Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13804/12.2T2SNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
SEGURO AUTOMÓVEL
SEGURO OBRIGATÓRIO
SEGURO FACULTATIVO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO DE VEICULO
LIMITE À INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO INDEMNIZATÓRIO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO - SEGURO OBRIGATÓRIO DE RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL - SEGURO FACULTATIVO DE DANOS PRÓPRIOS EM VEÍCULO AUTOMÓVEL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, pp. 521 e 522.
- Antunes Varela, M. Bezerra e S. Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., p. 687.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, N.º1, 562.º, 566.º N.ºS 2 E 3, 1305.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 154.º, 615.º, N.º1, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º1.
DECRETO-LEI N.º 291/2007, DE 21 DE AGOSTO: - ARTIGOS 4.º, N.º1, 12.º, N.º1, 15.º, N.º1, 31.º, 41.º, N.ºS 1 E 3.
DECRETO-LEI N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL - REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE SEGURO: - ARTIGOS 11.º A 13.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 5 DE JULHO DE 2007, PROC. N.º 07B1849, DE 12 DE JANEIRO DE 2010, PROC. N.º 314/06.6TBCSC.S1, DE 16 DE MARÇO DE 2011, PROC. N.º 3922/07.2TBVCT.G1.S1, E DE 10 DE JANEIRO DE 2012, PROC. N.º 189/04.0TBMAI.P1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 30 DE OUTUBRO DE 2008, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.º 08B2662 E N.º 07B2131, ACESSÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
-DE 22 DE FEVEREIRO DE 2011, PROC. N.º 667/06.8TBOHP.C2.S1, E DE 24 DE ABRIL DE 2012, PROC. N.º 32/10.0T2AVR.C1.S1, DISPONÍVEIS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Só a absoluta falta de motivação, seja de facto, seja de direito, é geradora de nulidade de acórdão, e já não a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre.

II - Embora com uma fundamentação sucinta, o acórdão recorrido considerou que o acidente dos autos era exclusivamente imputável ao condutor do veículo seguro na Companhia de Seguros A, com isto excluindo a responsabilidade da Companhia de Seguros L, razão pela qual não se pode afirmar uma absoluta falta de fundamentação, geradora de nulidade do acórdão.

III - A privação do uso de um veículo automóvel, em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação, constitui um dano autónomo, indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor, inerente à propriedade que o art. 1305.º do CC lhe confere, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava.

IV - Do património faz também parte o “direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial e, como tal, indemnizável.

V - Só assim não será se houver lugar à reconstituição natural, mediante, por exemplo, a colocação à disposição do lesado de um veículo de substituição durante o período de tempo necessário, ou provando-se que a perda da possibilidade de utilizar a viatura sinistrada é imputável ao próprio lesado, designadamente, por inércia ilegítima na sua reparação.

VI - Em casos de fixação equitativa do quantum indemnizatório, os poderes de cognição do STJ cingem-se ao sindicar de critérios de razoabilidade e proporcionalidade utilizados pelas instâncias.

VII - Tendo a autora celebrado com a Companhia de Seguros L um contrato de seguro facultativo, para garantir a cobertura de danos próprios do seu veículo, nada obsta a que esta accione simultaneamente as duas seguradoras, uma com base no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel (obrigatório) e outra com fundamento no contrato de seguro de danos próprios (facultativo).

VIII - Não obstante, em decorrência do princípio indemnizatório, e por forma a obviar a uma dupla indemnização, deverá ser abatido ao montante indemnizatório a cargo da ré Companhia de Seguros L o valor indemnizatório a cargo da ré Companhia de Seguros A.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório:


AA intentou, em 25 de Maio de 2012, no Tribunal da Comarca da Grande Lisboa-Noroeste a presente acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária, contra Seguros BB, S.A. e Companhia de Seguros CC, S.A., pedindo a condenação das rés no pagamento da quantia de € 40.990,00 por conta da perda total da sua viatura e da quantia de € 20,00 por cada dia de privação do uso da mesma, montante que liquidou em € 12.500,00 à data da apresentação em juízo da petição inicial, acrescidas de juros de mora a contar da citação e até integral e efectivo pagamento.

Alegou, em suma, ser proprietária de um veículo automóvel segurado pela primeira ré, que cobria os danos próprios daquele, sendo que o mesmo ficou danificado na sequência um acidente de viação causado exclusivamente por um condutor que tripulava um veículo segurado pela segunda. Mais alegou ser-lhe devida uma indemnização superior àquela que lhe foi proposta pela primeira ré para ressarcimento da perda total ocasionada pelo acidente e que se acha privada do uso daquela viatura até à presente data, tendo sofrido prejuízos.

Na contestação a ré Companhia de Seguros CC, S.A., aceitou os factos atinentes à responsabilidade pelo ressarcimento da autora e impugnou os demais, impugnando a ressarcibilidade do dano da privação do uso e alegando que, em todo o caso, a indemnização não podia exceder a data em que disponibilizou à autora a indemnização que entendia ser devida. Concluiu pela procedência parcial do pedido.

