Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
851/09.0TJLSB.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA VASCONCELOS
Descritores: LOCAÇÃO FINANCEIRA
CLÁUSULAS ABUSIVAS
Data do Acordão: 10/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - LOCAÇÃO - CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
Doutrina: - Ana Prata, Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, pág. 627.
- Fernando Gravato de Morais, Manual da Locação Financeira, 2006, págs.127, 129, 130, 160, 161.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, volume I, tomo I, 3ª edição, pág. 639.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1034.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 2.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
DL 446/85, DE 25.10: - ARTIGOS 21.º, AL. H), 25.º, 30.º, N.º2, 32.º, N.º2, 33.º.
DL 149/95, DE 24-6: - ARTIGO 12.º.
Sumário :

1- O locador financeiro garante a exacta correspondência entre o específico bem indicado pelo locatário e o bem adquirido ou construído, pelo que em sede de vícios materiais, o locador permanece responsável perante o locatário.

2- Preenchidos os requisitos de aplicabilidade da norma contida no artigo 1.034º do Código Civil, o locador é responsável perante o locatário pelo vício jurídico da coisa, podendo invocar junto dele os respectivos meios de defesa.

3- Portanto, a existência de uma cláusula contratual que afaste a responsabilidade do locador deve considerar-se nula, em razão de ser contrária a uma norma de carácter imperativo.

4- É absolutamente proibida uma cláusula contratual geral em que se estabeleça uma exclusão genérica e antecipada da responsabilidade da locadora perante o locatário.

5- A publicitação de decisão judicial que proíba uma cláusula contratual geral é um instrumento que pode ter grande impacto no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades.

6- O interesse geral reflectido na publicitação não pode deixar de ter preponderância em relação ao interesse meramente particular do demandado na acção inibitória, de preservação da sua imagem.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Em 2009.05.13, no 1º Juízo Cível de Lisboa, o MINISTÉRIO PÚBLICO

propôs a presente acção declarativa com forma de processo sumário contra o

BANCO ................ (PORTUGAL), S.A.,

pedindo

a declaração de nulidade de cláusulas contratuais gerais utilizadas pela R. e a sua condenação a abster-se de as utilizar nos contratos de locação financeira a celebrar com os seus clientes, pedindo ainda que fosse dada publicidade à proibição.

A R. contestou, negando os fundamentos invocados.

Em 2010.10.29, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e considerou nulas as seguintes cláusulas:

- 3ª, nº 3, sob a epígrafe “Encomenda e garantia” que estipula:

O locatário renuncia expressamente a qualquer acção contra o locador, ficando este exonerado quanto á construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem locado”;

- 9ª, nº 3, que estipula que:

Encontrando-se o LOCATÁRIO impossibilitado de utilizar o bem locado por qualquer razão alheia à vontade e/ou responsabilidade do LOCADOR, não poderá exigir deste qualquer indemnização ou redução das prestações contratuais”.

- 16ª, nº 2, sob a epígrafe “Despesas e Encargos”, estipula o seguinte:

O LOCATÁRIO será igualmente responsável por quaisquer despesas de natureza administrativa, judicial ou extra-judicial em que o LOCADOR venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, incluindo, honorários de advogados, solicitadores, procuradores, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais, a título de cláusula penal, se fixam desde já em 12,5% sobre o valor em dívida”.

Foi ainda determinada a publicação da sentença.

Foi julgada improcedente a acção no que respeita à declaração de nulidade e abstenção de utilização da cláusula 9ª, nº 1, als. a) e b), que, sob a epígrafe “Utilização e Manutenção do Bem”, estipula o seguinte:

1. Durante todo o período de vigência do contrato, o LOCATÁRIO obriga-se a:

a) Providenciar todas as diligências junto do fornecedor para obtenção do registo, matrícula ou licenciamento do bem locado, não podendo utilizar o bem enquanto não obtiver toda a documentação necessária para o efeito;

b) Tomar quaisquer outras diligências que se mostrem necessárias junto da Conservatória de Registo de Bens Móveis, Direcção-Geral de Viação, Direcção-Geral de Transportes Terrestres e quaisquer outras entidades oficiais com vista à obtenção de licenças e à realização dos registos necessários à circulação do objecto locado que forem exigidos por lei”.

Ambas as partes apelaram, sem êxito, pois  a Relação de Lisboa, por acórdão de 2011.02.08, confirmou a decisão recorrida.

