Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
31947/15.9T8LSB.L2.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
FUNÇÕES DO TRABALHADOR
DISCRIMINAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADAS A REVISÃO PRINCIPAL E SUBORDINADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS / IGUALDADE E NÃO DISCRIMINAÇÃO / MEDIDAS DE ACÇÃO POSITIVA / INVALIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO / CONVALIDAÇÃO DO CONTRATO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
-FERNANDO ANDRADE PIRES DE LIMA E JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Código Civil, anotado, Coimbra Editora, Volume I, p. 339;
-GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª edição, p. 378;
-GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 339;
-GUILHERME DRAY, Código do Trabalho Anotado, 2016, 10.ª edição, Almedina, direção de Pedro Romano Martinez, p. 174;
-JÚLIO GOMES, Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 505;
-MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Tratado de Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 5.ª Edição, 2014, Almedina, p. 279 ; Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, p. 304 e 305;
-MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 665 ; Direito das Obrigações, 1980, 2.º, p. 285;
-VAZ SERRA, RLJ, Ano 113º, p. 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 25.º E 118.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 496.º E 566.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17-03-2010, PROCESSO N.º 435/09.3YFLSB, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-01-2012, PROCESSO N.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-02-2013, PROCESSO N.º 1508/06.0TTLSB.L1.S1;
- DE 05-03-2013, PROCESSO N.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1;
- DE 12-09-2013, PROCESSO N.º 18003/11.8T2SNT.L1.S1;
- DE 25-11-2014, PROCESSO N.º 781/11.6TTFAR.E1.S1;
- DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 292/11.0TTSTR.E1.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1;
- DE 28-01-2016, PROCESSO N.º 579/11.1TTCSC.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 01-03-2018, PROCESSO N.º 606/13.8TTMTS.P1.S1.
Sumário :

I – Celebrado contrato de trabalho em que ao trabalhador são atribuídas as funções de empregado de mesa de 1.ª, a posterior divisão das tarefas que integram a correspondente categoria profissional pelo empregador, constituindo um grupo com aquelas que caracterizam a função em termos sociais, e um outro com atividades de apoio, socialmente menos relevantes no âmbito daquela categoria profissional, a atribuição ao trabalhador pelo empregador apenas da parte secundária das funções convencionadas viola o disposto no artigo 118.º do Código do Trabalho.

II – A conduta descrita no número anterior, numa situação em que o empregador atribuiu a outros trabalhadores com idêntica antiguidade as tarefas que integram o núcleo fundamental das funções que com todos tinham sido convencionadas, na falta de um motivo que legitime esta diferença de tratamento, integra discriminação, nos termos dos artigo 25.º do  Código do Trabalho.

III – O trabalhador privado ilicitamente do desempenho das funções a que se vinculou pelo contrato de trabalho e discriminado face a outros trabalhadores que se encontrem em igualdade de circunstâncias, tem direito à reparação dos danos não patrimoniais sofridos, nos termos dos artigos 496.º e 566.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I


AA instaurou a presente ação especial de tutela da personalidade do trabalhador, nos termos dos artigos 186.º -D, 186.º -E e 186.º -F do Código de Processo do Trabalho, contra BB RESTAURAÇÃO, SA, pedindo a condenação da Ré a atribuir-lhe todas as funções profissionais correspondentes à categoria de empregado de mesa de 1.ª, conforme o disposto no IRCT, ou, no caso de manter o atual sistema de divisão de empregados de mesa em “áreas” e “runners”, a atribuir-lhe a posição de “área”, bem como abster-se de praticar atos discriminatórios, hostis, humilhantes, vexatórios, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados e dar-lhe o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias em que exercem as funções dessa categoria profissional, e também a pagar-lhe a importância de € 60.000, a título de danos não patrimoniais, quantia a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até efetivo pagamento.

Invocou como fundamento da sua pretensão que: - foi admitido ao serviço da Ré em 17 de junho de 1982 para desempenhar a sua atividade profissional; - tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, pelo menos desde outubro de 2007; - desde abril de 2014 que a Ré o impede de desempenhar as funções da sua categoria profissional; - esse impedimento tem natureza persecutória e discriminatória e constitui assédio moral.

A ação instaurada prosseguiu os seus termos e veio a ser decidida por sentença que a julgou improcedente por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformado com esta decisão, dela recorreu o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso por acórdão de 8 de novembro de 2017 e que integrou o seguinte dispositivo:

«Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto por AA, revogando a sentença recorrida, e, em consequência, condena-se a Ré a atribuir ao Autor as funções inerentes à sua categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, nos mesmos termos do que aos trabalhadores referidos em 28., ou, no caso de manter o atual sistema de divisão dos empregados de mesa em "áreas" e “runners", atribuir ao Autor a posição de “área”, condenando-se ainda a Ré a abster-se de praticar atos discriminatórios, hostis, humilhantes, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados, e dar ao Autor o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias em que exercem as funções dessa categoria profissional.

Condena-se também a Ré a pagar ao Autor a quantia de 4.000 € (quatro mil euros), a título de danos não patrimoniais, a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a data da citação, até integral pagamento.

Custas a cargo da Ré e do Autor na proporção do respetivo decaimento.

Registe e notifique.»

Não resignada com esta decisão, dela recorreu a Ré, de revista, para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1. Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Recorrente que o Tribunal da Relação comete um erro de análise factual e jurídica.

2. Não existe uma "sub categoria criada pela Ré de “runner", existe uma única categoria profissional de empregados de mesa, cujas funções se encontram descritas no IRCT aplicável ao setor (cfr. ponto n.° 8 dos factos provados).

3. Para melhorar o nível de serviço nas vertentes de tempo e qualidade, com recurso a princípios de eficiência e especialização, a Recorrente institui um sistema de trabalho, atribuindo funções distintas aos seus empregados de mesa, dividindo-os em "áreas" e "runners".

4. O mesmo sistema foi instituído no local de trabalho ocupado pelo Recorrido e noutras unidades do grupo.

5. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa especializados às horas das refeições. Estes empregados de mesa desempenham algumas das funções descritas genericamente na categoria de empregados de mesa. Fora dos horários das refeições desempenham as mesmas funções, nomeadamente no arranjo da sala e das mesas.

6. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa que, nos períodos das refeições, se dividem funcionalmente. Os "áreas" estão especializados no atendimento do cliente e na venda (sentar o cliente, apresentar e explicar a lista, sugerir ementa, receber o pedido, apresentar a conta e receber o pagamento) e os "runners" estão especializados no serviço ao cliente (servir o couvert, as bebidas, a comida, as sobremesas e os cafés, assegurar uma rápida saída da comida da cozinha (zona de produção), recolher loiça e talheres). Os "runners" são tão "carregadores" de comida e bebida como outro empregado de mesa qualquer.

7. Os "áreas" e "runners" são elementos de uma mesma equipa de trabalho, funcionando de forma complementar, sendo que o exercício das tarefas associadas a "áreas" e "runners" não é estanque ou exclusivo, no sentido dos colaboradores não se poderem entreajudar, sempre que o volume de trabalho o exija.

8."Áreas" e "runners" desempenham o núcleo essencial das funções de empregados de mesa e trabalham em equipa no desempenho das suas funções.

9. Os "áreas" estão especializados no atendimento do cliente e na venda e os "runners" estão especializados no serviço ao cliente.               

10. Não há, por isso, qualquer "esvaziamento das funções resultantes da categoria profissional do Autor", há antes uma especialização do trabalho dentro das funções da categoria profissional de empregado de mesa.

11. A colocação do Recorrido como "runner" foi feita com base em critérios definidos pela empregadora (critérios de gestão).

12. Não houve, assim, qualquer discriminação ou violação de direitos de personalidade do Recorrido por parte da Recorrente.

13. A decisão da Recorrente não violou nem viola o direito do Recorrido à sua categoria profissional, nem tampouco o sistema implementado pela empresa visa fazer um ataque cerrado aos direitos do seu trabalhador.

14. O trabalhador foi reintegrado em 04/03/2014, gozou férias imediatamente e entrou a serviço em 03/04/2014. A falta de "caixa própria no sistema de registo" [o]correu entre 03/04/2014 e 13/04/2014, no início efetivo da prestação de trabalho, após a reintegração.

15. Tratou-se de uma situação transitória, perfeitamente delimitada e justificada pelo reinício efetivo da prestação laboral, que em nada prejudicou ou discriminou o trabalhador.

16. Também foi atribuído um novo número ao trabalhador, porque não é tecnicamente possível atribuir o antigo número.

17. O número interno de trabalhador não tem qualquer função para além da que resulta da gestão de recursos humanos.

18. Os trabalhadores desconhecem os números uns dos outros e o número não influencia qualquer direito, nem contém qualquer estatuto associado como resulta evidente nos factos provados.

19. O facto de um trabalhador aquando da sua entrada, não ter temporariamente um registo ativo no software existente no estabelecimento em nada prejudica o trabalhador, nem na retribuição, nem em qualquer outro direito. Não fica prejudicada a faturação e também não prejudica o colaborador que cede o seu registo temporariamente.

20. Tal demonstra inequivocamente e também a inexistência de qualquer discriminação do Recorrido face aos demais colegas de trabalho.

21. A testemunha CC nenhum conhecimento direto tem dos factos que se discutem nos presentes autos, pois que a mesma não vai ao local onde o pai exerce funções profissionais (Cervejaria ...), desde que o mesmo foi reintegrado.

22. A referida testemunha não tem qualquer conhecimento das funções profissionais que o seu pai exerce e do grau de exigência que lhe está implícito ou sequer se as funções inerentes a um "área" são menos desgastantes que as tarefas essencialmente atribuídas a quem temporariamente está afeto a "runner",

23. Aquilo que a citada testemunha sabe é o que o pai lhe relata, sendo que mesmo que presencie alguma angústia e sinceridade não consegue demonstrar que tal decorre do exercício das funções profissionais que estão adstritas ao Recorrido, por um lado, ou de algum (suposto) comportamento discriminatório, humilhante e hostil da Recorrente ou seu colaborador.

24. O Recorrido, através das testemunhas que arrolou, não conseguiu fazer prova do nexo causal entre o alegado desgosto, incerteza, ansiedade, infelicidade, inquietação, receio e pânico e o exercício das funções profissionais que lhe impendem.

25. O alegado desgosto, receio e pânico e a invocada incerteza, ansiedade e infelicidade podem perfeitamente estar (antes) relacionados com o estado de saúde e imunitário do Recorrido, por si só, frágil e debilitado, nada tendo que ver, como não tem, com o exercício das funções que lhe impendem no âmbito da categoria profissional de Empregado de Mesa de 1.ª.

26. O Recorrido não alegou quaisquer factos suscetíveis de configurar uma violação dos seus direitos de personalidade, nem tampouco identifica qualquer pessoa que tenha praticado atos suscetíveis de violarem esses mesmos direitos, nem conseguiu demonstrar o nexo causal entre o invocado desgosto, inquietação e infelicidade e as funções que lhe impendiam no seio da sua categoria profissional de Empregado de Mesa de l.ª.

27. Pelo que, com o devido respeito e salvo melhor opinião, mal andou o Tribunal da Relação ao julgar provados os factos constantes das alíneas l), m) e n), pois a prova produzida em audiência de discussão e julgamento implicava a manutenção da decisão de l.ª instância.    

28. Os documentos juntos pela Recorrente são, não só formalmente válidos para o objetivo que o Tribunal de l.ª instância havia ordenado a sua junção, como foram até aptos a produzir a prova pretendida.

29. O Recorrido ainda não se qualificou para desempenho das funções de "área", sendo que tal decorre, por um lado, do resultado das suas avaliações e, por outro, do resultado de avaliação dos outros colegas.             

30. Tal não significa que o Recorrido não venha a desempenhar tais funções, assim como não quer dizer que uma vez executadas as mesmas, o colaborador adquira prioridade relativamente aos seus colegas de trabalho.     

31. É evidente a consequente mobilidade do núcleo de trabalhadores que, dentro da mesma equipa de Empregados de Mesa, ora se dedicam às funções de "runner" ora se dedicam às funções de "área", consoante as avaliações.

32. Se tal mobilidade ainda não ocorreu em relação ao Recorrido deve-se exclusivamente ao resultado das avaliações (suas e dos seus colegas) e não a qualquer estanquidade das suas funções e menos ainda à invocada discriminação.

33. Face ao exposto, entende a Recorrente que inexiste razão para não considerar os factos constantes nos referidos artigos provados, como o foram pelo Tribunal de l.ª instância, não só pelos documentos juntos oportunamente, mas também pelo depoimento coerente, sustentado e credível da testemunha DD.