A ré Seguros BB, S.A., impugnou os factos atinentes à dinâmica do acidente e considerou que os montantes devidos a título da cobertura do contrato de seguro que mantinha com a autora não correspondiam aos por esta alegados, salientando não haver lugar à indemnização da privação do uso a partir do momento em que disponibilizou àquela a indemnização que entendia ser devida,

Saneado o processo e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, em 30 de Maio de 2013, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:

- condenou a ré Seguros BB, S.A., a pagar à autora a quantia de € 17.582,00;

- condenou a ré Companhia de Seguros CC, S.A., a pagar à autora a quantia de € 17.760;

- condenou a ré Companhia de Seguros CC, S.A., a pagar à autora a quantia de € 5.000, acrescida de juros de mora vencidos desde a data da citação e vincendos até integral e efectivo pagamento;

- absolveu a rés do demais peticionado.


Inconformadas, apelaram as rés. O Tribunal da Relação de Lisboa por acórdão de 29 de Maio de 2014 julgou procedente a apelação da ré Seguros BB, S.A., absolvendo-a do pedido, e parcialmente procedente a apelação da Companhia de Seguros CC, S.A., condenando esta ré a pagar à autora AA a quantia de € 17 760,00, acrescida de juros de mora a contar do trânsito em julgado do mesmo acórdão, absolvendo-a do mais peticionado, nessa medida revogando a sentença recorrida.

Deste acórdão interpôs a autora recurso de revista.

Alegou e aduziu, resumidamente, a seguinte síntese conclusiva:

1 - O pedido formulado pela Autora na presente acção judicial funda-se, por um lado, no instituto da responsabilidade civil extracontratual direccionado contra a 2a Ré Companhia de Seguros CC S.A. no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da circulação automóvel, cfr. nº 1 do artigo 4° do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto e, por outro, na responsabilidade civil contratual contra a Ré Seguros BB S.A., no âmbito do seguro facultativo de danos próprios em viatura automóvel ao abrigo do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril, considerando, aliás, o teor das apólices de seguro nº … (…-HD-…) 1ª Ré e n.º …. (…-FB-…) 2ª Ré.

2 - Com efeito, concorrem na presente acção judicial duas formas de responsabilidade, a contratual e extracontratual, as quais confluem na fundamentação do pedido de indemnização formulado pela Autora.

3 - Resulta do teor do douto acórdão do Tribunal de 2ª Instância a interpretação de que, sendo a produção do acidente de viação em causa da exclusiva responsabilidade do condutor do veículo com a matrícula …-FB-…, deverão todos os danos emergentes ser suportados pela 2ª Ré, Companhia de Seguros CC, S.A., e não, em algum particular, pela Seguros BB, S.A..

4 - Assim, a decisão proferida pelo douto acórdão do Tribunal ad quem coarcta totalmente aquela faculdade, decidindo, como se aquela possibilidade inexistisse, omitindo, ademais, os fundamentos legais que sustentam esse impedimento ao não especificar os fundamentos de direito que justificam a decisão, traduzindo essa falta de fundamentação, necessariamente, uma nulidade processual nesta parte, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC.

5 - Não permitindo, assim, o total ressarcimento dos danos que emergiram do sinistro e relativos à situação de perda total da viatura …-HD-…, propriedade da Autora, contratualizados com a 1ª Ré Seguros BB, S.A., ao abrigo das condições gerais e particulares previstas na apólice de seguro n. ° ….

6 - Deste modo, nesta parte, ao decidir como decidiu, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou entre outras as disposições constantes do n.º 2 do artigo 43.°, do artigo 18.° Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo artigo 1° do Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, do n.º 1 do artigo 483.°, do artigo 562.°, do artigo 564° n.º 1, do artigo 798.° todos do Código Civil e alínea a) do n.º 1 do artigo 615.° do CPC.

7 - Relativamente à privação do uso da viatura da Autora, para além dos factos dados por provados elencados nos pontos 10 e 11, resulta também do ponto 4. que "Até 9 de Agosto de 2010, a Autora deslocava-se todos os dias na viatura / referida em 1. para tratar de assuntos de cariz pessoal e familiar do dia-a-dia (resposta ao quesito 6°).

8 - Com o devido respeito, discorda-se do entendimento jurídico do douto acórdão, na medida em que a mera privação do uso de um bem traduz-se num dano autónomo de natureza patrimonial que mesmo no caso de falta de prova de prejuízos concretos e quantificados, deverá ser ressarcido com recurso à equidade nos termos do n.º 3 do artigo 566º do Código Civil.

9 - No caso em apreço, provou-se que a Autora utilizava todos os dias a viatura sinistrada para tratar de assuntos de cariz pessoal e familiar e que desde a data do acidente de viação até à venda da mesma, não mais a utilizou no seu dia-a-dia, provocando-lhe, por isso, transtornos diários.

