Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04P902
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA MADEIRA
Descritores: PROCESSO PENAL
ARGUIDO
DECLARAÇÕES DO ARGUIDO
DECLARAÇÕES DO SUSPEITO
SUSPEITO
ORGÃO DE POLÍCIA CRIMINAL
SILÊNCIO
VALOR PROBATÓRIO
PROVAS
FOGO POSTO
CRIME CONTINUADO
PLURALIDADE DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: SJ200404220009025
Data do Acordão: 04/22/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 2050/03
Data: 11/12/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : I - Só é obrigatória a constituição de alguém como arguido a partir do surgimento de fundada suspeita de haver cometido um crime.
II - A simples declaração do confitente como autor de um crime pode não ser o bastante para fundar devidamente essa suspeita.
III - Assim, se para testar a consistência da declaração emergente de uma confissão espontânea, o órgão de polícia criminal decide proceder à reconstituição dos factos com a participação do declarante antes de o constituir como arguido, tal actividade investigatória está a coberto da lei e as declarações prestadas sobre o ali acontecido não estão abrangidas pela proibição emergente do artigo 356.º, n.º 7, do Código de Processo Penal, acaso o futuro arguido decida não prestar declarações em julgamento, já que tal declarante não tinha ainda aquele estatuto nem era obrigatório que já o tivesse.
IV - A existência de uma só resolução, traduzida ou executada depois na realização plúrima do mesmo delito, não afasta a possibilidade de pluralidade de crimes.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. O arguido FJS, devidamente identificado, foi acusado pelo Ministério Público que lhe imputou a prática de quatro crimes de incêndio florestal, p. e p. pelo art.º 272.º n.º , al. a), do Código Penal.
Efectuado o julgamento, vieram a ser dados como provados os seguintes factos
« 2.1. factos provados
No dia 25 de Fevereiro de 2000, pelas 00.30 horas, no lugar de Barroco da Ponte, freguesia do Mosteiro, concelho de Oleiros e área da mesma comarca, o arguido provocou um incêndio florestal, que consumiu uma área de cerca de 0,08 hectares de mato e pinhal, cujo valor dos prejuízos importa em cerca de 200.000$00, não coberto por qualquer seguro, percorrendo da sua residência ao local onde ateou o incêndio cerca de 270 passos.
A área ardida é propriedade do lesado JLM.
No dia 16 de Julho de 2000, por cerca das 23.30 horas, no sitio denominado Corga D’Água Fria, próximo da localidade de Mosteiro, e freguesia de Mosteiro, concelho e comarca de Oleiros, e quando regressava da festa popular de Vale do Souto no seu veículo automóvel, de marca Opel Kadett, matrícula JC, estacionou o mesmo junto à estrada Nacional n.º 238 e, deslocando-se a pé, cerca de 202 passos, dirigiu-se para o interior da mata onde ateou o fogo no lugar supra referido, tendo ardido uma área de cerca de 0.005 hectares de mato e pinheiros, não cobertos por qualquer seguro.
A área ardida é propriedade de MC, embora a mesma não tenha quantificado qualquer prejuízo sofrido é de salientar que a área envolvente ao incêndio possui um povoamento bastante denso e extenso com continuidade vertical e horizontal de pinheiros, castanheiros e mato.
2.1.5 Que no dia 19 de Julho de 2000, por volta das 22.30/23 horas, quando se deslocava da população de Castanheira da Ermida para Oleiros no automóvel identificado em 2.1.3., a cerca de um Km da aldeia da Folga, freguesia de Oleiros, mesmo concelho e área desta comarca, o arguido estacionou o veículo na estrada Nacional, deslocou-se a pé ao interior da mata e ateou o fogo, tendo ardido uma área de cerca de 5 hectares de terreno composto de mato, pastagem e pinheiro bravo no valor não determinado mas superior 800.000$00, não coberto pelo seguro - propriedades de AM; JA; JNM; JS; SDM; JJF e CDS.
2.1.6 No dia seguinte 20 de Julho de 2000, e após o referido em 2.1.5. o arguido dirigiu-se, por cerca da 1.50 horas, ao lugar de Vale de Cerejeira, área desta comarca, onde estacionou o veículo na estrada Nacional, deslocou-se a pé, tendo andado 94 passos, ao interior da mata e ateou fogo, tendo ardido uma área de cerca de 0,4 hectares, composta de mato, pastagem e pinheiro bravo no valor não apurado, propriedade de FLL.
2.1.10. Na execução dos planos previamente por ele traçados, o arguido utilizava, como método de ignição, fósforos de uma caixa pequena que trazia consigo no bolso das calças.
2.1.11. Ao lançar fogo às matas e pinhais descritos os incêndios 2.1.1., 2.1.3., 2.1.5. e 2.1.6., intentou o arguido, com tais condutas, e em cada uma delas, criar perigo para as pessoas e bens patrimoniais alheiros de valor superior a 800.000$00.
2.1.12. O arguido agiu com o propósito de causar danos sobre os bens juridicamente tutelados.
2.1.13. O tempo era de estio, quente e seco e porque soprava algum vento, era previsível que o fogo se ateasse nas áreas adjacentes.
2.1.14. O arguido agiu, livre voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta era proibida e punida lei.
2.1.15. O arguido fez o descrito seguindo planos por si delineados em momento prévio.
2.1.16. Os incêndios referidos em 2.1.5. e 2.1.6. foram combatidos por bombeiros e populares.
2.1.17. Os incêndios referidos em 2.1.1. e 2.1.3. foram combatidos por populares.
2.1.17. Do certificado de registo criminal do arguido de fls. 282 nada consta.
2.1.18. O arguido tem dois filhos com idades de 8 e 10 anos que andam na escola.
2.1.19. O arguido trabalha na Suíça onde aufere 3.200 Francos Suíços, ou seja 4.766,00€ = (1,48 € x 3.200). E tem a 4ª. Classe.
2.1.20. O arguido é considerado pelas testemunhas JM, JC, D por boa pessoa e pessoa trabalhadora.
2.1.21. O arguido não quis falar sobre os factos que lhe eram imputados.
2. Não se provou
2.2.1. Que os incêndios referidos em 2.1.1. e 2.1.3. fossem combatidos por bombeiros.
2.2.2. que o incêndio referido em 2.1.6. tenha causado um prejuízo de 30.000$00.

