Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
49/22.2GBVIS-B.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA DE ALMEIDA (DE TURNO)
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
ILEGALIDADE
PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 12/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Sumário :
I. O peticionante, sem fazer referência aos despachos posteriores que reexaminaram e mantiveram a medida de coação de prisão preventiva, pretende fundar a ilegalidade da prisão no cumprimento do prazo para apresentação do detido a 1.º interrogatório judicial e, em especial, na ilegalidade do despacho judicial que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva.

II. A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, não se mostra numa relação de continuidade com os recursos admissíveis que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

III. Tendo sido a prisão preventiva do arguido ordenada e mantida pela autoridade judiciária competente, por factos pelos quais a lei permite - indiciadores da prática de crime a que corresponde moldura penal de 3 a 12 anos de prisão-, e mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação, na fase atual do processo, não se encontra o requerente em situação de prisão ilegal.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório


1. AA, de 57 anos, arguido identificado nos autos supra referenciados do Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, veio, nos termos do art. 222.º do CPP, requerer a providência de Habeas Corpus, alegando encontrar-se em situação de prisão ilegal, por ser o despacho judicial que aplicou a prisão preventiva violador de “cada uma das alíneas do n.º 6 art. 194.º do CPP, sendo por isso nulo e como consequência a prisão ilegal, por ter sido aplicada fora das situações previstas na lei”.

O peticionante encontra-se em prisão preventiva, acusado da prática de crime de incêndio florestal, p. e p. pelo artigo 274.º, n.ºs 1 e 2, al.a) do Código Penal.


2. Apresentou os seguintes fundamentos: (transcrição)

“1.º O arguido foi detido de facto desde, pelo menos, as 9h50 do dia 20/07/22 por agentes da GNR.

2.º A ser verdade que o arguido, como consta do auto de notícia elaborado pela GNR, confessou o crime de que agora vem acusado, aqueles agentes tinham por obrigação legal interromper a inquirição e proceder à comunicação de constituição de arguido, como prescreve os arts. 59.º, n.º 1 e 58.º, n.º 2 do CPP, o que não fizeram.

3.º O suspeito apenas foi constituído arguido pela PJ várias horas depois dos agentes da GNR terem ido a sua casa e de se encontrar em sua custódia, em hora que no entanto não se pode precisar por não constar da constituição de arguido e termo de identidade e residência.

4.º E apenas foi “formalmente” detido pela PJ naquele dia 20/07/22 pelas 21h.

5.º Desde as 9h50 até à sua constituição de arguido, este esteve sempre sob a custódia de agentes da GNR, impedido na sua liberdade de movimento, que desobedeceram a lei, não o tendo constituído arguido, não o informando dos seus direitos nem procedendo à nomeação de defensor, tendo em conta que o arguido não sabe ler nem escrever.

6.º O arguido foi presente a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coação no dia 22/07/22, pelas 11h55, mais de 48h após ter sido abordado pelos agentes da GNR que impediram a sua liberdade de movimento, tratando-se de uma verdadeira e ilegal detenção.

7.º Ou seja, quando foi presente a juiz encontrava-se numa situação de detenção ilegal.

8.º Mas como se tal não bastasse, e talvez como presságio, foi o arguido sujeito a prisão ilegal por violação da lei.

9.º Transcreve-se, desde já, o despacho que aplicou a prisão preventiva:

“Nos termos dos artigos 191, 192, 193, no1, 2 e 3, 202, no1, al.a) e b) e 204, al. b) e c) do CPP sujeitar o arguido à medida de coacção de prisão preventiva, para além do TIR já prestado, por considerar ser tal medida a única que se revela adequada, necessária e suficiente a salvaguardar as elevadas exigências cautelares que se fazem sentir, sendo ainda proporcional, quer à gravidade dos crimes, quer às sanções que previsivelmente serão de aplicar.

Notifique, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 194, no10 do CPP. Proceda-se à emissão de mandados de condução do arguido ao EP competente. Notifique.”

10.º O referido despacho viola flagrantemente o disposto no art. 194.º, n.º 6 do CPP.

11.º Não consta do despacho a descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, nem sequer a enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados.