10 - Por conseguinte, deverá a Autora ser ressarcida pela privação do uso do veículo automóvel, em conformidade com o exposto na douta sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância.

11 - Assim, também nesta parte, ao decidir como decidiu, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa violou entre outras as disposições conjugadas constantes no artigo 483.° n.º 2, artigo 487.°, artigo 562.° n.º 1, artigo 563,°, artigo 564.° e n.º 1 e 3 do artigo 566.° todas do Código Civil.

Finalizou, pedindo a revogação do acórdão recorrido em conformidade com as conclusões recursivas e com a douta sentença do Tribunal de 1ª Instância.


Contra-alegaram as rés, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II. Fundamentos:

De facto:

As Instâncias julgaram provados os seguintes factos:

1. Em 9 de Agosto de 2010, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …-HD-… estava registado a favor da Autora (alínea a));

2. Pela apólice n.º …, a Ré “Seguros BB, S.A.” declarou, perante a Autora, assumir o pagamento das indemnizações resultantes da circulação da viatura aludida na alínea a) dos factos assentes, mais declarando “(…) Veículo Seguro (…)

Ano/Mês da Matrícula: 2006/10

(…)

Capital Seguro do Veículo € 36.933,75

Capital Seguro nos Extras: € 3.066,26

(…) COBERTURAS CAPITAIS FRANQUIAS

Choque, Colisão e Capotamento € 40.000,01 (…) € 0,00

(…)

Indemnização Extra Opção Max Conforme definido nas respectivas condições

(…)

Tabela de Desvalorização

Para efeitos do disposto no Decreto-Lei n.º 214/1997 de 15 de Agosto, informa-se que o veículo Seguro atrás indicado se encontra sujeito à seguinte tabela de desvalorização

“(…) Mês 1º Ano        3º Ano (…)

(…) 2 (…) 3,00           27,80% (…)

VMP (…) 91,80%       94,80% (…)

PMP – percentagem a aplicar sobre o valor do veículo seguro correspondente ao início de cada período de vigência, de acordo com o qual se determina o Valor Médio Ponderado do veículo, sobre o qual incide a taxa para cálculo do prémio. (…)

O valor seguro do veículo será o indicado pelo Tomador do Seguro no início do contrato e sofrerá as desvalorizações mensais previstas na tabela, com efeitos a contar dessa data e até ao seu termo de vigência. (…)

Condições Especiais

Indemnização Extra

Cláusula 1ª – Âmbito da Cobertura

1.A presente Condição especial garante ao Segurado o pagamento de um Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro causada por um sinistro cuja responsabilidade imputada a intervenientes distintos do Tomador de Seguro, do Segurado e/ou Condutor do veículo seguro, i.e., a responsabilidade seja imputada a terceiros.

2. Quando tenham sido contratados simultaneamente as coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão e de Furto ou Roubo, a presente Condição Especial poderá igualmente garantir o pagamento de um Complemento de Indemnização em caso de Perda Total do veículo seguro quando a mesma for consequência de qualquer facto ao abrigo das referidas coberturas, desde que expressamente contratualizada esta opção.

Cláusula 2ª – Limites da Indemnização

O valor do Complemento de Indemnização a pagar em caso de Perda Total do veículo seguro será determinado em função das seguintes regras: (…)

b) Após o vigésimo quinto (25º) mês, inclusive, a contar da data da primeira matrícula do veículo seguro, o Complemento de Indemnização a pagar corresponderá a 20% do valor venal do veículo seguro à data do sinistro (…)

Cláusula 4ª – Procedimento em caso de sinistro

1. Para efeitos do disposto na cláusula 2ª desta cobertura, considera-se valor venal, o valor de substituição em momento anterior ao sinistro, sendo este, para efeitos do presente condição especial:

a) No caso de Perda Total do veículo seguro motivado por um sinistro de responsabilidade de terceiros, nos termos previstos no n.º 1 da cláusula 1ª, o valor da indemnização paga pelo Segurador do terceiro responsável, subtraído do eventual valor do salvado;

b) No caso de Perda Total do veículo seguro resultar da ocorrência de qualquer facto garantido ao abrigo das coberturas de Choque, Colisão e Capotamento, de Incêndio, Raio e Explosão, e/ou de Furto ou Roubo, valor pago pelo Segurador ao obrigo dessas mesmas coberturas. acrescido da eventual franquia aplicável. (…)” (alínea b) dos factos assentes e teor parcial do escrito parcialmente reproduzido a fls. 16 e ss. - considerado nos termos do n.º 3 do artigo 659º do Código de Processo Civil  - );

3. Pela apólice n.º …, a Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.” declarou assumir o pagamento das indemnizações resultantes da circulação da viatura automóvel de matrícula …-FB-... (alínea c));

4. Até 9 de Agosto de 2010, a Autora deslocava-se todos os dias na viatura referida em 1. para tratar de assuntos de cariz pessoal e familiar do dia-a-dia (resposta ao quesito 6º)