3. Motivação
A convicção do tribunal assentou na inteligibilidade da prova produzida no seu conjunto tendo em conta o referido pelas testemunhas e pelos documentos juntos. Sendo que no tocante à situação económica no referido pelo arguido, já que, quanto aos factos de que vem acusado nada disse.
Na verdade a testemunha MHF, capitão da G.N.R., referiu que após ter ouvido as testemunhas N e B, que lhe referiram a primeira ter visto o arguido no dia do incêndio em Folga no café de Castanheira de Ermida, ao anoitecer, e a segunda lhe ter referido que cerca das 23/24 horas viu o arguido no entroncamento de Vale de Mós, com o carro estacionado, referindo-lhe estar mal disposto, o que as respectivas testemunhas confirmaram, falou com o arguido.
Que nessa conversa o arguido confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da G.N.R., referido que o capitão MHF lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.
Face a tal confissão o arguido, o capitão MHF e as testemunhas ACF, RAN e VP, na companhia de um fotógrafo foram aos locais dos incêndios ocorridos, nos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 e 20 de Julho do mesmo ano, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo «onde deixou o veículo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso». Tendo sido tiradas fotografias ao arguido mostrando como fazia, fotografias juntas a fls. 11 a 21. O capitão MHF após o arguido referir como ateara os fogos e o sitio onde os ateava fez medições a passo. As mesmas pessoas, com excepção da testemunha VP, fizeram a mesma operação quanto ao incêndio de Folga.
A confissão dos quatro incêndios ao capitão MHF é corroborado pela testemunha L, mulher do arguido, ao afirmar que o seu marido lhe dissera ter confessado os mesmos. Porém, o mesmo disse-lhe «que o fez por o capitão MHF lhe ter dito que se o fizesse o processo era arquivado». Diz ainda que o seu marido confessou a autoria dos incêndios à Juíza que o ouviu no Tribunal Judicial de Oleiros, por estar convencido de que dessa forma o processo era arquivado.
O tribunal não deu credibilidade ao depoimento da testemunha L, nesta matéria, desde logo, por segundo as regras de experiência comum, não se poder acreditar que alguém confesse a prática de crimes de incêndio, tendo até em conta o lugar onde o mesmo foi ateado, pinhal e mato, sabendo-se a repulsa que estas gentes têm aos autores de tais crimes.
Por outro lado como se não pode dar credibilidade a tal confissão perante o agente de autoridade o capitão MHF, se o arguido explicou como fizera e os locais exactos onde ateou os fogos, por essa razão o tribunal tem de acreditar que a confissão do arguido corresponde à verdade. Aliás, se fosse o capitão MHF a dizer ao arguido confesse a autoria de tais crimes, o arguido podia, até porque o capitão MHF não estava no gabinete quando o arguido foi ouvido, ter dito à Juíza que não foi ele o autor de tais crimes, mas não, antes o voltou a confessar, como disse a testemunha L, mulher do arguido.
É certo que a testemunha L, mulher do arguido referiu que o seu marido não podia ter sido o autor dos incêndios ocorridos nos dias 25 de Fevereiro, no lugar de Barroco da Ponte, nem o do dia 16 de Julho, do ano de 2000, ocorrido no lugar de Corga D`Água Fria, por no primeiro ter chegado a casa do trabalho e se ter deitado e no segundo não ter andado com o veículo. Porém, o arguido confessou ao agente de autoridade, que ateou os dois incêndios e que o do dia 16 o fez quando regressava da festa.
Quanto ao incêndio do dia 16 as testemunhas AD e D referiram, a primeira que o seu irmão D, a aqui segunda testemunha, cerca das 23/23.30 vinha da festa e viu lume, que face à extensão teria sido ateado à cerca de 10/15 minutos. Por essa razão pediu-lhe para falar com L para telefonar aos bombeiros, o que fez, tendo a L referido que ia procurar a chave da casa da sua mãe, sendo que não telefonou. Dizem ambas as testemunhas que o arguido estava presente e não ajudou a apagar o lume. Sendo que o lume, andava a cerca de 50 metros da casa do arguido.
É certo que a testemunha L, ainda referiu, como se explica que tenha sido o arguido, seu marido a atear o fogo, se o mesmo estava perto da sua casa e ardiam as suas coisas?
Porém, não é menos certo, e menos explicável, se o arguido tivesse esse tal medo tinha ajudado a combater o incêndio, aliás, o que é feito sempre e é o que as regras da experiência nos dizem, então o porquê do arguido não o ter feito?
Ora, isso só vai dar consistência à sua confissão, não o fez porque ele próprio não se preocupou com o que ardesse ou não.
Também é verdade que a testemunha L referiu, que a Isabel lhe referiu «que o seu marido, o arguido, esteve a falar com cerca de uma hora, entre as 21/22 horas coisa mais coisa menos, e que nessa altura passou alguém a dizer que havia lume na Folga».
Face a tal o Tribunal nos termos do art.º 340, do C.P.P. notificou a Isabel para testemunhar, tendo a mesma corroborado o dito pela L.
Porém as testemunhas N e B referiram a primeira que viu o arguido no café de Castanheira da Ermida, ao anoitecer, 21/21.30horas, e o B referido que encontrou o arguido no entroncamento de Vale de Mós, cerca das 23/24 horas e que não viu lume.
Face a estes depoimentos a credibilidade do referido pela testemunha Isabel ficou abalado, desde logo, como se pode explicar que o arguido tenha estado a falar com ela entre as 21/22 horas, se o mesmo foi visto no café da Castanheira de Ermida ao anoitecer, 21/21.30 horas. Por outro lado a ser verdade que o arguido esteve a falar com a Isabel entre as 21/22 horas e que nessa altura já havia lume, como o mesmo não foi visto pela B, sendo que era noite e como se sabe o lume de noite é visto a grandes distâncias.
Para além, disso, e como já dissemos atrás, não se aceita que o arguido tenha confessado a autoria de tais crimes e o local onde ateou os mesmos senão tivesse sido ele o autor.
Assim, e tendo em conta ao tudo e às regras da experiência comum, como alude o art.º. 127 do C.P.P. o tribunal deu credibilidade à versão das autoridades e isto muito embora a testemunha JM tenha referido que o arguido é uma pessoa muito influenciável, o certo é que não é credível, que tivesse sido o capitão MHF a dizer ao arguido "não foi aqui que ateaste o incêndio, para o influenciar", tanto mais que havia outros agentes e até um fotografo, assim, não vimos que o arguido tenha confessado a autoria dos incêndios por qualquer influência. Tanto mais que os confessou quando ouvido no tribunal e certamente aí não foi influenciado por ninguém.
Quanto às áreas ardidas e valores a convicção do tribunal assentou no referido pelas testemunhas MHF ao referir que a área ardida em Folga terá sido cerca de 4/5 hectares, a testemunha ACF 3,5/4 hectares o de Folga e o de Vale Cerejeira, cerca de 20/300 m2, que os prejuízos do incêndio de Folga foram superiores a 800 contos. Por sua vez a testemunha RAN referiu que os incêndios de 25 de Fevereiro e 16 de Julho terão consumido áreas na ordem dos 100 m2, o do dia 19 área na ordem dos 4 hectares e o do dia 20 cerca de 0,5 hectares, por sua vez a testemunha VP refere que as áreas ardidas os do dia 25 de Fevereiro e 16 de Julho na ordem dos 0,5 hectares e os do dia 20 na ordem dos 5 hectares.
Por sua vez a testemunha JLM, proprietário de terra no local do Barroco, referiu terem ardido cerca de 700/800 m2, de pinhal, eucalipto e mato, o que lhe causou um prejuízo de cerca de 200.000$00/250.000$00.
A testemunha AM, ardeu-lhe propriedade em Folga, com pinheiros e mato, não sabendo o prejuízo.
O JA arder propriedade em Folga com pinheiros grandes e pequenos, cada pinheiro na ordem dos 2.500$00 terão ardidos 100 a 150 pinheiros e uma área de 200 m2. O JS refere ter ardido pinhal pequeno de cerca de 30.000$00, o SDM referiu que em Folga lhe ardeu 1,0026 ha, ardeu pinhal e mato, o JF ardeu pinhal e mato, o CDS ardeu-lhe em Folga 25,980 m2, de pinhal.
Todas as testemunhas referem que se os incêndios não fossem extintos se propagavam, tendo as testemunhas ACF, RAN e VP que com essa propagação o prejuízo causado seria muito superior a 800.000$00. Referem também que os incêndios de Folga e Cerejeira foram combatidos por populares e bombeiros, bem como nos relatórios de fls. 36, 45, 120 e 150.
As testemunhas JM, JC e D têm o arguido como boa pessoa e trabalhadora.
Importante foram também os documentos de fls. 36 e 45 auto da policia florestal, fls., 120 e 150 relatório da ocorrência dos bombeiros voluntários de Oleiros, referentes aos incêndios dos dias 19 e 20 de Julho de 2000, bem como o certificado de registo criminal do arguido de fls. 282.
Quanto aos não provados na falta de prova sobre os mesmos.»

Com base naqueles factos, o tribunal colectivo julgou a acusação procedente por provada e, consequentemente, como autor material de três crimes de incêndio, condenar o arguido:
a) Na pena de 3 anos e 4 meses de prisão, pela prática do incêndio ocorrido no dia 25 de Fevereiro de 2000.
b) Na pena de 3 anos e 2 meses de prisão, pela prática do incêndio ocorrido no dia 16 de Julho de 2000.
c) Na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática do incêndio ocorrido nos dias 19 e 20 de Julho de 2000.
Em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos de prisão.

Inconformado, recorreu o arguido à Relação de Coimbra, que, depois de ter anulado um primeiro julgamento, decidiu negar provimento ao recurso, confirmando a parte impugnada do acórdão recorrido.