12.º Igualmente grave não contém a qualificação jurídica dos factos, nem sequer a sua previsão legal.

13.º Questiona-se desde logo como se pode averiguar se a medida de coação de prisão preventiva é aplicável ou não, nos termos do art. 202.º CPP, se não há menção do crime que vem indiciado ou sua moldura penal!

14.º E por fim não há qualquer referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação impostos pelos arts. 193.º e 204.º CPP.

15.º Aliás, e como é fácil de aferir, o despacho de aplicação de medidas de coação (que não pode ser confundido com o auto de interrogatório do arguido), não contém um único facto, apenas disposições legais.

16.º O mencionado despacho viola cada uma das alíneas do n.º 6 art. 194.º do CPP, sendo por isso nulo e como consequência a prisão ilegal, por ter sido aplicada fora das situações previstas na lei.

17.º Não foi sequer ponderado pelo Tribunal qualquer outra medida de coação, numa grosseira violação do disposto no art. 193.º, n.º 2 CPP.

18.º O despacho diz que a prisão preventiva é a única medida de coação que se mostra adequada, necessária e suficiente mas não diz porque motivo uma medida de coação não privativa da liberdade não seria adequada, necessária e suficiente.

19.º O Tribunal tinha por obrigação ponderar a aplicação de uma medida de coação menos gravosa para os direitos do arguido, nomeadamente uma medida de coação não privativa da liberdade, o que não fez.

20.º Também por este motivo, por flagrante violação dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, a prisão decretada é ilegal.

21.º E igualmente não cumpriu o disposto no art. 204.º do CPP, não constando do despacho quaisquer factos que permitam aferir se estão cumpridos os requisitos gerais para a aplicação de uma medida de coação.

22.º Donde decorre que, também por este motivo, a prisão é ilegal.

TERMOS EM QUE deve o presente pedido de providência de habeas corpus ser deferido e ser o arguido de imediato restituído à liberdade.

JUSTIÇA!”


3. Foi prestada a informação a que alude o art° 223.°, n.º 1, in fine do C.P.P.: (transcrição)

“Nos presentes autos, vem o arguido AA requerer a concessão da providência de habeas corpus.

Alega, para tanto, e em síntese, que foi detido, de facto, pelo menos às 09:50 horas do dia 20/07/2022, por militares da GNR, e que foi presente a primeiro interrogatório judicial para aplicação de medidas de coacção no dia 22/07/2022, pelas 11:55 horas, mais de 48 horas depois de ter sido abordado pelos militares da GNR que impediram a sua liberdade de movimento, tratando-se de uma verdadeira e ilegal detenção.

Mais invoca que foi sujeito a prisão ilegal por violação de lei, na medida em que o despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva viola flagrantemente o disposto nos art.os 194.º, n.º 6 e 193.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, sendo, por isso, nulo e como consequência a prisão ilegal, por ter sido aplicada fora das situações previstas na lei.

Conclui dever a providência de habeas corpus ser deferida e o arguido de imediato restituído à liberdade.

Cumpre informar sobre as condições em que foi determinada e, posteriormente mantida, a prisão preventiva do arguido – art. 223.º, n.º 1 do Código do Processo Penal.

▪ De acordo com o auto de notícia lavrado pela GNR, no âmbito das diligências efectuadas para apurar as circunstâncias do incêndio ocorrido em 14/07/2022, contactaram o arguido na sua residência pelas 09:50 horas do dia 20/07/2022, o qual acabaria por assumir a autoria dos factos, acedendo de livre e espontânea vontade a acompanhar a equipa da GNR indicando o percurso que o levou ao local do incêndio e trajecto posterior (auto de notícia de fls. 27 a 34);

▪ Tal informação foi comunicada pela GNR à Polícia Judiciária pelas 10:25 horas, a qual iniciou diligências cautelares de prova e diligências de investigação (inspecção judiciária, exame ao local e inquirição de testemunhas), diligenciou pela nomeação de advogado oficioso (por ser o arguido analfabeto), constituiu o ora requerente na qualidade de arguido e procedeu a diligências de reconstituição e interrogatório de arguido (fls. 24 a 25 v.º, 44 a 57, 58 a 67, 69, 73 a 78, 89 a 92);

▪ Elaborado o expediente correspondente e na sequência de mandados de detenção emitidos por autoridade de polícia criminal, pelas 21:00 horas foi concretizada a detenção do arguido (fls. 94 a 102).