5. Em 9 de Agosto de 2010, pelas 23 horas e 56 minutos, o veículo referido em 1. seguia pela Av. das Aveleiras em direcção à Rua das Cerejeiras e o veículo referido em 3. seguia pela Rua Dr. Teixeira de Bastos em direcção à Av. dos Castanheiros (resposta ao quesito 1º);

6. No sentido de marcha referido na parte final do ponto n.º 5 e na confluência entre a Rua Dr. Teixeira de Bastos e a Rua das Cerejeiras está colocado o sinal de trânsito “B1” (resposta ao quesito 2º);

7. Ao entrar no cruzamento entre a Rua das Cerejeiras e a Rua Dr. Teixeira Bastos, o condutor do veículo referido em 3. não cedeu a passagem ao veículo referido em 1. que por ali circulava (resposta ao quesito 3º);

8. Na sequência do facto referido em 7., a parte frontal do veículo referido em 3. embateu na parte lateral esquerda do veículo referido em 1. (resposta ao quesito 4º);

9. Na sequência do facto referido em 8., o condutor do veículo referido em 1. perdeu o controle e a viatura acabou por embater numa árvore (resposta ao quesito 5º);

10. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.ºs 5 a 9, a Autora, entre 9 de Agosto de 2010 e a data em que a alienou, não mais utilizou a viatura mencionada em 1. nos moldes descritos em 4.;

11. Em virtude do facto referido em 10., a Autora teve transtornos no seu dia-a-dia;

12. Em escrito datado de 30 de Agosto de 2010 e remetido à Autora, a Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.” declarou: “(…) V/Refª.: Acidente em 09•08-2010 – Veículo - …-HD-… (…)

Vimos pela presente informar, que foram apurados para o veículo em referência os seguintes valores que determinam estarmos perante uma Perda

Total:

Estimativa da reparação; 28976,4 € Valor venal do veículo 27650 €

(…)

Pelo exposto, colocamos à V/ disposição o montante de € 17760, tendo em conta o valor venal acima indicado, deduzido do valor do veículo danificado (…)” (alínea d));

13. Em escrito datado de 27 de Agosto de 2010 e remetido à Autora, a Ré “Seguros BB, S.A.” declarou: “(…) APÓLICE N.º … VEÍCULO DANIFICADO …-HD-… DATA DO ACIDENTE 09-08-2010 (…) Assunto Proposta de indemnização por perda total (…)

Reportamo-nos ao acidente de viação acima identificado, de cuja regularização nos ocupamos. (…)

Na situação em concreto, considerando o valo estimado para a reparação na oficina Mercedes Benz Fin. Services Portugal, (€ 42.487,69), a melhor cotação obtida para o salvado (€ 7.010,00), bem como o valor antes do acidente (€ 31.000,00), não nos resta outra alternativa que não seja aplicar a solução que resulta da lei.

Em face do exposto e embora ainda não seja possível assumir uma posição quanto à responsabilidade, colocamos CONDICONALMENTE ao vosso dispor o valor de € 23.990,00, mantendo V. Exa. a posse do salvado (…)” (alínea e));

14. A petição inicial da presente acção deu entrada em juízo em 25 de Maio de 2012 (alínea f)).


De direito:

Vistas as conclusões da alegação da recorrente, são três as questões essenciais a decidir, a saber:

- nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação;

- ressarcibilidade do dano da privação do uso.

- possibilidade (ou não) de a autora, ora recorrente, ser ressarcida dos danos patrimoniais sofridos com base em responsabilidade contratual e extracontratual;


1. Sustenta a recorrente que o acórdão recorrido carece de fundamentação no segmento em que decidiu que todos os danos emergentes do acidente de viação, que não lhe é imputável, deverão ser suportados pela ré Companhia de Seguros CC, S.A., afastando a responsabilidade da ré Seguros BB, S.A., decorrente do contrato de seguro facultativo relativo a danos próprios.

A inobservância do dever de fundamentação das decisões expressamente consagrado no artigo 154º do Código de Processo Civil, em consonância com o comando inserto no artigo 205º nº 1 da Constituição, constitui causa de nulidade da decisão de harmonia com a previsão do artigo 615º nº 1 al. b) do mesmo código.

Visando elucidar as partes sobre as razões que conduziram à decisão, conferindo-lhe transparência, a motivação tem também por função facultar-lhes o conhecimento dos fundamentos que lhe estiveram subjacentes para poderem impugná-la pela via do recurso para um tribunal superior.

Contudo, e como vem sendo repetidamente afirmado, só a falta absoluta de motivação, seja de facto, seja de direito, é geradora de nulidade, não a produzindo a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre. Como observam A. Varela, M. Bezerra e S. Nora (Manual de Processo Civil, 2ª ed., p. 687), “ Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso vertente, a propósito da concreta questão da responsabilidade da ré Seguros BB, S.A., escreveu-se no acórdão recorrido o seguinte:

Assentemos nisto: o condutor do veículo de matrícula …-FB-… ao não ceder passagem ao veículo de matrícula …-HD-… (Factos 4 a 9), assume pelas consequências advenientes a «culpa exclusiva» (art. 21° do Regulamento de Sinalização Rodoviária). Logo: todos os danos emergentes têm de ser suportados pela seguradora daqueloutro veículo, in casu, a Companhia de Seguros CC, S.A. e não, em algum particular, pela Companhia de Seguros BB, S.A.”