Ainda irresignado, recorre agora o arguido ao Supremo Tribunal de Justiça, assim delimitando conclusivamente o objecto do seu recurso:
1.ª - De acordo com o douto Acórdão ora recorrido, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra entendeu não ter havido violação do disposto no art.º 410°, n° 2 als. a) e c) do CPP.
2.ª - No essencial o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, assenta a sua convicção, além do mais e nomeadamente, no facto do Tribunal Colectivo ser soberano na apreciação da prova nos termos do art.º 410.º, n° 2 do CPP e os vícios ali referidos só poderem servir de fundamento à motivação de recurso desde que resultem do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e ao facto de ter entendido que o acórdão proferido não enferma de erros notórios na apreciação da prova, pois os factos dados como provados e não provados são claros, precisos e encontram-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação.
3.ª - Com o devido e merecido respeito que nos merece o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, entende o ora recorrente que ao contrário do referido no douto acórdão de que ora se recorre, o douto acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Oleiros violou o disposto no art.º 410.°, n° 2 als a) e c) do CPP, sendo que os factos em que este tribunal assentou a decisão condenatória, como se refere expressamente na respectiva motivação, não são suficientes para se proferir uma sentença de condenação.
4.ª - O Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Oleiros assentou a decisão condenatória, como se refere expressamente na respectiva motivação do douto Acórdão, na credibilidade que deu à versão das autoridades, ou seja, baseou a sua convicção unicamente nos depoimentos da testemunha MHF, capitão da GNR, que, em conversa informal com o arguido, disse que este lhe confessou a autoria dos quatro incêndios, bem como o local e o modo como ateou os mesmos, tendo as testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da GNR, referido que o capitão MHF lhes disse nessa altura que o arguido confessara a autoria dos mesmos.
5.ª - Face a tal confissão informal, ou seja, fora de auto, o capitão MHF e as testemunhas ACF, RAN e VP, foram aos locais dos incêndios, tendo o arguido explicado a forma como fizera para atear os incêndios, referindo onde deixou o veiculo estacionado, até onde entrou na mata a pé e que acendia os incêndios com uma caixa de fósforos que trazia no bolso.
6.ª - Em face do exposto, e porque, a decisão condenatória se baseou tão somente na valoração do depoimento do capitão MHF, que, em conversa com o arguido e ora recorrente. antes da sua constituição como arguido lhe confessou a autoria dos incêndios, e, das testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da GNR, a quem o referido capitão MHF disse que o arguido confessara a autoria dos mesmos, entende o ora recorrente que, nomeadamente, por não poderem ser valorados tais depoimentos e por não existirem quaisquer vestígios recolhidos e respeitantes ao arguido, é insuficiente tal prova para a decisão condenatória proferida, o que resulta do texto do acórdão por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, tendo existido, também pelas mesmas ordens de razão, erro notório na apreciação da prova.
7.ª - Em face do exposto, o douto acórdão de que ora se recorre, ao assim não considerar, ou seja, ao considerar não ter havido violação do art.º 410.°, n° 2 als. a) e c) do CPP, violou o preceituado nesse art.º 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do CPP, ao considerar, nomeadamente, que da matéria fáctica referida no douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo ressalta que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos do crime de incêndio p. e p. pelo art.º 272°, n° 1, al. a) do CP.
8.ª - De acordo com o acórdão ora em recurso, entendeu ainda o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que não está vedado ao Tribunal valorar a conversa que a testemunha MHF teve com o arguido antes deste ser constituído como tal pois só não é permitida tal valoração quando os depoimentos recaem sobre declarações prestadas pelo suspeito ou arguido em auto, nada obstando à valoração do conteúdo do depoimento dos elementos da GNR, pois se está perante uma constatação directa de um facto e não de reprodução do conteúdo de declarações prestadas nos autos pelo arguido.
9.ª - Igualmente entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que o depoimento das testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da GNR, a quem o referido capitão MHF disse que o arguido confessara a autoria dos mesmos, não são depoimentos indirectos e que não foram admitidos em violação do disposto nos arts. 128°, n° 1 e 129° do CPP, pois foram prestados em audiência à qual assistiu o arguido, podendo este sempre tomar posição, opondo-lhes a sua versão e colocando-os em crise.
10.ª - Salvo o devido respeito que nos merece o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, entende o arguido que não podia este, no douto acórdão ora em recurso, considerar que o depoimento de tais testemunhas, MHF, capitão da GNR e ACF, RAN e VP, soldados da GNR, podia e devia ser valorado.
11.ª - No que respeita à testemunha MHF, capitão da GNR, temos que as declarações informais prestadas pelo arguido a tal testemunha, agente da autoridade o foram antes da sua constituição como arguido, pois, como resulta dos autos, só posteriormente a tais declarações e, inclusive, só posteriormente à ida aos locais dos incêndios e posteriormente a serem tiradas as fotografias de fls. 11 a 21 dos autos, o arguido foi constituído como tal. - Cfr., nomeadamente, fls. 3 e 9 dos autos.
12.ª - Assim, não podiam tais declarações informais prestadas pelo arguido ao capitão MHF, ser utilizadas como prova contra si por ter havido a omissão do preceituado no n.° 1 do art.º 59.° do CPP.
13.ª - De acordo com o preceituado no art.º 59.°, n.° 1, do CPP, se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto, suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n° 2 do art.º 58.° do CPP, ou seja, procede-se à comunicação de que o inquirido passa a ser arguido.
14.ª - Ora, não tendo sido observado o n° 1 do art.º 59° do CPP, então, as declarações do arguido prestadas antes de ser constituído como tal não podem ser usadas como prova contra si, por força do n° 3, do art.º 59°, que remete para o n° 4 do art.º 58°, todos do CPP, quer se trate de declarações em auto, quer se trate, como foi o caso, em declarações informais, ou seja, fora de auto.
15.ª - Para além disso, antes de se deslocarem ao local onde ocorreram os incêndios com um fotógrafo e porque o então suspeito já se encontrava detido, igualmente sempre seria obrigatória, desde logo, a sua constituição como arguido, nos termos do disposto na alínea c) do n° 1 do art.º 58.° do CPP.
16.ª - Não o tendo sido, ou seja, não tendo sido observado o disposto na alínea c) do n° 1 do art.º 58° do CPP, implica igualmente que as declarações prestadas pela pessoa visada, nomeadamente, nos locais onde ocorreram os incêndios, não podem ser utilizadas contra ela, por força do disposto no n° 4 do art.º 58° do CPP.
17.ª - Relativamente às testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da GNR, igualmente as declarações por estes prestadas não poderiam ser valoradas, até porque estas testemunhas só referem que o capitão MHF lhes disse, na altura, que o arguido confessara a autoria de quatro incêndios.
18.ª - Entendemos, assim, que não podia o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra concluir, como concluiu que os depoimentos de tais elementos da GNR devem e podem ser valorados, quer quanto ao que o então suspeito referiu ao agente da autoridade, capitão MHF, por ter havido a omissão do preceituado n° 1 do art.º 59 do CPP, não podendo pois, as declarações prestadas pelo ora arguido a tal agente de autoridade ser usadas como prova contra si, o que não implica qualquer nulidade, determinando antes que tais declarações prestadas pelo então suspeito, que só a ele poderiam afectar, não podiam ser utilizadas contra si como prova, violando assim o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 59°, n° 1 e 3 e 58°, n° 4, ambos CPP. - No mesmo sentido Ac. Do STJ de 11/10/95, in BMJ. 450/110, Ac. do STJ de 11/07/2001 in CJ.(ST J) 2001, 3 166 e segs. e Ac. da Rel. de Coimbra de 11/05194 in CJ. Tomo III/48,
19.ª - Quer quanto ao depoimento das testemunhas ACF, RAN e VP, soldados da GNR, a quem o referido capitão MHF disse que o arguido confessara a autoria dos mesmos, pois sempre serão depoimentos indirectos, tendo sido admitidos em violação ao disposto nos art.ºs 128.°, n° 1, e 129° do CPP .
20.ª - Para além do depoimento destas testemunhas, agentes de autoridade, de acordo com a respectiva motivação explanada no Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo de Oleiros, entendemos não existir complementarmente outras provas no sentido de ter sido o arguido o autor de tais incêndios.
21.ª - De acordo o disposto nos arts. 356.º n° 7, e 357° n° 2, ambos do CPP, os órgãos de policia criminal que tenham recebido declarações cuja leitura não for permitida, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas. Tal proibição estende-se, igualmente, aos órgãos de policia criminal que tenham participado na sua recolha.
22.ª - As testemunhas referidas, elementos da GNR, só têm conhecimento dos factos resultantes das declarações que receberam ou em que participaram na sua recolha, o capitão MHF por "em conversa" com o arguido este lhe ter confessado a autoria dos quatro incêndios e as testemunhas ACF, RAN e VP, por o capitão MHF lhes ter dito que o arguido confessara a autoria dos quatro incêndios.
23.ª - É certo que estas normas se referem a declarações que tenham sido reduzidas a escrito, mas a razão de ser da proibição é a mesma para as declarações que foram feitas constar de auto e para as que não foram, mas a circunstância de a lei não falar em declarações não reduzidas a auto só significa que tudo se passa como se elas não existissem.
24.ª - Se as declarações não reduzidas a auto estivessem fora da previsão do art.º 357.° n.° 1 como refere o acórdão ora em recurso, estaria encontrada a forma de contornar a aludida proibição legal, pois muito difícil seria provar que o elemento da GNR actuou desse modo - não redução a auto das declarações que lhe foram feitas - com o propósito de tornear essa proibição legal.
25.ª - As declarações não reduzidas a auto não podem ser valoradas sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados. Haveria fraude à lei se se permitisse a valoração de conversas informais entre o arguido e os elementos da GNR, não documentadas e fora de qualquer controle.
26.ª - Em face de toda a matéria exposta, entende o arguido que não poderão ser valorados os depoimentos prestados pelas testemunhas MHF, ACF, VP e RAN, uma vez que o seu depoimento versa sobre declarações prestadas pelo suspeito ou pelo arguido no processo, dos mesmos factos trata e assentam nas declarações do mesmo arguido, sendo um seu complemento.
27.ª - Ao concluir o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no douto acórdão ora em recurso, que os depoimentos de tais testemunhas devem e podem ser valorados, ou seja, ao concluir que podem ser valorados os depoimentos indirectos das testemunhas em contravenção dos citados dispositivos legais e ao concluir que pode ser valorado o depoimento do elemento da GNR que prestou declarações com base em conversas informais, violou assim, o disposto nos art.ºs 128°, n° 1, 129° n° l, 356° n° 7 e 357°, n° 2, todos do C.P.P.
28.ª - Assim sendo, resulta também do próprio texto do douto acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo de Oleiros que a matéria de facto provada é insuficiente para a decisão condenatória, violando-se, assim, o disposto no artigo 410.º n° 2, alínea a), do C.P.P.
29.ª - No douto Acórdão proferido pelo Tribunal Colectivo de Oleiros, foi o arguido condenado pela prática de três crimes de incêndio e não quatro, uma vez que se considerou que "relativamente aos incêndios dos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 de Julho do mesmo ano e 19 e 20 de Julho de 2000 houve diversa resolução criminosa. Porém, os dois focos o do dia 19 de Julho e o do dia 20 do mesmo mês e atendendo á proximidade de cada um deles e á forma como foram ateados, afigura-se-nos que terá o arguido tido uma única resolução criminosa, por essa razão, pensamos que o arguido terá praticado três crimes de incêndio e não quatro."
30.ª - No douto Acórdão ora em recurso foi decidido não merecer censura o douto acórdão do Tribunal Colectivo por se ter entendido não resultar da matéria provada elementos que permitam ao julgador concluir que o arguido agiu no quadro de uma solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa, razão pela qual se entendeu ou concluiu pelo concurso de infracções.
31.ª - Também relativamente a esta questão se entende que, sendo verdade que as diversas acções do arguido são susceptíveis de se reconduzirem ao mesmo tipo legal de crime e uma vez que os bens jurídicos ofendidos não são eminentemente pessoais, temos que neste caso sempre se verificaria uma unidade criminosa, quanto muito, relativamente aos incêndios dos dias 16, 19 e 20 de Julho de 2000.
32.ª - Neste caso concreto, a acção do arguido integra o mesmo tipo legal de crime que protege bens não eminentemente pessoais e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminui consideravelmente a culpa do agente, razão pela qual, a resolução criminosa é una e isto apesar de as acções terem ocorrido nos dias 25 de Fevereiro e 16,19 e 20 de Julho de 2000, pois cremos que se verificaria uma persistência da resolução inicial em vez de novas determinações criminosas, dado até o facto do lapso de tempo que medeia entre cada uma ter sido pequeno.
33.ª - Assim, sem conceder, a manter-se a condenação do arguido, entende-se que o acórdão ora em recurso ao concluir pelo concurso de infracções violou o disposto no art.º 30.º, n° 1 e 2 do C. Penal, pois, neste caso sempre a condenação teria que ser por um único crime de incêndio, condenando-o pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto, dado que a resolução criminosa é una apesar das acções terem ocorrido em dias diferentes.
34.ª - Assim, o douto Acórdão ora recorrido violou o disposto nos citados artigos 59° n° 1 e n° 3 e 58° n° 4, todos do C. P. P. - que interpretou no sentido de que podem ser valoradas as declarações do arguido prestadas antes de ser constituído como tal e podem ser usadas como prova contra si, quando, no entendimento do recorrente e no sentido em que a norma devia ter sido interpretada é que, mesmo que alguém seja ouvido fora de auto, ou seja, informalmente, houver fundada suspeita de crime por ele cometido, como foi o caso nos presentes autos, suspender-se imediatamente tal audição e deve imediatamente ser constituído como arguido, sob pena de assim se assim não for, se ir a audição informal, violando-se o espírito da lei, sob pena de se assim não for, da utilização da prova resultante de tais declarações e da impossibilidade de tal prova ser utilizada contra ela, por força do n° 3 do art.º 59.º para que remete para o n° 4 do art.° 58° do CPP
35.ª - O douto Acórdão ora recorrido violou igualmente o disposto ° 356º, n° 7 e 357.° n° 2, ambos do C.P.P.- que interpretou no sentido de que, remetendo-se o arguido ao silêncio em audiência de julgamento como foi o caso, podem ser valorados os depoimentos dos elementos da GNR quando versem sobre relato de conversas extra processuais ou conversas informais havidas com o arguido, quando, no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que, quando o arguido, em audiência de julgamento, se remete ao silêncio, as declarações extra processuais ou conversas informais, ou seja, não reduzidas a auto, não podem ser valoradas, ou não podem servir como meio de prova pois não estão fora da previsão do n° 7 do art.º 357° do C.P.P. uma vez que a razão de ser da proibição relativamente ás declarações reduzidas a auto é a mesma e tais testemunhas só sabem aqui o que o arguido lhes disse ou dele ouviram, porque dos mesmos factos se tratam.
36.ª - O douto Acórdão ora recorrido violou também o disposto nos 128°, n° 1 e 129° ambos do CPP, que interpretou no sentido de que considerou que os depoimentos dos elementos da GNR em relação ao conteúdo do que ouviram dizer (uma vez que a fundamentação da prova relativa à autoria dos incêndios assenta unicamente em depoimentos indirectos dos elementos da GNR, não constando qualquer referência relativa á confirmação e veracidade do mesmo, face ao depoimento das testemunhas visadas) não eram depoimentos indirectos, na forma quando no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que, os depoimentos dos elementos da GNR, em relação ao conteúdo do que ouviram dizer a outra pessoa são depoimentos indirectos e, portanto, não podem servir como meio de prova.
37.ª - E a matéria de facto provada, visto isso, é insuficiente para a decisão, o que resulta do próprio texto do douto Acórdão ora recorrido, violando-se assim e também, o art.º 410.º n° 2 do CPP.
38.ª - Por mera cautela e sem prescindir do acima exposto, se assim se não entender, o douto Acórdão ora recorrido violou o disposto art.º 30.º do C. Penal, que interpretou no sentido de que considerou ter existido concurso de infracções relativamente aos incêndios dos dias 25 de Fevereiro de 2000, 16 de Julho do mesmo ano e 19 e 20 de Julho de 2000, ou seja, houve diversa resolução criminosa, embora considerando que os incêndios do dia 19 e do dia 20 de Julho o arguido terá tido uma única resolução criminosa, quando, no entendimento do recorrente o sentido em que tal norma devia ter sido interpretada é que se verificaria uma persistência da resolução inicial em vez de novas determinações criminosas, dado até o facto do lapso de tempo que medeia entre cada uma ter sido pequeno, pelo que a manter-se a condenação do arguido, tal condenação teria que ser por um único crime de incêndio, condenando-o pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto, dado que a resolução criminosa é una apesar das acções terem ocorrido em dias diferentes.
Termos em que e nos melhores de direito e sempre com o mui douto suprimento de V.Ex.as, deve julgar-se provido o presente recurso, e em conformidade revogar-se e/ou anular-se o douto Acórdão ora recorrido, sendo em conformidade substituído por outro que absolva o arguido FJS pela prática dos crimes de incêndio porque vinha acusado, ou, se assim se não entender, alternativamente seja o processo reenviado para novo julgamento nos termos do disposto no art.º 426°, n° 1 do CPP. ou ainda e se assim também não se entender seja o arguido condenado pela prática de um único crime de incêndio, condenando-o pelo mínimo legal aplicável ao caso concreto, assim se fazendo Justiça.
A esta motivação respondeu o MP junto do tribunal recorrido defendendo o julgado (1).
Subidos os autos, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se pela sua remessa para julgamento em audiência.

