Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A2239
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AZEVEDO RAMOS
Descritores: GERÊNCIA CONJUNTA
DELIBERAÇÃO SOCIAL
PODERES DE REPRESENTAÇÃO
LIMITES
INOPONIBILIDADE EM RELAÇÃO A TERCEIROS DE BOA FÉ
Nº do Documento: SJ200809230022396
Data do Acordão: 09/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – A assembleia geral de uma sociedade por quotas, cuja gerência compete a dois gerentes, não pode conferir poderes a um mandatário judicial, que simultaneamente é um dos seus gerentes, para, em representação da sociedade e no âmbito de um determinado processo judicial, outorgar uma escritura de dação em pagamento de imóveis .

II – Competindo a gerência de uma sociedade por quotas a dois gerentes, em pé de igualdade ( gerência plural conjunta ) a assembleia dos sócios não pode deliberar em termos de fazer alterar essa forma de administração e de representação da sociedade, designadamente atribuindo poderes especiais a um deles, do que implicitamente decorre a retirada de poderes ao outro.

III – Quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação de poderes representativos dos gerentes, perante o qual são irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios.

IV – Verifica-se uma forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de terceiros de boa fé, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras de representatividade constantes do pacto social.

V – Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital social sobrepõem-se os de terceiros que com a sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais .

Decisão Texto Integral:



Acordam no Supremo tribunal de Justiça :



P... Investments Limited instaurou a presente acção ordinária contra P... - Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de São Teotónio, CRL, e AA e mulher BB, pedindo, com fundamento nos factos alegados na petição inicial :
a) – seja declarada nula a deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996, onde foi mandatado o Dr. B...A...para entregar em dação em pagamento à 2ª ré os bens penhorados à 1ª ré P..., por violação do disposto nos arts 252 do C.S.C. e art. 116 do Cód. Notariado, conjugados com os arts 220 e 294 do C.C. ;
b) - Subsidiariamente, caso assim se não entenda, sejam declaradas nulas todas as deliberações sociais da 1ª ré sociedade, constantes da acta de 8 de Agosto de 1996, em virtude de não ter sido realizada assembleia, nem ter existido convocatória ;
c) - Ainda subsidiariamente, seja anulada a deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996, onde foi mandatado o Dr. B...A...para entregar à 2ª ré os bens penhorados à 1º ré P..., por violação do art. 58, al. b) do C.S.C.
d) – Em qualquer dos casos, deve ser sempre declarada nula a escritura de dação em pagamento e de compra e venda realizada no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, em 13 de Setembro de 1996, e ordenado o cancelamento de todos os registos que foram ou vierem a ser efectuados com base na dita escritura .

Os réus contestaram .
Houve réplica .
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Realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido .
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Apelou a autora e a Relação de Évora, julgando parcialmente procedente a apelação, revogou a sentença recorrida e decidiu :
1- declarar a nulidade da deliberação constante da acta de 8 de Agosto de 1996 da sociedade P... - Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da, pela qual foi mandatado o Dr. B...A...para entregar em dação em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, os imóveis da sociedade P...-Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da, que se encontravam penhorados ;
2- não declarar a nulidade, logo, salvaguardando e mantendo os direitos adquiridos pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, através da referida dação em pagamento, e pelos compradores AA e mulher, BB, relativamente aos imóveis que adquiriram a esta instituição de crédito .
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Inconformadas, pedem revista a ré P...- Consultório de Investimentos Imobiliários, L.da e a autora P... Investments Limited, onde resumidamente concluem :

Conclusões da ré P... :

