Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1691/15.3T8CHV-A.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: REGULAMENTO (CE) 2201/2003
RESPONSABILIDADES PARENTAIS
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESIDÊNCIA HABITUAL
RESIDÊNCIA PERMANENTE
MENOR
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO EUROPEU - DECISÕES EM MATÉRIA DE RESPONSABILIDADE PARENTAL / COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS DOS ESTADOS-MEMBROS.
DREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL DOS TRIBUNAIS PORTUGUESES / INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / EXCEPÇÕES DILATÓRIAS ( EXCEÇÕES DILATÓRIAS ) / RECURSOS / ADMISSIBILIDADE DO RECURSO.
Doutrina:
- ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, 198.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 59.º 96.º, ALÍNEA A), 576.º, N.º S 1 E 2, E 577.º, ALÍNEA A), 629.º, N.º 2, ALÍNEA A).
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 2201/2003, DE 27 DE NOVEMBRO: - ARTIGO 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 28 DE JANEIRO DE 2016 (PROCESSO N.º 6987/13.6TBALM.L1.S1), ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Nos termos do art. 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

II. O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local.

III. Residindo a menor, desde que nasceu, no Luxemburgo, com a mãe, que aí reside há cerca de oito anos, são os tribunais desse país os competentes para conhecer da ação de responsabilidade parental relativa à menor.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


AA instaurou no Juízo de Competência Genérica de Vila Pouca de Aguiar, Comarca de Vila Real, contra BB, ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativo à menor CC.

Para tanto, alegou, em síntese, que a menor é filha do Requerente e da Requerida, não casados, encontrando-se aquela a viver com a mãe.

Realizou-se a conferência de pais, mas sem qualquer resultado.

Remetidas as partes para a audição técnica especializada, esta não teve lugar em virtude da Requerida residir no estrangeiro.

Notificados para apresentar alegações, a Requerida veio arguir a incompetência internacional dos tribunais portugueses, respondendo, em sentido contrário, o Ministério Público e o Requerente.

Por despacho de 18 de abril de 2016, foi declarado o Tribunal internacionalmente competente, indeferindo-se a exceção arguida.

Inconformada, a Requerida recorreu para o Tribunal da Relação de Guimarães, que, por acórdão de 12 de julho de 2016, confirmou a decisão recorrida.


De novo inconformada, a Requerida recorreu, em revista excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou essencialmente as seguintes conclusões:

a) A menor nasceu em 25/11/2013, no Luxemburgo, onde sempre viveu com a mãe.

b) Apesar de aplicar devidamente o Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, o Tribunal faz uma errada interpretação jurídica acerca do que considera ser a residência habitual, estável e permanente da menor e que não se poderá considerar como sendo outra que não no Luxemburgo.

c) A menor encontra-se em Portugal ocasionalmente e sem qualquer critério de ligação e encontra-se social e familiarmente integrada no Luxemburgo.

d) Atendendo ao superior interesse da criança e ao critério da proximidade, serão competentes os tribunais do Estado do Luxemburgo.

e) O conceito de residência habitual corresponde ao lugar que traduz uma certa integração da criança num ambiente social e familiar.

f) A posição dominante na jurisprudência é no mesmo sentido.

g) São incompetentes os tribunais portugueses.


Pretende a Recorrente, com o provimento do recurso, que seja declarada a competência dos tribunais do Estado do Luxemburgo.


Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

 

Por acórdão da Formação a que alude o art. 672.º, n.º 3, do CPC, não foi admitida a revista excecional e foi determinada a distribuição do recurso como revista normal.


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


Neste recurso, está em discussão a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente a uma menor a residir com a mãe, no Luxemburgo.


II – FUNDAMENTAÇÃO


2.1. No acórdão recorrido, foram dados como provados os seguintes factos:

1. CC, de nacionalidade portuguesa, nasceu em 25 de novembro de 2013, no Luxemburgo, onde reside, com a sua mãe, desde essa data.

2. O Requerente e a Requerida, pais da menor, têm ambos a nacionalidade portuguesa.

3. À data da instauração do processo, a menor residia com a Requerida, no Luxemburgo.

4. A Requerida reside no Luxemburgo há cerca de oito anos.

5. O Requerente reside em Portugal.

6. Os avós da menor residem em Portugal.



***



2.2. Delimitada a matéria de facto, importa conhecer do objeto do recurso, definido pelas suas conclusões.

Não obstante o acórdão recorrido tenha confirmado a decisão da 1.ª instância, o recurso é admissível, por efeito do disposto no art. 629.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), dado o seu fundamento se basear na violação das regras de competência internacional, o que, por outro lado, afasta também que a decisão recorrida se tenha baseado em critérios de conveniência ou oportunidade.


2.3. Com o recurso, a Recorrente continua a insistir que são os tribunais do Luxemburgo os competentes para o conhecimento da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à menor, a residir permanentemente, com a mãe, no Luxemburgo, onde também nasceu.

O acórdão recorrido, por sua vez, baseando-se no conceito de “residência habitual”, sufragado pelo acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 22 de dezembro de 2010, concluiu que, no caso concreto, seriam competentes os tribunais de Portugal, porquanto “os pais, a menor e a respetiva família têm nacionalidade portuguesa, a menor tem dois anos de idade, o pai reside em Portugal e a única ligação com o Luxemburgo prende-se com o facto de a mãe aí residir”.


Delineadas as posições jurídicas em confronto, começa-se por afirmar que a competência do tribunal constitui um dos principais pressupostos processuais e advém do facto do poder jurisdicional estar repartido, segundo diversos critérios, por diferentes tribunais.

Desde logo, uma primeira repartição do poder de julgar assenta na distinção entre competência internacional e competência interna.