O acórdão recorrido considerou que, sendo o acidente de viação exclusivamente imputável ao condutor do veículo segurado na ré Companhia de Seguros CC, S.A., apenas esta poderá ser responsabilizada pela indemnização dos danos emergentes do mesmo acidente sofridos pela autora, excluindo a responsabilidade da ré Seguros BB, S.A.

Embora se esteja em face de uma fundamentação muito sucinta, não se está perante decisão a que falte em absoluto fundamentação.

O acerto ou desacerto da mesma constitui questão diversa e será ulteriormente equacionada, por se tratar de matéria que não cabe no campo dos vícios geradores de nulidade da sentença.

Não ocorre, por conseguinte, a invocada causa de nulidade.


2. No caso em análise, não é questionada a verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual enunciados no artigo 483º nº 1 do Código Civil, nomeadamente a culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula …-FB-… na produção do acidente e o nexo de causalidade entre este e os danos patrimoniais cuja indemnização a autora pretende.

Também não é posta em crise a responsabilidade da ré Companhia de Seguros CC, S.A., pelo ressarcimento do dano decorrente da perda total do veículo da autora em resultado daquele acidente, em face do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que celebrou com o condutor do veículo lesante e por força do qual passou a garantir a protecção de terceiros em caso de acidente de viação com tal veículo, nem o quantum indemnizatório (€ 17.760,00) em que foi condenada, discutindo-se apenas, no que tange a esta ré, se deve arbitrar-se, ou não, à autora a peticionada indemnização pela privação do uso do veículo.

Analisando esta questão, a sentença da 1ª instância afirmou a ressacibilidade autónoma deste dano com fundamento “na constatação de que a privação do uso de um bem acarreta a perda temporária de poderes de fruição inerentes ao direito de propriedade que sobre ele incidia”, citando doutrina e jurisprudência a propósito, e concluiu: “porque um tal prejuízo não poderá ser ressarcido através da reconstituição natural da utilização preterida, deverá ser fixada em dinheiro, nos termos do nº 1 do artigo 566º do Código Civil, a indemnização devida”.

Assim, ponderando a facticidade provada e lançando mão da equidade para determinar o valor da indemnização a atribuir em concreto à autora, fixou-a em € 5.000,00, atendendo no seu cômputo à utilização diária que a autora dela fazia e ao período de tempo que mediou entre a ocorrência do facto danoso e a alineação do salvado da sua viatura, momento a partir do qual deixou de ser imputável ao segurado da ré Companhia de Seguros CC, S.A., a privação do seu uso, passando a ser atribuível àquele acto translativo da propriedade.

Pronunciando-se sobre esta mesma questão, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou que “Não tendo [a autora] logrado provar a existência de danos decorrentes da paralisação do veículo, que só por si não gera responsabilidade civil, não lhe deverá ser arbitrada qualquer indemnização a esse título, sob pena de ficar desvirtuado o ónus da prova”, revogando o correspondente segmento decisório da sentença da 1ª instância e absolvendo aquela ré do pedido correspondente.

As posições divergentes das Instâncias sobre esta concreta questão reflectem as duas teses que se formaram na jurisprudência, seguindo o Tribunal da Relação a mais restritiva, que defende só haver lugar a indemnização pela privação de uso de um bem, neste caso um veículo automóvel, se tiver sido alegada e demonstrada a existência de um dano específico, ou seja, que a imobilização do veículo resultante dos estragos sofridos com o acidente de viação foi causa directa e necessária de prejuízos concretos, por exemplo, custos com a utilização de um meio alternativo de transporte, doutrina dos Acórdãos deste Supremo Tribunal de 30 de Outubro de 2008, proferidos nos processos nº 08B2662 e nº 07B2131, acessíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Por sua vez, a 1ª instância seguiu a tese maioritária neste Supremo Tribunal, segundo a qual a privação do uso de um veículo automóvel em resultado de danos sofridos na sequência de um acidente de viação constitui um dano autónomo indemnizável na medida em que o seu dono fica impedido do exercício dos direitos de usar, fruir e dispor inerentes à propriedade, que o artigo 1305º do Código Civil lhe confere de modo pleno e exclusivo, bastando para o efeito que o lesado alegue e demonstre, para além da impossibilidade de utilização do bem com tal fundamento, que esta privação gerou perda de utilidades que o mesmo lhe proporcionava. Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Julho de 2007 (proc. nº 07B1849), de 12 de Janeiro de 2010 (proc. nº 314/06.6TBCSC.S1), de 16 de Março de 2011 (proc. 3922/07.2TBVCT.G1.S1) e de 10 de Janeiro de 2012 (proc. nº 189/04.0TBMAI.P1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.

