Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1933
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHAO A TERMO INCERTO
SUBSTITUIÇÃO TEMPORÁRIA DE TRABALHO
MOTIVAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200709260019334
Data do Acordão: 09/26/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - A validade do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho impõe: (i) que se mostrem vertidos no texto contratual factos recondutíveis a algum dos tipos legais de justificação plasmados no arts. 41.º, n.º 1 da LCCT; (ii) que esses factos tenham correspondência com a realidade.
II - A necessidade da verificação cumulativa dos referidos pressupostos constitui um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do citado art. 41.º, n.º 1: o contrato a termo só é admitido para certos fins e na estrita medida em que esses fins o justifiquem.
III - Como decorre do regime legal da distribuição da prova e veio a ser expressamente referido na Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho, incumbe ao empregador o ónus da prova sobre a veracidade do motivo justificativo do recurso à contratação precária.
IV - No caso específico da motivação prevista na alínea a) do n.º 1 do art.º 41.º da LCCT, torna-se mister para sustentar a validade da substituição invocada, que haja uma coincidência ou proximidade bastante entre as funções que o trabalhador contratado foi exercer e as que o trabalhador substituído vinha exercendo.
V - Em contrapartida, já não será necessário que esse exercício pressuponha o desempenho das mesmas tarefas que o trabalhador substituído vinha exercendo, uma vez que é da exclusiva competência do empregador, nos termos do poder de direcção que a lei lhe confere, a concreta determinação destas, com respeito pelo quadro funcional da respectiva categoria profissional.
VI - Não é possível validamente associar a contratação de uma trabalhadora à substituição de uma outra que entrou de baixa, devendo considerar-se inverídico o motivo invocado, se a trabalhadora substituída exercia as suas funções na “Secção de Fabrico e Montagem de Rádios” e a trabalhadora substituta prestou trabalho à empresa durante cerca de quatro anos - inicialmente ao abrigo de contratos de trabalho temporário e, cinco dias após o último destes contratos, no âmbito do questionado contrato de trabalho a termo incerto -, fazendo-o sempre na “Secção de Fabrico de Módulos”, ainda que estas duas secções se integrem no mesmo “Departamento” da empresa e neste os trabalhadores prestem normalmente a sua actividade de forma rotativa.
VII - As funções da trabalhadora substituída atendíveis não podem ser as que esta iria hipoteticamente desempenhar à data em que veio a ser contratada a substituta, na medida em que um juízo hipotético não é passível de prova, o que sempre impediria o seu controlo pelo tribunal, em ostensiva derrogação dos comandos legais que disciplinam a contratação a termo.
VIII - Havendo dúvidas quanto a saber se determinado trabalhador foi contratado para substituir outro, a incerteza probatória daí decorrente reverte contra o empregador (art. 519.º do CPC).
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


1- RELATÓRIO

1.1.
"AA" intentou, no Tribunal do Trabalho de Setúbal, acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “Empresa-A, Ld.ª”, pedindo se reconheça que entre as partes existia um contrato de trabalho sem termo e, por via disso, se considere ilícito o seu despedimento e se condene a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho, bem como a pagar-lhe, com juros moratórios, as retribuições discriminadas na P.I., e ainda uma indemnização por antiguidade, caso a demandante venha por ela a optar, em detrimento da sua reintegração nos quadros da empresa.
Alega, para o efeito e em síntese, a nulidade, por inveracidade do motivo invocado, da estipulação do termo aposto no contrato a termo incerto, aprazado entre as partes em 19 de Março de 2001.
Na sua contestação, a Ré contraria a tese da Autora, afirmando a veracidade do motivo justificativo da contratação precária em análise e, consequentemente, a licitude da operação cessação do vínculo laboral.
1.2.
Instruída e discutida a causa, veio a 1ª instância a concluir pela improcedência integral da acção, sufragando por inteiro a tese da Ré.
Sob apelação da Autora, o Tribunal da Relação de Évora revogou a sentença da 1ª instância e conferiu integral ganho de causa à demandante, ainda que um dos Ex.mos Adjuntos tivesse lavrado declaração de sinal contrário.
Nesse sentido, entendeu-se maioritariamente que as funções efectivamente exercidas pela Autora não tiveram a menor correspondência com o motivo justificativo da sua contratação precária.
1.3.
