Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99B528
Nº Convencional: JSTJ00037511
Relator: SOUSA INÊS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO FINANCEIRA
PROCEDIMENTOS CAUTELARES
REQUISITOS
Nº do Documento: SJ199907010005282
Data do Acordão: 07/01/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Área Temática: DIR PROC CIV - PROCED CAUT.
Legislação Nacional: DL 171/79 DE 1979/06/06 ARTIGO 26.
DL 149/95 DE 1995/06/24 ARTIGO 16 N2 ARTIGO 21 N1 N4 ARTIGO 24 N1.
CPC61 ARTIGO 302 ARTIGO 304 ARTIGO 381 ARTIGO 387 ARTIGO 399 ARTIGO 401.
Sumário : I - São requisitos do procedimento cautelar de entrega judicial e de cancelamento de registo de locação financeira, nos termos do artigo 21º do DL 149/95, de 24 de Junho, a resolução do contrato e a não restituição do bem locado.
II - Na vigência do CPC61 não era requisito daquele procedimento o fundado receio de lesão do direito do locador.
III - O que é susceptível de precludir o direito do locador à resolução é o pagamento das rendas em dívida e respectiva sanção, e não a reclamação do seu pagamento a uma seguradora sem que haja notícia de esta ter pago pelo locatário.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :

A, intentou, a 10 de Agosto de 1995, contra B procedimento cautelar de entrega judicial e cancelamento de registo, nos termos do artº 21º, aplicável por força do artº 24º, nº 1, do Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, pedindo a entrega imediata do veículo automóvel com a matrícula 78-58-CB à requerente, bem como o cancelamento do registo de locação financeira.
Por douta sentença de 21 de Setembro de 1995 do Décimo-Juízo do Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, foi inteiramente deferida a pretensão da requerente; isto assim, por se ter julgado que ocorrem os requisitos do predito artº 21º, nº 4, a saber, ter o contrato de locação financeira celebrado entre a requerente, como locadora, e a requerida, como locatária, findado por resolução e não ter a locatária procedido à restituição do veículo; e acrescentou-se na sentença existir, por parte da locadora, fundado receio de lesão por ser facto notório o desgaste que sofre um veículo automóvel, com a inerente desvalorização, pelo simples decurso do tempo, ainda que a viatura esteja imobilizada.

A requerida B agravou deste despacho alegando que viola o disposto nos artºs 399º e 401º do Cód. de Procº. Civil, por três razões que sintetiza em outras tantas conclusões da sua douta alegação, a saber: inexistência de probabilidade do direito da locadora por ser contrária à boa fé a exigência do pagamento quando existe a favor da locadora seguro-caução que lhe garante esse pagamento; serem os prejuízos da recorrente, como resultado da apreensão, dificilmente reparáveis e superiores aos da requerente; e não existir fundado receio de lesão dos direitos da locadora dada a existência de seguro caução que cobre os eventuais danos da locadora.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por douto Acórdão de 22 de Outubro de 1998, deu provimento ao agravo, revogou o despacho recorrido, julgou improcedente a providência cautelar e ordenou o levantamento da apreensão do veículo.
A Relação fundamentou a sua decisão no facto (por ela adicionado aos adquiridos pelo despacho recorrido) da existência de um "contrato de seguro que garante precisamente o pagamento de doze rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo", contrato este que a locadora «fez funcionar» pelo que «a mora ficou sanada com o accionamento do seguro» o que torna a procedência «injustificada».

Foi a vez de a locadora recorrer, mediante agravo interposto na segunda instância.
Na respectiva douta alegação a locadora sustenta que no Acórdão que impugna se cometeu a nulidade de excesso de pronúncia, com violação do disposto nos artºs 660º, nº 2, segunda parte, aplicável por força doa artºs 690º, nº 1, e 684º, nº 3, do Cód. de Procº. Civil; e, em todo o caso, que o Acórdão recorrido está errado, tendo violado o disposto no artº 21º, nºs 1 e 4, do Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.
A locatária não alegou.
A Relação, pelo Exmº Relator, entendeu não fazer uso da faculdade de suprimento da nulidade (artºs 668º, nº 4, e 744º, do Cód. de Procº. Civil de 1995).
O recurso merece conhecimento.
Vejamos se merece provimento.
A matéria de facto adquirida no Acórdão recorrido não vem impugnada, nem há lugar à respectiva alteração, pelo que, em obediência ao disposto no artº 713º, nº 6, aplicável por força do disposto nos artºs 749º e 762º, nº 1, todos do Cód. de Procº. Civil de 1995, remete-se, nesta parte, para os termos do Acórdão recorrido No Acórdão recorrido cometeu-se lapso de escrita ao passar-se da fls. 188 vº para a 189, onde se «saltou» do facto nº 6 do despacho recorrido, para o nº 8, de tal sorte que no Acórdão faltam os nºs 7 e 8 e se amalgamaram os nºs 6 e 8 do despacho. Trata-se de lapso de fácil correcção pela simples leitura sem influência no objecto do presente recurso..