As questões a decidir são essencialmente estas:

A - Os alegados vícios da matéria de facto - erro notório e insuficiência para a decisão.
B - A valoração dos depoimentos dos agentes de polícia criminal que tomaram declarações ao arguido, tendo-se este remetido ao silêncio em audiência. Concomitantemente, o valor, in casu, das chamadas «declarações informais» alegadamente confessórias, do arguido, perante aquele órgãos de polícia criminal.
C - A questão da qualificação dos factos - crimes plúrimos ou um só crime continuado.

2. Colhidos os vistos legais e realizada a audiência, cumpre decidir.

A - Vícios da matéria de facto

Sobre este ponto já o Tribunal da Relação ora recorrido se pronunciou com proficiência, ante o recurso do arguido ali movido:
«Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e do erro notório na apreciação da prova:
Refere-se na motivação do recorrente que há razões para absolvição, uma vez que não existem quaisquer vestígios recolhidos e respeitantes ao arguido.
O recorrente impugna o acórdão recorrido sustentando não haver matéria de facto provada para a condenação, bem como põe em causa a forma e os meios pelos quais o tribunal a quo formou a sua convicção.
O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, é a insuficiência da matéria de facto para aquela decisão de direito, que não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida.
Sendo o Tribunal Colectivo soberano na apreciação da prova, nos termos do art. 410.º, 2, do CPP, os vícios ali referidos, só podem servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resultem do texto do acórdão recorrido por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.
Não se tendo procedido à documentação da prova produzida oralmente em audiência, não pode este tribunal de recurso modificar a decisão da primeira instância quanto á matéria de facto, conforme se extrai do art. 431.º, do CPP, só podendo intervir nos termos consignados do art. 410.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.
No caso dos autos é manifesto que do texto consta como provado ser o arguido o autor material dos incêndios que lhe são imputados e descritos na acusação.
A matéria de facto dada como assente, no acórdão recorrido, não enfermando este de outros vícios ou nulidades, é suficiente e adequada para conduzir necessariamente à condenação do arguido.
É o que decorre dos factos provados no texto do acórdão de 2.1.1 a 2.1.15. Ressalta da matéria fáctica ali referida que o arguido preencheu com a sua conduta todos os elementos típicos do crime de incêndio, p. e p. pelo art. 272.º, n.º 1, al. a), do CP.
Não há pois violação do art. 410.º n.º 2, al. a), do CPP.
O vício do erro notório na apreciação da prova e referido no n.º 2, al. c), do mesmo artigo, traduz-se na crítica dos factos provados e não na apreciação dos factos provados, tendo em vista a aplicação do direito.
A apreciação da prova pelo julgador, como atrás já referimos é livre, embora a discricionaridade na apreciação da prova tenha o limite das regras da experiência comum, utilizando como método de avaliação e aquisição do conhecimento critérios objectivos, genericamente susceptíveis de motivação e de controlo, nos termos do art. 127.º do CPP.
Neste sentido se pronunciou o Tribunal Constitucional em Acórdão de 19- 11-96, in BMJ, 461,93.
O recorrente questiona não o texto do acórdão recorrido, mas sim o modo como o tribunal procedeu à apreciação da prova que foi produzida.
Diremos que há erro notório na apreciação da prova quando pela sua evidência não passa despercebido à normal observação das pessoas, verificando-se quando se dá como provado um facto com base em juízos lógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
Se é posta em causa a decisão recorrida, alegando os vícios a que se refere o n.º 2 do art. 410.º do CPP, mas fora das condições previstas nesse normativo, afinal impugna a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos, em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecido da regra da livre apreciação da prova inseria no art. 127° do CPP.
O vício, previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 410.º, existe quando, do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulta evidente, por não passar despercebido ao comum dos observadores, uma conclusão sobre o significado da prova, contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito dos factos relevantes para a decisão de direito. Neste sentido Acórdãos do STJ de 11-10-95, in BMJ, n.º 450, pág. 110, de 17- 12-97, in BMJ n.º 472, pág. 407, de 5-2-98, in CJ STJ Ano VI, tomo I, pág. 195 e de 22/10/99 in BMJ n.º 490, pág. 200.
Não vem alegado concretamente qualquer erro notório que conste da decisão recorrida, nem nos parece ele existir, pelo que não se mostra violada a norma do art. 410°, n.º 2 al. c) do CPP
Diremos que há erro notório na apreciação da prova quando pela sua evidência não passa despercebido à normal observação das pessoas, verificando-se quando se dá como provado um facto com base em juízos ilógicos, arbitrários ou contraditórios, claramente violadores das regras da experiência comum.
Ora, o acórdão proferido não enferma de erros notórios na apreciação da prova, pois os factos dados como provados e não provados são claros, precisos e encontram-se em consonância com a pormenorizada e lógica motivação, não se podendo retirar do texto daquele conclusão contrária à exposta pelo tribunal a quo.
Não há pois violação do art. 410.º, n.º 2, al. c ), do CPP.»