Irresignada com tal decisão, a Ré pede a presente revista, onde convoca o seguinte núcleo conclusivo:
1- nos termos dos arts. 42º n.º 1 al. A) e 48º do D.L. n.º 64-A/89, é lícita a contratação de trabalhador, ao abrigo de contrato de trabalho a termo incerto, para substituição temporária de trabalhador impedido de prestar serviço;
2- a lei não exige que a substituição opere desde o início do impedimento do trabalhador, cabendo ao empregador decidir sobre o momento da mesma, com base na conveniência (tendo em conta, designadamente, o previsível regresso do trabalhador a curto prazo ou o prolongamento da incapacidade) e necessidade;
3- o regime legal do contrato a termo (enquanto destinado à satisfação de necessidades temporárias de trabalho), não pode ser encarado como algo de anómalo e contrário ao princípio constitucional da segurança no emprego, mas antes, ou também, como veículo de promoção do emprego e de respeito pelo princípio constitucional da liberdade económica e de organização empresarial;
4- em 19/3/01 existia uma necessidade de trabalho correspondente à posição de trabalho de operador de produção, que era a posição ocupada pela trabalhadora BB antes do impedimento;
5- nessa data, a A. já havia cessado a sua relação profissional com a R., por força da cessação do contrato de utilização de trabalho temporário cuja validade e legitimidade não foram questionadas. Não havia, pois, impedimento legal a que a R. celebrasse com ela contrato a termo, sendo certo, por outro lado, que também não era obrigada a contratá-la;
6- como decorre da matéria de facto, a R. pretendeu, ao contratar a A., substituir a trabalhadora BB;
7- por isso, o contrato em causa, a termo incerto, é legítimo e formalmente válido;
8- segundo o Acórdão recorrido, não houve real substituição, quer porque durante o período de tempo em que se manteve ao serviço da R. nunca a A. exerceu funções na área de trabalho em que estava colocada a BB à data do início do impedimento, quer porque não está demonstrada nos autos a proximidade de funções de uma e outra trabalhadora;
9- para que possa haver substituição, não é forçoso que o trabalhador substituto seja colocado na mesma área organizacional em que o trabalhador substituído exercia a sua actividade antes do início do impedimento;
10- por via da organização existente na R., os operadores de produção têm todos o mesmo núcleo funcional e as tarefas exercidas são similares, qualquer que seja a área de trabalho ou linha de produção em que sejam colocados em dado momento. Assim, podem ser colocados em qualquer área ou linha de acordo com as necessidades de trabalho em cada momento, sendo frequente, por isso, a rotação de trabalhadores dentro da mesma área ou entre áreas;
11- não existem, assim, postos de trabalho ou áreas fixas, mas antes posições de trabalho rotativas de operador de produção, sendo a divisão por áreas apenas para efeitos contabilísticos e financeiros;
12- se a BB tivesse regressado ao serviço em 19/3/01, podia ser colocada na área de Módulos, onde foi colocada a A., pois não detinha, como se provou, qualquer posto de trabalho fixo;
13- dada a concreta organização da R., ditada por razões ergonómicas, a substituição não pode ser aferida, como entendeu o Acórdão, tendo em conta a posição e área de trabalho que a BB ocupava à data do início da ausência – aliás, largos meses antes, como se refere no Acórdão – mas sim o que ocuparia ou poderia ocupar se houvesse regressado ao serviço em 19/3/01, sendo de salientar que a própria A., na vigência do contrato, mudou de turno de trabalho;
14- a vingar a tese do Acórdão, dada a sua concreta organização, a R. só poderia substituir os operadores de produção ausentes se o fizesse na própria data do início da ausência, na mesma posição de trabalho, uma vez que no dia seguinte, ou algum tempo depois, eles poderiam já não estar na mesma posição de trabalho se se tivessem mantido ao serviço. Semelhante interpretação e aplicação da lei seria ostensivamente contrária à sua letra e ao seu espírito;
15- foram violados os arts. 41º n.º 1 al. A) e n.º 2, 42º n.º 3 e 48º do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como o art.º 389º n.ºs 1 e 4 do Código de Trabalho.
1.4.
A Autora contra-alegou, sustentando a confirmação do julgado, no que é acompanhada, sem resposta da recorrente, pela Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta.
1.5.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
2- FACTOS
As instâncias fixaram a seguinte factualidade:
Factos constantes da matéria de facto assente:
A. Autora e Ré celebraram, em 19 de Março de 2001, o acordo escrito cuja cópia consta dos autos como documento n.º 1 apresentado com a petição inicial, intitulado "Contrato de Trabalho a Termo Incerto", cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e onde se pode ler, quanto às funções a desempenhar pela Autora, o seguinte:
"As funções a desempenhar consistirão essencialmente, mas não exclusivamente, em manufacturar componentes e subgrupos, inserção manual, carregamento e descarregamento de materiais aos produtos em processo, trabalhos de soldadura, armazenagem, movimento e contagem de materiais, operação de equipamentos electrónicos ou electromecânicos, pequenas reparações, inspecções pré-estabelecidas no produtos ou materiais, ajustes e calibrações elementares, cálculos matemáticos elementares, colheita de dados, preparação de relatórios escritos pré-estabelecidos, manutenção da continuidade da produção ou da sua interrupção sempre que for necessário parta manter a qualidade do produto, limpeza da área de trabalho, limpeza e lubrificação do equipamento e outras que, dentro do mesmo género, venham a ser indicadas pela Empresa-A, LTD" ..
B. Por aquele escrito se convencionou que a Autora era admitida ao serviço da Ré em 19/03/2001, mediante contrato de trabalho a termo incerto, com a categoria profissional de Operadora - PE 1º Escalão, auferindo mensalmente a retribuição base de 100.840$00.
C. A Autora exercia a actividade profissional para que foi contratada, sujeita a ordens, instruções e fiscalização da Ré, auferindo em contrapartida, uma retribuição.
D. Ultimamente, a Autora estava classificada com a categoria de Operadora Especializada OF 2 e auferia mensalmente de remuneração base a quantia de Euros 635,30 acrescido de Subsídio de Trabalho Nocturno no valor de 1,84 Euros por cada hora de trabalho nocturno prestada.