34. Por outro lado, não é conclusivo o facto constante do ponto 53° face ao depoimento prestado pelas testemunhas, no sentido de afirmar perentoriamente que o exercício das funções de empregado de mesa sem a divisão de tarefas implementada com o sistema de "áreas" e "runners" é mais desgastante do que o exercício isolado de cada uma dessas funções.

35. A posição assumida no Acórdão proferido está, assim, destituída de qualquer fundamento devendo, por isso, ser o mesmo revogado e substituído pela Sentença do Tribunal de l.ª instância, que julgou a ação intentada pelo Recorrido contra a Recorrente improcedente, por não provada, absolvendo esta última do peticionado.

36. Face ao supra exposto, nenhuma indemnização é devida ao Recorrido, a título de danos não patrimoniais, inexistindo, por isso, fundamento para condenar a Recorrente ao pagamento da quantia de € 4.000,00 a esse mesmo título.»

 

Termina referindo que se deve dar «integral provimento ao presente Recurso e, consequentemente, (.) o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa revogado, e substituído pela Sentença do Tribunal "a quo", nos termos expostos».

O Autor, igualmente inconformado com a decisão do Tribunal da Relação, da mesma interpôs recurso subordinado para este Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«1.ª - O douto Acórdão recorrido conclui que a Ré, agindo culposamente, praticou factos ilícitos, discriminando o Autor e violando o seu direito à categoria profissional, causou-lhe danos de natureza não patrimonial, que, por se verificarem os requisitos legais e porque tais danos, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, a R. deve ser condenada a pagar ao A. indemnização por esses danos que lhe causou.

2.ª A - De seguida expressa os critérios a que deve obedecer a fixação do respetivo montante, vertente em que, após vincar a natureza acentuadamente mista da indemnização, e considerar que na sua fixação o julgador deve "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida",

2.ª B - Conclui que, "considerando o grau de culpa da Ré, a sua situação económica, que releva dos factos, e a natureza dos danos provocados ao Autor, o tribunal considera ajustada a sua condenação a pagar-lhe a quantia de € 4.000, a título de danos não patrimoniais".

3.ª - Com o devido respeito, consideramos que esse valor é francamente exíguo e traduz uma compensação meramente simbólica e miserabilista, em contrário ao unânime entendimento jurisprudencial de que assim não é, e a compensação deve tender a constituir lenitivo bastante para o sofrimento, a dor e desilusão.

4.ª - Como é doutrinária e jurisprudencialmente entendimento unânime, na ponderação dos vários items a levar em conta na fixação do quantum indemnizatório adquire papel relevante o peso dos antecedentes jurisprudenciais - ou seja, essa ponderação "obriga" a que caso a caso sejam levadas em consideração as decisões judiciais, em particular do Supremo Tribunal de Justiça.

5.ª - O douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de janeiro de 2016 (Proc. 579/11.1TTCSC.L1.S1), analisa situação muito similar à que nos ocupa, na qual, como aqui, houve impedimento de desempenho pelo trabalhador das funções da sua categoria profissional e prática de assédio moral.

 6.ª - Iremos, assim, debruçar-nos comparativamente sobre ambas as situações, no propósito de, nessa comparação ponto a ponto, demonstrar quão errada foi a decisão do douto acórdão recorrido.

7.ª A - Em qualquer dos casos estamos perante situações de impedimento de desempenho pelo trabalhador das funções da sua categoria profissional.

7.ª B - Se compararmos este caso em que se coloca o A. apenas a transportar comida sem qualquer contacto com as mesas (a não ser levantar e despejar pratos, garrafas, etc), com os clientes e com as contas - o núcleo duro da categoria de Empregado de Mesa de 1.ª,

7.ª C - Com aqueloutro em que apesar de tudo o trabalhador, esporadicamente embora e em situações pontuais, ainda conduzia carros (o núcleo duro da categoria de Motorista), a gravidade da conduta da R. na situação aqui em causa é maior (porque, no caso destes autos e como foi provado, nunca o A. foi "área").

8.ª A - Naqueloutro caso estamos perante uma situação em que, por força do tratamento de que foi vítima, o trabalhador fez cessar com justa causa o contrato de trabalho com a empresa, ao fim de dois anos e quase três meses após o início dos comportamentos da empresa.

8.ª B - Esse período temporal em que durou a situação ilegal e de assédio moral foi, com relevo significativo, tido em consideração pelo STJ na fixação do montante da indemnização (como se constata pela expressa e repetida referência de que as condutas assumidas pela R. se prolongaram por mais de dois anos).

8.ª C - No nosso caso a R. iniciou as suas condutas para com o A. em 14 de abril de 2014 e vem mantendo esse seu comportamento até esta data, portanto, desde há três anos e oito meses.

8.ª D - Como dispõe o art. 611.° do CPC "a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos (bem como os modificativos ou extintivos, aqui não verificados, uma vez que o que está em causa é a continuidade pela R da prática dos mesmos atos e comportamentos, ininterruptamente) do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão (n.° 1), só sendo porém atendíveis os factos que, segundo o direito substantivo aplicável, tenham influência sobre a existência ou conteúdo da relação controvertida (n.° 2).

 8.ª E - Daqui resulta, a nosso ver, que na concretização do período temporal de duração das condutas da R. há que atender quer ao tempo que decorreu até à interposição da ação quer ao posterior até à atualidade (note-se que no outro caso a situação terminara antes da propositura da ação, com o despedimento do trabalhador).

8.ª F - No sentido da relevância do período temporal na forma que atrás defendemos veja-se Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25 de maio de 2016 (Proc. 1827/09.5TBBCL-A.G), em que se escreve: "o princípio da economia processual determina a resolução da maior quantidade possível de litígios com o mesmo processo" e "o que interessa agora é resolver de uma vez por todas o problema que obrigou as partes a recorrerem ao tribunal, é arrumar com ele e ponto final, mesmo que isso implique prescindir da estabilidade e disciplina desejáveis".

8.ª G - Comparando os períodos temporais de duração das condutas assediantes e ilegais das duas R.R. também se conclui que no nosso caso essa duração é superior àquela outra - pelo que, constituindo inquestionavelmente aspeto relevante o tempo de duração da afronta, também aqui tudo "impõe" que a indemnização seja consideravelmente superior àquela.

9.ª A - Quanto ao grau de culpabilidade do agente, ambos os Acórdãos, o recorrido e o do STJ de 28 de janeiro de 2016, qualificaram as condutas das duas Rés de ilegais e de assediantes.

9.ª B - Descendo ao pormenor para compararmos, ponto a ponto, os comportamentos em causa, é maior a culpa no caso destes autos — em que a R. impede o A. de desempenhar as tarefas nobres, o núcleo duro, da sua categoria de Empregado de Mesa e obriga-o indevidamente a desempenhar meramente funções de carregador de pratos e garrafas (quando, repete-se, naqueloutro o trabalhador ainda conduzia carros algumas vezes, o núcleo duro da categoria de Motorista).

9.ª C - Noutro aspeto, este mais de cariz processual mas que também demonstra a afronta e o desprezo com que a R. ataca o A., veja-se que quando, a ordem do Tribunal, junta documento para comprovar as alegadas avaliações que lhe fazia, não teve qualquer pejo em juntar documento que - como evidenciámos em Alegações e o douto Acórdão recorrido bem apreendeu e doutamente considerou - apenas continha items dos "áreas" e não dos "runners", ou seja items que pura e simplesmente não eram aplicáveis ao A. porque ela o impedia de desempenhar as funções a que se aplicavam (numa espécie de "pescadinha de rabo na boca").

9.ª D - Sendo o grau de culpabilidade da Ré no comportamento assumido para com o A. superior ao verificado naquela outra situação - como deixámos evidenciado - entendemos que também nesta vertente o montante da indemnização a arbitrar deve ser bem superior ao de € 20.000,00 fixado naquele outro Processo.

10.ª A - Quanto aos danos e consequências na esfera jurídica dos Autores, nos autos do Acórdão de 28 de janeiro de 2016 foi provado o seguinte: "... o A. imputou à R., com o comportamento descrito em 8, 9 e 10, assédio,..." (Facto 11.), "Situação que lhe criou uma síndrome depressiva, causando-lhe episódios de insónia e instabilidade" (Facto 12).

10.ª B - E nos presentes autos está provado o seguinte: "A situação criada pela requerida ao requerente fere e lesa profundamente o seu brio pessoal e profissional e causa-lhe sofrimento", "Resultado da conduta da requerida, o requerente sente um profundo desgosto, incerteza e ansiedade, com perturbação no seu comportamento, vivendo em permanente estado de tensão e irritabilidade", "A conduta da Ré origina no Autor profundo mal-estar e uma permanente situação de angústia e infelicidade" (Factos 54, 55 e 56, aditados pelo douto Acórdão recorrido).

10.ª C - Também aqui se nos afigura que dessa matéria provada resulta a prática pela Ré nos presentes autos, em comparação com aqueles, de factos de maior gravidade e com consequências mais gravosas para o A.

11.ª - Entendemos, por isso, que também nesta vertente a indemnização a arbitrar ao A. não pode ser inferior à de € 20.000,00 fixada naquele outro Processo – antes deve, porque a antecedente prática jurisprudencial isso "exige", proceder-se a uma avaliação consagrando alguma "proporcionalidade" e ela ser bem superior.

12.ª - Em suma concluímos que, considerando os items atrás referidos, que são aqueles cuja relevância para o alcance do quantum da indemnização por danos não patrimoniais doutrina e jurisprudência unanimemente reconhecem, com base na análise comparativa, ponto a ponto, de dois casos cuja similitude nos parece clara, nos presentes autos esse quantum deve ser fixado, se não no valor pedido, pelo menos em € 40.000,00, quantia que a R. deve ser condenada a pagar ao A., acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

13.ª - Não será despiciendo aqui relevar também o entendimento jurisprudencial, que unanimemente vem sendo defendido, de que "as compensações não podem ser simbólicas ou miserabilistas, devendo tender a constituir lenitivo bastante para o sofrimento, a dor e desilusão".

14.ª - O A. recorreu ao Tribunal para reposição da legalidade, que considerava desrespeitada, e para tal pediu-lhe que a R. fosse condenada a (1) atribuir-lhe as funções inerentes à sua categoria profissional de Empregado de Mesa de 1.ª, nos mesmos termos do que aos trabalhadores referidos em 28, ou, no caso de manter o atual sistema de divisão dos empregados de mesa em "áreas" e "runners", atribuir ao Autor a posição de "área", (2) abster-‑se de praticar atos discriminatórios, hostis, humilhantes, ou persistir direta ou indiretamente nos praticados, (3) dar ao Autor o mesmo tratamento que confere aos demais empregados de mesa nas mesmas circunstâncias e que exercem as funções dessa categoria profissional", (4) pagar ao Autor a importância de € 60.000,00 a título de danos não patrimoniais.

15.ª - O douto Acórdão recorrido julgou procedentes todos os pedidos do A. e em consonância condenou a R. em todos eles - porém, tendo reconhecido o direito a indemnização por danos não patrimoniais, em vez dos € 60.000,00 pedidos fixou-a em € 4.000,00.

16.ª - Sendo procedentes na íntegra os três primeiros pedidos e no quarto apenas o valor foi inferior ao pedido, afigura-se incorreta a condenação em custas da forma em que foi expressa no douto Acórdão recorrido - que poderá ser entendida na proporção dos € 4.000,00 do valor monetário da condenação em referência ao montante de € 60.000,00 - caso em que o A. as suportaria na proporção de 14/15 e a R. apenas 1/15 (isto, obviamente, sem prejuízo do aqui alegado quanto à inadequapção desse valor condenatório de € 4.000,00).

17.ª - É, se bem vemos as coisas, claramente ilegal a condenação nesses termos - é que, repetimos, o A., obtendo vencimento em todos os pedidos que fez, suportaria as custas da quase totalidade, cabendo à R., parte vencida, suportar apenas 1/15 das mesmas.

 18.ª - Em consequência, também nesta parte deve proceder este Recurso e a condenação em custas respeitar a relação entre os três pedidos em que o A. obteve vencimento absoluto e o valor da indemnização por danos patrimoniais a arbitrar, daí resultando responsabilidade para o A. não superior a 1/10 e para a R. não inferior a 9/10.

19.ª - Ao decidir como decidiu violou a douta sentença recorrida, em particular, os artigos 496.°, n.° 4, 494.°, do Código Civil, bem como o art. 527.° do Cód. Proc. Civil.

20.ª - Constitui jurisprudência unânime do STJ que está fora dos seus poderes de cognição a valoração das provas, sua apreciação e alteração da matéria de facto, a não ser nos casos excecionais constantes do art. 674.°, n.° 3, do CPC.