Entendemos ser esta última posição a que melhor tutela a lesão dos interesses do proprietário de um bem, que se vê privado de extrair dele todas as vantagens e utilidades que o seu uso lhe proporciona, devido à actuação culposa de terceiro que o danifica num acidente de viação. Não pode deixar de reconhecer-se como lesiva do património do proprietário de um veículo automóvel a perda, em si mesma, da possibilidade de continuar a usufruí-lo, por facto ilícito de um terceiro, durante o período de tempo em que tal se verificar.

Do património faz também parte “o direito de utilização das coisas próprias”, constituindo a privação do uso do veículo um dano patrimonial, como tal indemnizável (cfr. citado Acórdão de 5 de Julho de 2007). Daí que, demonstrados que estejam os requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito enunciados no artigo 483º nº 1 do Código Civil e, bem assim, que o lesado fazia da sua viatura utilização corrente e pretende ou necessita de continuar a utilizá-la, dela retirando as utilidades que advêm do seu uso – caso contrário seria indiferente ter ou não ter a sua disponibilidade –, existe um dano patrimonial.

Só assim não será se houver lugar à reconstituição natural, mediante, por exemplo, a colocação à disposição do lesado de um veículo de substituição durante o período de tempo necessário, ou provando-se que a perda da possibilidade de utilizar a viatura sinistrada é imputável ao próprio lesado, designadamente, por inércia ilegítima na sua reparação por parte deste.

Não se operando a reconstituição natural ou não sendo esta possível, a compensação do lesado há-de efectuar-se através do equivalente pecuniário, correspondendo o seu valor ao prejuízo concretamente sofrido. Não se apurando este valor, será o quantum indemnizatório fixado com recurso à equidade, em consonância com o que estabelecem os artigos 566º n.ºs 2 e 3 do Código Civil.

Na situação em análise, provou-se que até 9 de Agosto de 2010 – data do acidente – a autora se deslocava todos os dias na sua viatura para tratar de assuntos de cariz pessoal e familiar do dia-a-dia e que, em virtude do acidente de viação não mais a utilizou (pontos 4 e 10 da matéria de facto).

Esta facticidade permite afirmar que a privação do uso da viatura nos moldes referidos causou à autora um prejuízo patrimonial, prejuízo que é indemnizável. Na realidade, a autora ficou impedida de exercer plenamente os seus direitos inerentes à propriedade do veículo, ou seja, de usar e fruir as utilidades que normalmente lhe proporcionava no seu dia-a-dia.

Observando que a ré “Companhia de Seguros CC, S.A., apenas disponibilizou à Autora uma indemnização que só contemplava a perda total da viatura (cfr. o teor da missiva parcialmente reproduzida em 12.) e (…) nada alegou no sentido de evidenciar que aquela protelou abusivamente as negociações com vista a obter o pagamento de uma indemnização mais avultada, há a considerar que não pode ser relevada a data aposta naquela missiva” e ainda que “o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 42º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto impunha que a mesma Ré facultasse à Autora um veículo de substituição durante o período de imobilização do veículo automóvel de matrícula …-HD-… até se chegar à conclusão de que ocorrera a perda total”, a sentença da 1ª instância, num juízo equitativo, fixou em € 5.000,00 a indemnização pelo dano patrimonial sofrido pela autora com a privação do uso da sua viatura.

O âmbito dos poderes de cognição deste Supremo Tribunal, tratando-se de fixação equitativa do quantum indemnizatório, apenas lhe permite sindicar os critérios de razoabilidade e proporcionalidade utilizados pelas Instâncias, sendo que, no caso, tendo em conta os elementos factuais disponíveis e a intensidade da culpa exclusiva do condutor do outro veículo interveniente no acidente causador do dano, o montante arbitrado pela 1ª instância se mostra equilibrado e criterioso para ressarcir a autora do dano em causa.


3. Subiste a questão de saber se também a ré Seguros BB, S.A., está obrigada a pagar à autora danos patrimoniais sofridos em consequência do aludido acidente com base em responsabilidade contratual.

No caso vertente, a autora visou com a presente acção a reparação dos danos patrimoniais sofridos em consequência, necessária e directa, de um acidente de viação ocorrido no dia 9 de Agosto de 2010, no qual foram intervenientes o seu veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula …-HD-… e viatura automóvel com a matrícula …-FB-…, acidente exclusivamente imputável, sem qualquer controvérsia quanto a este ponto, ao condutor desta viatura.

Radicou a sua pretensão, quanto à ré Companhia de Seguros CC, S.A., na responsabilidade civil extracontratual, em virtude de esta responder perante terceiros pelo risco da circulação rodoviária do veículo de matrícula …-FB-… no âmbito do contrato de seguro obrigatório, titulado pela apólice n.º …, que celebrou com aquele condutor (cfr. nº 1 do artigo 4º, n.º 1 do artigo 12º, n.º 1 do artigo 15º e artigo 31º, todos do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto, vigente à data em que ocorreu o sinistro).