E. A Ré dedica-se à actividade de Fabrico e Montagem de Material Eléctrico e Electrónico.
F. A Autora foi admitida para desempenhar a sua actividade durante 8 horas diárias e 40h semanais, de 2ª a 6ª feira, com intervalo de 30 minutos, tendo sido integrada pela R. no 3º turno, cumprindo um horário das 0h00 às 8h30, horário que cumpriu até Maio de 2002, mês em que a A. passou a integrar o 2º turno, cumprindo um horário com entrada 16h30 e saída às 0h30.
G. Em 16 de Julho de 2004, a Ré comunicou à Autora, por carta que lhe entregou em mão, a cessação por caducidade, do contrato de trabalho a termo incerto entre ambas celebrado em 19/03/2001 em virtude de terem tomado conhecimento que a trabalhadora BB, que se encontrava ausente por motivo de Baixa, ter rescindido o seu contrato de trabalho na data de 16 de Julho de 2004, tudo nos termos do doc. n.º 3 apresentado com a petição inicial, cujo teor se dá aqui para todos os efeitos como inteiramente reproduzido.
H. A Ré comunicou ainda à Autora que aquele seria o seu último dia de trabalho na empresa, e que lhe seria paga a quantia referente à falta de aviso prévio de 60 dias a que estava obrigada.
I. A Ré alegou como justificação da contratação da Autora a termo incerto, a necessidade de substituição temporária da empregada BB, ausente por Baixa por Doença Profissional.
J. A Autora iniciou a sua prestação de trabalho para a Ré em 13/3/2000, data em que celebrou com a empresa "Empresa-B, Lda." um Contrato de Trabalho Temporário para prestar a sua actividade laboral inerente à categoria profissional de Operador Especializado 1º Escalão ao Utilizador "Empresa-A, Lda.".
K. A Autora integrava o 3º turno, cumprindo o horário das 0h00 às 8h30.
L. O contrato de trabalho temporário foi celebrado pelo período de seis dias, de 13/03/2000 a 19/3/2000, tendo sido sucessivamente renovado até 20/11/2000, data em que a Autora celebrou novo contrato de Trabalho Temporário com a mesma empresa "Empresa-B, Lda.", para prestar a sua actividade inerente à mesma categoria profissional ao Utilizador "Empresa-A, Lda.", ou seja, à aqui Ré.
M. A Ré "Empresa-A, Lda.", resultou da alteração da designação da "...Portuguesa, Lda.", tendo a Autora continuado a prestar a sua actividade no mesmo local onde já trabalhava desde 13/3/2000, sito no Parque Industrial das Carrascas, Palmela, Pinhal Novo, mantendo-se ininterruptamente ao serviço desde a referida data.
N. A Autora celebrou em 3/01/01 um contrato de trabalho temporário com a "Empresa-C", com início naquela data e termo em 31/01/2001, para prestar a sua actividade laboral à Utilizadora, "Empresa-A, Lda.".
O. Os contratos de trabalho temporário celebrados entre a Autora e as empresas de Trabalho Temporário, para prestar trabalho à Ré, empresa utilizadora, foram sempre justificados pela Ré por acréscimo de trabalho que determina a necessidade de recurso a mão de obra temporária.
P. O contrato referido na alínea N) renovou-se automaticamente.
Q. A Autora trabalhou para a Ré ao abrigo daquele contrato até 12 de Março de 2001.
R. Cinco dias depois, a Ré contactou a Autora e admitiu-a mediante a celebração do contrato de trabalho a termo incerto menciona na alínea A).
S. Em 19 de Março de 2001, já a trabalhadora da Ré, BB se encontrava de Baixa.
T. A Ré pagou à Autora os montantes descriminados no documento n.º 3 junto com a contestação designadamente Euros 1.270,60 a título de aviso prévio.
Factos constantes da base instrutória:
1. Em Janeiro de 2001, a Ré disse à Autora que se fosse inscrever na "Empresa-C, Lda.", para assinar contrato de trabalho temporário com esta empresa, porque já não trabalhavam com a "Empresa-B" (resposta ao Quesito 1º).
2. A Autora trabalhou para a Ré ao abrigo do contrato de trabalho temporário com a "Empresa-C" desde 3 de Janeiro de 2001 até 12 de Março de 2001, sendo que, nesta data, foi para casa (resposta ao Quesito 2°).
3. A. No dia 19 de Março de 2001, a Autora regressou para a Ré, ao abrigo do escrito referido em A), da matéria de facto assente, tendo ido trabalhar para o mesmo sector onde já antes trabalhava (resposta ao Quesito 3°A) .
3- B. Cumprindo o mesmo horário continuou a integrar o 3° turno, das 0h00 às 8h30) – (resposta ao Quesito 3° B.
4. Exercendo as mesmas funções (resposta ao Quesito 4º).
5. Mantendo a mesma categoria profissional e a mesma retribuição (resposta ao Quesito 5°).
6. A Ré tem a sua unidade fabril organizada em duas áreas, a Área A (Fabrico) e a Área B (Montagem), sendo que cada Área se subdivide ainda em dois sectores, que para uma melhor compreensão se esquematizam da forma seguinte:
ÁREA B (Montagem) ÁREA A (Fabrico)
Área B Área A
Rádios Rádios
Área B Área A
Módulos Módulos
(resposta ao Quesito 7°).