A competência internacional, que agora interessa, designa a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais portugueses no seu conjunto, em face dos tribunais estrangeiros, para julgar as ações que tenham algum elemento de conexão com ordens jurídicas estrangeiras (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, 1985, pág. 198).

Os critérios de atribuição da competência internacional dos tribunais portugueses encontram-se especificados nos arts. 59.º, 62.º e 63.º do CPC.

Neste âmbito, releva, antes de mais, aquilo que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, como decorre expressamente do disposto no art. 59.º do CPC.

Por isso, no caso sub judice, ganha especial relevância o Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, genericamente em vigor desde 1 de agosto de 2004, nos Estados-Membros da União Europeia, como é o caso do Luxemburgo e Portugal.

Sendo aplicável o referido Regulamento, este estabelece que “os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal” (art. 8.º, n.º 1).

No seu considerando n.º 12, o Regulamento explicita, expressamente, que as regras de competência em matéria de responsabilidade parental são “definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério de proximidade”.

Perante este conteúdo normativo, não há qualquer dúvida de que o Regulamento se orientou, na definição da competência da ação de responsabilidade parental, pelo superior interesse da criança e particularmente pela conexão da proximidade, elegendo, como tribunal competente, o da sua residência habitual no Estado-Membro. Por isso, por regra, tendo a criança a residência habitual num Estado-Membro são os seus tribunais os competentes para conhecer da ação em matéria de responsabilidade parental

O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local.

Tendo a criança a sua vida estabilizada num Estado-Membro é este que, em princípio, oferece melhores condições para proceder à regulação do exercício da responsabilidade parental, designadamente para a realização do inquérito às condições sociais, morais e económicas dos pais, que, nesta matéria, se reveste de inegável importância.

Semelhante entendimento tem vindo a ser sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no ainda recente acórdão de 28 de janeiro de 2016 (processo n.º 6987/13.6TBALM.L1.S1), acessível em www.dgsi.pt.


Determinado o sentido normativo do preceito aplicável, vejamos o caso vertente, no qual a menor, nascida a 25 de novembro de 2013, no Luxemburgo, reside neste país, nomeadamente à data da instauração da ação de regulação do exercício da responsabilidade parental, onde a sua mãe reside há cerca de oito anos.

Pelo tempo que a mãe da menor permanece no Luxemburgo, podemos afirmar que a mesma tem, nesse país, a sua residência habitual ou permanente. Tendo a menor consigo desde que nasceu, também esta tem, aí, a residência habitual, pois que o tempo de vida já decorrido demonstra, inequivocamente, uma nítida situação de estabilidade domiciliária. Na verdade, não obstante a pouca idade da menor, compreende-se bem que não se encontra conjunturalmente a viver no Luxemburgo, mas de um modo estável, como a sua mãe.

Por outro lado, nada nos autos autoriza a afirmar que a menor não se encontra verdadeiramente integrada, naquele país, em termos sociais.

A integração social da menor, atendendo à sua tenra idade, passa sobretudo pela integração social da mãe, a qual, contudo, não foi negada. Com efeito, a integração social da mãe, quer em termos individuais quer como família, repercute, de forma natural, a integração da filha na sociedade luxemburguesa.

Perante a proximidade da menor à mãe, residente no Luxemburgo há cerca de oito anos, esbate-se em grande parte a importância que poderia ter a nacionalidade e o facto do pai e dos avós da menor residirem em Portugal.

Embora a residência da menor com a mãe, no Luxemburgo, possa constituir o único critério de proximidade, como se aludiu no acórdão recorrido, não deixa, porém, de ser determinante e decisivo, sendo certo que tal critério apresenta uma densidade normativa que vai para além da mera residência, nomeadamente quando esta é de natureza permanente e reveladora da integração num ambiente familiar e social.

Neste contexto, face ao referido critério de proximidade e ao interesse superior da criança, os tribunais do Luxemburgo são internacionalmente competentes para conhecer da ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente à menor CC, nos termos do art. 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro.

Consequentemente, neste caso, os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para conhecer da ação sobre a responsabilidade parental, redundando num caso de incompetência absoluta, por infração das regras de competência internacional – art. 96.º, alínea a), do CPC.

A incompetência absoluta do tribunal implica, como consequência, a absolvição da instância da Requerida, ora Recorrente, nos termos do disposto nos arts. 576.º, n.º s 1 e 2, e 577.º, alínea a), do CPC.


Nestas circunstâncias, concedendo a revista, é de revogar a decisão recorrida, absolvendo a Requerida da instância.


2.4. Em conclusão, pode extrair-se de mais relevante:

I. Nos termos do art. 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de novembro, os tribunais de um Estado-Membro são competentes em matéria de responsabilidade parental relativa a uma criança que resida habitualmente nesse Estado-Membro à data em que o processo seja instaurado no tribunal.

II. O conceito de residência habitual, ou permanente, traduz em especial uma ideia de estabilidade do domicílio, assente, designadamente, num conjunto de relações sociais e familiares, demonstrativas da integração na sociedade local.

III. Residindo a menor, desde que nasceu, no Luxemburgo, com a mãe, que aí reside há cerca de oito anos, são os tribunais desse país os competentes para conhecer da ação de responsabilidade parental relativa à menor.


2.5. O Recorrido, ao ficar vencido por decaimento, é responsável pelo pagamento das custas, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 527.º, n.º s 1 e 2, do CPC.


III – DECISÃO


Pelo exposto, decide-se:

1) Conceder a revista, revogando o acórdão recorrido e absolvendo a Requerida da instância.

2) Condenar o Requerente no pagamento das custas.


Lisboa, 26 de janeiro de 2017


Olindo Geraldes (Relator)

Nunes Ribeiro

Maria dos Prazeres Beleza