Quanto à ré Seguros BB, S.A., o pedido da autora assentou em responsabilidade contratual emergente do contrato de seguro facultativo, titulado pela apólice nº …, que a ré e a autora celebraram para garantir a cobertura dos danos próprios desta relativamente ao seu veículo de matrícula …-HD-…, contrato a que é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro aprovado pelo Decreto-Lei nº 72/2008 de 16 de Abril.

Considerando que “o condutor do veículo de matrícula …-FB-… ao não ceder passagem ao veículo de matrícula …-HD-… (Factos 4 a 9), assume pelas consequências advenientes a «culpa exclusiva» (art.21° do regulamento de Sinalização Rodoviária). Logo: todos os danos emergentes têm de ser suportados pela seguradora daqueloutro veículo, in casu, a Companhia de Seguros CC, S.A. e não, em algum particular, pela Companhia de Seguros BB, S.A.” o acórdão recorrido, dando procedência à apelação desta ré, absolveu-a do pedido contra si deduzido pela autora.

Os autos evidenciam a confluência de duas causas de pedir, uma fundada em responsabilidade civil extracontratual e outra em responsabilidade contratual, tendo ambas por base o mesmo acto. Na verdade, quer uma quer outra emergiram, em simultâneo, do mesmo facto complexo – acidente de viação – desencadeado pela actuação ilícita do condutor do veículo automóvel seguro na ré Companhia de Seguros CC, SA.

Apesar de conceptualmente diferentes, a responsabilidade civil comporta no seu âmbito tanto a responsabilidade extracontratual, como a responsabilidade contratual, as quais não constituem compartimentos estanques. Têm, aliás, em comum o regime relativo à determinação dos danos indemnizáveis, formas de indemnização e cálculo do respectivo montante consagrado nos artigos 562º e ss. do Código Civil, como observa Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 10ª ed., Almedina, pp. 521 e 522).

Estas duas modalidades de responsabilidade civil não se excluem, podendo ser compatibilizadas, desde que respeitado o chamado princípio indemnizatório, de acordo com o qual a obrigação de indemnizar visa reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso – artigo 562º do Código Civil –, colocando o lesado na posição que teria se não fosse o dano e não proporcionar um enriquecimento injustificado do lesado (cfr. Acórdãos deste Supremo Tribunal de 22 de Fevereiro de 2011 – proc. nº 667/06.8TBOHP.C2.S1 - e de 24 de Abril de 2012 – proc. nº 32/10.0T2AVR.C1.S1 – disponíveis em www.dgsi.pt/jstj).

Com efeito, o princípio indemnizatório visa impedir que o lesado seja duplamente ressarcido, ou seja, que o lesado cumule indemnizações que se sobreponham, mas não obsta a que se cumulem indemnizações que se complementem por forma a abranger um leque mais vasto de danos do que aqueles que seriam ressarcidos unicamente com base num contrato de seguro, como sucederia na hipótese de se entender admissível apenas o accionamento do contrato de seguro automóvel obrigatório, tese defendida no acórdão recorrido.

Na situação em apreço, a autora accionou a ré Seguros BB, S.A., para, ao abrigo do contrato de seguro facultativo celebrado entre ambas, obter o pagamento de danos emergentes do acidente de viação não indemnizados, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, pela ré Companhia de Seguros CC, S.A., a coberto do contrato de seguro automóvel obrigatório que a ligava ao proprietário do veículo causador do acidente.

A responsabilidade exigida à ré Seguros BB, S.A., tem subjacente um contrato de seguro de danos próprios, contrato facultativo, que se rege, em primeira linha, pelo clausulado na respectiva apólice (que comporta cláusulas de exclusão de responsabilidade convencionadas pelas partes) desde que não proibido por lei (artigos 11º a 13º do DL nº 72/2008, de 16 de Abril),.

Trata-se, como se escreveu na douta sentença da 1ª instância, “de uma cobertura que excede o âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil emergente da circulação automóvel (cfr. n.º 1 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto) e que [se] tutela o interesse na conservação do veículo de que a Autora era proprietária (n.º 2 do artigo 43º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro”.

Nada obsta a que a autora accione, simultaneamente, as duas rés, seguradoras, uma com base no contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel (obrigatório) e outra com fundamento no contrato de seguro de danos próprios (facultativo), para se ressarcir, com observância do princípio indemnizatório, de um conjunto mais abrangente de danos patrimoniais gerados pelo mesmo acidente de viação, que lhe não é imputável.

Da facticidade provada (pontos nº 2 e nºs.5 a 9) decorre que a ré Seguros BB, S.A., por força do convencionado no contrato de seguro, assumiu a obrigação de pagamento à autora das indemnizações resultantes da circulação da sua viatura provenientes, designadamente, de “Choque, Colisão e Capotamento”. Embora o capital seguro fosse no valor de € 40.000,01, o veículo seguro encontrava-se sujeito a uma tabela de desvalorização constante do clausulado da apólice, a considerar, conforme acordado, em caso de ocorrência de sinistro.