7. Durante a vigência do seu contrato de trabalho a termo, a Autora trabalhou no Departamento de Manufactura e Produção Electrónica da Ré, mais especificamente, na área do fabrico de módulos (resposta ao Quesito 8°).
8. A BB trabalhou na Área B (Rádios), sector onde se procede à montagem final dos auto rádios, sendo que, antes de entrar na situação de baixa, a BB trabalhava na Área A (rádios), sector onde se procede ao fabrico dos rádios (resposta ao Quesito 9°).
9. Das funções que desempenhar, descri tas na trabalho (Doc. 1), a A. seguintes:
- inserção manual, trabalhos de soldadura, operação de equipamentos electrónicos, pequenas reparações, inspecções pré-estabelecidas no produto ou materiais e limpeza da área de trabalho (resposta ao Quesito 10°) .
10. Desde que iniciou a sua prestação laboral à Ré, em 12 Março de 2000, a Autora exerceu as seguintes tarefas, sempre na Área A (Fabrico) - Módulos: começou por fazer inserção manual (Drop in), ou seja, preenchia as placas de conector para os rádios, com os seus elementos (resposta ao Quesito 11°) .
11. A partir de Janeiro de 2001, após ter recebido formação profissional para o efeito, passou a fazer pequenas reparações nos conectores (resposta ao Quesito 12º).
12. A partir de Julho ou Agosto de 2001 passou para a reparação do cluster Fiat, onde fazia também pequenas reparações (resposta ao Quesito 13°).
13. No inicio de 2002, a Autora passou para as Máquinas de Auto Inserção (Máquinas MVII, FCM, HDP e MPM), onde procedia ao abastecimento e vigiava o seu funcionamento, funções em que se manteve até à cessação do seu contrato de trabalho, ou seja, até 16 de Julho de 2004 (resposta ao Quesito 14°).
14. A Área A (Fabrico) e a Área B (Montagem) situam-se ambas no Departamento de Manufactura e Produção Electrónica da Ré, dentro da mesma nave empresarial, existindo 12 linhas de produção, sendo que, por reporte ao processo produtivo, estão afectos, por razões de organização contabilística e financeira, centros de custos distintos. Cada área, embora possua uma estrutura organizacional idêntica, possui, no entanto, engenheiros, técnicos e operadores de produção distintos, sem prejuízo da rotatividade destes últimos, sendo que o processo produtivo é sequencial, já que o produto não transita para a área de montagem sem antes ter percorrido a área de fabrico (resposta ao Quesito 15°).
15. A Ré é uma empresa do grupo Empresa-A, com instalações fabris localizadas em Palmela, dedicando-se à fabricação de diversos componentes para automóveis (rádios, compressores, air handlers e CCO - air conditioned controls) - resposta ao Quesito 16°.
16. A Fábrica da Ré está dividida entre Departamento de Produção de Compressores e Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica (resposta ao Quesito 17°).
17. O Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica da Ré é constituído pelas áreas do Fabrico ou "Board Preparation" (Rádios e Módulos) e da Montagem ou "Final Assembly" (Rádios e Módulos) - resposta ao Quesito 18°.
18. A cada uma das áreas do Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica da Ré, referidas nos artigos precedentes, corresponde um número de centro de custos relativo ao tipo de produto, para efeitos financeiros e contabilísticos (resposta ao Quesito 19°) .
19. O número de cada centro de custos consta dos recibos de vencimento dos trabalhadores que em determinado momento se encontram a desempenhar funções na respectiva área, para controlo da mesma e para os fins referidos no artigo anterior (resposta ao Quesito 20º).
20. O número de centro de custos não tem qualquer correspondência com "postos de trabalho" ou com as funções que cada trabalhador desempenha, nem constitui um qualquer direi to do trabalhador a uma determinada área (resposta ao Quesito 21°).
21. O modo de funcionamento de todo o Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica da Ré, o qual engloba todas as áreas supra referidas, caracteriza-se por não existirem "postos de trabalho fixos" mas sim "posições de trabalho rotativas" dos Operadores, ou trabalhadores da Produção (resposta ao Quesito 22°).
22. Assim, o mesmo trabalhador pode prestar serviço alternadamente em posições distintas dentro da mesma linha de produção e em outras linhas de produção dentro do Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica (resposta ao Quesito 23°).
23. Quando são contratados pela Ré, os Operadores não são contratados para linhas de produção especificas, podendo ser colocados em qualquer linha e em qualquer área dentro do Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica (resposta ao Quesito 24°) .
24. Os Operadores poderão ser colocados na área do Fabrico (Rádios e Módulos) ou na área da Montagem (Rádios e Módulos), de acordo com as necessidades de trabalho existentes em cada área (resposta ao Quesito 25°).
25. Em cada momento, a Ré organiza o funcionamento do seu Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica, de acordo com as necessidades de produção existentes (resposta ao Quesito 26°) .
26. Em função dessas necessidades, a Ré distribui e coloca os trabalhadores - Operadores de Produção nas diversas posições em cada área e em cada linha (resposta ao Quesito 27°) .
27. As necessidades em cada área (Fabrico ou Montagem, Rádios ou Módulos) e em cada linha são variáveis, dependendo da produção requerida pelos clientes (resposta ao Quesito 28°) .
28. Havendo trabalhadores excedentes numa linha ou área, são os mesmos colocados em posições em linhas ou área onde haja posições de trabalho que devam ser ocupados (resposta ao Quesito 29°).
