outorgante ou, na sua falta, ao atribuído aos trabalhadores que exerçam funções públicas; c) O pagamento das despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de atividade, se não for assegurado o transporte até ao local de execução do projeto; d) (…); e) Um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no projeto de trabalho socialmente necessário.

O n.º 2 da mesma cláusula 3.ª, prevê que o Município se comprometa a respeitar as condições de segurança e saúde no trabalho a que estiver obrigado nos termos legais e convencionais do setor de atividade em que se integra.

Assim, se, por um lado, o Município se obrigou a assegurar essas condições de segurança e saúde no trabalho, por outro, subscreveu um seguro que cobrisse os riscos que pudessem ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas no âmbito do contrato de emprego inserção+.

No cumprimento dessa obrigação, o Município ... celebrou com a Ré/ Companhia de Seguros Fidelidade um contrato para a transferência da responsabilidade civil por acidente de trabalho, como resulta do documento junto com a petição inicial, sob o n.º 3.  Resulta, também, do alegado pelo Autor e da documentação junta com a petição inicial, que foi na execução desse contrato que a Seguradora assistiu o Sinistrado através dos seus serviços clínicos.

Mais resulta do referido clausulado, com relevância para a decisão da causa, que nos termos da cláusula 2.ª, o trabalho do Autor seria exercido no Município de ... de acordo com o horário que legal e convencionalmente está em vigor para o setor de atividade, onde se insere o projeto da medida contrato emprego-inserção+ e conforme acordado entre as partes, ou seja, entre as 09:00 e as 17:00.

Na cláusula 4.ª encontram-se previstos os deveres do Autor, dos quais salientamos os seguintes: aceitar o trabalho que lhe fosse proposto, (desde que compatível com a sua capacidade física, qualificação e experiência profissionais); tratar com urbanidade o primeiro outorgante, seus representantes, bem como outros colaboradores e demais beneficiários; utilizar de forma zelosa os equipamentos que lhe fossem confiados para a execução das suas funções; ser leal ao primeiro outorgante, não transmitindo para o exterior informações de que tenha tomado conhecimento durante a execução do projeto.  

Estes deveres são comuns aos deveres previstos pelo legislador para o trabalhador que celebrou um contrato de trabalho, conforme o disposto no art.º 128.º do Código do Trabalho, resultando ainda do referido contrato, em concreto da cláusula 5.ª, um dever de assiduidade por parte do Autor.

Já não resulta expressamente do contrato, mas do disposto no artigo 13.º, n.ºs 3 e 5 da referida Portaria n.º 128/2009, de 30 de janeiro, aplicável ao contrato, que o Município, enquanto destinatário do trabalho do autor, era parcialmente responsável pelo pagamento da bolsa que o trabalhador auferia (cabendo a outra parte ao IEFP).

Do exposto resulta que o contrato que o Autor celebrou com o Município de ..., configura uma relação de trabalho por conta de outrem, na medida em que, era aquele Município, enquanto destinatário da atividade prosseguida pelo Autor no exercício das suas funções, quem determinava o trabalho que o mesmo tinha de realizar, a forma como o tinha de desempenhar, quem controlava a prestação efetiva desse trabalho  e quem lhe pagava uma bolsa e demais componentes retributivas, motivadas pela prestação do trabalho, ou seja, como contrapartida pelo trabalho prestado, sem se confundirem com a pensão do rendimento social de inserção de que o mesmo era beneficiado.

Ora, como se referiu, foi ao recolher lixo no exercício das funções, ao abrigo do referido contrato de emprego-inserção+, que o Autor ficou com a mão lesionada, perdendo parte de um dos dedos.

O Município havia transferido a responsabilidade infortunística para a Seguradora/ Ré, nos termos do n. º1 do art.º 79.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro), que dispõe: O empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação prevista na presente lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro.

O Autor pretende ser indemnizado pela lesão sofrida, pela incapacidade daí decorrente, bem como pelos danos não patrimoniais, como sempre aconteceria se o Autor tivesse celebrado um contrato de trabalho.

Vejamos.

Dispõe o art.º 3.º da LAT, sob a epígrafe trabalhador abrangido:

“1. O regime previsto na presente lei abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos.

2. Quando a presente lei não impuser entendimento diferente, presume-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta os serviços.

3. Para além da situação do praticante, aprendiz e estagiário, considera-se situação de formação profissional a que tem por finalidade a preparação, promoção e atualização profissional do trabalhador, necessária ao desempenho de funções inerentes à atividade do empregador.”

Por seu turno, o art.º 8, também da LAT, dá-nos o conceito de acidente de trabalho, dispondo:

“1. É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional, ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.”

Resultou apurado que a lesão sofrida pelo Autor ocorreu quando recolhia lixo no exercício das funções, ao abrigo do referido contrato de emprego-inserção+, o que configura um acidente de trabalho pois o Autor quando ocorreu o acidente encontrava-se a trabalhar por conta do Município ....

Na verdade, como se afirmou no acórdão do Tribunal de Conflitos de 25.06.2020, o regime previsto na Lei n.º 98/2009 abrange o trabalhador por conta de outrem de qualquer atividade, seja ou não explorada com fins lucrativos (artigo 3.º, n.º 1), devendo sempre que a referida lei não imponha entendimento diferente presumir-se que o trabalhador está na dependência económica da pessoa em proveito da qual presta serviços. Acresce que a própria Portaria n. º128/2009 impõe à entidade promotora a celebração de um seguro “que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário(artigo 14.º n.º 3).

Assim, a situação dos autos é enquadrável, no âmbito dos referidos artigos 3.º e 8.º da LAT, como um acidente de trabalho, com a consequente aplicação da Lei dos Acidentes de Trabalho – Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.

Importa ainda referir que o facto de a entidade para a qual o Autor exercia as suas funções, ser uma autarquia local, em nada afasta a aplicação deste regime, porquanto o Autor não se encontrava no exercício de funções públicas - nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º503/99, de 20 de Novembro - não se podendo assim considerar um acidente em serviço, abrangido pelo Regime Jurídico dos Acidentes em Serviço e das Doenças Profissionais no âmbito da Administração Pública.

Por outro lado, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, estão excluídos do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os litígios decorrentes de contratos de trabalho, ainda que uma das partes seja uma pessoa coletiva de direito público, com exceção dos litígios emergentes do vínculo de emprego público.

No caso, na petição inicial é alegado que o Autor estava a exercer funções ao abrigo de um contrato atípico, contrato-emprego-inserção+, quando sofreu um acidente que lhe causou lesões e uma incapacidade, que pretende ver reconhecida e avaliada, para além dos danos não patrimoniais, que pretende ver indemnizados. Temos assim um pedido e uma causa de pedir que nos permitem concluir pela competência dos Tribunais do Trabalho, na medida em que o art.126.º, n.º 1, al. c) da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, dispõe que é competência das secções do Trabalho conhecer das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, sendo competente o Tribunal do Trabalho para a apreciação do caso dos autos – art.º 101.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.

III. Decisão

Face ao exposto, acorda-se em conceder procedência ao recurso de revista, revogar o acórdão recorrido, fixando o Tribunal do Trabalho com competência para julgamento dos presentes autos.

Custas pela Ré.

STJ, 19 de maio de 2021.

Maria Paula Sá Fernandes (Relatora)

Leonor Rodrigues

Júlio Gomes

 A relatora declara que, nos termos do art.15.º-A do DL n. 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio, o presente acórdão tem voto de conformidade dos Adjuntos.