Novamente inconformada, a ré deduziu a presente revista excepcional, que foi admitida por despacho da formação a que alude o nº3 do artigo 721º-A do Código de Processo Civil.

A recorrente apresentou as respectivas alegações e conclusões.

O recorrido contra alegou.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

As questões

Tendo em conta que

- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;

- nos recursos se apreciam questões e não razões;

- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido

são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:

A) – Ilegalidade das cláusulas

B) – Publicitação da decisão.

Os factos

São os seguintes os factos que foram dados como provados nas instâncias:

 1. A R. encontra-se matriculada na CRC de Lisboa sob o nº 503811483 e tem por objecto social a “realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos”.

2. No exercício de tal actividade, a R. procede à celebração de contratos intitulados de “Contrato de Locação Financeira” e para tanto, apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar clausulados já impressos e previamente elaborados, análogos ao que está junto aos autos.

3. O clausulado relativo ao “Contrato de Locação Financeira” contém várias páginas impressas, sendo que a primeira contém na face espaços em branco destinados à identificação dos locatários/aderentes e, na parte intitulada “Condições Particulares”, a identificação do fornecedor, do bem e/ou serviço, do preço de aquisição e da periodicidade, data de vencimento e o valor das rendas, das garantias do contrato, tais como seguros, o valor dado em penhor, taxa de juro aplicável e TAEG, e especificação da modalidade de pagamento com identificação da conta bancária onde deve ser efectuado o débito automático.

4. As restantes páginas impressas do contrato intituladas de “Cláusulas Gerais” não contêm quaisquer espaços em branco para serem preenchidos pelos contratantes/aderentes que, em concreto, se apresentem a contratar com a R., mas apenas cláusulas por ela previamente elaboradas que os consumidores se limitam a aceitar, com excepção do espaço reservado ao valor do imposto de selo e dos destinados à colocação da data e às assinaturas do locador e do locatário.

5. Tal impresso, com as cláusulas nele insertas, destina-se a ser utilizado pela R. no presente e futuro para contratação com quaisquer interessados consumidores.

6. Da 1ª página impressa do contrato consta:

“É celebrado e reciprocamente aceite o presente contrato de locação financeira, subordinado à legislação aplicável e ao seguinte clausulado, dividido em cláusulas particulares e cláusulas gerais”.

7. A cláusula 3ª, nº 3, sob a epígrafe “Encomenda e Garantia”, estipula o seguinte:

“O Locatário renuncia expressamente a qualquer acção contra o Locador, ficando este exonerado quanto à construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem locado.”

8. A cláusula 9ª, nº 1, als. a) e b), sob a epígrafe “Utilização e Manutenção do Bem”, estipula o seguinte:

“1. Durante todo o período de vigência do contrato, o Locatário obriga-se a:

a) Providenciar todas as diligências junto do fornecedor para obtenção do registo, matrícula ou licenciamento do bem locado, não podendo utilizar o bem enquanto não obtiver toda a documentação necessária para o efeito;

b) Tomar quaisquer outras diligências que se mostrem necessárias junto da Conservatória de Registo de Bens Móveis, Direcção-Geral de Viação, Direcção-Geral de Transportes Terrestres e quaisquer outras entidades oficiais com vista à obtenção de licenças e à realização dos registos necessários à circulação do objecto locado que forem exigidos por lei”.

9. Por sua vez, a cláusula 9ª, nº 3, estipula o seguinte:

“Encontrando-se o Locatário impossibilitado de utilizar o bem locado por qualquer razão alheia à vontade e/ou responsabilidade do Locador, não poderá exigir deste qualquer indemnização ou redução das prestações contratuais.”

10. A cláusula 16ª, nº 2, sob a epígrafe “Despesas e Encargos”, estipula o seguinte:

“2. O Locatário será igualmente responsável por quaisquer despesas de natureza administrativa, judicial ou extra-judicial em que o Locador venha a incorrer para garantia e cobrança dos seus créditos, incluindo, honorários de advogados, solicitadores, procuradores, bem como a subcontratação de serviços a terceiras entidades, as quais, a título de cláusula penal, se fixam desde já em 12,5% sobre o valor em dívida.”

Os factos, o direito e o recurso

A) – Ilegalidade das cláusulas

Estão em causa no presente recurso duas cláusulas contratuais de um contrato denominado de “contrato de locação financeira”, que a ré “apresenta aos interessados que com ela pretendem contratar clausulados já impressos e previamente elaborados, análogos ao que está junto aos autos”.