▪ A detenção foi comunicada ao Ministério Público pelas 21:42 horas do dia 20/07/2022 (fls. 104);

▪ No dia 21/07/2022 o Ex.mo Sr. Procurador da República de turno elaborou o requerimento de apresentação do arguido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido (fls. 110 a 113);

▪ No dia 22/07/2022 os autos deram entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu (fls. 117)

▪ Pelas 11:55 horas do dia 22/07/2022 teve início a diligência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, finda a qual foi proferido despacho judicial que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR já prestado, e em prisão preventiva (fls. 121 a 124);

▪ Da referida diligência foi lavrado auto no qual se transcreveu apenas por súmula o dispositivo do mencionado despacho judicial, despacho esse que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital.

▪ Em 28/09/2022 o Ilustre Mandatário subscritor do requerimento em análise juntou aos autos procuração outorgada a seu favor (fls. 208 a 210);

▪ Os pressupostos da prisão preventiva foram reexaminados por despacho judicial de 11/10/2022, na sequência da dedução da acusação (fls. 236 e 237);

▪ Por despacho proferido em 14/10/2022 foi apreciado requerimento do arguido para alteração da medida de coacção, sendo a mesma mantida (fls. 250 e v.º e 259 e 260);

▪ Dos despachos proferidos em 11/10/2022 e 14/10/2022 foi interposto recurso que subiu ao Tribunal da Relação de Coimbra em 09/12/2022 (fls. 280 a 284 v.º)

É ao abrigo dos mencionados despachos judiciais que o arguido se encontra actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.

Elencadas que estão as condições em que se procedeu ao interrogatório e subsequente aplicação e manutenção da medida de coacção de prisão preventiva, importa ponderar a respectiva manutenção.

Entendo, desde logo que, devendo-se a privação de liberdade do arguido, no momento actual, a decisão judicial nesse sentido proferida em 14/10/2022, não pode ter-se por ilegal a sua prisão, pois que assente em despacho judicial, devidamente fundamentado (e, aliás, já oportunamente impugnado, por via de recurso, pelo requerente).

Constata-se ainda, da análise da sucessão processual supra elencada, que o arguido e os presentes autos foram apresentados no Tribunal ainda dentro do prazo de 48 horas a que alude o art. 254.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal, pois que o arguido só veio efectivamente a ficar detido na sequência da consolidação dos indícios recolhidos nas diligências probatórias desenvolvidas no dia 20/07/2022, todas elas na presença de defensor, detenção que ocorreu pelas 21:00 horas desse mesmo dia, iniciando-se o primeiro interrogatório judicial de arguido detido pelas 11:55 horas do dia 22/07/2022.

Acresce que ainda que tivesse decorrido o prazo de 48 horas conforme invoca o arguido (o que na verdade não sucede no caso dos autos), tal circunstância não seria susceptível de acarretar a nulidade da decisão que determinou a sujeição do arguido a prisão preventiva conforme tem sido também entendido pela jurisprudência, mencionando-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão da Relação de Lisboa, de 08/02/2011 (proc 7/10.0TELSB-B.L1-5; Rel. Neto de Moura) e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/10/2010 (proc 69/10.0TABNV-A.S1; Rel. Isabel Pais Martins), ambos acessíveis em www.dgsi.pt.

Por outro lado, a invocada ausência de fundamentação do despacho judicial que determinou a aplicação da prisão preventiva também carece de razão, na medida em que o despacho não se reconduz à súmula transcrita no auto de primeiro interrogatório judicial, mas ao teor integral do despacho proferido no âmbito da diligência em causa, e que ficou registado mediante gravação. E esse, mostra-se cabalmente fundamentado, nele se mencionando não só os factos e crime que se consideram fortemente indiciados, como as razões que sustentam a ocorrência dos perigos de continuação da actividade criminosa e de grave perturbação da ordem e tranquilidade públicas e a insuficiência de outras medidas de coacção (incluindo a obrigação de permanência na habitação) para acautelar os perigos verificados.