29. Caso os trabalhadores existentes não sejam suficientes para preencher todas as posições de trabalho existentes, a Ré contrata outros trabalhadores através de contrato de utilização de trabalho temporário ou através de contrato de trabalho a termo (resposta ao Quesito 30°) .
30. Os Operadores que se encontram a trabalhar na área do Fabrico ou "Board Preparation" de Rádios podem passar para os Módulos e vice-versa (resposta ao Quesito 31º).
31. Os processos de produção são muito similares, apenas mudando o tipo de produto (resposta ao Quesito 32°) .
32. Pode suceder que o número de linhas de produção de Rádios tenha de ser reduzido e o volume de produção de Módulos tenha de ser aumentado, situação em que os Operadores que se encontravam afectados à produção dos Rádios são transferidos para as linhas de produção de Módulos (resposta ao Quesito 33°) .
33. Os Operadores que se encontram a trabalhar na área da Montagem de Rádios podem igualmente passar para os Módulos e vice-versa (resposta ao Quesito 34º).
34. Os processos de montagem são muito similares, apenas mudando o tipo de produto (resposta ao Quesito 35°) .
35. Pode suceder que o número de linhas de montagem de Módulos tenha de ser reduzido e o volume de produção de Rádios tenha de ser aumentado, caso em que os Operadores que se encontravam afectados à montagem dos Módulos são transferidos para as linhas de montagem de Rádios (resposta ao Quesito 36°) .
36. O mesmo pode suceder entre os Operadores que trabalham nas áreas do Fabrico e da Montagem (resposta ao Quesito 37°) .
37. É frequente a mudança de Operadores dentro de cada uma das áreas do mesmo Departamento e entre cada uma das áreas dentro do Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica da Ré (resposta ao Quesito 38°) .
38. Os Operadores da Ré são contratados para desempenhar um conjunto de funções amplo e polivalente, que lhes permite, após formação específica e geral, desempenhar as funções de Operador em qualquer área e em qualquer turno do Departamento de Manufactura e Produção de Electrónica (resposta ao Quesito 39°) .
39. Os Operadores prestam as suas funções de forma rotativa, em equipa e em diversas posições na linha de produção (resposta ao Quesito 40°).
40. As tarefas executadas pelos Operadores de Produção da área do Fabrico ou "Board Preparation" (Rádios e Módulos) e da área da Montagem ou "Final Assembly" (Rádios e Módulos) estão compreendidas no descritivo funcional mencionado sob a alínea a) (resposta ao Quesito 41º).
41. Durante a vigência do seu contrato de trabalho a termo, a Autora exerceu funções de Operadora de Produção, sendo especificamente as enunciadas nos artigos 10° a 14°, da base instrutória (resposta ao Quesito 42°).
42. Durante a vigência do seu trabalho a termo, a Autora trabalhou no Departamento de Manufactura e Produção Electrónica da Ré, mais especificamente, na área do fabrico de módulos (resposta ao Quesito 43°).
43. A Autora desempenhou as funções referidas nos artigos 10° a 14°, da base instrutória, no Departamento de Manufactura e Produção Electrónica da Ré, mais especificamente na área do fabrico de módulos, tendo transitado, em determinada altura, do 3° para o 2 ° turno, mudou de linha e exerceu as funções em equipa e de forma rotativa (resposta ao Quesito 44°) .
44. A trabalhadora BB foi admitida pela Ré para, com a categoria de Operadora Especializada, "desempenhar as funções que consistirão essencialmente, mas não exclusivamente, em manufacturar componentes e subgrupos, inserção manual, carregamento e descarregamento de materiais aos produtos em processo, trabalhos de soldadura, armazenagem, movimento e contagem de materiais, operação de equipamentos electrónicos ou (electromecânicos, pequenas reparações, inspecções pré-estabelecidas no produtos ou materiais, ajustes e calibrações elementares, cálculos matemáticos elementares, colheita de dados, preparação de relatórios escritos pré-estabelecidos, manutenção da continuidade da produção ou da sua interrupção sempre que for necessário parta manter a qualidade do produto, limpeza da área de trabalho, limpeza e lubrificação do equipamento e outras que, dentro do mesmo género, venham a ser indicadas pela Empresa-A, LTD"(resposta ao Quesito 45°) .
45 A trabalhadora BB trabalhou na Área B (rádios), sector onde se procede à montagem final dos auto rádios, sendo que, antes de entrar na situação de baixa, a BB trabalhava na Área A (rádios), sector onde se procede ao fabrico dos rádios (resposta ao Quesito 46°) .
46. Também esta trabalhadora não detém, nem detinha, qualquer "posto de trabalho fixo", antes exerceu as funções supra indicadas de forma rotativa e nas diversas posições existentes na linha de produção (resposta ao Quesito 47°).
47. Durante o período de vigência do contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré, ou seja, de 19.03.2001 a 16.07.2004, a referida trabalhadora esteve ausente do trabalho em virtude de baixa médica por doença profissional (resposta ao Quesito 48°) .
48. Essa trabalhadora tinha com a Ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado (resposta ao Quesito 49°) .
49. No período indicado - de 19/03/2001 a 16/07/2004 a Ré não contratou outro trabalhador, para além da Autora, para substituir a trabalhadora BB (resposta ao Quesito 50°).