Importa referir aqui que a matéria de facto em que assentou a Relação para chegar à conclusão de direito a que chegou é exactamente a que foi apurada pelo tribunal colectivo de 1.º instância.
Pois bem.
Conforme repetidamente aqui tem sido decidido (2) a questão dos vícios da matéria de facto claramente, versa, em repetição, matéria de facto cujo conhecimento sai fora dos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça.
Com efeito, em regra, «o recurso da decisão proferida por tribunal de 1.ª instância interpõe-se para a relação» (art. 427.º do Código de Processo Penal).
E só excepcionalmente - em caso «de acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito» - é que é possível recorrer directamente para o STJ (art.s 432.º, d), e 434.º).
Ora, como resulta do exposto, o actual recurso - proveniente da Relação (e não, directamente, do tribunal colectivo) - visa, fundamentalmente, o reexame de matéria de facto (e, só instrumentalmente, a legalidade do processo e das provas que, no assentamento dos factos provados, mediaram e fundamentaram a convicção do tribunal colectivo). De qualquer modo, não visa, exclusivamente, o reexame da matéria de direito (art.º 434.º do CPP).
Aliás, o reexame pelo Supremo Tribunal exige a prévia definição (pela Relação) dos factos provados.
E, no caso, a Relação - avaliando a regularidade do processo de formação de convicção do tribunal colectivo a respeito dos factos impugnados no recurso (a intervenção da arguida no homicídio do marido, nomeadamente o dolo nessa actuação) - manteve-o, definitivamente, no rol dos «factos provados».
De resto, a revista alargada prevista no art. 410.º, n.ºs 2, e 3 do Código de Processo Penal, pressupunha (e era essa a filosofia original, quanto a recursos, do Código de Processo Penal de 1987) um único grau de recurso (do júri e do tribunal colectivo para o STJ e do tribunal singular para a Relação) e destinava-se a suavizar, quando a lei restringisse a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito (o recurso dos acórdãos finais do júri ou do colectivo; e o recurso, havendo renúncia ao recurso em matéria de facto, das sentenças do próprio tribunal singular), a não impugnabilidade (directa) da matéria de facto (ou dos aspectos de direito instrumentais desta, designadamente «a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não devesse considerar-se sanada»).
Essa revista alargada para o Supremo deixou, por isso, de fazer sentido - em caso de prévio recurso para a Relação - quando, a partir da reforma processual de 1998 (Lei 59/98), os acórdãos finais do tribunal colectivo passaram a ser susceptíveis de impugnação, «de facto e de direito», perante a Relação (art.s 427.º e 428.º n.º 1).
Actualmente, com efeito, quem pretenda impugnar um acórdão final do tribunal colectivo, de duas uma: - se visar exclusivamente o reexame da matéria de direito (art. 432.º d), dirige o recurso directamente ao Supremo Tribunal de Justiça; - ou, se não visar exclusivamente o reexame da matéria de direito, dirige-o, «de facto e de direito», à Relação, caso em que da decisão desta, se não for «irrecorrível nos termos do art. 400.º», poderá depois recorrer para o STJ (art.º 432.º b).
Só que, nesta hipótese, o recurso - agora, puramente, de revista - terá que visar exclusivamente o reexame da decisão recorrida (a da Relação) em matéria de direito (com exclusão, por isso, dos eventuais vícios, processuais ou de facto, do julgamento de 1.ª instância), embora se admita que, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do Supremo para além do que tenha de aceitar-se já decidido definitivamente pela Relação, em último recurso, aquele se abstenha de conhecer do fundo da causa e ordene o reenvio nos termos processualmente estabelecidos.
O que significa que está fora do âmbito legal do recurso a reedição dos vícios apontados à decisão de facto da 1.ª instância, em tudo o que foi objecto de conhecimento pela Relação.
Para mais quando, como no caso, para além do objecto do recurso já apreciado pelo tribunal ora recorrido, não se vislumbram outros vícios a que fosse mister dar resposta.
A matéria de facto transcrita tem assim de ter-se como adquirida, ao menos enquanto subtraída aos vícios das alíneas a) e c) - erro notório na apreciação da prova, e insuficiência da matéria de facto para a decisão - do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal, tal como resulta do decidido pelo tribunal a quo.
É que, sendo, como se viu, a mesma, a matéria de facto em que assentaram as instâncias para decidir, não se vê como defender que tal matéria seja insuficiente para fundar a decisão condenatória, uma vez que, como se frisa no acórdão ora recorrido, estão lá todos os elementos constitutivos - objectivos e subjectivos do crime em causa - acontecendo, mesmo, que, pela leitura dos factos provados e não provados se conclui facilmente que as instâncias esgotaram o thema probandum demarcado pela acusação, o que, a não ter acontecido, e, não obstante, tivesse sido proferida decisão - fosse ela qual fosse - isso sim, levaria inevitavelmente à existência do falado vício de insuficiência.
Mas no caso, esgotado esse thema e tendo-se logrado reunir os factos constitutivos do crime acusado, manifestamente inexiste o falado vício.
Mesmo o invocado «erro notório» na apreciação da prova só existiria acaso se tivessem dado como provados factos que, manifestamente, aos olhos de qualquer leitor do texto do acórdão recorrido, não pudessem ter-se verificado, ou seja, no caso, se, de todo, se mostrasse impossível que o arguido pudesse ter praticado os factos de que fala o texto do acórdão recorrido, o que não se vislumbra em lado algum. Seria o caso, por exemplo, de se ter dado como provado que nos dias dos incêndios ele estava ausente na Suíça e, não obstante, se tivesse dado igualmente como provado ter sido ele o autor material dos factos em causa, ocorridos em Oleiros.
Não sendo esse o caso, ou seja, não resultando do texto do acórdão essa ou qualquer outra circunstância que leve a ter como de impossível verificação a realidade fáctica apurada, está fora de causa a invocação triunfante de «erro notório» na apreciação da prova.
É certo que o recorrente contesta a validade da valoração de alguns dos meios de prova em que se basearam as instâncias, como sejam os depoimentos dos órgãos de polícia criminal valorados, mormente pelo tribunal recorrido.
Mas essa questão faz parte de outro «capítulo», melhor dizendo, da legalidade das provas, que, ao contrário do que defende o MP na 1.ª instância (fls. 587 e segs.), sendo, embora, uma questão ligada à aquisição dos factos, não é uma questão de facto, não deixando de constituir, ao invés, uma genuína questão de direito, ligada à legalidade das provas, e assim, da formação da convicção do tribunal, plenamente inserida, pois, nos domínios de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista - art.º 434.º do CPP.
Improcede, assim, manifestamente, esta vertente do recurso.