1- A assembleia geral da recorrente, ao mandatar o Dr. B...A...para dar em pagamento à credora Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S.Teotónio, CRL, os bens penhorados à P..., e para a representar na respectiva escritura pública, não invadiu a competência da gerência da P..., nem a forma de obrigar esta perante terceiros, nos termos previstos no contrato de sociedade, pois os sócios podem deliberar, a todo o tempo, sobre quaisquer assuntos de interesse para a sociedade, incluindo sobre as matérias de gestão e representação desta, em casos concretos, dando aos gerentes ordens e instruções genéricas de execução permanente ou, em casos concretamente individualizados e para finalidades devidamente especificadas, que os gerentes terão de acatar, conforme disposto nos arts 252, nº1, 259 e 260 do C,S,C,
2 – A assembleia geral do sócios, ao mandatar o sócio gerente, Dr. B...A...para, apenas ele próprio, representar a sociedade na escritura de dação em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, dos imóveis identificados na alínea c) da especificação, além de traduzir uma economia de meios, não violou a lei nem o contrato de sociedade, pois, como já se referiu, tal matéria é da competência da assembleia geral, como órgão supremo e soberano da sociedade .
3 – Aliás, se essa deliberação estivesse afectada por alguma irregularidade, o que não se concede, a mesma seria anulável, nos termos do art. 58, nº1, al. a) do C.S.C.
4 - A entender-se que a referida deliberação social era anulável, a autora deixou caducar o direito de acção de anulação de tal deliberação, pois esta teve conhecimento das deliberações constantes da acta de 8-8-96 antes de 16-3-97 (art. 59 do C.S.C.), caducidade essa já invocada pela ora recorrente na sua contestação e que agora se reitera .
5 – Independentemente da validade ou não das deliberações sociais constantes da acta de 8-8-96, os direitos adquiridos, de boa fé, pela Caixa de Crédito Agrícola Mútuo e pelos compradores AA e mulher BB, através das referidas dação em pagamento e de compra, realizadas no dia 13-9-96, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém deverão ser salvaguardados e mantidos – art. 61, nº2, 1º parte do C.S.C. .
6 – Considera violados os arts 252, nº1, 259, 260, 373, nº2, 53, 56, 58 e 59, todos do C.S.C.
7 – Termina por pedir que se declare válida a referida deliberação social de 8-8-96 ou, quando assim se não entenda, se declara anulável tal deliberação e se julgue procedente a excepção da caducidade da acção .

Conclusões da autora P... :

1- Os gerentes da sociedade P... são e eram, em 13-9-96, CC e DD .
2 – É necessário a assinatura de dois gerentes para obrigar a sociedade .
3 – Esses dois gerentes não estiveram presentes na escritura de 13-9-96, não estando a sociedade alienante devidamente representada, pois esteve representada apenas por um gerente . .
4 - Assim, é nulo o contrato titulado pela escritura de dação em pagamento de 13-9-96, por violação dos arts 261 e 294 do C.C.
5 – Nulidade esta autónoma, que está para além da deliberação de 8-8-96 que lhe está subjacente, o que quer dizer que o contrato titulado pela escritura de 13-9-96 é sempre nulo, por falta de poderes da pessoa que representou a sociedade alienante .
6 – Representação essa que, em última instância, traduz uma verdadeira alienação de bens alheios, de acordo com o disposto no art. 892 do C.C.
7 - A posição dos terceiros não tem aqui qualquer protecção, porque o vício está no contrato de alienação dos bens, titulados pela escritura de 13-9-96, independentemente da deliberação que aí foi invocada .
8 – No entanto, também esses terceiros estão de má fé .
9 – O Acórdão recorrido, ao não declarar a nulidade dos contratos titulados pela escritura de dação em pagamento e de compra de 13-9-96 violou os arts 61 e 261 do C.S.C. e 294 e 892 do C.C.
10 – Devem ser declarados nulos os contratos titulados pela escritura de 13-9-96 e ordenado o cancelamento de todos os registos que foram ou vierem a ser efectuados com base na dita escritura .
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Cada um dos recorrentes contra-alegou no recurso do outro .
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Corridos os vistos, cumpre decidir .

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Remete-se para todos os factos considerados provados no Acórdão recorrido, que aqui se dão por reproduzidos, ao abrigo dos arts 713, nº6 e 726 do C.P.C.

Todavia, com interesse para a decisão do recurso destacam-se os seguintes:

1 – A ré P... tem o capital social de 400.000$00 e como sócios : P... Investments Limited, que detém uma quota com o valor nominal de 160.000$00 ; Residence P... Limited, que detém uma quota no valor nominal de 200.000$00 e Dr. DD, que detém uma quota de 40.000400 .