50. Em 19 Março de 2001 havia necessidade de ocupação de uma posição de trabalho de Operador de Produção na área do Fabrico (Módulos) - resposta ao Quesito 51º.
51. Havendo uma necessidade de trabalho de Operador e porque a trabalhadora BB continuava ausente do trabalho, a Ré decidiu proceder à substituição dessa trabalhadora a partir de 19 de Março de 2001 (resposta ao Quesito 52°) .
52. Dado que a Autora tinha já experiência, em vez de contratar outro trabalhador a Ré decidiu contratar a Autora (resposta ao Quesito 53°) .
53. Com efeitos a partir de 16 de Julho de 2004, a trabalhadora BB rescindiu o seu contrato de trabalho (resposta ao Quesito 54°).
54. Após haver tomado conhecimento desse facto, a Ré agiu como indicado na alínea g) dos factos assentes (resposta ao Quesito 55°).
55. Quando a Autora foi colocada ao serviço da Ré, ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, previa-se um acréscimo de produção na área de Módulos (resposta ao Quesito 56°).
56. O volume de produção da Ré na área dos onde a Autora desempenhou funções, foi em de 2000, de 55 511 (resposta ao Quesito Módulos, Fevereiro 57°) .
57. Em Março de 2000, foi de 62 725 (resposta ao Quesito 58°).
58. Em Maio de 2000, foi de 65 559 (resposta ao Quesito 59°) .
59. Em Outubro de 2000, foi de 65 750 (resposta ao Quesito 60°).
60. Em Novembro de 2000, foi de 79 205 (resposta ao Quesito 61°).
61. Em Dezembro de 2000, devido às férias, foi de 60 148 (resposta ao Quesito 62°).
62. O volume de produção da Ré, na área dos módulos, onde a Autora desempenhou funções, continuou a subir até ao ano de 2002/2003 (resposta aos Quesitos 63° e 64°).
63. Se a trabalhadora BB estivesse ao serviço em 19 de Março de 2001, poderia ser colocada a desempenhar uma posição de operador de produção na área do fabrico de módulos ou uma posição onde fosse necessária (resposta ao Quesito 65°).
São estes os factos.

3- DIREITO

3.1.
Recordemos que a pretensão da Autora se estriba na inveracidade do motivo, aduzido no texto contratual, para justificar a sua contratação precária por parte da Ré: a necessidade de substituição temporária de uma trabalhadora em situação de baixa por doença.
Sabemos também que as instâncias divergiram na solução jurídica da questão:
- a 1ª instância sustentou a veracidade desse motivo, dizendo que a operacionalidade organizativa da Ré pressupunha a necessária mobilidade de todos os trabalhadores genericamente integrados no seu Departamento de Manufactura e Produção Eléctrica;
- o Tribunal da Relação afirmou o contrário, com o argumento de que, ao longo de mais de quatro anos, nunca as funções exercidas pela Autora coincidiram com aquelas que a trabalhadora substituída alguma vez exerceu.
Assim o objecto da revista, reflectido no núcleo conclusivo recursório, consiste em saber se deve, ou não, ser havida como lícita a contratação a termo incerto da Autora, ancorada na aduzida substituição da trabalhadora temporariamente incapacitada por doença.
3.2.1.
Tendo em conta a data da celebração do contrato em análise – 19 de Março de 2001 – a questão sub-judice deve ser apreciada à luz do complexo normativo condensado no D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (L.C.C.T.), com as alterações introduzidas pela Lei n.º 38/96, de 31 de Maio – cfr. art.º 8º n.º 1 da Lei n.º 19/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho.
Estando constitucionalmente consagrada aos trabalhadores a garantia de segurança no emprego que, “inter alia”, implica a proibição dos despedimentos sem justa causa (cfr. art.º 53º da Lei Fundamental, na redacção introduzida pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro), compreende-se que o legislador ordinário tivesse a cautela de só admitir a contratação a termo com carácter excepcional e de molde a minimizar os riscos de ultrapassagem daquela garantia.
Reportando-nos ao acervo legal aqui atendível, essa contratação só era admitida nas circunstâncias enumeradas taxativamente no art.º 41º n.º 1 da L.C.C.T..
Nos termos da alínea A) desse preceito, na sua redacção originária, o contrato a termo é admitido no caso de “… substituição temporária do trabalhador que, por qualquer razão, se encontra impedido de prestar serviço ou em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude do despedimento”.
O n.º 2 do mesmo inciso estipulava, por seu turno, que a celebração de contratos a termo, fora do circunstancialismo elencado no n.º 1, importa a nulidade da estipulação do termo (versão aqui conferível).
Também o art.º 42º n.º 1 al. E) do mesmo diploma impõe que o contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, seja reduzido a escrito e contenha, entre o mais, o “… prazo estipulado com indicação do motivo justificativo ou, no caso de contratos a termo incerto, da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifique a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído”.
Referindo-se especificamente ao contrato a termo incerto, o art.º 49º seguinte estabelece que tal contrato “… dura por todo o tempo necessário à substituição do trabalhador ausente ou à conclusão da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifica a sua celebração”.
Ainda no domínio da conformação legal dos pressupostos da contratação precária, o art.º 3º n.º 1 al. A) da Lei n.º 38/96 veio dispor que “… a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41º e com a alínea E) do n.º 1 do artigo 42º (do D.L. n.º 64-A/89) … só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo” (sublinhado nosso).