21.ª - No seu Recurso a R. nem sequer invoca qualquer fundamento de impugnação da decisão de facto da Relação (nem, perante a sua legalidade e linearidade, o poderia ter feito), em particular nada invoca nem alega quanto a uso de fundamento não previsto na lei pela Relação na fixação da matéria de facto (aí sim, matéria sob jurisdição do STJ).

22.ª - Limita-se a tecer considerações, algumas novas e mesmo sem suporte na matéria factual (como a diferenciação entre atendimento do cliente dos "áreas" e serviço ao cliente dos "runners") e a querer decisão como se ainda existisse apenas o quadro factual decidido pela sentença de 1.ª Instância.

23.ª - Deve, portanto, ser tal Recurso julgado improcedente.»

Termina referindo que «deve ser concedido provimento ao presente recurso subordinado e, em consequência, proferido douto Acórdão que condene a R. a pagar ao A., a título de indemnização por danos não patrimoniais, a importância de € 40.000,00 (quarenta mil euros), acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento» e que «deve também, em consequência da procedência do Recurso, decidir-se pelo encargo das custas na proporção não superior a 1/10 para o A, e não inferior a 9/10 para a R.» e, «por outro lado», [deve] «ser julgado improcedente o Recurso da R.».

A Ré respondeu ao recurso subordinado interposto pelo Autor apresentado nas alegações as seguintes conclusões:

«1. Nas alegações de recurso apresentadas, vem o Recorrente expressar sua discordância quanto à sentença proferida, na parte em que condenou a Recorrida a pagar uma indemnização, a título de danos não patrimoniais de apenas € 4.000,00 face aos 60.000,00 que haviam sido peticionados e quanto à condenação do Recorrente em custas na proporção do respetivo decaimento.

2. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de janeiro de 2016 citado pelo Recorrente não analisa uma situação similar à dos presentes autos, pois que no âmbito do presente processo, inexistiu qualquer impedimento da Recorrida, no sentido daquele exercer as funções que integram a categoria profissional para a qual foi contratado (Empregado de Mesa).

3. Nem tampouco se verificou a prática de assédio moral por parte da Recorrida.

4. Não existe uma subcategoria criada pela Recorrida de runner, mas sim uma única categoria profissional - de empregados de mesa -, cujas funções se encontram descritas no contrato coletivo de trabalho aplicável ao setor.

5. A Recorrente instituiu um sistema de trabalho através do qual melhorou o nível de serviço nas vertentes de tempo e qualidade, com recurso a princípios de eficiência e especialização, atribuindo funções distintas aos seus empregados de mesa dividindo-os em "áreas" e "runners".

6. A referida divisão foi decisão imposta pela gestão, sendo que os "áreas" e "runners" são elementos de uma mesma equipa de trabalho, funcionando de forma complementar. Habitualmente, um "área" faz equipa com dois "runners".

7. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa especializados às horas das refeições. Estes empregados de mesa desempenham algumas das funções descritas genericamente na categoria de empregados de mesa. Fora dos horários das refeições desempenham as mesmas funções, nomeadamente no arranjo da sala e das mesas.

8. Os "áreas" e "runners" são empregados de mesa que, nos períodos das refeições, se dividem funcionalmente. Os "áreas" estão especializados no atendimento do cliente e na venda (sentar o cliente, apresentar e explicar a lista, sugerir ementa, receber o pedido, apresentar a conta e receber o pagamento) e os "runners" estão especializados no serviço ao cliente (servir o couvert, as bebidas, a comida, as sobremesas e os cafés, assegurar uma rápida saída da comida da cozinha (zona de produção), recolher loiça e talheres). Os "runners" são tão "carregadores" de comida e bebida como outro empregado de mesa qualquer.

9. O exercício das tarefas associadas a "áreas" e "runners" não é estanque ou exclusivo, no sentido dos colaboradores de deverem entreajudar, sempre que o volume de trabalho o exija.

10. Não há, ou houve qualquer esvaziamento das funções resultantes da categoria profissional do Recorrente, verificando-se antes uma especialização do trabalho dentro das funções da categoria profissional de empregado de mesa.

11. A colocação do trabalhador, aqui Recorrente como "runner" foi feita com base em critérios definidos pela empregadora/Recorrida, sendo que tal resultaria sempre e de forma inequívoca da aplicação do n.° 1 do art.118.º do Código do Trabalho, na medida em que compete ao empregador atribuir ao trabalhador, no âmbito da sua atividade, "as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional".

12. A atribuição de funções não é estanque e é efetiva a alternância em função da avaliação dos trabalhadores.

13. É evidente a consequente mobilidade do núcleo de trabalhadores que, dentro da mesma equipa de empregados de mesa, ora se dedicam às funções de "runner" ora se dedicam às funções de "área", consoante as avaliações.

14. Se tal mobilidade ainda não ocorreu em relação ao Recorrente deve-se exclusivamente ao resultado das avaliações (suas e dos seus colegas) e não a qualquer estanquidade das suas funções e menos ainda à invocada (e cremos que pretendida, para obtenção das vantagens daí decorrentes) discriminação.

15. O sistema de divisão de tarefas implementado pela Recorrente inseriu-se no âmbito de um projeto que visava a obtenção de maior qualidade de serviço, em concreto mais eficácia e rapidez no acompanhamento aos clientes e foi instituído no local de trabalho ocupado pelo Recorrente e noutras unidades do grupo da Recorrida.

16. Ou seja, o referido sistema de divisão de tarefas, diga-se, no seio da mesma categoria profissional, não visou atingir o Recorrente em concreto, muito pelo contrário, pois atendendo aos problemas de saúde do qual o mesmo padece, suavizaram-se as funções profissionais que lhe impendem, adaptando-as ao seu estado.

17. O Recorrente não alega quaisquer factos suscetíveis de configurar uma violação dos seus direitos de personalidade, nem tampouco identifica qualquer pessoa que tenha praticado atos suscetíveis de violarem esses mesmos direitos.

18. O Recorrente nem sequer conseguiu demonstrar o nexo causal entre o alegado sofrimento e angústia e o invocado impedimento por parte da Recorrida do exercício das funções que lhe impendiam como empregado de mesa, sendo que tal falta de demonstração do nexo causal é indiscutível, irreversível e incontornável.

19. A decisão da Recorrida não violou, nem viola o direito do Recorrente à sua categoria profissional, nem tampouco o sistema implementado pela empresa visa fazer um ataque cerrado aos direitos do seu trabalhador, como o mesmo insiste, sem qualquer pejo e de forma infundada, fazer crer ao tribunal.    

20. Pelo que nenhuma indemnização é devida ao Recorrente pela Recorrida, seja a título de danos não patrimoniais, seja a qualquer outro título, não assistindo razão àquele quando peticiona uma indemnização no montante de € 40.000,00.       

21. A condenação em custas baseia-se no valor da ação, sendo que esse valor foi quantificado pelo Recorrente no quantum peticionado - a saber € 60.000,00.                          

22. Se a parte obtém provimento ou decai no pedido formulado, no seu todo ou na parte dele, na sequência de sentença/acórdão proferido, tal não poderá ter implicações no montante das custas a final.         

23. Nenhuma ilegalidade se verifica no montante das custas em que ambas as partes foram condenadas, devendo, por isso, e também por esta razão improceder o recurso subordinado interposto pelo Recorrente, o que, desde já, se requer.

24. O recurso de revista interposto pela Recorrida (aí Recorrente) não teve por fundamento, única e exclusivamente, o que é referido no citado art. 674.°, n.° 3 do Código de Processo Civil, mas também, sendo esse, aliás, até o núcleo essencial, questões jurídicas/substantivas, concretamente o mencionado na alínea a) do n.° 1 do mesmo preceito legal.

25. Face ao exposto, entende a Recorrida que a posição assumida no Acórdão proferido está, assim, destituída de qualquer fundamento, devendo, por isso, ser o mesmo revogado e substituído pela Sentença do Tribunal de 1.ª instância, que julgou a ação intentada pelo Recorrente contra a Recorrida improcedente, por não provada, absolvendo esta última do peticionado.

26. Deve, ainda, o recurso subordinado interposto pelo Recorrente ser julgado improcedente, o que, desde já, a Recorrida requer.»

Termina sustentando que «o presente recurso subordinado, interposto pelo Recorrente AA, [seja] julgado improcedente sendo dado integral provimento ao Recurso interposto pela Recorrida, nos termos expostos».

Neste Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, tendo-se pronunciado no sentido da confirmação da decisão recorrida.

Notificado este parecer às partes, veio a Ré pronunciar-se sobre o mesmo na linha da posição tomada no recurso que interpôs e da resposta que apresentou no recurso subordinado.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa nas revistas principal e subordinada:

a) – A alteração da matéria de facto fixada na 1.ª instância levada a cabo pelo Tribunal da Relação;

b) – A especialização das tarefas inerentes à categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª entre “áreas” e “runners” e a atribuição ao Autor das funções incluídas na especialização - “runners”.

c) – A indemnização por danos não patrimoniais atribuída ao Autor pela decisão recorrida;

c) – A distribuição da responsabilidade pelas custas.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. O requerente foi admitido ao serviço da requerida em 17/06/1982 para, sob autoridade e direção dela, desempenhar a sua atividade profissional, sob o regime de contrato individual de trabalho.

2. Eliminado pela decisão recorrida.[1]

3. O local de trabalho do requerente é o estabelecimento da Ré, Cervejaria ..., na Rua … ..., n.° …, em Lisboa.

4. O período de trabalho do requerente é de 40 horas semanais, por turnos fixos da seguinte forma: segunda-feira: 12,00h-15,00h/18,00-01,00; terça-feira: 17,00h-01,00; quarta-feira e quinta-feira: folga; sexta-feira: 18,30h-01,30h; sábado: 17,30h-01,30h, e domingo: 18,00h-01,00h.

5. A retribuição base mensal do requerente é de € 897,53, acrescida de "comissão de vendas" e do trabalho noturno referente às horas noturnas de cada turno.

6. O requerente tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, pelo menos desde outubro de 2007.

7. À data de 24/03/2009 o requerente era delegado sindical do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Sul.

8. Até 24/03/2009 o requerente sempre desempenhou na requerida funções profissionais próprias da categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, constantes do IRCT, e que são as seguintes: serve refeições e bebidas a clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efetua a respetiva cobrança com a receção do pagamento e efetivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno.

9. Em 24/03/2009 a requerida suspendeu preventivamente o requerente do desempenho das suas funções, instaurou-lhe um processo disciplinar e, em 13/07/2009, despediu-o com invocação de justa causa.

10. O requerente impugnou judicialmente esse despedimento através do proc.° n.° 3437/09.6TTLSB, tendo, por sentença do 1.° Juízo, 1.ª Secção, do Tribunal do Trabalho de Lisboa confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sido julgada procedente a ação e declarado ilícito o despedimento.

11. O requerente foi reintegrado na requerida em 4/03/2014.

12. Entre 3 e 13 de abril de 2014 o requerente desempenhou as suas funções de Empregado de Mesa de 1.ª, conforme descritas em 8, mas com recurso à caixa de colegas, em concreto dos colegas EE e FF, uma vez que a requerida argumentava que o requerente não constava do registo de pessoal e, consequentemente, não tinha caixa própria no sistema de registos e contabilização em vigor para os empregados de mesa.

13. Nesse período temporal o requerente desempenhou as suas funções normais e, no final do trabalho, entregava o dinheiro ou talões de pagamento ao seu colega de turno, que o registava como se fosse dele embora num turno diferente daquele.

14. O requerente era o único empregado de mesa da empresa que não constava dos registos.

15. A requerida tinha despedido o requerente em 2009 com a acusação de furto e abuso de confiança, por alegadamente ele se ter apropriado de quantias das receitas dos seus serviços.

 16. A requerida fez queixa-crime contra o requerente, imputando-lhe a prática de dois crimes de abuso de confiança, por se ter apropriado de quantias entregues por clientes para pagamento de produtos consumidos no restaurante.

17. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido sobre recurso do despacho de pronúncia, foi decidido não pronunciar o requerente, por falta de indícios suficientes da prática dos crimes imputados pela requerida.

18. Quando a requerida voltou a colocar o requerente no registo de pessoal, alterou o seu número de empregado, que deixou de ser o 13.200 e passou a ser o 15.658.

19. A indumentária usada pelos "áreas" é diferente da que é usada pelos "runners", sendo que primeiros usam uma capa com capuz e os segundos têm um avental.

20. Entre 3 e 13 de abril de 2014 o requerente usou a mesma indumentária que usava antes de março de 2009, mas em 14/04/2015, por ordem da requerida, passou a usar a farda de "runner".

