Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2896/17.8T8LOU-A.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: FÁTIMA GOMES
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
ESCRITURA PÚBLICA
EMPRÉSTIMO
OBRIGAÇÕES
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE O RECURSO , CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 639.º, N.º 1, 703.º, N.º 1, ALÍNEA B) E 707.º.
Sumário :

Constitui título executivo a escritura pública de declaração unilateral de hipoteca que visa garantir empréstimo obrigacionista no montante de quatro milhões de euros, mediante a emissão de quarenta obrigações com opção Put (opção de venda), celebrado por dois anos, entretanto decorridos e sem que o reembolso tenha acontecido.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I. Relatório
1. A Exequente AA, Ld.ª intentou execução para pagamento de quantia certa contra a Executada BB, S.A., com vista à cobrança coerciva da quantia de € 6.571.028,17.
No requerimento executivo a Exequente identifica como título executivo a certidão de uma escritura pública de declaração unilateral de hipoteca e invoca (transcrição):
“1. Em 26.11.2014, por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de ..., a fls. 79 e seguintes do Livro 203-M de Escrituras Diversas, a EXECUTADA declarou ter procedido, nessa mesma data à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de 4.000.000,00 € (quatro milhões de euros), mediante a emissão de quarenta obrigações, com opção de venda (put option), com o valor nominal unitário de cem mil euros, a taxa fixa, por subscrição particular e directa e por tomada firme por CC - Doc.1.

2. As obrigações emitidas têm a natureza ordinária, assumindo a forma de representação escritural, na modalidade ao portador, materializadas pela inscrição em conta aberta junto do Banco "DD, S.A" e têm um prazo de maturidade de dois anos a contar da data da liquidação financeira das Obrigações, a ocorrer no dia da subscrição/realização - Doc.1.

3. As obrigações, conforme se retira da acta da Assembleia Geral de 23 de Outubro de 2014, adiante junta como Doc.1, conferem o direito de exigir o reembolso pela sociedade emitente a um valor de 150% do valor nominal das obrigações, se durante o período de duração do empréstimo obrigacionista se verificasse a ocorrência de qualquer uma das seguintes situações em relação à sociedade emitente ora Executada:
- Se a Emitente fosse objecto de operação de cisão ou fusão ou se desse azo à interrupção ou suspensão das suas actividades comerciais;
- Se os actuais accionistas e/ou seus herdeiros legais e comprovadamente habilitados,deixassem de deter, directa ou indirectamente, a maioria do capital social e/ou dos direitos de voto da Emitente;
- Se a Emitente deixasse de ter regularizadas as suas contribuições à Segurança Social, assim como quaisquer outras taxas ou impostos que fossem devidos em razão de quaisquer bens que lhe pertencessem ou dos seus negócios, excepto se, de boa-fé e fundamentadamente, apresentasse reclamação graciosa/impugnação ou se se prevalecer de qualquer outro meio processual ou procedimental que a lei pusesse ao seu dispor, dentro dos prazos legais;
- Se durante o segundo ano do empréstimo e até ao fim do penúltimo mês a sociedade efectivasse o negócio de venda ou tendente à venda do imóvel prestado em garantia pela sociedade, consubstanciado em contrato-promessa de compra e venda, registo provisório de aquisição, escritura pública de compra e venda, ou qualquer outra forma de alienação/limitação da propriedade e/ou posse do imóvel, desde que por valor mínimo de EUR 6.000.000,00 (seis milhões de euros) ou de maioria significativa (superior a 50%) do capital da própria sociedade;
- No caso de não verificação do negócio mencionado no parágrafo anterior, durante os últimos trinta dias do empréstimo.

4. A taxa de juro nominal anual aplicável a cada um dos períodos de juros do empréstimo obrigacionista foi fixada em 7,5% - Doc.1.