Perante as divergências de entendimento em redor do alcance visado pelos referidos arts. 41º n.º 1 e 42º n.º 1 al. E), o legislador parlamentar de 1996, ao editar aquela Lei n.º 38/96, pretendeu clarificar o pensamento legislativo, dissipando quaisquer dúvidas quanto à necessidade de mencionar no texto contratual, em concreto, os factos e circunstâncias que justificam a aposição do termo contratual.
Por isso se diz que o motivo justificativo da contratação laboral a termo integra uma formalidade “ad substantiam” que, como tal, deve estar suficientemente explicitado no documento que titula o vínculo.
Compaginando os preceitos citados, verifica-se que a validade do termo resolutivo impõe:
1- que se mostrem vertidos no texto contratual factos recondutíveis a algum dos tipos legais de justificação plasmados no referido art.º 41º n.º 1;
2- que esses factos tenham correspondência com a realidade.
A necessidade de verificação cumulativa dos referidos pressupostos constitui um mero corolário do carácter excepcional da contratação a termo e do princípio da tipicidade funcional emergente do citado art.º 41º n.º 1: o contrato a termo só é admitido para certos fins e na estrita medida em que esses fins o justifiquem.
De resto, as exigências legais nesta matéria têm vindo a ser sucessivamente reforçadas, como aconteceu, ainda no complexo normativo de pretérito, com a Lei n.º 18/2001, de 3 de Julho.
Na verdade, este diploma deu nova redacção ao art. 3º da Lei n.º 38/96, aditando ao seu n.º 1 a expressão “… devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”, conferiu ao seu n.º 2 uma redacção, segundo a qual “… a prorrogação do contrato a termo por período diferente do estipulado inicialmente está sujeita aos requisitos materiais e formais da sua celebração e contará para todos os efeitos como renovação do contrato inicial”, aditou ao n.º 2 do art.º 41º do D.L. n.º 64-A/89 a expressão “… adquirindo o trabalhador o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa” e acrescentou a esse mesmo art. 41º os n.ºs 3 e 4, em que consignou, respectivamente, que “… a estipulação do termo será igualmente nula, com as consequências previstas no número anterior, sempre que tiver por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo” e que “… cabe ao empregador o ónus da prova dos factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo 3º da Lei n.º 38/96, de 31 de Agosto”.
Estas acrescidas exigências são expressão de princípios basilares do direito laboral, como a favorabilidade, a irrenunciabilidade, a tipicidade e a oficiosidade, em decorrência da natureza peculiar do contrato de trabalho, caracterizado pelo vínculo de subordinação jurídica e económica do trabalhador à sua entidade patronal.
Por via desses princípios, não surpreende, aliás, que a doutrina e a jurisprudência já viessem sufragando a aplicabilidade, no regime anterior, de muitas das soluções introduzidas pela Lei n.º 18/2001, mormente no que respeita às consequências do incumprimento das normas imperativas da contratação precária, plasmadas no D.L. n.º 64-A/89.
Assim acontecia – no que ora particularmente releva – com:
- a nulidade da estipulação do termo, prevista no citado art. 41º n.º 2, cujo efeito jurídico já se equiparava à conversão automática do contrato em contrato sem termo, certo que a lei não determinava a nulidade do vínculo, que permanecia válido, mas a simples nulidade de termo;
- o ónus da prova sobre a existência de circunstâncias justificativas do recurso à contratação precária, em cujo domínio já se entendia – maioritariamente, ao que cremos – dever cometer à entidade patronal a prova da veracidade do motivo.
Nesta última vertente, convém recordar que, configurando a contratação a prazo um regime excepcional, que contraria o princípio-regra contido no art.º 53º do Texto Fundamental, compreende-se que a prova dos respectivos pressupostos, designadamente a veracidade do motivo elencado, deva recair sobre quem utiliza esse regime excepcional, ou seja, o empregador.
A este propósito sustenta o Prof. Pedro Martinez que “… Esta referência (a referência expressa da lei ao encargo probatório do empregador) seria, em princípio, desnecessária, porque a solução já decorria do regime geral de distribuição da prova: se o empregador se faz valer de um motivo para apor uma determinada cláusula, tem de o provar” (in “Direito de Trabalho”, 3ª ed., págs. 651 e 652; no mesmo sentido, cfr. o Ac. desta Secção de 6/3/03, lavrado na Revista n.º 4179/02).
3.2.2.
Importa clarificar, desde logo, que a Autora nunca questionou a validade formal do contrato, designadamente a desconformidade legal do motivo elencado no texto vinculístico.
A sua censura corporiza-se, tão-somente, na inveracidade do sobredito motivo.
À luz do complexo normativo cotejado, já sabemos que a contratação precária só é válida se vier a confirmar-se que as razões aduzidas no documento que a titula tiveram efectiva correspondência na prestação laboral concretamente oferecida.
No caso específico do art.º 41º n.º 1 al. A) da L.C.C.T., torna-se mister que o trabalhador contratado tenha ido exercer as mesmas funções que vinham sendo exercidas pelo trabalhador substituído.
Em contrapartida, já não será necessário que esse exercício pressuponha o desempenho das mesmas tarefas que o trabalhador substituindo vinha efectuando.