21. No dia 14/04/2014 a requerida implementou na Cervejaria ... um sistema de trabalho em que divide os empregados de mesa em duas "classes" - os "áreas" e os "runners".

22. Essas duas “classes” desempenham funções completamente diferentes: os "áreas" atendem e servem os clientes e os "runners" são carregadores de comida e/ou de bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa.

23. O "área": toma nota dos pedidos das refeições e bebidas dos clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros (quando era o caso) destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efetua a respetiva cobrança com a receção do pagamento e efetivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno.

24. O "runner" transporta a comida e as bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa, de acordo com as indicações quantitativas que lhe dão, sem qualquer contacto com as mesas, a não ser para "descarregar" os pratos, nem com os clientes.

25. A partir de 14/04/2014 o autor passou a desempenhar as funções de "runner", nunca tendo desempenhado as funções de "área".

26. Já em 2013 a requerida tinha implementado esse sistema de funcionamento na Cervejaria ... durante um determinado período.

27. De todos os empregados de mesa ao serviço da requerida, o requerente é o segundo mais antigo (apenas o Colega GG foi admitido antes dele).

 28.Os empregados de mesa ao serviço da requerida desde data anterior a março de 2009 são GG, FF, HH, II, JJ, EE, KK, e todos exercem as funções de "áreas".

29. Entre os "runners" há os das "comidas" e os das "bebidas e entradas", sendo que os primeiros são os que carregam mais peso.

30. O requerente foi sempre "runner" das comidas até 9 de janeiro de 2015.

31. No dia 9/01/2015, por volta das 22h00, ao pegar numa bandeja cheia de pratos, caçarolas, etc., o requerente sofreu um acidente na coluna, foi no dia seguinte ao hospital, foi de seguida ao médico da requerida e, em consequência, esteve de baixa médica pelo seguro entre essa data e 22/01/2015.

32. O requerente nasceu em 23/05/1956, tinha 58 anos à data da reintegração e tem hoje 59 anos de idade.

33. As funções de “runner” implicam maior desgaste físico relativamente às desempenhadas pelos “áreas”, pelo transporte de pesos.

34. O requerente teve necessidade de recorrer ao hospital e ao médico de família, tendo estado de baixa médica entre 30 de outubro e 7 de novembro de 2014 e entre 10 e 20 de abril de 2015.

35. No início de janeiro de 2015 o requerente foi sujeito a exames radiológicos, por determinação dos serviços clínicos da requerida.

36. No relatório de 06/01/2015 do Centro de Radiologia LL, Lda, identifica-se no estudo radiológico da mão esquerda "processo degenerativo entre o trapézio e o escafoide com osteofitose acentuada e densificação subcondral das superfícies articulares bem como redução do espaço articular a esse nível"; em ecografia das partes moles dos punhos, no punho esquerdo "intenso processo degenerativo entre o trapézio e o escafoide, com acentuado espessamento sinovial traduzindo intenso processo degenerativo com um processo inflamatório associado. Note-se também artrose entre o 1.° metacarpo e o trapézio à esquerda; no punho direito "intenso processo degenerativo entre o trapézio e o escafoide, sendo no entanto menos exuberante que o lado contralateral, observando-se também artrose entre o 1° metacarpo e otrapézio, identificando-se nessa área imagem quística medindo cerca de 1,7 cm, correspondendo a quisto sinovial associado ao processo degenerativo descrito".

37. A requerida tem conhecimento da situação clínica do requerente, descrita em 36.

38. O requerente foi sempre um trabalhador cumpridor dos seus deveres, sempre exerceu as suas funções profissionais com zelo e diligência, não foi objeto de qualquer reprimenda ou reprovação por parte da requerida nem, para além daquele que os tribunais invalidaram, de qualquer processo disciplinar.

39. No seu ambiente familiar e perante os amigos e conhecidos o requerente tem manifestado tristeza e inquietude pelas funções que tem vindo a desempenhar.

 40. A requerida utiliza o software de gestão denominado sistema SAP que lhe permite criar um número de registo do colaborador e gerir o mesmo desde a sua admissão até a cessação do vínculo laboral, sistema que aplica a todos os seus colaboradores.

41. Quando um trabalhador é admitido ao serviço da requerida é-lhe, de imediato, atribuído um número de registo de pessoal em sistema e, quando se verifica uma cessação do contrato de trabalho, o número de registo de pessoal referente ao trabalhador cujo contrato termina, independentemente do motivo que está subjacente a essa mesma cessação, fica automaticamente inativo, embora não seja eliminado.

42. Caso venha a existir, no futuro, uma readmissão ou reintegração, a requerida atribui ao trabalhador um novo número, tal como sucedeu com o requerente, o que não tem qualquer influência na antiguidade de qualquer trabalhador da requerida, tal como não teve no caso do Autor.

43. A especialização de funções referida em 21-24 supra visa a obtenção de maior qualidade de serviço, permite aumentar o nível de acompanhamento feito ao cliente por parte da equipa de empregados de mesa, obtendo-se maior eficácia e rapidez no serviço, o que permite alcançar uma maior satisfação do cliente.

44. As funções de “área” e “runner” são complementares e todos os empregados de mesa fazem parte da mesma equipa, quer desenvolvam uma função ou outra, não sendo o exercício das tarefas associadas a cada uma delas estanque e exclusivo, no sentido dos colaboradores não se poderem entreajudar, sempre que o volume do trabalho o exija.

45. Eliminado conforme decisão infra.

46. Eliminado conforme decisão infra.

47. A especialização de funções referida em 21-24 faz parte integrante de um projeto da empresa denominado "... Conventual", que visou a implementação de um ambiente temático e conventual, uma melhoria de algumas infra estruturas e implicou uma modificação na imagem constante dos diversos objetos, a saber: mesas e cadeiras, toalhetes e canecas, utilização de candelabros, tochas e lanternas de mesa, música ambiente com sintonia conventual e alteração de fardas.

48. Para além do referido no ponto anterior, a requerida criou uma nova ementa - tendo contratado um chefe de cozinha internacional especificamente para o seu desenvolvimento - e implementou a fortificação do sistema de "áreas" e "runners", sistema este que já existia no estabelecimento onde o requerente exerce as suas funções profissionais e noutras unidades exploradas pelo Grupo MM.

49. A implementação do sistema vigente implicou um elevado investimento financeiro, muitos meses de preparação e planeamento, que antecederam a decisão judicial de reintegração do requerente, cujo teor e data de notificação a requerida não podia antecipar.

50. Eliminado conforme decisão infra.

51. Desde 9/01/2015, em face dos problemas de saúde referidos pelo requerente, o mesmo passou a transportar e servir bebidas, por considerar a requerida tratar-se do serviço fisicamente menos exigente que um empregado de mesa pode executar na requerida.

52. As fardas dos empregados de mesa foram instituídas no âmbito do projeto referido em 47.

53. O exercício das funções de empregado de mesa sem a divisão de tarefas implementada com o sistema de “áreas” e “runners” é mais desgastante do que o exercício isolado de cada um dessas funções»[2].

54. A situação criada pela requerida ao requerente fere e lesa profundamente o seu brio pessoal e profissional e causa-lhe sofrimento. – Aditado conforme decisão infra.

55. Resultado da conduta da requerida, o requerente sente um profundo desgosto, incerteza e ansiedade, com perturbação no seu comportamento, vivendo em permanente estado de tensão e irritabilidade. – Aditado conforme decisão infra.

56. A conduta da Ré origina no Autor profundo mal-estar e uma permanente situação de angústia e infelicidade. – Aditado conforme decisão infra.»

                       


III

1 – Nas conclusões 21.ª a 33.ª insurge-se o recorrente contra as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação na matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância, no âmbito do recurso em matéria de facto.

Está em causa o facto de a decisão recorrida ter dado como provada a matéria que constava dos pontos l), m) e n) dos factos dados como não provados pela 1.ª instância e o facto de terem sido dados como não provados os factos descritos sob o números 45, 46 e 50 da matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

1.1 - A decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Factos l), m) e n) dos não provados.

São os seguintes: l) A situação criada pela requerida ao requerente fere e lesa profundamente o seu brio pessoal e profissional e causa-lhe sofrimento.

m) Resultado da conduta da requerida, o requerente sente um profundo desgosto, incerteza e ansiedade, com grave perturbação no seu comportamento, vivendo em permanente estado de tensão e irritabilidade, necessitando mesmo por vezes de ingerir medicamentos.

n) A conduta da requerida origina no requerente profundo mal-estar e uma permanente situação de angústia, infelicidade, inquietação, receio e pânico, pelo seu grave estado de saúde e pelo seu agravamento por força do avançar da idade.

A primeira instância fundamentou a resposta negativa a estes factos da seguinte forma: “Não se provou qualquer nexo causal entre os problemas de saúde do autor que se demonstraram e o que consta das alíneas i) e k) a n).”

Este Tribunal ouviu a totalidade da prova produzida e não sufraga o entendimento da primeira instância.

Quanto testemunhas inquiridas acerca desta matéria, HH e FF, colegas do Autor, nada souberam esclarecer acerca destas questões, limitando-se a referir, em termos hipotéticos, que é natural que, perante aquilo que consideram ser o exercício de funções inferiores às de empregado de mesa, que o Autor se sinta triste e humilhado.

A testemunha CC, filha do Autor, declarou que o mesmo sente-se humilhado e desgostoso pelas funções que vem desempenhando na Ré e que tal tem afetado a sua relação familiar, com crises de irritabilidade e ansiedade, para além de ver afetada a sua saúde física, pelo esforço que tem de fazer no exercício das suas funções de runner.

Ora, relativamente ao depoimento desta testemunha, apesar de se tratar da filha do Autor, com a carga emocional inerente, o seu depoimento revelou-se sincero, sendo certo que, quanto à questão da medicação, a própria afirmou que o pai tem outros problemas de saúde, pois teve um avc relativamente recente e que toma medicação por causa desse acontecimento.

Em face deste depoimento, que nos mereceu credibilidade, entendemos por provado que:

54. A situação criada pela requerida ao requerente fere e lesa profundamente o seu brio pessoal e profissional e causa-lhe sofrimento.

55. Resultado da conduta da requerida, o requerente sente um profundo desgosto, incerteza e ansiedade, com perturbação no seu comportamento, vivendo em permanente estado de tensão e irritabilidade.

56. A conduta da Ré origina no Autor profundo mal-estar e uma permanente situação de angústia e infelicidade.»

1.2 - Por sua vez nas conclusões n.ºs 28 a 33 insurge-se contra o facto de o Tribunal da Relação ter dado como não provados os factos que integravam os n.ºs 45, 46 e 50 da matéria de facto dada como provada pela 1.ª instância.

Neste segmento a decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Quanto aos factos descritos sob os números 45., 46., e 50., é a seguinte a sua redação: 45. A especialização de funções referida em 21-24 e o posicionamento de um determinado trabalhador numa ou noutra não é estanque e varia de acordo com o mérito num determinado período e consubstancia-se na passagem dos três melhores "runners" a "áreas" e na transição dos três piores "áreas" a "runners".

46. Os critérios acima enunciados vigoram há mais de um ano, são diariamente publicitadas as respetivas condições.

50. O requerente tem desempenhado as funções de runner em resultados das avaliações que a requerida lhe tem feito, tendo em consideração o que consta em 45-46 supra.

Como objetivo de infirmar estes factos, o Autor indicou o depoimento das testemunhas HH, FF, GG e DD, referindo que as três primeiras foram coincidentes em dizerem que desconhecem os critérios utilizados pela Ré, em especial quanto aos runners, e a quarta, gerente da Cervejaria ..., e superior hierárquico direto do Autor, “nada explicou com convicção e do que disse pouco ou nada de concreto afirmou e menos provou, aliás em termos de discurso encadeado e lógico não é possível tirar qualquer conclusão (….)”(sic).