 Acordaram ainda, no campo das condições especiais (Cláusula 1ª – Âmbito da Cobertura) uma indemnização extra, designada por Complemento de Indemnização, que a ré se obrigou a pagar à autora “em caso de Perda Total do veículo seguro causada por um sinistro cuja responsabilidade imputada a intervenientes distintos do Tomador de Seguro, do Segurado e/ou Condutor do veículo seguro, i.e., a responsabilidade seja imputada a terceiros”, tendo sido fixadas as regras de cálculo de tal complemento indemnizatório e o procedimento a seguir em caso de sinistro (cfr. ponto nº 2 dos factos provados).

Neste contexto, a prestação indemnizatória a cargo da ré Seguros BB, S.A., tem por limite máximo o montante do capital seguro (€ 40.000,01) que cobria o risco relativo ao veículo da autora e respectivos extras (cfr. artigo 128º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro).

Deste modo, no cálculo a efectuar tem de ser levada em conta a desvalorização da viatura, de harmonia com a tabela de desvalorização acordada, e o facto de o salvado da mesma ter ficado em poder da autora, que o alienou (ponto n.º 10 dos factos provados) por um montante que fez seu, valor a deduzir ao montante a pagar pela ré, em conformidade com o comando legal inserto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 41º do Decreto-Lei n.º 291/2007 de 21 de Agosto.

Não foi concretamente alegado e apurado o valor do salvado. Porém, como se assinala na sentença da 1ª instância, a autora e a ré Seguros BB, S.A., consensualizaram entre si (cfr. o alegado no artigo 31º da petição inicial com o teor da missiva parcialmente reproduzida no ponto n.º 13 dos factos provados) que esse valor se cifra em € 7.010,00.

Assim considerando, tem-se por correcto o cálculo da indemnização a liquidar pela ré Seguros BB, S.A., efectuado na sentença da 1ª instância nos seguintes termos:

 “O ponto de partida será o valor do objecto seguro ao tempo da celebração do contrato que, para este efeito, foi fixado pela Autora e por aquela Ré em € 40.000,01 (…).

Tendo em conta que o contrato de seguro em causa data de 17 de Maio de 2010 e que, à data em que sucedeu o acidente, não haviam ainda decorridos 3 meses sobre essa data, a percentagem de desvalorização a aplicar cifra-se em 3%.

Aplicando esse coeficiente ao valor do interesse seguro ao tempo da celebração do contrato, temos que, naquela ocasião e nos termos do contrato, aquele correspondia a € 38.800,00.

Abatendo-lhe o valor [do] salvado, temos que o montante a ressarcir ao abrigo da aludida cobertura se fixaria em € 31.790,00 (€ 40.000,01 – 3% (1.200,00) – 7.010,00).

(…)

Porém, o certo é que ambas as prestações têm cariz indemnizatório e se reportam, no fim de contas, a ressarcir à Autora a diminuição patrimonial decorrente da perda daquela viatura.

Daí que, em decorrência do princípio indemnizatório e por forma a obviar à hipótese de aquela obter uma dupla indemnização, deva ser abatido àquele montante o valor indemnizatório a cargo da Ré “Companhia de Seguros CC, S.A.”, i.e. € 17.760,00.

Assim, em síntese, assiste à Autora o jus a haver da Ré “Seguros BB, S.A.” a quantia de € 14.030,00 por conta daquela cobertura.”

A este montante acresce o referido complemento de indemnização previsto no n.º 1 da cláusula 2ª das condições especiais da apólice, uma vez que se verificou a perda total do veículo automóvel de matrícula …-HD-… por acto não imputável à autora ou ao condutor daquele, mas a terceiro.

Considerando o estipulado na alínea b) da cláusula 2ª das mesmas condições especiais, o respectivo quantitativo tem por referência, como se também assinala na sentença da 1ª instância, a data da primeira matrícula do veículo automóvel de matrícula ...-HD-... – Outubro de 2006 – e o respectivo valor venal, que corresponde, no caso em apreço, a 20% da indemnização paga pelo segurador do terceiro – a ré Companhia de Seguros CC, S. A., –, deduzido do valor do salvado (parte final da alínea b) da cláusula 2ª e alínea a) da cláusula 4ª das mesmas condições especiais).

Dado que se operou já a dedução do valor do salvado no cômputo da indemnização devida pela ré Companhia de Seguros CC, S.A., o quantum indemnizatório a título de complemento cifra-se em € 3.552,00, montante que, adicionado à referida quantia de € 14.030,00, perfaz a indemnização global de € 17.582,00.

 

III. Decisão:

Termos em que se concede a revista e se revoga o acórdão recorrido, repondo-se o decidido na douta sentença da 1ª instância.

Custas pelas rés, na proporção do respectivo decaimento.


Lisboa, 9 de Julho de 2015


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Pires da Rosa

Maria dos Prazeres Beleza