5. Para garantia do integral reembolso das obrigações e o cumprimento das obrigações certas e eventuais de reembolso até ao montante de 6.000.000 €, bem como do pagamento dos respectivos juros, a Executada constituiu a favor de CC, NIF [...], HIPOTECA voluntária sobre imóvel de sua propriedade, a saber prédio misto denominado “...”, sito no [...] e na matriz predial sob os artigos 447 Rústica, 19, 23, 24, 25, 80, 354, e 376, Urbanos, actualmente, correspondentes aos artigos 444 rústicos e 2542, 2548, 2550, 2552, 2636, 2996 e 3022 da União de Freguesias de ..., ... e ... - Doc.1.

6. À escritura identificada em 1, foram Arquivadas: 1) a acta contendo a deliberação da Assembleia dos Accionistas de 23-10-2014; 2) duas actas contendo as deliberações do Conselho de Administração da Executada e 3) o Parecer do ROC, cf. tudo os Doc. nº 1, 2, 3 e 4, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, bem como os demais adiante referenciados.

7. Também em 26.11.2014., CC subscreveu as 40 obrigações identificadas em 1 e ordenou a transferência do montante respectivo para a conta bancária da Executada, entregando-lhe o preço da subscrição, o qual foi recebido, cf. docs. nº 5 e 6.

8. Em 21-10-2016, o Sr. CC vendeu à ora Exequente “AA – Lda.”, as 40 obrigações representativas da totalidade do empréstimo obrigacionista emitido pela executada – cf. doc. nº 7.

9. Em 25-10-2016, a ora exequente enviou à executada, uma carta registada com aviso de recepção, solicitando diversas informações sobre prédio - cf. doc. nº 8 - a fim de verificar se se preenchiam, ou não, os requisitos de que dependia o exercício do direito de opção pelo reembolso antecipado (opção de venda), bem como consultou a certidão do registo predial.

10. Face à ausência de quaisquer informações sobre a transmissão do imóvel e à ausência de qualquer menção no registo predial, a Exequente, comunicou à Executada o exercício do direito de opção pelo reembolso antecipado (opção de venda) das 40 obrigações detidas, o qual produziu efeitos a dia 18-11-2016 - Doc.9.

11. Foi, ainda, a Executada interpelada para proceder ao pagamento integral do preço de exercício, no montante global de 6.000.000,00 euros, na data do vencimento das obrigações, em 26.11.2016, acrescido do montante juros decorridos desde o dia 27-11-2015, até à data do exercício da opção de reembolso antecipado, calculado à taxa de juro nominal fixa de 7,5% ao ano, os quais totalizavam à data, o montante global de 293.427,66 euros - Doc.9.

12. Até ao presente e apesar de por diversas vezes interpelada após o vencimento das obrigações, a executada não procedeu a qualquer pagamento.

13. Ao montante em dívida acrescem juros moratórios legais, à taxa de 7%, conforme o disposto no Aviso nº 8671/2016 de 12.07. e no Aviso 2583/2017, de 14.03. e art. 102º § 3º do Código Comercial, desde 27.11.2016, nos termos do preceituado no artigo 805º nº 2 al. a) do Código Civil que desde já se liquidam no montante de € 277.600,51 bem como os demais que se produzirem, às taxas que vierem a ser fixadas, até efectivo e integral pagamento.
14. A dívida é certa, líquida e exigível.

Nas declarações complementares do requerimento executivo é apontado o seguinte:
Documento 1 - titulo executivo - Certidão da escritura pública de declaração unilateral de hipoteca outorgada em 26-11-2014;
Documento 2 - Acta contendo a deliberação da Assembleia dos Accionistas de 23-10-2014;
Documento 3 - Acta contendo as deliberações do Conselho de Administração da Executada;
Documento 4 - Parecer do ROC;
Documento 5 - Subscrição das obrigações;
Documento 6 - Comprovativo do pagamento da subscrição das obrigações;
Documento 7 - Contrato de venda das obrigações;
Documento 8 - Carta registada com AR de 25-10-2016 solicitando informações sobre o prédio;
Documento 9 - Carta registada com AR recebida em 18-11-2016 comunicando o exercício do direito de opção pelo reembolso antecipado (opção put).