É a seguinte a fundamentação da primeira instância relativamente a esta matéria de facto:

“A testemunha DD esclareceu o que consta dos pontos 44 a 46 e 50 (HH confirmou que pode haver ajuda mútua entre o runner e o área), dizendo que está instituído um sistema de avaliação (não confirmou que a mesma seja quinzenal - cfr. resposta contida na alínea o) dos factos não provados) e que é com base na mesma, e portanto, em critérios de mérito, que são escolhidos para área os três empregados com as melhores avaliações, o que nunca sucedeu com o requerente, por não ser dos empregados mais amistosos com os clientes. Mais disse que as avaliações são afixadas na empresa, sendo promovida uma certa competição (saudável) entre os empregados de mesa (conforme resulta de fls. 108 e seguintes). As avaliações com regularidade de cerca de 2 a 3 meses estão comprovadas nos autos, a fls. 356-362, sendo que o tribunal solicitou as referentes aos últimos seis meses, o que tem que ser entendido por referência à data da entrada da ação em juízo, uma vez que é essa a data de referência da factualidade alegada. A testemunha HH confirmou o sistema de avaliação e a escolha dos três empregados com melhores avaliações para as funções de área. A testemunha DD confirmou, pois, o que consta do ponto 50. Face a estes depoimentos, considerou-‑se não provado o que consta da alínea h) dos factos não provados. A mesma testemunha DD disse que perante as queixas de saúde do requerente lhe atribuiu funções que considerou mais leves, por implicarem na sua ótica menor esforço, ou seja, de transporte e serviço apenas de bebidas, facto este que foi confirmado por FF, pelo que se considerou provado o que consta do ponto 51.”

É verdade que a testemunha DD, que foi até 15 de janeiro deste ano Diretor da Cervejaria ..., onde o Autor trabalha, declarou que a avaliação dos empregados de mesa, nomeadamente a avaliação dos runners, é uma avaliação regular, baseada em critérios como o relacionamento com a equipa, a disponibilidade, e o fardamento.

Era à Ré quem incumbia a prova dos critérios subjacentes às avaliações que alega levar a efeito aos trabalhadores e que determinam que uns sejam integrados na sub categoria de áreas e outros na sub categoria de runners. No entanto, não apresentou qualquer documento de onde resultem os alegados critérios objetivos de avaliação dos seus trabalhadores. Esses critérios, não só devem existir por escrito, como devem ser do conhecimento dos visados e as ditas avaliações ser devidamente fundamentadas.

Trata-se de prova de grande simplicidade, que a Ré não fez.

Por iniciativa do tribunal, a Ré juntou aos autos os documentos de fls 356 a 363, correspondentes a umas folhas sob o título “Folha de Assessment” onde se refere “Observado por DD”, “NN” e “OO”, respetivamente.

Tais documentos são, uns relativos ao Autor, e outros referentes a outro trabalhador da Ré, PP.

O Autor, quanto a estes documentos, reconhece a sua assinatura nos que estão assinados. Quanto ao documento datado de 24-04 e quanto aos documentos referentes a PP, o Autor declara impugná-los, mas não apresenta qualquer prova (cfr. art. 444.º n.º1, 445.º n.º1, 446.º n.º1 e 449.º n.º1 do CPC).

Quanto às datas neles apostas, a Mma Juíza explicou, na resposta à matéria de facto, que a Ré interpretou corretamente o seu pedido quanto ao período temporal a que se referem tais documentos, e nem outro entendimento poderia ter relevo uma vez que interessam os factos relatados nos articulados e não outros, portanto, as datas a considerar terão de ser as datas dos factos ou da propositura da ação, ou datas anteriores.

Como bem assinala o Autor, e relativamente aos critérios referidos nos documentos em causa, verifica-‑se que a maioria dos itens em que foi avaliado não lhe podem ser aplicados porquanto o mesmo sempre tem assumido funções de runner, que são as que resultam do ponto 24. dos factos provados, de onde resulta que as funções avaliadas não são exercidas pelo Autor.

Vejam-se os seguintes “critérios de avaliação”: “Venda Sugestiva – bebida de entrada (sugestão – linguagem gestual – tom de voz), valorização do couvert (destacar qualidade geral – foco particular num produto – linguagem gestual e verbal), Aconselhamento de Entradas (Sugestão Focada – Linguagem Gestual – Tom de voz), Aconselhamento do Prato Principal (Sugestão Focada – Linguagem Gestual – Tom de voz), Aconselhamento da Sobremesa (Sugestão Focada – Linguagem Gestual – Tom de voz), Proactividade no reforço dos acompanhamentos (Atenção à mesa – Pergunta – Linguagem gestual e verbal), Proactividade no reforço das bebidas (Atenção à mesa – Pergunta – Linguagem gestual e verbal); Serviço ao Cliente - Acolhimento de boas vindas (Sorriso e olhos nos olhos – Palavras de boas vindas – Preferência pela sala), Cumprimento à passagem (Sorriso – Olhos os olhos – Bom dia/Boa tarde/Boa noite), Exceder expectativas com ações extra (Atenção à mesa – abordagem com sorriso- proactividade e ação), Despedida com votos de retorno (Sorriso e olhos nos olhos – Agradecer a visita – Convidar ao regresso).”

 Trata-se de “critérios de avaliação” desajustados às funções exercidas pelo Autor, sendo certo que este Autor foi “avaliado” segundo esses critérios.

Por outro lado, deveria a Ré ter feito prova dos critérios de avaliação aplicados aos trabalhadores referidos na p.i., e se os mesmos alguma vez estiveram a exercer as funções de runner, por forma a demonstrar, como lhe competia, que não existe diferença de critérios avaliativos entre os empregados de mesa.

A prova produzida não é, pois, de molde a fazer-nos concluir pela existência de verdadeiras avaliações no seio da Ré, pelo menos no que respeita ao Autor e, portanto, não podemos considerar estarem provados os factos descritos sob os n.ºs 45, 46 e 50.»

2 - De acordo com o disposto no artigo 682.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, «aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, o Supremo aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado», sendo que «a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, a não ser no caso excecional previsto no n.º 3 do art. 674.º».

Nos termos desta disposição, «o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Deste modo, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa só pode ser objeto do recurso de revista quando haja ofensa de «disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».

Acresce que, por força do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, «o processo só volta ao Tribunal recorrido quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de Direito, ou quando ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

A decisão do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto não pode, assim, ser alterada pelo Supremo Tribunal de Justiça, salvo nas situações acima excecionadas, em caso de erro sobre regras de direito probatório material, ou quando seja insuficiente e deva ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.

No caso dos autos as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação na matéria de facto dada fixada pela 1.ª instância decorrem dos poderes legalmente atribuídos àquele Tribunal pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, ou seja do julgamento do recurso em matéria de facto interposto pelo autor.

As alterações, conforme resulta das partes do acórdão transcritas, decorrem da reavaliação da prova levada a cabo pelo Tribunal da Relação não estando em causa na efetivação desse julgamento a violação de qualquer imperativo legal de natureza processual decorrente daquele artigo.

Ora, nos termos do n.º 4 do mesmo dispositivo, das decisões do Tribunal da Relação proferidas no uso dos poderes decorrentes do n.ºs 1 e 2 daquele artigo, «não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça».

Acresce que não vem invocada qualquer ofensa «de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova», o que legitimaria o recurso de revista nesta parte, nos termos do n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil

Em face do exposto, não pode este Tribunal conhecer desta parte do recurso interposto.

3 – Na conclusão 34.ª insurge-se o recorrente contra o facto de a decisão recorrida ter eliminado o ponto n.º 53 da matéria de facto fixada pela 1.ª instância.

Realça que «34. Por outro lado, não é conclusivo o facto constante do ponto 53.° face ao depoimento prestado pelas testemunhas, no sentido de afirmar perentoriamente que o exercício das funções de empregado de mesa sem a divisão de tarefas implementada com o sistema de "áreas" e "runners" é mais desgastante do que o exercício isolado de cada uma dessas funções».

O segmento em causa da decisão recorrida fundamentou-se no seguinte:

«Já quanto ao facto descrito sob o n.º 53, o mesmo é conclusivo, face ao já descrito nos pontos 8. e 21. a 24, razão pela qual se determina a sua eliminação do elenco da matéria de facto».

O ponto n.º 53 da matéria de facto fixada pela 1.ª instância era do seguinte teor:

«53. O exercício das funções de empregado de mesa sem a divisão de tarefas implementada com o sistema de “áreas” e “runners” é mais desgastante do que o exercício isolado de cada um dessas funções».

A decisão do Tribunal da Relação relativa a este ponto da matéria de facto tem autonomia relativamente ao julgamento do recurso em matéria de facto e pode decorrer do disposto no n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, norma que disciplina a fixação da matéria de facto e respetiva fundamentação na sentença e que refere que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».

Trata-se de uma norma que disciplina a estruturação da sentença proferida em 1.ª instância e que é aplicável ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, conforme decorre do n.º 2 do artigo 663.º do mesmo código, mas apenas «na parte aplicável», o que exige a sua ponderação no quadro dos poderes exercidos pelo Tribunal da Relação, no conhecimento da matéria de facto, em sede de recurso, tal como decorrem do artigo 662.º do mesmo código. 

A questão de saber se aquele ponto da matéria de facto contêm matéria conclusiva e, por isso, se devem dar como não escritos, não resulta do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto questionada, hipótese em que não caberia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do n.º 4 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, mas antes decorre da estrita aplicação de um critério normativo extraído dos n.ºs 3 e 4 do artigo 607.º do mesmo Código, enquanto fundamento da distinção entre questão de facto e de direito, pelo que, versando afinal sobre matéria de direito, não está vedada ao conhecimento deste Supremo Tribunal.

A afirmação constante do referido ponto n.º 53 da matéria de facto dada como provada, pese embora algum défice de densificação, não se reconduz ao uso de conceitos normativos de que dependa a solução, no plano jurídico, do caso sub judice, contendo antes um substrato factual, minimamente consistente, que deve ser interpretado em conexão com os restantes segmentos que integram o acervo factual considerado provado, nomeadamente os pontos n.ºs 8 e 21 a 24.

Na verdade, aquele ponto da matéria de facto contém um juízo de natureza comparativa entre o esforço exigido pelo desempenho das funções de empregado de mesa globalmente consideradas, ou se vistas na perspetiva do desdobramento dessas funções introduzido pela Ré, juízo que não deixa de ser relevante no plano da valoração jurídica do conjunto da factualidade dada como provada.

Assim, carece de fundamento a eliminação do dito ponto da matéria de facto dada como provada pela primeira instância.


IV


1 – Nas conclusões 1.ª a 20.ª das alegações do recurso que interpôs, insurge-se a Ré contra a decisão recorrida na parte em que se considerou que a atribuição ao Autor das funções que aglutinou sob o conceito de “runner” era discriminatória e violadora «de direitos de personalidade do Recorrido» e que a mesma decisão violou «o direito do Recorrido à sua categoria profissional».

Vejamos.

Resulta do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República, sob a epígrafe, «direitos dos trabalhadores», que «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito»: b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar.

Este dispositivo projeta ao nível da fixação das condições de trabalho, como base para garantir uma existência condigna, o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Lei Fundamental, nos termos do qual, «todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei» e «ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual».

De acordo com GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, o âmbito de proteção desta norma «abrange na ordem constitucional portuguesa as seguintes dimensões: a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de discriminação, não sendo legítimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2 onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações); c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades (…)»[3].

2 – A proibição de discriminação dos trabalhadores em matéria de condições de trabalho está igualmente presente no regime estabelecido no Código do Trabalho relativamente à proibição da discriminação no trabalho decorrente dos artigos 24.º e 25.º que, na parte que releva no âmbito da presente revista, são do seguinte teor:


«Artigo 24.º

Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho


1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:

a) Critérios de seleção e a condições de contratação, em qualquer setor de atividade e a todos os níveis hierárquicos;

b) (…);

c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;

d) (…).

3 – (…).

4 – (…).

5 – (…).»


«Artigo 25.º

Proibição de discriminação


1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.

2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.

3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objetivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.

4 - As disposições legais ou de instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que justifiquem os comportamentos referidos no número anterior devem ser avaliadas periodicamente e revistas se deixarem de se justificar.

5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, proteção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.

7 - É inválido o ato de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a ato discriminatório.

8 - Constitui contraordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 7.»

Na determinação de sentido destas normas haverá que ter presente os critérios interpretativos resultantes do artigo 23.º deste diploma, que é do seguinte teor.


«Artigo 23.º

Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação


1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:

a) Discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b) Discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

c) (…);

d) (…).

2 – (…).»

No âmbito da presente revista tem particular relevo o disposto no n.º 5 do artigo 25.º deste dispositivo que refere que «cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação».

Este preceito consagra a favor do trabalhador uma inversão do ónus da prova estabelecido em termos gerais no artigo 342.º do Código Civil.

De acordo com aquela norma do n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, quem invoca uma situação de discriminação tem apenas de provar a discriminação concreta de que é vítima e os factos integrativos do fator de discriminação referidos no n.º 1 do artigo 24.º, incumbindo depois ao empregador provar que a diferença de tratamento assenta em critérios objetivos e não decorre do fator de discriminação invocado.