B - A valoração dos depoimentos dos órgãos de polícia criminal que tomaram declarações ao arguido, tendo-se este recusado a depor em audiência

Sobre este ponto discorreu o Tribunal da Relação ora recorrido:
«Valoração do depoimento das testemunhas da GNR:
Alega ainda o recorrente que os depoimentos das testemunhas MHF, capitão da GNR, ACF, RAN e VP, estes soldados da GNR, não são legalmente permitidos, por reproduzirem declarações do arguido, cuja leitura não é permitida.
Lembremos o que dispõe o art. 356.º, n.º 7, do CPP:
"Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas" .
Com tal nulidade não se pretende apreciar o depoimento das testemunhas, isto é, se o seu depoimento foi neste ou naquele sentido.
Pretende-se sim por em causa a validade processual de tais declarações, por não obedecerem aos requisitos legais, quanto à forma como foram produzidas.
Resulta dos autos que o arguido confessou os factos na fase de inquérito, remetendo-se depois em audiência de julgamento ao silêncio. Esta é a realidade com que o julgador tem de fazer justiça em fase de julgamento, com juízos de certeza e não com meras probabilidades.
Assim, encontrando-se o tribunal impedido de fazer uso das declarações de autoridades policiais, nos termos do art. 356.º, n.º 7, do CPP, como prova susceptível de ser valorada em audiência de julgamento, com base nas mesmas não podemos concluir que o arguido foi o autor dos incêndios, por não poderem ser utilizadas contra ele. Aplicando o princípio "in dubio pro reo", o arguido terá de ser absolvido e sê-lo-á sempre que uma acusação ou despacho de pronúncia se baseie quanto à autoria do crime em mera confissão em fase de inquérito ou em sede de instrução e que depois em audiência o mesmo arguido, opte pelo silêncio. A justiça formal deve aproximar-se mais da justiça material. Por isso, questiona-se a alteração dos art. 356.º e 357.º, do CPP, já que não há razão para não ler as declarações produzidas em fase de inquérito, uma vez que os arguidos são assistidos por advogado, contrariamente ao que sucedia no âmbito do Código de Processo Penal de 1929 e como tal tais declarações podiam e deviam ser utilizadas, de modo que o julgador pudesse averiguar as razões de terem sido produzidas neste ou naquele sentido, sempre com o sentido de que qualquer prova carreada para os autos é discutível até ao encerramento da audiência.
Sustenta assim o recorrente que não podem ser valorados os depoimentos das testemunhas em causa, na parte em que se baseiam em declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito.
Ora, no seu entender, não podendo ser utilizadas as declarações dos órgãos de polícia criminal, não pode o tribunal concluir atribuindo ao arguido a autoria dos crimes que lhe foram imputados.
Vejamos em que circunstâncias ocorreu a investigação levada a cabo pelos elementos da GNR, para daí podermos concluir se o tribunal colectivo tem prova válida para a decisão condenatória proferida ou se o arguido tem de ser absolvido, tendo em conta a limitações imperativas dos art. 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 1, al. b) e n.º, do CP.
Ora, nos termos do art. 55.º, n.º 2, do CPP, " compete em especial aos órgãos de polícia criminal, mesmo por iniciativa própria, colher notícias do crime e impedir quanto possível as suas consequências, descobrir os seus a agentes e levar a cabo os actos necessários e urgentes destinados a assegurar os meios de prova".
Se durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao acto suspende-o imediatamente e procede à comunicação de que passa a assumir a qualidade de arguido e à indicação dos seus deveres e direitos que lhe assistem, conforme dispõem os art. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2, ambos do CPP.
A preterição de tal formalidade implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não podem ser utilizadas como prova contra ela.
Neste sentido o Ac. do STJ de 11/10/1995, in BMJ n.º 450, pág. 110 e Ac. da Rel. de Coimbra de 11/5/1994, in CJ Ano XIX, Tomo III, pág. 48.
O arguido assumiu logo a autoria dos incêndios, no primeiro contacto, antes de constituído como arguido, mesmo antes de instaurado inquérito contra vele e até antes de se encontrar detido.
Assim, as declarações presenciadas por órgão de polícia criminal, não estão limitadas pelos artigos acima mencionados. Tal limitação e proibição de serem utilizadas também não estão abrangidas pelos art. 128.º e 129.º, do CPP, já que não se trata de um depoimento indirecto, mas sim de um depoimento de testemunhas que constataram o arguido a assumir a autoria dos incêndios e a reconstituição dos mesmos, o que foi feito por sua indicação de forma espontânea e sem qualquer coacção, estando presente como se refere na fundamentação para além dos agentes de autoridade, ainda o fotógrafo autor das fotografias de fls. 11 a 21.
Ainda quanto aos depoimentos dos elementos da GNR, que o recorrente alega tratar-se de depoimentos indirectos e que foram admitidos em violação d disposto nos art. 128.º, n.º 1 e 129.º do CPP, foram prestados em audiência à qual assistiu o arguido, podendo este sempre tomar posição, opondo-lhes a sua versão e colocando-os em crise.
Ao valorar tais depoimentos o tribunal não violou as apontadas normas legais.
O Tribunal Constitucional por Acórdão de 8- 7-99, in BMJ n.º 489, pág. 5, a propósito da valoração dada a depoimentos de testemunhas que relataram conversas informais que tiveram com um co-arguido que, chamado a depor em audiência se remeteu ao silêncio, no uso de legal direito, deliberou:
"Há, assim, que concluir que o art. 129.º, n.º 1 (conjugado com o art. 128.º, n.º 1), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o tribunal pode valorar livremente os depoimentos indirectos de testemunhas, que relatem conversas tidas com um co-arguido que, chamado a depor, se recusa a fazê-lo no uso do seu direito ao silêncio, não atinge, de forma intolerável, desproporcionada ou manifestamente opressiva, o direito de defesa do arguido. Não o atinge, ao menos na dimensão em que essa norma foi aplicada ao caso.
Por isso, não havendo um encurtamento inadmissível do direito de defesa do arguido, tal não é inconstitucional."
Neste sentido se pronunciou também o Ac. do STJ, de 30-9-98, in BMJ n.o '3 479, pág. 414.
Conforme dispõe o art. 249.º, n.º 1 e 2, al. b), do CPP, cabe ainda aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição.
Assim, o comandante da GNR, na sequência das suspeitas levantadas sobre o arguido contactou-o e como não é legalmente proibido tal contacto, nada obstará que possa ser valorado o conteúdo do mesmo, sendo certo que nesse primeiro contacto o arguido admitiu logo ser o autor dos incêndios que lhe eram imputados.
O art. 356.º, n.º 7, do CPP proíbe sim a inquirição como testemunha e consequentemente a inutilidade do depoimento, dos órgãos de polícia criminal que recebam declarações, cuja leitura seja proibida, não estando deste modo vedado o seu depoimento fora desse âmbito - Maia Gonçalves, in Código Processo Penal Anotado, 10. ª Ed., pág. 187.
Assim, não está vedado ao tribunal valorar a conversa que a testemunha MHF teve com o arguido antes de haver por parte daquele a imposição legal de o constituir como arguido.
Estamos pois perante uma constatação directa de um facto e não de reprodução do conteúdo de declarações prestadas nos autos pelo arguido.
Podemos assim concluir que só não é permitida a inquirição e consequente valoração de depoimentos prestados por agentes de autoridade quando aqueles recaem sobre declarações prestadas pelo suspeito ou arguido em auto, por lhe assistir a faculdade de não prestar declarações na audiência de julgamento - Ac. do STJ de 24/2/1993, in CJ (STJ), Ano 93, T. 1, pág. 202 e de 5/2/1998, in CJ (STJ), Ano 98, T.J, pág. 192.
Ainda segundo o Ac. do STJ de 11/12/1996, in BMJ n.o 462, pág. 299:
"Os agentes da Polícia Judiciária não ficam impedidos depor sobre factos de que tiveram conhecimento directo por meios diferentes das declarações do arguido no decurso do processo.
Ao agentes da Polícia Judiciária que procederam à reconstituição do crime podem depor como testemunhas sobre o que se terá passado nessa reconstituição, por esta situação não estar abrangida pelo n.º 7, do art. 356.º, do Cód. Proc. Penal" .
Aliás, na esteira deste entendimento, se pronunciou o douto acórdão de 15/05/2002, Recurso n.º 207/02-5, já proferido nestes autos, de fls. 423 a 436, do qual é relator o Ex.mo Senhor Desembargador Ribeiro Martins, votado por unanimidade.
Concluímos assim, que o depoimentos das testemunhas atrás referidas, enquanto órgãos de polícia criminal, postos em causa pelo arguido, devem e podem ser valorados nos termos expostos, pois não se enquadram legalmente proibidos pelos art. 58.º, n.º 4; 59.º, n.º 1 e 3; 356.º, n.º 7 e 357.º, n.º 2, 128, n.º 1 e 129.º, todos do CPP.»

É questionável, em certa medida, a bondade dos fundamentos do decidido pela Relação, mormente no que tange à valoração das chamadas «conversas informais» que a autoridade judiciária teria mantido com o arguido.
Tal como ponderou este Supremo Tribunal no Acórdão de 3/10/02, proferido no recurso n.º 2804/02-5, com o mesmo relator, «(...) as ditas «conversas informais», mormente de arguido, não podem ser valorizadas em sede probatória.
Neste concreto ponto limitar-nos-emos a invocar o decidido no aprofundado acórdão deste Supremo, datado de 11 de Julho de 2001(3), com cuja essência concordamos, e onde a dado passo se afirma que "...não podem ser tidas em conta conversas informais do arguido com agentes da PJ. Tais conversas informais, a propósito dos factos em averiguação, estão sujeitas ao princípio da legalidade, ínsito no artigo 2.º do CPPenal, proveniente do artigo 29.º da CRP (nulla poena sine judicio), só em processo penal podendo ser aplicada uma pena ou medida de segurança. O processo organizado na dependência do MP, tem de obedecer aos ditames dos artigos 262.º e 267.º Por isso, as ditas "conversas informais" só podem ter valor probatório se transpostas para o processo em forma de auto e com respeito pelas regras legais de recolha de prova."
Aliás, "não há conversas informais, com validade probatória à margem do processo, sejam quais forem as formas que assumam desde que não tenham assumido os procedimentos de recolha admitidos por lei e por ela sancionados...(as diligências são reduzidas a auto - artigo 275.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
Haveria fraude à lei se se permitisse o uso de conversas informais não documentadas e fora de qualquer controlo. Claro que, as «conversas informais», uma vez transpostas para o processo, deixarão de ser...informais".»
Mais adiante:
«(...)Com efeito, ressalvados os autos cuja leitura é permitida, não valem em julgamento, nomeadamente para formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência - art.º 355.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.
Recusando-se o arguido a prestar declarações em audiência, tal como a lei lho permite - artigo 343.º, n.º 1, já citado, do mesmo diploma - e não se verificando as demais hipóteses do artigo 356.º, mormente as do seu n.º s 3 e 4, e 357.º, a leitura dos autos que contenham declarações do arguido é proibida - n.º 1 b), do mesmo artigo.
Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiveram participado na sua recolha, não podem ser inquiridas como testemunhas sobre o conteúdo daquelas - n.º 7 do mesmo artigo.»
«(...) Há, pois, que distinguir a mera reconstituição dos factos - cuja legitimidade processual e valor probatório não se põem, obviamente, em causa - das declarações do arguido, estas sempre sujeitas ao falado regime específico de valoração previsto no Código de Processo Penal, ainda que produzidas a pretexto e (ou) em simultâneo com aquela «diligência externa».