Ou seja, ainda que tivesse sido ultrapassado o prazo máximo das 48 horas, o que não sucede, tal facto nunca determina a ilegalidade da prisão preventiva a que o requerente se encontra sujeito, e muito menos fundamentaria a petição de habeas corpus, comprovado que está nos autos que a decisão que determinou a prisão preventiva foi proferida por entidade competente, foi motivada e devidamente fundamentada nas correspondentes disposições legais e não se mostra ainda decorrido o respectivo prazo máximo de duração.

Sempre se dirá que, ainda que algum vício se considerasse existir no despacho que determinou a aplicação ao arguido da medida de coacção de prisão preventiva, a verdade é que a sua situação de privação de liberdade assenta, actualmente, não naquele despacho, mas no despacho de 14/10/2022 que manteve tal medida de coacção o qual, mais uma vez, foi proferido por entidade competente e mostra-se devidamente fundamentado, mantendo total validade, sem prejuízo de eventual revogação em sede do recurso já interposto.

Assim, por se considerar legal a situação de prisão preventiva a que o requerente se encontra sujeito, e salvo melhor entendimento de V. Ex.as, não se encontram razões para determinar a libertação do arguido no âmbito desta providência.

Instrua o presente incidente de Habeas Corpus com certidão de fls. 27 a 34, 24 a 25 v.º, 44 a 57, 58 a 67, 69, 73 a 78, 89 a 92, 94 a 102, 104, 110 a 113, 117, 121 a 124, 208 a 210, 236 e 237, 250 e v.º e 259 e 260 e 280 a 284 v.º, bem como com cópia da gravação integral da diligência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido.”


Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e o Defensor do Requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como segue (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP):


II. Fundamentação

a. Factos:

Dos elementos que instruem o processo, com interesse para a decisão do pedido de habeas corpus, extraem-se os seguintes:

- No dia 22.07.2022, na sequência de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, foi proferido despacho judicial que determinou que o arguido aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às obrigações decorrentes do TIR já prestado e em prisão preventiva (fls. 121 a 124);

- Da referida diligência foi lavrado auto no qual se transcreveu apenas por súmula o dispositivo do mencionado despacho judicial, despacho esse que ficou gravado através do sistema integrado de gravação digital.

- Da audição da gravação, verifica-se o cumprimento integral do disposto no n.º 6, do art. 194.º do CPP (ficheiro incluído no DVD que integra a certidão remetida);

- Os pressupostos da prisão preventiva foram reexaminados por despacho judicial de 11.10.2022, na sequência da dedução da acusação (fls. 236 e 237);

- Por despacho proferido em 14/10/2022 foi apreciado requerimento do arguido para alteração da medida de coação, sendo a mesma mantida (fls. 250 e v.º e 259 e 260);

- Dos despachos proferidos em 11/10/2022 e 14/10/2022 foi, pelo arguido, interposto recurso que subiu ao Tribunal da Relação de Coimbra em 09/12/2022 (fls. 280 a 284 v.º).

b. Do direito

A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31° da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220° e 222° do CPP que estabelecem os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.

No caso, importa o artigo 222° do CPP que se refere aos casos de prisão ilegal, em cujos termos, a ilegalidade da prisão suscetível de fundamentar a providência deve resultar da circunstância de a mesma

- ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

- ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

- ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222° do CPP.

A providência em causa, com previsão constitucional no art. 31.º, assume, assim, uma natureza excecional, expedita, de garantia de defesa do direito de liberdade, consagrado este nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, para pôr termo a situações de detenção ou de prisão ilegais.

Em jurisprudência constante, tem vindo este tribunal a considerar que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência, perante as ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, sem lei ou contra a lei, referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP [acórdão de 19.0.22, no proc. n.º 57/18.8JELSB-D.S1; e também, entre outros, os acórdãos de 02.02.22, no proc. 13/18.6S1LSB-G, de 04.05.22, no proc. 323/19.5PBSNT-A.S1, 02.11.2018, de 04.01.2017, no proc. n.º 78/16.5PWLSB-B.S1, e de 16-05-2019, no proc. n.º 1206/17.9S6LSB-C.S1, em www.dgsi.pt].

c. No caso

O peticionante, sem fazer referência aos despachos posteriores que reexaminaram e mantiveram a medida de coação de prisão preventiva, pretende fundar a ilegalidade da prisão no cumprimento do prazo para apresentação do detido a 1.º interrogatório judicial e, em especial, na ilegalidade do despacho judicial que determinou a aplicação da medida de prisão preventiva.