2 – A ré P... obriga-se com a assinatura conjunta de dois gerentes .

3 - Em 1-2-96, foram nomeados gerentes da mesma ré CC e DD .

4 – Na acta da assembleia geral da ré P... de 8-8-96 foi mandatado o também sócio e gerente, Dr. B...A..., para dar em pagamento à Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, os bens descriminados na alínea c) da peça dos factos assentes .

5 – No dia 13-9-96, no Cartório Notarial de Santiago do Cacém, foi realizada uma escritura de dação em cumprimento e de compra e venda, que teve como outorgantes o Dr. B...A..., na qualidade de procurador da 1º ré P... ; A...M...N...L..., A...J...B... e M...J...M..., em representação da 2ª ré ; e o 3º réu, AA .

6 – Pela referida escritura e, em 1º lugar, foram entregues à 2ª outorgante, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de S. Teotónio, CRL, em dação em cumprimento, os bens identificados na alínea C) dos factos assentes .

7 – Aos referidos bens foi atribuído o valor global de 31.000.000$00.

8 – Pela mesma escritura, a 2ª ré, Caixa de Crédito Agrícola, transmitiu aos terceiros réus os bens relacionados em C) dos factos assentes .

9 – É referido nessa escritura que o outorgante Dr. DD outorga em representação da sociedade P..., com poderes para o acto, de acordo com a deliberação da assembleia geral desta ré de 8-8-96 .

10 – A autora teve conhecimento, antes de 16-3-97, das deliberações sociais constantes da acta de 8-8-96 .

11 – A presente acção foi instaurada em 16-4-97.

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Vejamos agora o mérito de cada um dos recursos .

I.

Recurso da ré P...

A questão essencial a decidir consiste em saber se a assembleia geral da sociedade por quotas da recorrente P..., realizada em 8-8-96, cuja gerência compete a dois gerentes, podia conferir validamente poderes a um mandatário judicial, que simultaneamente é um dos seus gerentes, para, em representação da sociedade e no âmbito de um determinado processo judicial, outorgar uma escritura de dação em pagamento de imóveis .