Assim, se é certo que no caso o arguido foi convocado como mero suspeito, entre outros possíveis, e logo se prontificou a confessar, se tal confissão pudesse, eventualmente, ser o bastante para dar corpo à requerida «suspeita fundada» de ter sido ele o autor dos crimes em averiguação, nessa circunstância, a diligência deveria ter sido imediatamente suspensa e ter-se procedido à comunicação de que passava a assumir a qualidade de «arguido» bem como à indicação dos deveres e direitos que lhe assistiam, conforme dispõem os art. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2, ambos do CPP. A preterição de tal formalidade implicaria que as declarações prestadas pela pessoa visada não pudessem ser utilizadas como prova contra ela.
Nem se diga, como o faz a Relação ex adverso, e em jeito de justificação pretensamente bastante, que o então suspeito agiu em todo o processo de averiguação a coberto de qualquer coacção: «o arguido ao assumir a autoria dos incêndios e a reconstituição dos mesmos, o que foi feito por sua indicação de forma espontânea e sem qualquer coacção, estando presente como se refere na fundamentação para além dos agentes de autoridade, ainda o fotógrafo autor das fotografias de fls. 11 a 21.»
É que aos olhos da lei não basta uma participação de quem devesse ter sido constituído como arguido, levada a cabo «sem qualquer coacção».
Muito para além disso, importa, sobremaneira, que o sujeito processual em causa, se já tiver de ser tido formalmente mais do que por mero suspeito, enfim, como «arguido», seja senhor esclarecido de todos os inerentes direitos, para o que, constituindo-se formalmente nesta qualidade processual, se impõe, mesmo, a necessária acessoria técnica de um defensor - art.ºs 58.º, n.ºs 2 e 3, e 61.º, n.º 1, e), do CPP.
Daí que não se perfilhe aqui quanto ao ponto em questão uma interpretação aparentemente tão condescendente do correspondente estatuto processual como a levada a cabo no acórdão recorrido.

Mas tal não significa que a conclusão seja necessariamente aquela a que chegou o recorrente, isto é, a nulidade das provas obtidas, ainda que apenas parcialmente, por essa via.
Poderia, eventualmente, assim acontecer, acaso a prova se tivesse cingido às declarações do arguido e (ou) acaso também tivesse ficado demonstrado que, surgida a suspeita «fundada» de ser ele o autor dos crimes, a diligência não tivesse sido imediatamente suspensa e aquele constituído como tal.
Mas, não obstante o exposto, nem uma coisa nem outra resulta dos autos.
Por um lado, com efeito, da fundamentação de facto - supra propositadamente transcrita - resulta claro que a convicção do tribunal assentou na apreciação de um «conjunto de provas», nomeadamente em depoimentos de testemunhas de todo alheias à actividade investigatória, como é o caso, por exemplo, das testemunhas N, B, AD e D, que relataram ao Tribunal circunstâncias relacionadas com os factos em julgamento, bem como na apreciação de documentos - relatórios dos bombeiros e auto da polícia florestal, por exemplo - entre outros.
Por outro lado, o relato feito não exclui insofismavelmente a legalidade da aquisição das provas em causa.
Na verdade, só a prova de que as autoridades da investigação tinham continuado a tomar declarações mesmo depois de surgida a «fundada» suspeita de que se falou, sem terem logo constituído o suspeito como arguido, levaria a essa conclusão.
Mas não é o que resulta dos autos.
Com efeito, as circunstâncias descritas permitem o enquadramento legal da actividade investigatória dos órgãos de polícia criminal - no caso os agentes da GNR - pois o que se mostra ter acontecido - e é o mais natural - é que os agentes em causa não hajam crido logo na primeira declaração confessória do suspeito sem a terem testado nomeadamente por confronto com outros meios de prova, maxime a reconstituição dos factos, pois é do conhecimento comum que há «confissões espontâneas» que, sem mais, desacompanhadas de outros elementos probatórios, não merecem a menor credibilidade, isto é, não são o bastante para fundar suficientemente a suspeita.
Daí que, certamente só depois de realizadas tais diligências de confirmação da confissão, lhes tenha surgido «fundadamente» a suspeita da autoria do(s) crime(s), tal como é exigido pelo n.º 1 do artigo 59.º do CPP.
E, a ser assim, só a partir desse momento - isto é, do momento em que a suspeita passou a ser razoavelmente fundada - se impunha, legalmente, a suspensão «imediata» do acto e a constituição formal do recorrente, até então mero suspeito, como arguido, o que foi feito.
Até então, o processo de obtenção das diversas declarações, incluindo as do então suspeito e ora arguido, logrou cobertura legal, nomeadamente, nos artigos 55.º, n.º 2, e 249.º, n.ºs 1 e 2 a) e b), do CPP.
Daí que, ao serem inquiridos os referidos agentes sobre o acontecido nessas diligências, nomeadamente no auto de reconstituição, não tenham deposto sobre matérias proibidas, já que depuseram, não sobre factos que lhes tenham sido transmitidos, antes, sobre o resultado da sua percepção directa, colhida durante a realização do auto respectivo. Portanto, nesta perspectiva, nem se tratou de depoimento indirecto, sujeito ao regime do artigo 129.º do CPP, nem de depoimento abrangido pela proibição do artigo 356.º, n.º 7 do mesmo diploma.
E tais depoimentos não versaram sobre autos de leitura proibida, uma vez que não se tratou de «declarações de arguido», que o recorrente ainda não era nem tinha ainda de ser.
Improcede também, assim, esta vertente do recurso.

C - Pluralidade de crimes ou crime continuado?

A fundamentação em que assentou o tribunal recorrido é a seguinte:
«O arguido na sua motivação de recurso, alega, em jeito de subsidiariedade, para o caso de se manter a condenação, que há violação da norma do art. 30.º, n.ºs 1 e 2 do CP, pois que apesar do lapso temporal existente entre os incêndios existiria uma única resolução criminosa em relação a todos os factos.
Não nos parece nada coerente com a defesa do arguido, para agora vir sustentar, ainda que por mera cautela o crime continuado.
Ora, tal implicaria necessariamente a alteração da matéria de facto dada como provada, do que estamos impedidos, como já referimos.
Assim, temos de considerar se da matéria de facto dada como assente podemos partir para a subsunção dos factos a um único crime de incêndio na forma continuada.
Quanto aos crimes de incêndio dos dias 19 e 20 de Julho de 2000, ocorrido pelas 22.30/23 horas e outro cerca 1.50 horas respectivamente, isto é separada temporalmente a sua ocorrência apenas por cerca de 3 horas, bem andou o tribunal recorrido ao considerar a existência de um só crime.
Em relação aos incêndios ateados nos dias 25 de Fevereiro, 16 de Julho e incêndio do dia 19 e 20 de Julho, todos do ano de 2000, nada nos permite concluir e tal não foi concretizado pelo recorrente, estarmos perante um crime continuado.
Aliás, para tal não basta uma única resolução criminosa para fundamentar a prática de um crime na forma continuada.
Nos termos do art. 30.º, n.º 2, do CP, "constituiu um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente".
Vejamos a matéria de facto dada como provada:
Os incêndios ocorreram, principalmente os dois primeiros num espaço temporal muito grande, isto é cerca de 5 meses.
Ocorreram todos em locais diferentes e o modo de execução não foi sempre o mesmo.
Para além de não existir uma conexão temporal entre os factos, por falta de proximidade, não resultam da matéria provada elementos que permitam ao julgador concluir que o arguido agiu no quadro de uma solicitação de uma mesma situação exterior que lhe diminua consideravelmente a culpa.
Não nos parece merecer censura o douto acórdão recorrido, nesta parte, por não ter sido violado na sua aplicação o disposto no art. 30.º, n.º 1 e 2 do C .
Para que exista uma infracção, não é bastante a antiguidade, ou seja, realização de tipo legal de crime; é necessário que a conduta seja reprovável, isto é, culposa. E assim, poderíamos dizer que há tantas infracções, na realização do mesmo tipo legal, quantas vezes a conduta se torna reprovável. A plural idade de infracções resultaria, para o mesmo tipo legal, da plural idade de juízos de censura ou reprovação.
Haverá unidade de resolução quando se puder concluir que os vários actos o resultado são o resultado de um só processo de deliberação, sem serem determinados por nova motivação. Vide Prol Eduardo Correia, in Unidade e Pluralidade de Infracções, pág. 114/128, e Ac. do S.T.J:, de 30/1/86, in B.MJ: n.º 353, pág. 240, de 25/6/86, in B.MJ n.º 358, pág. 267, de 16/1/90, in B.MJ n.º 393, pág. 230 e de 15/5/91, in B.MJ n.º 407, pág. 60 e Ac. da Rel. do Porto, de 5/2/92, in B.MJ n.º 414, pág. 629 - a propósito da emissão de uma série de cheques. E como se escreve no Ac. de 26/6/1986, in BMJ n.o 358, pág. 267 a realização plúrima do mesmo tipo legal de crime pode constituir:
a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial;
b) um só crime na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para reiteração da conduta;
c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores.
Da factualidade descrita não podemos tirar outra ilação que não seja concluir, como bem o fez o acórdão recorrido, pela concurso de infracções.
Pelo exposto, conclui-se que não há qualquer reparo a fazer ao acórdão do tribunal colectivo, improcedendo assim todas as conclusões do recorrente, por não terem sido violadas as normas por si invocadas dos artigos 59.º, n.º 1 e 58.º n.º 4; 128.º, n.º 1 e 129.º e 410.º , n.º 2, al. a) e c), todos do Cód. Proc. Penal e arts. 30.º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Penal