Segundo GUILHERME DRAY, «trata-se de um preceito com uma importância extrema: provar que uma exclusão teve por fundamento o sexo, a raça, as convicções religiosas ou políticas do trabalhador lesado constitui um óbice quase intransponível. A utilização das regras gerais em matéria de ónus da prova afigura-se, neste domínio, claramente insuficiente. À luz deste preceito, cabe ao empregador a prova de que a exclusão ou o tratamento desvantajoso conferido ao trabalhador, (…) não é irrazoável, arbitrário e discriminatório, tendo uma justificação plausível».[4]

Esta inversão do ónus da prova prevista hoje no n.º 5 do artigo 25.º do Código de 2009, encontrava-se igualmente estabelecida no artigo 23.º, n.º 3, do Código de 2003, aplicado no acórdão deste Secção de 22 de abril de 2009, proferido no processo n.º 3040/08[5], questão sobre a qual se referiu naquele aresto o seguinte:

«Deste modo, a quem invoca a prática discriminatória compete alegar e provar, além do diferente tratamento (resultado de tal prática), os factos integrantes de um daqueles fatores, pois que o juízo sobre a discriminação pressupõe que «em razão de um fator de discriminação uma pessoa seja sujeita a um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável».

Alegado e demonstrado um desses fatores, a lei presume que dele resultou o tratamento diferenciado, fazendo recair sobre o empregador a prova do contrário, ou seja, a prova de que a diferença de tratamento não se deveu ao fator invocado, mas sim, a motivos legítimos, entre os quais se contam os relacionados com a natureza, qualidade e quantidade do trabalho prestado pelos trabalhadores em confronto.

Assim, por exemplo, invocada a discriminação em função da filiação sindical, cabe ao autor alegar e provar, além da retribuição por si auferida e da que aufere o trabalhador, de idêntica categoria profissional, pretensamente beneficiado, os sindicatos em que cada um deles está filiado, incumbindo, nesse caso, ao empregador alegar e provar que a diferença salarial não resulta da diferente filiação sindical.

Em tal caso, como nos demais em que a ação tem por fundamento algum dos fatores característicos da discriminação, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova - artigos 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003, 35.º da Lei n.º 35/2004, 24.º, n.ºs 5 e 6, do Código do Trabalho de 2009, 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil. »

Isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos, naturalmente tal fundamentação há de traduzir‑se na narração de factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei.»

3 - Nos termos do n.º 1 do artigo 115.º do Código do Trabalho «cabe às partes determinar por acordo a atividade para que o trabalhador é contratado» e, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo, «a determinação a que se refere o número anterior pode ser feita por remissão para categoria de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou de regulamento interno de empresa».

Por outro lado, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 118.º do mesmo código, «o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida atividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional» e, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, a «atividade contratada, ainda que determinada por remissão para categoria profissional de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho ou regulamento interno de empresa, compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador tenha qualificação adequada e que não impliquem desvalorização profissional».

Decorre deste dispositivo que a definição das tarefas a executar pelo trabalhador no âmbito contrato de trabalho é, em regra, a que resulta do contrato outorgado entre as partes, podendo ser feita por remissão para uma categoria profissional resultante de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho.

Pronunciando-se sobre o disposto no n.º 1 do artigo 151.º do Código do Trabalho de 2013, que corresponde ao n.º 1 do artigo 118.º do Código do Trabalho em vigor, refere JÚLIO GOMES que «o Código no n.º 1 do seu artigo 151.º utiliza antes uma outra formulação, ao dispor que “o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à atividade para que foi contratado”, mas mais do que um específico dever do trabalhador, o que tal significa é que o trabalhador deve, no fim de contas, realizar aquilo a que se obrigou e essas devem ser as funções que o empregador lhe deve exigir. Trata-se, no fundo, de cumprir o contrato, tal como foi acordado. Tal significa, desde logo, que, a não ser nos estritos limites do ius variandi previsto no artigo 314.º, limites de entre os quais queremos de destacar, neste momento, o seu caráter temporário e a proibição de modificação substancial da posição do trabalhador, o empregador não pode exigir ao trabalhador funções não compreendidas no objeto do contrato, funções a que este no fim de contas se obrigou»[6].

Conforme refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «a atribuição da função ao trabalhador cabe ao empregador e este ato tem uma importância evidente: ao atribuir a função, o empregador concretiza o débito negocial do trabalhador e, em consequência, limita o dever de obediência deste. A partir desta delimitação, o empregador apenas poderá, em princípio, exigir ao trabalhador o desempenho das tarefas compreendidas no objeto do contrato, que ficou determinado através da atribuição de função – é o princípio da invariabilidade da prestação e que o Código do Trabalho consagra na primeira parte do n.º 1 do art.º 118.º», e prossegue a referida autora afirmando que «o princípio básico no que toca à função do trabalhador é um princípio de substancialidade ou efetividade: a função corresponde ao conjunto de tarefas que, de facto, o trabalhador realiza e não a uma determinada designação formal; em caso de discrepância entre esta e aquelas, é a função efetiva e não a função nominal que prevalece, designadamente para efeitos de determinação do regime aplicável ao trabalhador»[7].

4 - A caracterização da posição do trabalhador na organização da empresa é deste modo encontrada a partir do conjunto de serviços e tarefas que constituem o objeto da prestação laboral, a que aquele contratualmente se obriga, e que se aglutinam no âmbito da categoria profissional que lhe corresponde.

O conceito de categoria profissional é utilizado em vários sentidos, nomeadamente, os de categoria-função e os de categoria- estatuto.

O conceito de categoria-função «descreve em termos típicos, i. e, com recurso aos traços mais impressivos, a atividade a que o trabalhador se encontra adstrito»[8].

Por sua vez, a categoria-estatuto, também designada categoria normativa, «corresponde à designação formal dada pela lei ou pelos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho a determinado conjunto de tarefas, com vista à aplicação do regime laboral previsto para essa situação»[9].

A categoria profissional do trabalhador é assim determinada em função do «binómio classificação normativa/funções exercidas», correspondendo ao essencial das funções que o trabalhador se obrigou a desempenhar pelo contrato de trabalho.

A categoria profissional, entendida na aceção de categoria-estatuto ou normativa, define a posição do trabalhador na empresa por referência às tarefas típicas que se encontram descritas na lei ou em instrumento de regulamentação coletiva.

«O conceito de categoria tem também a maior importância para delimitar a posição jurídica do trabalhador no contrato e no seio da organização do empregador, uma vez que é através da categoria que se determina o regime aplicável a esse trabalhador, do ponto de vista do tratamento remuneratório e dos demais direitos e garantias inerentes à sua posição na empresa» e prossegue a referida autora afirmando que «a importância deste conceito é reconhecida pela lei, ao associar à categoria uma garantia do trabalhador: a garantia da irreversibilidade da categoria, que o Código do Trabalho consagra no artigo 129.º, n.º 1, al. e) e que obsta, em princípio, à mudança do trabalhador para uma categoria inferior»[10].

Na determinação do concreto enquadramento do trabalhador numa determinada categoria profissional, apela-se, tal como se referiu no acórdão desta Secção de 17 de março de 2010, proferido na revista n.º 435/09.3YFLSB,[11] «à essencialidade das funções exercidas, no sentido de que não se torna imperioso que o trabalhador exerça todas as funções correspondentes a determinada categoria – tal como ela decorre da lei ou de instrumento de regulamentação coletiva – mas apenas que nela se enquadre o núcleo essencial das funções efetivamente desempenhadas».

5 - À relação de trabalho entre as partes na presente ação é aplicável o Contrato Coletivo de Trabalho entre a ARESP - Associação da Restauração e Similares de Portugal e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publicado, em Revisão Global, no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 3/2012, e anteriormente publicado em Revisão Global no BTE, 1ª Série, n° 28/2004, com as alterações posteriormente introduzidas, publicadas in BTE 45/2004, 29/2007 e 24/2008, 42/2008, 8/2009 (tendo sempre em consideração os respetivos Regulamentos e Portarias de Extensão - RE e PE).

Resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor tinha direito à categoria de empregado de mesa de 1.ª.

Nos termos do Anexo III daquele instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, o conteúdo funcional do empregado de mesa de 1.ª era o seguinte: «Serve refeições e bebidas a clientes. É o responsável por um turno de mesas. Executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as diversas refeições, prepara as bandejas, carros de serviço e mesas destinadas às refeições e bebidas nos estabelecimentos. Acolhe e atende os clientes, apresenta -lhes a ementa ou lista do dia, dá -lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota pedidos; serve os alimentos escolhidos; elabora ou manda emitir a conta dos consumos, podendo efetuar a sua cobrança. Segundo a organização e classe dos estabelecimentos, pode ocupar-se, só com a colaboração de um empregado, de um turno de mesas, servindo diretamente aos clientes, ou por forma indireta, utilizando carros ou mesas móveis; espinha peixes, trincha carnes e ultima a preparação de certos pratos; pode ser encarregado da guarda e conservação de bebidas destinadas ao consumo diário da secção e proceder à reposição da respetiva existência. No final das refeições procede ou colabora na arrumação da sala, transporte e guarda dos alimentos e bebidas expostos para venda ou serviço e dos utensílios de uso permanente. Colabora na execução dos inventários periódicos e vela pela higiene dos utensílios. Poderá, ocasionalmente, substituir o escanção ou o subchefe de mesa».

Por sua vez, nos termos do mesmo anexo, o conteúdo funcional dos empregados de mesa de 2.ª era o seguinte: «Serve refeições e bebidas a clientes, ajudando ou substituindo o empregado de mesa de 1.ª; colabora na arrumação das salas, no arranjo das mesas e vela pela limpeza dos utensílios, cuida do arranjo dos aparadores e do seu abastecimento com os utensílios e preparações necessários ao serviço; executa quaisquer serviços preparatórios na sala, tais como a troca de roupas; auxilia nos preparos do ofício, auxilia ou executa o serviço de pequenos almoços nos estabelecimentos. Regista e transmite à cozinha os pedidos feitos pelos clientes. Pode emitir as contas das refeições e consumos e cobrar as respetivas importâncias».

Decorre também da Cláusula 18.º deste contrato coletivo de trabalho que são, entre outras, obrigações do empregador: «a) Cumprir rigorosamente as disposições desta CCT e as normas que a regem; d) Proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral».

Do mesmo modo, resulta da cláusula 20.ª daquele instrumento de regulação coletiva de trabalho que é proibido ao empregador «e) Baixar a categoria do trabalhador, salvo nos casos previstos na lei e nesta CCT».

6 - Resulta do artigo 1.º do Código do Trabalho que «o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé».

Os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho são aqui assumidos expressamente como fonte de Direito, condicionando o conteúdo do contrato e, por via dele, as relações individuais de trabalho.

Por outro lado, decorre do artigo 476.º do mesmo código, que «as disposições dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador».

Consagra este dispositivo uma das manifestações do princípio do tratamento mais favorável, permitindo que o contrato de trabalho se possa afastar de instrumento de regulação coletiva aplicável quando estabeleça um regime que possa ser considerado mais favorável para o trabalhador.

A autonomia das partes na definição do contrato não pode deste modo ser usada em prejuízo dos direitos de trabalhadores que lhes estejam reconhecidos por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho que estabeleçam tratamento mais favorável.

Conforme refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, «a lei permite que o contrato de trabalho se afaste do regime disposto pela convenção, mas apenas para estabelecer um regime mais favorável ao trabalhador».[12]

Deste modo, em áreas onde existam categorias emergentes de regulamentação coletiva de trabalho aplicável, no que se refere à definição das tarefas a levar a cabo pelo trabalhador, torna-se sempre necessário indagar da relação entre as tarefas desempenhadas pelo trabalhador e o conteúdo daquelas categorias, para aferir, para além do mais, do respeito pelo princípio do tratamento mais favorável, consagrado no dispositivo acima citado.

Por outro lado, são nulas, por contrariarem disposições legais de caráter imperativo, nomeadamente artigos 121.º, n.º 2 e 476.º do Código do Trabalho, as cláusulas de contrato de trabalho de que decorra a atribuição de funções ao trabalhador em desrespeito da categoria profissional a que o mesmo tenha direito por força de instrumento de regulamentação coletiva do trabalho que o abranja, na medida em originem uma situação de prejuízo para o trabalhador, quando comparada com a situação que resultaria dos instrumentos de regulamentação coletiva aplicáveis.

Essa nulidade decorre do disposto nos artigos 280.º, n.º 1 e 294.º do Código Civil e, podendo ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado, pode ser conhecida e oficiosamente declarada pelo Tribunal, conforme resulte do artigo 286.º do mesmo Código.