A verdade é que, no momento da petição, haviam já sido proferidos despachos judiciais que procederam ao reexame dos pressupostos da medida, um dos quais, na sequência da dedução de acusação.

E que, dos mesmos, o requerente interpôs recurso.

A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, não se mostra numa relação de continuidade com os recursos admissíveis que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais.

Como se pronunciou, já e por diversas vezes, este Tribunal, em entendimento reafirmado no Acórdão de 21.09.2011[1]:

“A providência de habeas corpus não é o meio próprio para sindicar as decisões sobre medidas de coacção privativas de liberdade, ou que com elas se relacionem directamente. Como se decidiu no Ac. do STJ de 10-10-1990, in CJ, 1990, tomo 4, pág. 28, e BMJ n.º 400, pág. 546, no âmbito da providência de habeas corpus, «o STJ não pode substituir-se ao tribunal ou ao juiz que detém a jurisdição sobre o processo e não pode intrometer-se numa função reservada aos mesmos, consistindo as suas funções em controlar se a prisão se situa e se está a ser cumprida dentro dos limites da decisão judicial que a aplicou. Existindo uma decisão judicial, ela permanece válida até ser revogada em recurso. Por isso, a providência de habeas corpus apenas pode ser utilizada em situações diferentes. De contrário, estava a criar-se um novo grau de jurisdição, não contemplada. Daí que, quando o despacho de um juiz decreta a prisão baseado em fundamentos que a lei permite, o único meio de impugnação, por se pretender entender que tal fundamento se não encontra preenchido face aos elementos constantes do processo, é o recurso. Pode ao mesmo tempo requerer-se a providência, mas com base em outras razões que não as que foram objecto do recurso.”


Os motivos de ilegalidade da prisão, como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Como se afirmou, entre outros, no acórdão de 22.1.2020 (proc. 4678/18.0T8LSB-B.S1, acessível em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/02/criminal_sumarios-2020.pdf), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar:

- se a prisão, em que o peticionante atualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível,

- se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e

- se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (cfr. também, os acórdãos de 26.07.2019 e de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1).

O arguido encontra-se sujeito a prisão preventiva desde 22.07.2022.

Mostrando-se o processo em fase de julgamento, o prazo máximo de prisão aplicável, no momento atual, é de 1 ano e 6 meses, nos termos da al. c), do n.º 1 e do n.º 2 do artigo 215.º do CPP.

O prazo em causa está, pois, longe de ser, sequer, atingido.

Tendo sido a prisão preventiva do arguido ordenada e mantida pela autoridade judiciária competente, por factos pelos quais a lei permite - indiciadores da prática de crime a que corresponde moldura penal de 3 a 12 anos de prisão-, e mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coação, na fase atual do processo, não se encontra o requerente em situação de prisão ilegal.


Não se verificam, pois, os pressupostos de concessão da providência de habeas corpus, inexistindo ilegalidade, abuso de poder ou inconstitucionalidade que imponha o respetivo deferimento, mostrando-se o requerimento manifestamente infundado.


III. Decisão:

- Indeferir, por manifesta falta de fundamento, a petição de habeas corpus, apresentada pelo Requerente.

- Condenar o Requerente nas custas da providência, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (art.º. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais);

- Condenar, ainda, o peticionante na sanção processual cominada no art.º 223º, n.º 6, do CPP, que se fixa em 6 UCs.  


Supremo Tribunal de Justiça, 29 de dezembro de 2022


Teresa de Almeida (Relatora)

Lopes da Mota (1.º Adjunto)

Pedro Branquinho Dias (2.º Adjunto)

Maria Clara Sottomayor (Presidente da Secção)

_____

[1] No processo n.º 96/11.0YFLSB.S13.ª Secção, Rel. Raúl Borges.