Trata-se, pois, de cláusulas contratuais gerais, sujeitas ao regime estabelecido no Decreto-lei 446/85, de 25.10.

As cláusulas em questão são as seguintes:

- 3ª, nº 3, sob a epígrafe “Encomenda e Garantia” que estipula:

O locatário renuncia expressamente a qualquer acção contra o locador, ficando este exonerado quanto à construção, instalação, funcionamento ou rendimento do bem locado”;

- 9ª, nº 3, sob a epigrafe “Utilização e Manutenção do Bem”que estipula que:

Encontrando-se o LOCATÁRIO impossibilitado de utilizar o bem locado por qualquer razão alheia à vontade e/ou responsabilidade do LOCADOR, não poderá exigir deste qualquer indemnização ou redução das prestações contratuais”.

No acórdão recorrido entendeu-se que essas cláusulas eram absolutamente proibidas face ao disposto na alínea h) do artigo 21º daquele Decreto Lei, uma vez que podendo surgir conflitos entre o locador e o locatário por virtude da aplicação conjugada da ressalva estabelecida no artigo 12º do Decreto Lei 149/95, de 24.06 – que estabeleceu o regime da locação financeira – com os artigos 1034º e 1032º, ambos do Código Civil – que incidem sobre a responsabilidade do locador em geral no caso de haver vícios da coisa locada – a manutenção daquelas cláusulas podia implicar a renúncia por parte do locatário ao direito de acção que se ajustasse ao caso concreto.

A recorrente entende que o “regime legal do contrato de locação financeira consagra a responsabilidade exclusiva do fornecedor pelos defeitos da coisa locada, isentando a locadora de qualquer obrigação ou dever nessa matéria”.

E que “desse modo, a relação entre a locadora e o locatário é alheia a qualquer questão que se suscite a propósito do cumprimento defeituoso por parte do fornecedor, devendo os direitos do locatário ser exercidos, contra o fornecedor, nos termos gerais”.

Sendo que “apenas os casos enunciados no artigo 1034º do Código Civil, respeitantes à ilegitimidade do locador ou deficiência do seu direito, relevam para a locação financeira”.

Daí a ressalva contida na cláusula 9ª, nº3, do contrato de locação financeira, de a não exigibilidade aí referida ter como pressuposto que a impossibilidade de utilizar o bem locado resultasse de “razão alheia à vontade e/ou responsabilidade do Locador”.

Cremos, no entanto, que não tem razão e se decidiu bem.

Nos termos do disposto no artigo 12º do citado Decreto-lei 149/95 “o locador não responde pelos vícios do bem locado ou pela sua inadequação face aos fins do contrato, salvo o disposto no artigo 1.034º do Código Civil”.

Este regime compreende-se na medida em que “o locador financeiro desenvolve um papel totalmente diferente do mero locador. Financia o gozo da coisa (que concede ao locatário) entregando o montante mutuado ao vendedor. Desinteressa-se do objecto, que desconhece e que não passa sequer pela sua mãos, pois é entregue directamente pelo fornecedor ao locatário” – Fernando Gravato de Morais “in” Manual da Locação Financeira, 2006, página 127, a quem pertencem também as citações adiante referidas.

Assim e como regra geral surge a exoneração do locador no tocante aos riscos provenientes da desconformidade da coisa fornecida.

Ou seja, “a disciplina traçada coloca, como princípio geral, o locador financeiro à margem de qualquer conflito resultante da compra e venda. Daí que um eventual litígio relativo a um defeito da coisa locada (e anteriormente vendida) deva ser dirimido entre o vendedor e o locatário financeiro (e não, como é regra, entre alienante e adquirente” – página 129

Mas sendo este um princípio geral, não deve, no entanto, considerar-se que a isenção da responsabilidade do locador financeiro é absoluta em sede de desconformidade da coisa com o locado, ou seja, em sede de vícios de facto ou materiais.

Em primeiro lugar, porque na parte final do artigo 12º do Decreto-lei 149/95 se prevê alguns casos de responsabilização do locador.