Quanto a estas, a sua concreta determinação cabe ao empregador, cujo “poder de direcção” lhe permite fixar os termos em que o trabalho deve ser prestado, ainda que com o necessário respeito pelo conteúdo funcional da categoria profissional do trabalhador, de quem se exige, por seu turno, obediência à entidade patronal em tudo o que respeite à execução e disciplina no trabalho, salvo se e na medida em que as ordens e instruções se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias – respectivamente, arts. 39º n.º 1 e 30º n.º 1 da L.C.T. (também aqui aplicável).
Como quer que seja, torna-se de todo evidente que, no confronto entre as funções exercidas pelos dois trabalhadores para os efeitos questionados nos autos, é necessário que haja entre elas uma proximidade bastante que permita sustentar a validade da substituição invocada.
3.2.3.
De harmonia com a organização operacional da Ré, os trabalhadores do seu “Departamento de Manufactura e Produção Eléctrica” prestam as suas funções de forma rotativa, dentro das diversas áreas desse departamento, não detendo qualquer “posto de trabalho” fixo.
Se nos cingíssemos à polivalência que esta organização pressupõe, pareceria de todo irrelevante que a Autora tivesse ido trabalhar para a Secção de Módulos, não obstante a trabalhadora substituída se encontrar a laborar, à data da baixa, na Secção de Fabrico e Montagem de Rádios, certo que essas duas Secções se integram no assinalado Departamento.
Poder-se-ia dizer que se tratava apenas de diferentes tarefas, decorrentes das necessidades pontuais da Ré, sendo puramente aleatória – e, por isso, irrelevante – essa divergência ocasional.
Em contrapartida, também será forçoso reconhecer que uma tal organização – se a ela nos devêssemos cingir – teria a virtualidade de impedir o exercício de qualquer poder censório do Tribunal sobre a veracidade do motivo aduzido em abono da contratação precária, designadamente quando esse motivo se reconduzisse, como aqui acontece, à substituição de trabalhadores: a falada polivalência e as conveniências pontuais da entidade patronal constituíram, em todas as circunstâncias, argumento bastante e infalível para a pretendida justificação.
Ora, o julgador não deverá permitir válvulas de escape que subvertam por complexo o desiderato legal.
Assim, a solução da causa deverá exigir uma mais aprofundada ponderação.
Convém recordar que a Autora prestou trabalho à Ré, inicialmente ao abrigo de contratos de trabalho temporário e, mais tarde, no âmbito do questionado contrato a termo incerto, durante mais de quatro anos, fazendo-o sempre na área de fabrico de módulos.
Ademais, entre a cessação da utilização decorrente dos contratos de trabalho temporário e o início da vinculação laboral a termo mediaram apenas cinco dias, tendo a Autora “… ido trabalhar para o mesmo sector onde já antes trabalhava, cumprindo o mesmo horário, exercendo as mesmas funções e mantendo a mesma categoria profissional” – cfr. factos n.ºs 3- A, 3- B, 4 e 5 -.
É dizer que a celebração do contrato a termo não só não alterou as funções anteriormente exercidas (até 5 dias antes) pela Autora como, tão-pouco, as concretas tarefas que também lhe estavam cometidas.
Ao invés, a trabalhadora substituída, cujo impedimento pré-existia à data em que a Autora a foi “substituir”, exercia as suas funções na área de montagem de rádios e ultimamente, na do seu fabrico.
Esta realidade, evidenciada durante um lapso temporal de relevante duração, vem demonstrar, como bem salienta a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, que “… nunca existiu uma correspondência entre o posto de trabalho e a área de produção ocupada pela Autora e as que haviam sido ocupadas pela trabalhadora substituída, BB”.
Neste contexto como é possível validamente associar a contratação da Autora à invocada substituição?
Nem se diga, como faz a Ré, que as funções atendíveis não eram, no caso, as que a trabalhadora substituída desempenhava à data da baixa mas, pelo contrário, as que ela iria desempenhar se tivesse regressado ao serviço em 19/3/01, ou seja, à data em que a Autora foi admitida ao serviço por contratação precária.
Sem deixar de reconhecer que esta tese é teoricamente correcta, a verdade é que ela se limita a emitir um mero juízo de prognose que, por hipotético, nunca seria passível de qualquer prova, o que sempre impediria o seu controlo pelo Tribunal, em ostensiva derrogação dos comandos legais que disciplinam a contratação a termo.
De resto, nem de “substituição indirecta” se poderia falar: esta modalidade pressupõe que o trabalhador temporariamente impedido seja substituído por outro trabalhador da empresa que, por sua vez, seria substituído pelo contratado a termo.
Os autos não evidenciam essa ocorrência.
Devemos concluir, em suma, que a factualidade provada nos leva a entender que a Autora não foi contratada para substituir a BB, sendo consequentemente inverídico o motivo invocado para a sua contratação.
Mas, ainda que dúvidas houvesse nessa matéria, sempre é certo que a incerteza probatória daí decorrente reverteria inelutavelmente contra a Ré, nos termos já expostos supra – art.º 519º do Código de Processo Civil.

4- DECISÃO
Em face exposto, acordam em negar a revista, confirmando o Acórdão impugnado.
Custas pela recorrente.

Lisboa 26 de Setembro de 2007
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Vasques Dinis