Comecemos pela arguida nulidade de excesso de pronúncia.
Segundo a recorrente, a Relação cometeu a nulidade de excesso de pronúncia por se ter ocupado da existência de um seguro que garante à locadora o pagamento das rendas devidas pela locatária.
Não assiste razão à recorrente, neste segmento.
A questão do seguro integra os fundamentos primeiro (inexistência do direito da locadora a receber as rendas da locatária dado existir seguro que lhe garante esse pagamento, sendo mafiosa a exigência do pagamento feito à locatária) e terceiro (não ter a locadora receio fundado de lesão por estar garantida por seguro).
Por isto, ao conhecer destas questões, a Relação não se excedeu.
Não se mostram violados os preceitos legais que a recorrente, a propósito, invoca.
Vejamos, agora, o outro fundamento do recurso.
De harmonia com o disposto no artº 26º do Dec-Lei nº 171/79, de 6 de Junho, aplicável por o contrato ajuizado ser de 12 de Janeiro de 1993,
« O contrato de locação financeira pode ser resolvido por qualquer das partes, nos termos gerais, com fundamento no incumprimento das obrigações que assistam à outra parte (...)».
E, nos termos do disposto no artº 21º, aplicável por força do artº 24º, nº 1, do Dec. Lei nº 149/95, de 24 de Junho,
«1- Se, findo o contrato por resolução, (...) o locatário não proceder à restituição do bem do locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo.
2. Com o requerimento, o locador oferecerá prova sumária dos requisitos previstos no número anterior.
............................................................................
4. O tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria de verificação dos requisitos referidos no nº 2 (...)».
São, assim, requisitos do decretamento desta providência:
a) a resolução do contrato;
b) a não restituição do bem locado.
O fundado receio de lesão do direito do locador não é requisito desta providência (nas causas julgadas com aplicação do Cód. de Proc. Civil de 1961).
Na verdade, a ele se não refere o artº 21º do Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho.
É certo que, de harmonia com o artº 21º, nº 8, deste diploma legal,
«São subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Cód. de Procº. Civil (...)».
Considerando que o presente procedimento ingressou em juízo no dia 10 de Agosto de 1995, as disposições gerais aqui em causa são as dos artºs 302º a 304º e 381º a 387º do Cód. de Procº Civil de 1961, as quais se não referem ao dito requisito do fundado receio.
A locatária, no agravo, invocou o disposto nos artºs 399º e 401º daquele Código, respeitantes a providências cautelares não especificadas, mas pelo que se acabou de dizer, estes preceitos legais não são convocáveis para regular este especial procedimento cautelar privativo do contrato de locação financeira.
Todavia, no Acórdão recorrido o que se pôs em crise foi aquele primeiro requisito, o da resolução do contrato, a qual não poderia ter sido desencadeada pela locadora já que esta se encontrava garantida pelo seguro que accionou.
Não é assim.
O que seria capaz de precludir o direito da locadora à resolução do contrato seria a purga da mora, ou seja, o pagamento das rendas em dívida e das sanções pecuniárias respectivas A partir da entrada em vigor do Dec-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, a preclusão faz-se mediante o pagamento do montante em dívida, acrescido de cinquenta por cento, no prazo de oito dias contados da data da notificação da resolução do contrato - artº 16º, nº 2 - para os novos contratos..
E não o simples facto de a locadora interpelar a seguradora para pagar as rendas do contrato de locação financeira.
Ora, a Relação não alcançou o facto do pagamento (nem mesmo das rendas do contrato de locação financeira em singelo), feito pela seguradora à locadora.
Só alcançou que a locadora reclamou da seguradora um pagamento.
Mas acontece que o contrato de seguro em causa, diz a Relação «garante precisamente o pagamento de doze rendas trimestrais referentes ao aluguer de longa duração do veículo Land Rover Discovery 78-58-CB».
Não são estas as rendas cuja falta de pagamento motivou a resolução do contrato a que a locadora procedeu.
O contrato celebrado entre as partes foi de locação financeira.
O contrato de aluguer de longa duração cujas rendas têm o seu pagamento garantido pelo seguro é, necessariamente, outro, o celebrado com a ora recorrida B e o seu cliente a quem ela o alugou.
Por isto mesmo é que a seguradora, por carta de 12 de Setembro de 1994, recusou à então A, ora recorrente, o pagamento do que ela reclamou, dizendo:
«(...) a responsabilidade assumida por esta companhia em todas as apólices de seguro de Caução contratadas pela B, destinou-se a garantir o pagamento das rendas devidas à B pelos locatários de veículos sob o regime de aluguer de longa duração, como decorre inquestionavelmente do regime contratual acordado com a referida empresa, constante dos protocolos que anexamos à presente» Claro que o conteúdo desta carta não se casa com o da carta fotocopiada a fls. 98, o que não passa despercebido. De qualquer modo, uma coisa é certa e se repete: a Relação não estabeleceu como facto o pagamento feito pela seguradora à recorrente A; e é isto que conta..
E só um ano depois, a 10 de Agosto de 1995, é que a A ingressou em juízo o requerimento do procedimento cautelar.

Concluiu-se, assim, que a resolução a que a recorrente procedeu, com fundamento na mora convertida em incumprimento definitivo, foi regular, à luz do disposto nos artºs. 26º do Dec. Lei nº 171/79, de 6 de Junho, e 808º, nº1, segundo segmento, do Cod. Civil, conjugados com os factos números cinco a oito (devidamente corrigidos pela pertinente leitura feita nos termos acima referidos na nota 1 deste Acórdão).
Por isto, resulta que no Acórdão recorrido se violou o disposto no artº 21º, nºs. 1 e 4, do Decº Lei nº 149/95, de 24 de Junho, de onde ter que ser revogado.
Mas acontece, ainda, que a Relação não apreciou o segundo fundamento do agravo, a que se referem os artºs 44º a 49º da alegação da B, a fls.7, e a sua segunda conclusão, a que se refere o artº 56º, a fls. 8, de onde se dever proceder como determinado no artº 762º, nº2, do Cód. Procº. Civil de 1995.
Pelo exposto, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em revogar o Acórdão recorrido e em mandar que a Relação, pelos mesmos Exmos Desembargadores, se possível, conheça do objecto do recurso a que se refere o anterior parágrafo deste Acórdão.
Custas pela agravada.
Lisboa, 1 de Julho de 1999.
Sousa Inês,
Nascimento Costa,
Pereira da Graça.