Acordam, em conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça:
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A expropriada AA arguiu a nulidade e requereu a reforma do acórdão da Relação de 26.6.2020.
Porém, o Tribunal da Relação julgou improcedentes estes pedidos por acórdão de 10.11.2020.
Inconformada, apresentou-se a expropriada a interpor recurso de revista do acórdão de 10.11.2020, recurso que não foi admitido, por despacho de 1.2.2021, com fundamento no disposto no nº 5 do art. 66º do Código das Expropriações.
Reclamou a expropriada desse despacho, com o fundamento de que não estava em causa aquela norma do Código das Expropriações (porque o recurso não era interposto da decisão que a fixou, mas do acórdão posterior) mas apenas as nulidades e a violação do art. 662º do CPC.
Todavia, o relator indeferiu a reclamação e manteve o despacho do relator da Relação de Coimbra que não admitiu o recurso.
Com a seguinte fundamentação:
“(…) o referido art. 66º, nº 5 limita o recurso para o Supremo: não pode ser também interposto recurso de questões referentes aos vícios formais ou substanciais da decisão que fixa a indemnização e que sejam instrumentais em relação a ela (cfr. Ac. STJ de 7.6.2018, proc. nº 1389/15.2T8VCT.G1.S1 e Ac. STJ de 24.4.2104, proc. nº 48/07.4TBLLE.E2.S1, ambos em www.dgsi.pt. E se não pode ser interposto recurso do acórdão que fixa o valor da indemnização, com fundamento naquelas questões, também não pode ser objecto de recurso um acórdão posterior que as aprecie. Seria deixar entrar pela janela o que não pode entrar pela porta…
Aliás, mesmo que não se considerasse aplicável o art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações, nem pela aplicação das regras gerais poderia haveria recurso do acórdão de 10.11.2020.
Em primeiro lugar, o art. 671º, nº 1 do CPC limita o recurso de revista ao acórdão da Relação proferido sobre decisão da 1ª instância, que é o de 26.6.2020 e não o de 10.11.2020.
Em segundo lugar, o CPC não prevê o recurso do acórdão que indefere as nulidades ou a reforma: se as questões forem suscitadas no âmbito do recurso do acórdão não cabe recurso da decisão de indeferimento (art. 617º, nº 1 do CPC); se forem suscitadas posteriormente, por desse acórdão não caber recurso, os Juízes da Relação proferem decisão definitiva sobre as questões suscitadas (art. 617º, nº 5 do CPC ex vi art. 666º). Não existe uma terceira via.
O acórdão de 10.11.2020 não admite, assim, recurso autónomo de revista, em qualquer circunstância.”
Reclama agora a expropriada para a conferência, rematando a sua reclamação com as seguintes conclusões:
“O recurso de revista interposto pela recorrente tem por objecto o Douto Acórdão de fls...., que julgou improcedente a arguição de nulidade e o pedido de reforma do Acórdão proferido em 26 de Junho de 2020.
- Em causa não está decisão que tenha tido por objecto a fixação da indemnização, mas sim decisão que decidiu pela improcedência das arguidas nulidades e pela não verificação dos pressupostos do incidente da reforma.
Razão pela qual entende que não tem aqui aplicação o disposto no art.º 66.º, n.º 5 do C.Exp. já que se refere expressamente, e apenas, à irrecorribilidade do Acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização devida.
- Em causa está a reapreciação de questão que unicamente foi suscitada junto do Tribunal da Relação e que, assim sendo, apenas foi objecto de um nível de decisão.
- O recurso de revista á admissível já que em causa está uma decisão do Tribunal da Relação que admitiu como meio de prova documento ilícito assim declarado por decisão judicial transitada em julgado
- Impedir-se a reapreciação desta concreta decisão proferida pelo Tribunal da Relação estar-se-ia a violar de modo grave o princípio da segurança jurídica e da confiança jurídicas decorrentes do princípio constitucional do Estado de Direito Democrático previsto no artigo 2º da C.R.P., bem como o princípio da tutela jurisdicional efectiva e o processo equitativo, previsto no art.º 20.º da C.R.P..
- Impedir-se a reapreciação desta concreta decisão proferida pelo Tribunal da Relação quanto a arguidas nulidades e quanto a um pedido de reforma, é o mesmo que dizer que não importa que tenha sido proferida uma decisão em total violação dos deveres que legalmente estão impostos para a sua prolação.
- Na verdade, a recorrente colocou em causa o conhecimento de uma prova que de modo algum podia ter sido conhecida precisamente porque se trata de documento que por sentença transitada em julgado foi declarado ilícito, e o Tribunal a quo não apreciou, sequer, esta nulidade!
- A ideia de legalidade e justiça, aliada também à ideia de eficiência, é um valor fundamental.
- Não se podem fazer interpretações que ponham em causa os direitos, as liberdades e as garantias, consagrados na Constituição, incluindo o direito fundamental da tutela jurisdicional efetiva, com toda a densidade inerente
- Não é por certo desta forma que se vai de encontro ao fim último que se pretende da acção dos Tribunais, que é obtenção da JUSTIÇA MATERIAL.