V


1 – Resulta da matéria de facto dada como provada que o Autor está ao serviço da Ré desde 17/06/1982 e que desde outubro de 2007 tem a categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª

Resulta igualmente da matéria de facto dada como provada que «8. Até 24/03/2009 o requerente sempre desempenhou na requerida funções profissionais próprias da categoria profissional de empregado de mesa de 1.ª, constantes do IRCT, e que são as seguintes: serve refeições e bebidas a clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efetua a respetiva cobrança com a receção do pagamento e efetivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno».

Por outro lado, decorre igualmente da matéria de facto que o Autor foi suspenso preventivamente pela Ré em 24 de março de 2009, e que, tendo sido despedido, o despedimento foi declarado ilícito sendo reintegrado em cumprimento da decisão judicial, em 4/03/2014.

Tendo sido reintegrado, entre 3 e 13 de abril de 2014 «o requerente desempenhou as suas funções de Empregado de Mesa de 1.ª, (…), mas com recurso à caixa de colegas, em concreto dos colegas EE e FF, uma vez que a requerida argumentava que o requerente não constava do registo de pessoal e, consequentemente, não tinha caixa própria no sistema de registos e contabilização em vigor para os empregados de mesa» e «Nesse período temporal o requerente desempenhou as suas funções normais e, no final do trabalho, entregava o dinheiro ou talões de pagamento ao seu colega de turno, que o registava como se fosse dele embora num turno diferente daquele» sendo «o único empregado de mesa da empresa que não constava dos registos».

Da mesma forma, flui ainda da matéria de facto que «21. No dia 14/04/2014 a requerida implementou na Cervejaria ... um sistema de trabalho em que divide os empregados de mesa em duas "classes" - os "áreas" e os "runners"» e que «22. Essas duas “classes” desempenham funções completamente diferentes: os "áreas" atendem e servem os clientes e os "runners" são carregadores de comida e/ou de bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa».

Além disso «23. O "área": toma nota dos pedidos das refeições e bebidas dos clientes, é responsável por um turno de mesas, executa e colabora na preparação das salas e arranjo das mesas para as refeições, das bandejas e dos carros (quando era o caso) destinados às refeições e bebidas das mesas do seu turno, acolhe e atende os clientes, apresenta-lhes a ementa ou lista do dia, dá-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anota os pedidos; serve os alimentos escolhidos, elabora e emite a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efetua a respetiva cobrança com a receção do pagamento e efetivação dos trocos, no final procede à arrumação da sala na zona do seu turno», enquanto o «24. O "runner" transporta a comida e as bebidas da cozinha ("controle") para as mesas e/ou dos "aparadores" para a copa, de acordo com as indicações quantitativas que lhe dão, sem qualquer contacto com as mesas, a não ser para "descarregar" os pratos, nem com os clientes» e «25. A partir de 14/04/2014 o autor passou a desempenhar as funções de "runner", nunca tendo desempenhado as funções de "área"».

Decorre também da matéria de facto dada como provada que «26. Já em 2013 a requerida tinha implementado esse sistema de funcionamento na Cervejaria ... durante um determinado período», bem como que «27. De todos os empregados de mesa ao serviço da requerida, o requerente é o segundo mais antigo (apenas o Colega GG foi admitido antes dele)». Além disso, «28. Os empregados de mesa ao serviço da requerida desde data anterior a março de 2009 são GG, FF, HH, II, JJ, EE, KK, e todos exercem as funções de "áreas"», e que «29. Entre os "runners" há os das "comidas" e os das "bebidas e entradas", sendo que os primeiros são os que carregam mais peso» e o «30. O requerente foi sempre "runner" das comidas até 9 de janeiro de 2015».

Por outro lado, flui também da matéria de facto que «32. O requerente nasceu em …/…/1956, tinha 58 anos à data da reintegração e tem hoje 59 anos de idade».

Decorre ainda da matéria de facto dada como provada que «33. As funções de “runner” implicam maior desgaste físico relativamente às desempenhadas pelos “áreas”, pelo transporte de pesos», que «53. O exercício das funções de empregado de mesa sem a divisão de tarefas implementada com o sistema de “áreas” e “runners” é mais desgastante do que o exercício isolado de cada um dessas funções» e que «51. Desde 9/01/2015, em face dos problemas de saúde referidos pelo requerente, o mesmo passou a transportar e servir bebidas, por considerar a requerida tratar-se do serviço fisicamente menos exigente que um empregado de mesa pode executar na requerida».

Por outro lado, flui da matéria de facto que «43. A especialização de funções referida em 21-24 supra, visa a obtenção de maior qualidade de serviço, permite aumentar o nível de acompanhamento feito ao cliente por parte da equipa de empregados de mesa, obtendo-se maior eficácia e rapidez no serviço, o que permite alcançar uma maior satisfação do cliente» e que «44. As funções de “área” e “runner” são complementares e todos os empregados de mesa fazem parte da mesma equipa, quer desenvolvam uma função ou outra, não sendo o exercício das tarefas associadas a cada uma delas estanque e exclusivo, no sentido dos colaboradores não se poderem entreajudar, sempre que o volume do trabalho o exija».

2 - À luz das considerações acima tecidas, face a esta matéria de facto, é forçoso concluir que a Ré ao dividir as funções dos empregados de mesa em duas categorias – “áreas” e “runners”, colocando o núcleo fundamental das tarefas dos empregados de mesa na categoria “áreas” e relegando para a categoria “runners” as funções menos expressivas, e ao impor ao Autor o desempenho destas funções, desrespeitou as suas obrigações decorrentes do contrato de trabalho que tinha celebrado com o Autor e do contrato coletivo de trabalho que o enquadra e que a vincula igualmente.

Com efeito, as funções contratadas com o Autor eram as de empregado de mesa de 1.ª, acima descritas, nomeadamente, aquelas que integram o núcleo fundamental desta categoria profissional e que se encontra no contacto com os clientes e que foram incluídas na categoria “áreas”.

De facto, as funções mais expressivas de um empregado de mesa e aquelas que são inerentes à dimensão social dessa categoria profissional, são as de acolher e atender os clientes, apresentar-lhes a ementa ou lista do dia, dar-lhes explicações sobre os diversos pratos e bebidas e anotar os pedidos; elaborar e emitir a conta dos consumos (antecedida da "consulta de mesa"), efetuar a respetiva cobrança com a receção do pagamento e efetivação dos trocos», no fundo, as funções que foram integradas pela Ré na categoria “áreas”.

As funções incluídas pela Ré no grupo “runners” nem sequer preenchem por inteiro o conteúdo funcional da categoria empregados de mesa de 2.ª, tal como a mesma decorre do contrato coletivo de trabalho aplicável.

Ao privar o Autor do desempenho das funções nucleares da categoria profissional que lhe correspondia, de acordo com a regulamentação coletiva aplicável e que eram as contratadas, a Ré violou claramente o disposto nos artigos 115.º e 118.º do Código do Trabalho, bem como nas citadas disposições do contrato coletivo de trabalho aplicável, com incidência direta no conteúdo funcional respetivo.

Para além disso, a Ré na distribuição que operou dos seus trabalhadores pelos grupos criados: “áreas” e “runners” acabou por atribuir ao Autor as funções de “runner”, diferenciando-o dos colegas de trabalho que se encontravam em igualdade de circunstâncias com ele, a quem confiou as funções do grupo “áreas”, que na sua parte mais significativa já tinham sido desempenhadas pelo Autor antes da implementação do novo modelo de organização dos meios humanos da Ré.

Perante esta situação, considerou-se na decisão recorrida que a Ré discriminou o Autor face aos seus colegas de trabalho que se encontrariam em igualdade de circunstâncias, no que se refere à distribuição de tarefas inerentes à referida categoria profissional.

Ponderando essa distribuição, pode afirmar-se que a Ré atribuiu ao Autor funções de menor relevo no contexto da categoria profissional dos empregados de mesa, afetando as funções mais significativas daquela categoria a outros trabalhadores que incluiu no grupo “áreas”, sendo certo que tais trabalhadores se encontravam igualdade de circunstâncias com o Autor.

Está em causa saber se a Ré discriminou o Autor, no que se refere às condições de trabalho, concretamente na definição das tarefas que lhe atribuiu, violando por esta via o disposto nos artigos 23.º, n.º 1, alínea a), 24.º, n.º 1 e 25.º do Código do Trabalho.

Com efeito, invocada pelo Autor a discriminação no que se refere às tarefas atribuídas, e tendo este demonstrado que outros trabalhadores da Ré que identificou, se encontravam em igualdade de circunstâncias consigo, incumbia à Ré, por força do disposto no n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, «provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação».

A verdade é que a Ré, embora tenha invocado fatores que se prendem com a avaliação que fez do Autor e das suas capacidades para corresponder aos objetivos que tinha subjacentes à divisão de tarefas que implementou, não fez prova de fatores objetivos que possam justificar a atribuição ao Autor das funções que aglutinou sob a denominação de “runner”.

Ou seja, a Ré, independentemente da questão do incumprimento do contrato e do instrumento de regulamentação coletiva do trabalho acimas referidas, não demonstrou razões objetivas para não atribuir ao Autor as funções de “área”, no fundo aquelas que correspondem ao núcleo fundamental das funções dos empregados de mesa de 1.ª.

É verdade que a Ré invocou razões de operacionalidade do negócio e de gestão do recursos humanos para justificar a medida adotada, mas independentemente disso, demonstrada a diferenciação de tratamento, incumbia à Ré concretizar as razões pelas quais justificava a não atribuição ao Autor das funções de “área”, o que não fez.

As razões de natureza operacional e de gestão dos recursos humanos que justificarão a reorganização adotada não dispensavam o empregador da objetivação da avaliação que faz dos seus trabalhadores e da demonstração, a partir dessa avaliação, das razões pelas quais os enquadra em qualquer um dos grupos criados.

A Ré poderia provar que a diferenciação introduzida não assentava num «qualquer fator de discriminação», ou seja, que a diferenciação usada se fundamentava «em fator de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da atividade profissional, em virtude da natureza da atividade em causa ou do contexto da sua execução», tal como decorre do n.º 2 do artigo 25.º do Código do Trabalho, e que o objetivo subjacente à diferenciação era legítimo e proporcional, o que declaradamente não sucedeu no caso dos autos.

Em face do exposto, improcede a revista da Ré, impondo-se a confirmação da decisão recorrida neste segmento.


VI


1 - Nas conclusões 1.ª a 13.ª do recurso subordinado que interpôs, insurge-se o Autor contra a decisão recorrida na parte em que fixou em € 4 000,00 (quatro mil euros) a indemnização pelos danos morais por si sofridos.

Entende que «esse valor é francamente exíguo e traduz uma compensação meramente simbólica e miserabilista, em contrário ao unânime entendimento jurisprudencial de que assim não é, e a compensação deve tender a constituir lenitivo bastante para o sofrimento, a dor e desilusão».

Destaca que na ponderação dos fatores a tomar em conta na fixação da indemnização «adquire papel relevante o peso dos antecedentes jurisprudenciais - ou seja, essa ponderação "obriga" a que caso a caso sejam levadas em consideração as decisões judiciais, em particular do Supremo Tribunal de Justiça» e toma como referência o acórdão desta secção proferido no processo n.º 579/11.1TTCSC.L1.S1, datado de 28 de janeiro de 2016[13], referindo que se trata de um caso similar.

Analisando a situação dos autos e a subjacente àquele processo, refere o recorrente que «considerando os items atrás referidos, que são aqueles cuja relevância para o alcance do quantum da indemnização por danos não patrimoniais a doutrina e jurisprudência unanimemente reconhecem, com base na análise comparativa, ponto a ponto, de dois casos cuja similitude nos parece clara, nos presentes autos esse quantum deve ser fixado, se não no valor pedido, pelo menos em € 40.000,00, quantia que a R. deve ser condenada a pagar ao A., acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento».

A decisão recorrida fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofidos pelo autor em € 4 000,00 com base nos seguintes fundamentos:

«D - Danos não Patrimoniais

Peticiona o Autor a condenação da Ré a pagar-lhe a importância de € 60.000, a título de danos não patrimoniais, face ao sofrimento que a conduta da Ré lhe causa.

Quanto aos danos de natureza não patrimonial, os mesmos inserem no instituto da responsabilidade civil por facto ilícito, dependendo da verificação dos requisitos a que se refere o artigo 483º do Civil, a saber, a existência de um facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Como referimos a Ré praticou factos ilícitos, discriminando o Autor e violando o seu direito à categoria profissional. Agiu culposamente.

O artigo 496.º n.º 1 do C. Civil dispõe que, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Essa gravidade, como ensina Antunes Varela, deve “medir-se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”.