Depois, porque em sede de cumprimento defeituoso do contrato “podem sempre figurar-se hipóteses em que a desconformidade da coisa é imputável ao locador financeiro, designadamente às suas instruções. Imagine-se, v.g., que o locador comprou um tractor de maior cilindrada ou que a máquina adquirida, porque de potência superior à indicada, acarreta para o locatário custos excessivos. Da mesma sorte, suponhamos que o locador sabia da existência de um defeito da coisa e, ainda assim, a adquiriu, tendo cedido posteriormente o seu gozo ao locatário” – página 129.

Pelo que “deve, pois, considerar-se que o locador financeiro garante a exacta correspondência entre o específico bem indicado pelo locatário e o bem adquirido ou construído. Neste âmbito, o locador permanece responsável perante o locatário” –  página 130.

Mas se o locador pode ser responsável, perante o locatário em sede de vícios de facto, também o pode ser em sede de vícios de direito.

Aqui e ao contrário dos vícios de facto, a manifestação verifica-se “na esfera do locador, responsabilizando-o (exclusivamente) perante o locatário” – página 160.

O regime está estabelecido na parte final do artigo 12º do Decreto-lei 149/95, que remete para o artigo 1034º do Código Civil.

A primeira hipótese, referida na alínea a) deste último normativo, em que o locador responde perante o locatário por vícios jurídicos, ocorrerá no caso de o locador não ter a faculdade de proporcionar o gozo da coisa ao locatário financeiro, que ignora o poderes daquele.

A hipótese prevista na alínea b) refere-se à falta de legitimidade advinda da circunstância de o direito (do locador) não ser de propriedade ou ainda do facto de a propriedade (do locador) estar sujeita a ónus ou a limitações que excedam os limites normais àquela inerentes.

Por exemplo: ”o locador financeiro arroga-se a titularidade de um direito de propriedade relativamente a um determinado bem, concedendo o seu gozo ao locatário financeiro. Pode ainda dar-se o caso de o locador financeiro ser, na verdade, proprietário do bem, mas o direito encontrar-se onerado, por exemplo, com uma penhora” – página 160

Finalmente, a hipótese prevista na alínea c) do referido artigo 1034º consiste em a coisa não conter os atributos assegurados pelo locador financeiro ou tais atributos cessarem ulteriormente por culpa sua.

Deste regime, conclui-se que “preenchidos os requisitos de aplicabilidade da norma, o locador é agora responsável perante o locatário pelo vício (jurídico) da coisa, podendo invocar junto dele os respectivos meios de defesa. Portanto, a existência de uma cláusula contratual que afaste a responsabilidade do locador deve considerar-se nula, em razão de ser contrária a uma norma de carácter imperativo (artigo 294º do Código Civil)” – página 161.

Ora, de acordo com o disposto na alínea h) do artigo 21º do citado Decreto-lei 446/85, são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que “excluam ou limitem de antemão a possibilidade de requerer tutela judicial para situações litigiosas que surjam entre os contraentes”.

Trata-se de um normativo que tem como finalidade principal evitar um comprometimento genérico de um contraente destinado a excluir ou a limitar antecipadamente o seu direito de acção, garantido na lei ordinária pelo artigo 2º do Código de Processo Civil e que deriva do princípio geral do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, estabelecido no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

As cláusulas contratuais acima referidas estabelecem, manifestamente, uma exclusão genérica e antecipada da responsabilidade da locadora perante o locatário.

A responsabilidade da locadora não pode ser completamente previsível em termos concretos – como parece entender a recorrente – pelo que o englobamento desta concreticidade na generalidade da exclusão constante das cláusulas em causa necessariamente acarretaria uma renúncia antecipada a direitos, necessariamente ilegal e inconstitucional.

Acima foram referidas as diversas facetas da responsabilidade da locadora.

Estabelecer genericamente que qualquer actuação desta, mesmo com as ressalvas estabelecidas no artigo 12º do Decreto Lei 149/95, não daria origem a responsabilidade da locadora perante o locatário, implicaria necessariamente o reconhecimento da renúncia ao direito de acção, em oposição a normas legais e constitucionais acima referidas. 

Termos, pois, que bem se decidiu nas instâncias em considerar tais cláusulas nulas e em condenar a ré a “abster-se de as utilizar em todos os contratos de locação financeira (contratos - tipo) que no futuro e no presente venha a celebrar com os clientes”

B) – Publicitação da decisão

No acórdão recorrido confirmou-se o que havia sido decidido na sentença proferida na 1ª instância, quando aí se determinou que “após trânsito em julgado, a parte decisória desta sentença seja publicada nos dois jornais diários mais lidos a nível nacional, em dois dias consecutivos, em anúncios com tamanho não inferior a ¼ (um quarto) de página”.