- Não se pode, assim, considerar aplicável ao presente recurso o disposto no art. º 66.º, n.º5 do C.Exp., e o recurso de revista apresentado pela recorrente, deve ser recebido e prosseguir os seus normais termos. “
Cumpre decidir:
Insiste a reclamante que não está em causa a decisão sobre o valor da indemnização, mas sim a decisão sobre a nulidade e o pedido de reforma, razão pela qual não tem aplicação o art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações, que estatui o seguinte: “Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização. “
Além disso, considera que não se verifica aqui a razão de ser da limitação recursória do art. 66º, nº 5 do CE, uma vez que as questões suscitadas o foram apenas junto do Tribunal da Relação.
Todavia, e em relação a esta última questão, dir-se-á, desde já, que a razão de ser da restrição recursória não é a de permitir a discussão das mesmas questões ao longo de três níveis de jurisdição e vedar a discussão delas a um quarto nível. É, antes, a de não permitir que a discussão da fixação do valor exceda os três graus de jurisdição, a não ser nos casos em que é sempre admissível recurso, o que não é o caso.
Ora, o recurso de revista da decisão que se pronunciou sobre a nulidade e sobre o pedido de reforma poderia ter reflexos na decisão que fixou o valor de indemnização e, assim, frustrar os três níveis de jurisdição, o que o legislador não pretende. E, por isso, se entende que não são admissíveis recursos para o Supremo de decisões interlocutórias que possam afectar a decisão final de fixação da indemnização, ou de questões respeitantes a vícios formais ou substanciais dessa mesma decisão (v. Ac. STJ de 18.9.2013, proc. nº 1100/11.7TBCHV-B.P1.S1, em www.dgsi.pt). E se não pode ser interposto recurso de decisões interlocutórias ou do acórdão que fixa o valor da indemnização, com fundamento naquelas questões (processuais ou substantivas) também não pode ser objecto de recurso um acórdão que as aprecie posteriormente. Como salienta o despacho do relator, seria deixar entrar pela janela o que não pode entrar pela porta. O acórdão que fixa o valor da indemnização é, em regra, o acórdão final.
Mas ainda que não se considerasse aplicável o art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações, nunca o recurso teria cabimento segundo as regras gerais, como frisa o despacho do relator. O CPC não prevê o recurso do acórdão que indefere as nulidades ou a reforma: se as questões forem suscitadas no âmbito do recurso do acórdão não cabe recurso da decisão de indeferimento (art. 617º, nº 1 do CPC); se forem suscitadas posteriormente, por desse acórdão não caber recurso, os Juízes da Relação proferem decisão definitiva sobre as questões suscitadas (art. 617º, nº 6 do CPC ex vi art. 666º).
Insurge-se, porém, a reclamante contra o facto de tal recurso não poder caber nas regras gerais, na medida em que o acórdão da Relação omite a apreciação decorrente de se considerar para efeitos de prova um documento que, por sentença transitada em julgada, foi declarado ilícito, o que viola o princípio da segurança jurídica e da confiança decorrentes do princípio constitucional do Estado de Direito democrático previsto no art. 2º da CRP e o princípio da tutela jurisdicional efectiva e do processo equitativo previsto no art. 20º do mesmo diploma fundamental.
Todavia, é sabido que as decisões não padecem de inconstitucionalidade. Apenas a interpretação das normas. E a reclamante não procede à indicação daquelas que considera inconstitucionais (cfr. Ac. STJ de 14.11.2006, proc. 06A1986, em www.dgsi.pt).
Improcede, assim, a arguição da inconstitucionalidade.
Sumário:
“1. O art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações limita o recurso para o Supremo: não pode ser interposto recurso de questões referentes aos vícios formais ou substanciais que sejam instrumentais em relação à decisão que fixa a indemnização nem interposto recurso de acórdão que aprecie posteriormente tais questões;
2. Ainda que não fosse aplicável o art. 66º, nº 5 do Código das Expropriações, sempre se teria de entender, de acordo com as regras gerais, que do acórdão posterior, que indefere as nulidades ou o pedido de reforma, não caberia recurso autónomo de revista;
3. Com efeito, o CPC não prevê o recurso do acórdão que indefere as nulidades ou o pedido de reforma: se as questões forem suscitadas no âmbito do recurso do acórdão não cabe recurso da decisão de indeferimento (art. 617º, nº 1 do CPC); se forem suscitadas posteriormente, por desse acórdão não caber recurso, os Juízes da Relação proferem decisão definitiva sobre as questões suscitadas (art. 617º, nº 5 do CPC ex vi art. 666º); não existe uma terceira via.
Pelo exposto, acorda-se em indeferir a impugnação e confirmar o despacho que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, com a taxa de justiça em 2 (duas) UC.
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Lisboa, 22 de Junho de 2021
O relator António Magalhães
(Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020 de 13.3., atesto o voto de conformidade dos Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos Jorge Dias e Maria Clara Sottomayor, que não assinaram, por não o poderem fazer).