Pois bem.
Resulta dos factos provados que o arguido intencionalmente ateou fogos em matas, o que aconteceu nomeadamente nos dias 25 de Fevereiro de 2000, pelas 00.30 horas, no lugar de Barroco da Ponte, freguesia do Mosteiro, concelho de Oleiros, 16 de Julho de 2000, por cerca das 23.30 horas, no sitio denominado Corga D’Água Fria, próximo da localidade de Mosteiro, e freguesia de Mosteiro, concelho e comarca de Oleiros, e quando regressava da festa popular de Vale do Souto no seu veículo automóvel, no dia 19 de Julho de 2000, por volta das 22.30/23 horas, quando se deslocava da população de Castanheira da Ermida para Oleiros no automóvel identificado em 2.1.3., a cerca de um Km da aldeia da Folga, freguesia de Oleiros, mesmo concelho e área desta comarca, e no dia 20 de Julho de 2000, o arguido dirigiu-se, por cerca da 1.50 horas, ao lugar de Vale de Cerejeira, área desta comarca, onde estacionou o veículo na estrada Nacional, deslocou-se a pé, tendo andado 94 passos, ao interior da mata e ateou fogo, tendo ardido uma área de cerca de 0,4 hectares, composta de mato, pastagem e pinheiro bravo no valor não apurado, propriedade de FLL.
Na execução dos planos previamente por ele traçados, o arguido utilizava, como método de ignição, fósforos de uma caixa pequena que trazia consigo no bolso das calças.
O arguido fez o descrito seguindo planos por si delineados em momento prévio.
Respondendo à pergunta pelo próprio formulada «Poder-se-á unificar toda a conduta que se desenvolve por largos anos só porque toda ela se explica pela resolução tomada pelo agente - à semelhança de Ricardo III - de se tornar celerado através da prática de crimes?», responde Eduardo Correia (4): «É evidente que ninguém quererá ir tão longe. Ninguém quererá - ninguém quis, ao que sabemos - considerar a prática de um homicídio, de um crime de fogo posto, de uma falsificação de documentos como um delito continuado só porque o agente se resolveu ao mesmo tempo praticá-los. Ninguém quererá dar ao facto de um indivíduo se resolver a assaltar numa estrada todas as pessoas que nela passem, a violentar numa floresta todas as raparigas que lá encontre, o valor bastante para converter em unidade a pluralidade de crimes que na execução dessa decisão o agente venha a praticar. Até porque isso conduziria ao maior arbítrio, na medida em que o criminoso poderia a seu grado, através da afirmação de uma só resolução, unificar todas as infracções que tivesse cometido».
Deste modo, a existência de uma só resolução, traduzida ou executada depois na realização plúrima do mesmo delito, não afasta a possibilidade de pluralidade de crimes.
Saber se há ou não pluralidade de resoluções só o bom senso aliado ao vulgar conhecimento dos fenómenos psíquicos em face do quadro de facto apurado, pode responder.
E o bom senso não vê muito bem que, durante cerca de 5 meses pelo menos, o íntimo do agente, mormente na altura em que renovava o acto criminoso de entrar nas matas e atear o fogo, se mantivesse inalterado em relação ao primeiro momento da resolução formulada, de resto, com o êxito pretendido.
E sendo assim, se manifestamente, nos encontramos perante a realização plúrima pressuposta no artigo 30.º, n.º 2, do Código Penal já a haveremos de ter por afastada do demandado quadro da solicitação exterior que lhe diminuiria consideravelmente a culpa, claramente, pela diferente disposição das coisas, em especial a decorrente de os incêndios, para além de muito espaçados entre si, terem sido ateados, um, em peno Inverno, como o que aconteceu em 25 de Fevereiro de 2000, ao passo que os demais o foram já em pleno Verão.
A realização dos crimes, como de resto é sublinhado no acórdão recorrido, não aconteceu de forma eminentemente homogénea, atento o distinto circunstancialismo que rodeou cada uma das actuações.
Aliás, se dúvidas houvesse, a matéria de facto provada dá-lhe alguma achega: dos pontos transcritos, resulta, sem hesitações, a conclusão de que a actuação do arguido resultou de uma pluralidade de planos autónomos por si arquitectados.
Não é, assim, razoável, a pretensão do recorrente quando quer ver revogada, neste ponto, a decisão recorrida, pois não se verificam todos os pressupostos do n.º 2 do citado dispositivo.
Diga-se para terminar que, embora não questionada directamente a medida das penas aplicadas, nomeadamente a feita corresponder ao cúmulo jurídico efectuado, o certo é que tal quantificação não se revela violadora dos critérios legais atinentes, sendo esta última de clara benevolência, mesmo em face dos critérios dosimétricos de que o Supremo Tribunal de Justiça, em regra, vem lançando mão para o efeito.
Improcedem assim todas as conclusões da motivação.

3. Termos em que, embora por razões não inteiramente coincidentes, negam provimento ao recurso confirmam a decisão recorrida.
O recorrente pagará pelo decaimento taxa de justiça que se fixa em 10 unidades de conta.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de Abril de 2004
Pereira Madeira
Santos Carvalho
Costa Mortágua
Rodrigues da Costa
_____________________
1- « (...) O arguido FJS interpôs recurso do douto acórdão desta Relação proferido em 12-11-03 que confirmou integralmente o acórdão da 1.ª instância pelo qual fora o ora recorrente condenado, como autor de três crimes de incêndio p. e p. pelo art.º 272° n° 1 al. a) do Código Penal, na pena única de 5 anos de prisão.
Como decorre da respectiva motivação do recurso, o recorrente, embora referindo-se formalmente à decisão do Tribunal da Relação, impugna efectivamente o douto acórdão da 1.ª instância, retomando inteiramente as questões que já colocara a esta Relação aquando do recurso que interpusera da decisão do tribunal colectivo de Oleiros, quer no que concerne aos vícios do art.º 410° n° 2 do Cód. Proc. Penal, quer quanto à questão da legitimidade e validade da utilização dos depoimentos dos agentes da GNR, quer ainda no que respeita à existência ou não de um único crime de incêndio na forma continuada.
Relativamente à invocação dos vícios do art.º 410.° do Cód. Proc. Penal, tratando-se de matéria de facto, cremos não poder esse Venerando Tribunal pronunciar- se, uma vez que, dada a sua natureza de tribunal de revista, não lhe cabe reapreciar a questão de facto, tanto mais que, como acontece no caso em análise, foi já exercido efectivamente um duplo grau de jurisdição de matéria de facto por esta Relação - cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 6-6-02, proc.º 1874/02, integralmente transcrito no site da Direcção Geral dos Serviços Judiciários.
Quanto às restantes questões retomadas pelo recorrente, embora este tenha formalmente como referência a decisão proferida pelo Tribunal da Relação, parece-nos evidente que o que se pretende é impugnar a decisão da 1.ª instância, como se fosse esta a decisão recorrida.
Ora, como se refere no douto acórdão acima citado, "estando em causa um recurso de um acórdão da Relação, o mesmo não pode ter por objecto o acórdão da 1.ª instância. De outro modo, estaríamos perante um recurso per saltum, ou seja, um recurso de um acórdão final do tribunal colectivo interposto directamente para o STJ(...)".
De qualquer modo, no que concerne às questões de direito invocadas pelo recorrente, sempre se dirá que aderimos integralmente aos fundamentos doutrinais e jurisprudenciais que estiveram na base do entendimento assumido no douto acórdão recorrido, pelo que se nos afigura não merecer reparo o decidido em matéria de valoração do depoimento das testemunhas da GNR e da existência de três crimes de incêndio e não de um único na forma continuada.
Tendo em consideração o exposto, deverá, em nosso entender, ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido FJS, mantendo-se o douto acórdão recorrido.»
2- Cfr., entre muitos outros, por exemplo, o AC. STJ de 20/2/03, proferido no recurso n.º 360/03-5, com o mesmo relator.
3- Publicado na Colectânea de Jurisprudência STJ Ano IX, Tomo III, págs. 166 e segs.
4- A Teoria do Concurso em Direito Criminal Almedina Coimbra, 1963, págs. 191