O Acórdão recorrido concluiu que “ sendo a outorga ( ou o reforço) de mandato acto de administração e de gestão com interferência na representação da sociedade perante terceiros, a deliberação controvertida enferma de nulidade por, de acordo com a distribuição natural de competências na sociedade, estar vedada à assembleia de sócios a prática de actos de gestão e a alteração da representação externa da sociedade, como é a outorga directa de poderes representativos para actos e negócios jurídicos ( que, como resulta do que se disse, são verdadeiros actos de gestão ), estes da competência da gerência .
Ao fazê-lo, a assembleia invadiu a esfera de competência da gerência, quando deveria limitar-se a aprovar a deliberação, instruindo os gerentes para outorgarem esses mesmos poderes “.
Daí considerar que tal deliberação é nula, nos termos do art. 56, nº1, al. c), do C.S.C., por tal matéria estar, por natureza, excluída da competência da assembleia .
E com razão, como já se mostra suficientemente explicitado na fundamentação do Acórdão recorrido, com que se concorda e para que se remete .
Efectivamente, a distribuição interna de competências dos órgãos sociais e a forma de gestão e de representação de uma sociedade por quotas, definidas no pacto social, não podem ser objecto de deliberação dos sócios .
Competindo a gerência da P... a dois gerentes, em pé de igualdade (gerência plural conjunta), a assembleia dos sócios não pode deliberar em termos de alterar essa forma de administração e de representação da sociedade, designadamente atribuindo poderes especiais a um deles, do que implicitamente decorre a retirada de poderes ao outro .
Os actos praticados pelos gerentes, em nome da sociedade e dentro dos poderes que a lei lhes confere, vinculam-nos para com terceiros, não obstante as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios – art. 260, nº1, do C.S.C.
Isto porque cabe aos gerentes administrar e representar a sociedade, para o que poderão praticar os actos necessários para realização do objecto social – arts 252, nº1 e 259 .
Da primeira parte do nº1, do citado art. 252, pode retirar-se a conclusão de que a gerência abrange duas funções : a de gestão ou administração (actuação interna da sociedade, ou seja, a que se reflecte directamente na ordem interna desta ) e a de representação (actuação externa, ou seja, a que tem reflexos directos no exterior da sociedade ) .
Ora, se os actos de administração a praticar pelos gerentes estão sujeitos a deliberações dos sócios, vigorando para as sociedades por quotas um princípio de dependência de ordens ou instruções, a que corresponde um princípio de obediência por parte dos gerentes ( art. 259), já quanto aos actos de representação vigora o princípio da ilimitação dos poderes representativos dos gerentes, perante o qual são irrelevantes as limitações constantes do contrato social ou resultantes de deliberações dos sócios ( art. 260, nº1) – Raúl Ventura , Sociedades por Quotas, Vol. III, págs 139 e 172; Ac. S.T.J. de 26495, Col. Ac. S.T.J., III, 2º, 49 ; Ac. S.T.J. de 15-10-96, Col. Ac. S.T.J., IV, 3º, 62; Ac. S.T.J. de 13-5-04, também relatado pelo ora Relator, proferido na revista nº 1289/04-6ª.
Debruçando-se sobre a ilimitação dos poderes representativos dos gerentes, escreve Raúl Ventura (Sociedade por Quotas, Vol. III, págs 172/173) que, por força do art. 260, nº1, do C.S.C., ”os poderes representativos dos gerentes ficam imunes às restrições ou limitações que os sócios pretendam estabelecer, quer logo no contrato de sociedade, quer posteriormente por meio de deliberações “.
E acrescenta :
“Enquanto a actuação dos gerentes não tem projecção externa, isto é, enquanto não contende com os interesses de terceiros, os sócios – pelo contrato de sociedade ou por deliberações sociais – são donos e senhores da sociedade e, como tais, podem determinar o círculo dentro do qual os gerentes podem mover-se
Uma vez que os gerentes se apresentem perante terceiros, como representantes da sociedade – que materialmente será parte no negócio - evita-se, pela ilimitação dos poderes representativos, que aqueles fiquem sujeitos a restrições da representação criados pelos sócios no seu próprio interesse e cujo conhecimento pelos terceiros não é seguro “ .
Os interesses que se visam proteger pela estatuição do aludido art. 260, nº1, são, fundamentalmente, os de terceiro .
Trata-se de uma norma de interesse e ordem pública, de natureza imperativa, pelo que a ilimitação dos poderes de representação dos gerentes não pode ser afastada pela vontade, mesmo unânime dos sócios, sob pena de nulidade da respectiva deliberação – art. 56, n-1, al. d) do C.S.C.
Assim, não merece censura o Acórdão recorrido, ao considerar nula a questionada deliberação de 8-8-96.

II.

Revista da autora P... :