A recorrente entende que “além de não ser adequada à prossecução dos objectivos a que se propõe, a dita medida causaria, necessariamente, um dano à imagem da ora recorrente, pois a exposição de uma eventual decisão judicial desfavorável nos jornais diários de maior imagem a nível nacional, seja qual for o seu conteúdo, provocará uma desconfiança e um desgaste junto do público, o que, numa situação de crise financeira como se vive actualmente, verá certamente os seus efeitos ampliados”.

Cremos que também não tem razão.

De acordo com o disposto no nº2 do artigo 30º do citado Decreto-lei 446/85, “a pedido do autor, pode ainda o vencido ser condenado a dar publicitação à proibição, pelo modo e durante o tempo que o tribunal determine”.

Conforme nota Ana Prata “in” Contratos de Adesão e Cláusulas Contratuais Gerais, 2010, página 627 “a publicitação de decisão judicial é um instrumento que pode ter grande impacto no mercado, quer na sua função dissuasora da utilização de cláusulas nulas, quer na vertente pedagógica e de informação dos sujeitos que recorrem a empresas para satisfação de necessidades”.

A primeira vertente é muto importante para a promoção de comportamentos que levem as “ grandes empresas a estudar e rever cuidadosamente as cláusulas contratuais gerais por elas praticadas, de modo a expurgar nulidades”, conforme refere Meneses Cordeiro “in” Tratado de Direito Civil Português, volume I, tomo I, 3ª edição, página 639.

E porque é assim, não se compreende a razão por que a publicitação está dependente do pedido do autor, podendo não ser atendida pelo tribunal.

Conforme refere Ana Prata, na obra e página citada “talvez tivesse sido preferível conferir ao tribunal competência oficiosa para a iniciativa de dar publicidade às decisões, não tendo restringindo a lei a decisão ao pedido do autor”.

Tudo isto para sublinhar quão importante é aquela função dissuasora que, naturalmente, só pode existir com o conhecimento das decisões por parte dos diversos agentes comerciais.

Tanto mais que no caso concreto em apreço estamos perante uma acção inibitória, e portanto, uma acção em que as cláusulas podem ser proibidas para utilização futura, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares – cfr. artigo 25º do citado Decreto-lei 446/85.

A segunda vertente da publicitação da decisão também é essencial.

É preciso não esquecer que, nos termos do nº2 do art. 32º do já referido Decreto Lei, um terceiro interessado na invocação, “pode invocar a todo o tempo, em seu beneficio, a declaração incidental de nulidade contidas na decisão inibitória” em relação a contratos que incluam as cláusula gerais proibidas.

O que, como bem se refere no acórdão recorrido, “pode servir, por exemplo, para sustentar a reposição de prestações indevidamente fixadas ao abrigo de cláusulas proibidas ou para fundar o pedido de condenação do demandado no pagamento de sanção pecuniária compulsória, nos termos do art. 33º, nº 2”.

O interesse geral reflectido neste regime não pode deixar de ter preponderância em relação ao interesse meramente particular do demandado na acção inibitória, de preservação da sua imagem.

Aceita-se que essa publicitação pode afectar esta imagem, mas tal efeito, a ocorrer, é uma consequência inevitável da publicitação.

Os demandados em acções inibitórias obviamente que sabem que caso sejam condenados, correm esse risco.

Logo, competia-lhes estudar e rever cuidadosamente as cláusulas contratuais para evitar a condenação e consequente publicitação.

Não o fazendo, não podem daí retirar argumento para a não publicitação.

A condenação em acção inibitória não tem natureza punitiva, como se deduz do que acima ficou dito.

Essa natureza existe apenas na sanção pecuniária compulsiva, prevista no artigo 33º do citado Decreto-lei , para o caso de não ser respeitada a obrigação de abstenção de utilização ou recomendação das cláusulas gerais que foram objecto de proibição.

Assim, não faz qualquer sentido considerar que os inevitáveis e acima referidos efeitos de uma decisão em acção inibitória possam ser considerados como uma punição.

Não o são.

Punição é apenas a prevista no citado artigo 33º.

Pelo exposto, mantém-se a referida medida.

A decisão

Nesta conformidade, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa,13 de Outubro de  2011

Oliveira Vasconcelos (Relator)

Serra Baptista

Álvaro Rodrigues