Deve assim sopesar-se as circunstâncias concretas do caso, para averiguar se o dano justifica a concessão de uma satisfação de natureza pecuniária ao lesado.

Não justificam tal indemnização os simples incómodos e contrariedades.

No presente caso, os danos a que se reportam os pontos 54 a 56 não podem  deixar de se considerar graves e a merecer a tutela do Direito, pelas consequências na vida do Autor.

Resulta da lei que o montante da indemnização por danos não patrimoniais será fixado equitativamente, considerando o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e a as demais circunstâncias do caso (cfr. art. 496.º n.º 3 e 494.º do C.Civil).

O recurso à equidade deve-se ao facto de ser difícil, se não mesmo, muitas vezes, impossível, a prova do montante dos danos não patrimoniais. Contudo, “o facto de a lei, através da remissão feita no artigo 496.º n.º 3 para as circunstâncias mencionadas no artigo 494º, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro caráter sancionatório.

A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar; no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.” 

Equidade não significa arbitrariedade e a indemnização deve traduzir a justiça do caso concreto, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom sendo prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida”. 

Ponderando o supra exposto, e considerando o grau de culpa da Ré, a sua situação económica, que releva dos factos, e a natureza dos danos provocados ao Autor, o tribunal considera ajustada a sua condenação a pagar ao Autor a quantia de € 4.000,00, a título de danos não patrimoniais.»

2 - Conforme se ponderou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 2012, proferido na Revista n.º 4212/07.8TTLSB.L1.S1,[14] «em direito laboral, para se reconhecer direito ao trabalhador a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá aquele de provar que houve violação culposa dos seus direitos por parte do empregador, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável».

Na fundamentação deste aresto aduziu-se o seguinte:

[Como refere Galvão Telles, os danos não patrimoniais são aqueles «prejuízos que não atingem em si o património, não o fazendo diminuir nem frustrando o seu acréscimo. O património não é afetado; nem passa a valer menos nem deixa de valer mais. Há a ofensa de bens de caráter imaterial — desprovidos de conteúdo económico, insuscetíveis verdadeiramente de avaliação em dinheiro. São bens como a vida, a integridade física, a saúde, a correção estética, a liberdade, a honra, a reputação. A ofensa objetiva desses bens tem, em regra, um reflexo subjetivo na vítima, traduzido na dor ou sofrimento, de natureza física ou de natureza moral» (In Direito das Obrigações, 7.ª edição, pg. 378).

No mesmo sentido alvitra Menezes Cordeiro que há dano moral quando a situação vantajosa prejudicada tenha simplesmente natureza espiritual (Direito das Obrigações, 1980, 2.º, pg. 285).

Dentro desta conceção, o ressarcimento por danos não patrimoniais não tem a natureza de uma verdadeira indemnização, dado não ser uma exata contrapartida pelo dano, representando antes uma compensação a atribuir ao lesado por prejuízos por este sofridos, que não têm reparação direta através de satisfações de natureza pecuniária. Deste modo, se justifica que, no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração (vd. Vaz Serra in R.L.J., Ano 113º, pág. 104).

Com a reparação por danos não patrimoniais tem-se em vista compensar de alguma forma o lesado, proporcionando-lhe os meios económicos que constituam, de certo modo, um refrigério para as mágoas e adversidades que sofrera e que, porventura, continue a suportar.

E estes princípios respeitantes aos danos de natureza não patrimonial carecem de ser observados no âmbito do direito laboral por este nada de específico conter nesta matéria.

Deste modo, em direito laboral, para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, terá o trabalhador de provar que houve violação culposa dos seus direitos, causadora de danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, o que se verificará, em termos gerais, naqueles casos em que a culpa do empregador seja manifesta, os danos sofridos pelo trabalhador se configurem como objetivamente graves e o nexo de causalidade não mereça discussão razoável.

(…)

Por outro lado, sempre será necessário atentar em que os danos sofridos pelo trabalhador devem integrar uma lesão grave, que vá para além daquela que sempre acontece em situações similares de despedimento, porque o direito a indemnização com fundamento em danos não patrimoniais não é de admitir como regra, mas apenas no caso singular de haver uma justificação segura, que leve a concluir pela necessidade de reparar uma lesão que restaria apodicticamente não satisfeita].

3 - Esta Secção tem-se debruçado inúmeras vezes sobre a problemática da reparação dos danos não patrimoniais.

Referiu-se, com efeito, no acórdão de 1 de março de 2018, proferido no processo n.º 606/13.8TTMTS.P1.S2, o seguinte:

«Na verdade, podemos encontrar decisões do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente desta 4.ª secção, sobre a indemnização por danos não patrimoniais, no âmbito do foro laboral, que nos podem ajudar neste julgamento de equidade, como é apelidado por Fernando Andrade Pires de Lima e João de Matos Antunes Varela (Código Civil, anotado, Coimbra Editora, Vol. 1, pág. 339).

No Acórdão de 25/11/2014, proferido no Recurso n.º 781/11.6TTFAR.E1.S1, proclamou-se o princípio de que a “A indemnização por danos não patrimoniais pressupõe, concretamente no foro laboral, que se trate de danos que constituam lesão grave, com justificação causalmente segura, decorrente de atuação culposa do agente, e que sejam dignos da tutela do Direito”.

No Acórdão, datado de 14-02-2013, proferido no Recurso n.º 1508/06.0TTLSB.L1.S1, concretizou-se que “Configurando-se a violação do dever de ocupação efetiva do trabalhador e a sua despromoção ilícita, e considerando que esses factos contribuíram para a situação de doença do trabalhador, que se prolongou por bastante tempo, é de reputar como equilibrada a importância de € 15.000,00, a título de compensação pelos danos não patrimoniais causados”.

Na mesma linha, também o Acórdão, de 05/03/2013, proferido no Recurso n.º 1361/09.1TTPRT.P1.S1, sublinhou “Configurando-se a violação do dever de cometer funções correspondentes à atividade contratada, justifica-se a atribuição, ao autor, de uma compensação pelos danos não patrimoniais gerados por tal violação”.

O Acórdão de 12/09/2013, proferido no Recurso n.º 18003/11.8T2SNT.L1.S1, frisou que “Provando-‑se que, devido à conduta do empregador, a trabalhadora ficou afetada emocional e psicologicamente de forma grave, passando a carecer de acompanhamento psiquiátrico e de internamento hospitalar, deverá considerar-se que ocorreram danos não patrimoniais relevantes que justificam a atribuição de indemnização no montante de € 17.500,00, como forma de compensação”.

Também o Acórdão, de 17-12-2014, proferido no Recurso n.º 292/11.0TTSTR.E1.S1, salienta que “Resultando provado que a ré não atribuiu à autora as funções correspondentes à categoria profissional contratada – mas sim funções de categoria inferior, desempenhadas a par e ao lado de colegas que lhe estavam hierarquicamente subordinados – e que violou o seu direito a não trabalhar aos sábados e domingos, provocando-lhe danos graves, atentatórios da sua saúde física e psicológica (sentimentos de humilhação, tristeza, angústia, ansiedade e stresse), estão verificados os pressupostos da indemnização por danos não patrimoniais”.

Finalmente, o Acórdão, de 28/01/2016, proferido no Recurso n.º 2501/09.6TTLSB.L2.S1, adianta que “Tendo a ré despedido ilicitamente a autora, e esta sofrido danos não patrimoniais graves, em virtude do despedimento realizado, justifica-se que lhe seja atribuída uma compensação por danos não patrimoniais, sendo de reputar como equilibrada a quantia de € 10.000,00 conferida, a esse título, no acórdão recorrido”.

Da análise de toda esta jurisprudência constata-se um extremo cuidado na análise da matéria de facto de cada caso concreto, efetuando-se a ponderação ajustada num quadro em que se consideram todas as circunstâncias que rodearam a ocorrência geradora da obrigação de indemnizar.»

4 - Carece de qualquer sentido a comparação que o recorrente faz do caso dos autos com a situação que estava subjacente ao acórdão desta Secção de 28 de janeiro de 2016, proferido no processo n.º 579/11.1TTCSC.L1.S1.

Na verdade, naquele processo estava em causa uma resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, fundamentada na violação dos seus direitos no quadro da relação de trabalho.

A dimensão da lesão desses direitos foi de tal modo grave que levou a que o Tribunal considerasse que o trabalhador tinha resolvido o contrato com justa causa e foi nesse quadro que se veio a ponderar a indemnização por danos não patrimoniais.

A situação nada tem a ver com o caso dos autos, onde apesar de estar em causa um incumprimento do contrato de trabalho, no que se refere às funções atribuídas ao trabalhador, e uma situação de descriminação do trabalhador face aos seus colegas derivada desse incumprimento, não houve uma violação comparável dos direitos do trabalhador.

São significativas as diferenças, em termos de ilicitude dos factos (desconformidade com o quadro de obrigações que onera o empregador), e, de uma forma mais expressiva, no que se refere à dimensão da culpa evidenciada pela atuação do empregador.

Carece deste modo de fundamento a pretensão do Autor de ver a indemnização ficada em € 40 000,00 (quarenta mil euros).

A decisão recorrida ponderou acertadamente os fatores relativos à fixação da indemnização, não merecendo qualquer censura.

5 – Nas conclusões 14.ª a 20.ª insurge-se o recorrente contra a decisão recorrida relativamente ao decidido quanto a custas.

Destaca que tendo a ação sido considerada procedente integralmente relativamente a três dos pedidos formulados e tendo decaído apenas parcialmente no que se refere aos danos não patrimoniais em que tendo pedido € 60.000,00 o tribunal apenas lhe atribuiu € 4 000,00 jamais poderiam as custas ser fixadas em função do decaimento.

Entende, em síntese, que as custas devem ser distribuídas na proporção de 9/10 para a Ré e 1/10 para o recorrente.

O recurso nesta parte assenta num manifesto equívoco.

Resulta do disposto no n.º 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil que entende-‑se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for».

Quando a decisão recorrida fixa as custas em função do decaimento, dá cumprimento a este dispositivo legal e impõe que o valor dos pedidos em que o Autor teve procedência total e os daqueles em que a procedência apenas parcial sejam ponderados, globalmente, na fixação das custas.

Na verdade, as custas, só não são integralmente da responsabilidade da Ré porque haverá que projetar na distribuição global das mesmas o decaimento parcial do Autor no que se refere aos danos não patrimoniais.

A decisão recorrida acaba por relegar para a secção a distribuição das custas, deixando o parâmetro da proporcionalidade, como ponto de referência para a individualização da responsabilidade de cada uma das partes nas custas.

O critério para distribuição da responsabilidade pelas custas jamais seria o do decaimento parcial do Autor no pedido relativo a danos não patrimoniais, conforme afirma o recorrente.

Acresce que, se a divisão que vier a ser feita pela secção não respeitar o fixado, ainda resta ao Autor o direito à reclamação, permitindo por essa via a ultrapassagem de qualquer situação em que entenda que a divisão concreta não respeita a proporcionalidade.

A decisão recorrida não violou qualquer dispositivo legal na forma como individualizou a responsabilidade de cada uma das partes pelas custas.


VII

Em face do exposto, acorda-se em negar as revistas, principal e subordinada, e em confirmar a decisão recorrida.

Custas da revista principal pela Ré e da revista subordinada pelo Autor.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 20 de junho de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes

Ribeiro Cardoso

_____________________
[1] Tinha a seguinte redação: «À relação laboral entre as partes é aplicável o CCT entre a ARESP - Associação da Restauração e Similares de Portugal e a FESAHT - Federação dos Sindicatos da Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal, publ. em Revisão Global no BTE, 1ª Série, n° 3/2012, e anteriormente publ. em Revisão Global no BTE, 1ª Série, n° 28/2004, com as alterações posteriormente introduzidas, publ. in BTE 45/2004, 29/2007 e 24/2008, 42/2008, 8/2009 (tendo sempre em consideração os respetivos Regulamentos e Portarias de Extensão - RE e PE).»
[2] Eliminado pela decisão recorrida e recuperado no âmbito do presente acórdão.
[3] Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 339.
[4] Código do Trabalho Anotado, 2016, 10.ª edição, Almedina, direção de Pedro Romano Martinez, p. 174.
[5] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[6] Direito do Trabalho, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 505.
[7] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, p. 304.
[8] MENEZES CORDEIRO, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, 1994, p. 665.
[9] MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Obra citada, p. 305.
[10] MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO, Obra citada, p. 305.
[11] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[12]Tratado de Direito do Trabalho, Parte I, Dogmática Geral, 5.ª Edição, 2014, Almedina, p. 279.
[13] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[14] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.