O Acórdão recorrido julgou pela inoponibilidade da nulidade da referida deliberação aos 2º e 3ºs réus, por estes estarem de boa fé .
Para tanto, baseou-se no preceituado no art. 61, nº2, do C.S.C., onde se prescreve o seguinte :
A declaração da nulidade ou a anulação não prejudica os direitos adquiridos de boa fé por terceiros, com fundamento em actos praticados em execução da deliberação ; o conhecimento da nulidade ou anulabilidade exclui a boa fé .
Ora, a autora não logrou provar que a segunda e terceiros réus estejam de má fé, tendo conhecimento da nulidade da deliberação de 8-8-96, quando outorgaram a escritura de dação em cumprimento e de compra
e venda de 13-9-96..
De resto, o vício nem sequer era evidente, tendo passado despercebido no Cartório Notarial, onde foi aceite a comprovação da qualidade e dos poderes para o acto do Dr. B...A..., através da acta da referida assembleia geral .
Agora, na sua revista, a autora sustenta a nulidade da dita escritura de dação em cumprimento e de compra e venda de 13-9-96, por irregularidade da representação a ré P... ( esteve representada apenas por um gerente, quando era exigível intervenção conjunta de dois gerentes), independentemente da nulidade ou validade da deliberação de 8-8-96.
Mas sem razão.
É um facto que, segundo o pacto social, a ré P... se obriga com a assinatura conjunta de dois gerentes .
No domínio da anterior Lei das Sociedades por Quotas, resultava do seu art. 29 que a sociedade ficaria obrigada quando um dos gerentes assinasse com a firma social .
Mesmo que o pacto impusesse a intervenção de mais que um gerente, aquele acto não deixaria de vincular a sociedade .
Entretanto, a legislação foi alterada, encontrando-se a matéria agora regulada nos arts 260 e 261 do C.S.C.
O art. 260, nº2, veio consagrar a prevalência dos interesses da sociedade em relação a terceiros, quanto a actos praticados pelos gerentes fora dos limites impostos pelo objecto social .
Mas semelhante cautela não foi expressa quanto ao funcionamento da gerência plural, resultando do art. 260, nº1, a vinculação da sociedade e dentro dos limites que a lei lhes confere, não obstante as limitações constantes do pacto social que não se reportem ao objecto social .
Ora, verifica-se uma forte corrente doutrinal e jurisprudencial no sentido de atribuir primazia aos interesses de terceiros, relegando-se para as relações internas as consequências inerentes ao eventual desrespeito das regras da representatividade constantes do pacto social, assim se acolhendo o propósito do legislador expresso no parágrafo 23 do preâmbulo do dec-lei nº 262/86, que aprovou o Código das Sociedades Comerciais (Ilídio Rodrigues, A Administração das Sociedades por Quotas e Anónimas, 1990, pág. 69, nota 95 ; Ricardo Candeias, Os Gerentes e os Actos de Mero Expediente, ROA, Ano 60-280; Pedro Albuquerque, Vinculação das Sociedades Comerciais por Garantias de Dívidas a Terceiros, ROA, Ano 55-702 ; Luís Serpa de Oliveira, ROA, Ano 59-389; Ac. S.T.J. de 3-5-95, Bol. 447-520 ; Ac. S.T.J. de 8-6-99, Bol. 488-371; Ac. S.T.J. de 17-2-00, Bol. 494-367; Ac. S.T.J. de 23-11-00, proferido na revista nº 2493/00, da 7ª secção ; Ac. S.T.J. de 13-5-04, proferido na revista nº 1289/04,da 6ª secção, já atrás citado ).
A previsão da intervenção conjunta de uma pluralidade de gerentes assegura melhor os interesses da sociedade e dos sócios .
Na composição abstracta dos conflitos de interesses que podem derivar do exercício ilegítimo de funções de representação, em caso de gerência plural, o legislador inclinou-se para a protecção de terceiros, por serem eles que se defrontam com maiores dificuldades no conhecimento concreto das regras de representatividade da sociedade .
Aos interesses da sociedade ou dos titulares do respectivo capital sobrepõem-se os de terceiros que com a sociedade se relacionam, mantendo-se a validade dos efeitos jurídicos dos actos outorgados em nome da sociedade, apenas por um dos gerentes, ainda que sem a intervenção conjunta dos demais ,
É claro que, no caso concreto, fica salvaguardado o direito do sócios agirem directamente, em conformidade com o disposto no art. 77 do C.S.C.
Tanto basta para se poder concluir que, não obstante a previsão no pacto social da necessidade de intervenção de dois gerentes para vincular a ré P..., a intervenção de apenas um deles na mencionada escritura vincula a sociedade ,
Por isso, a escritura de dação em cumprimento e de compra e venda de 13-9-96 não é nula.
Não se mostram violados os preceitos legais invocados pela recorrente .
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Termos que negam ambas as revistas, quer a da ré P..., quer a da autora .
Custas de cada um dos recursos pelas respectivas recorrentes .

Lisboa, 23 de Setembro de 2008

Azevedo Ramos (Relator)
Silva Salazar
Nuno Cameira