A Executada deduziu os presentes embargos, que correm por apenso à execução, concluindo pela extinção da execução.
Invoca, em síntese: i) a ineptidão do requerimento executivo; ii) a inexistência de título executivo por considerar que a escritura pública de declaração unilateral de hipoteca não é título executivo bastante, por não constituir ou reconhecer qualquer obrigação, sendo que os outros documentos que acompanham o título executivo não têm os requisitos exigidos no art.º 707.º do C.P.C., limitando-se a aludir a obrigações futuras; iii) pronuncia-se ainda sobre a relação material que está na base da hipoteca constituída e invoca a nulidade da cláusula de reembolso e vencimento antecipado.

A Exequente contestou, pugnando pela improcedência das excepções dilatórias invocadas, impugnando os factos apresentados e concluindo pela improcedência dos embargos. Quanto à alegada inexistência de título executivo, refere, em síntese, que se encontram juntos aos autos todos os documentos que o compõem e que o formulário electrónico do citius é que obriga a que se indique apenas um documento como título executivo, deles decorrendo expressamente que foi emitido um empréstimo obrigacionista.

2. Foi realizada audiência prévia, tendo o tribunal de 1ª instância julgado procedente a excepção dilatória da inexistência de título executivo, com a consequente extinção da execução, no entendimento de que a prova do crédito futuro que surgiria com a subscrição das obrigações por CC terá de ser feita por documento com força executiva própria, estando o crédito da Exequente depende da verificação de uma condição que não se sabe se se verificou.

3. A Exequente/Embargada interpôs recurso de apelação, conhecido e decidido pelo Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 8 de Novembro de 2018, decidiu:
“julga-se o presente recurso intentando pela Embargada parcialmente procedente, em consequência do que se revoga em parte a decisão recorrida, alterando-se a mesma no sentido de passar a considerar a existência de título executivo válido quanto ao valor de €4.000.000,00 (quatro milhões de euros) correspondente ao crédito pelo reembolso do capital do empréstimo obrigacionista contratado.”

4. Não se conformando com esta decisão, dela interpõe agora recurso de revista, a mesma Exequente/embargada, recurso que foi admitido pelo tribunal recorrido a fls… 174, com efeito devolutivo, nada havendo a obstar ao mesmo, atendendo ao disposto no art.º 854.º do CPC, em conjugação com o disposto no art.º 671.º, n.º1 do CPC.

Nas suas conclusões da revista indica (transcrição):

1. Vem a presente Revista interposta do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que julgou parcialmente improcedente o recurso e considerou inexistente o título executivo para a parte da quantia exequenda correspondente ao exercício do direito de opção pelo reembolso antecipado (opção Put) e, em consequência, julgou o recurso apenas parcialmente procedente considerando existente e válido o título executivo quanto ao valor de € 4.000.000,00 em vez de € 6.000.000,00 como se pretendia com o recurso.

2. A Recorrente não pode concordar com o teor desta decisão, pois considera que tal decisão consubstancia uma errada aplicação da lei de processo, nomeadamente do artigo 703º n. 1 b) e 707º CPC.
3. Entende o Tribunal da Relação do Porto que a escritura oferecida como título executivo prevê a constituição de obrigações futuras e que os documentos apresentados pela Exequente determinam que se diferencie o crédito peticionado em duas partes em relação às quais a certeza da sua existência é “totalmente diferente”.

4. Refere que os documentos bancários são suficientes para fazer prova da constituição da obrigação futura relativa ao empréstimo obrigacionista de € 4.000.000,00 — pelo que existe título executivo para exigir o seu reembolso —, o mesmo não considerando em relação ao reembolso do valor de € 2.000.000,00 corrrespondente ao exercício da «put option» que conferia à Exequente/Recorrente o direito de exigir o reembolso de 150% do valor nominal das obrigações.

5. Porém, entende a Recorrente que tal como os documentos bancários emitidos pelo Banco DD demonstram que a obrigação prevista na escritura foi constituída nos termos ali previstos, também a correspondência junta aos autos com o requerimento executivo, nomeadamente as duas cartas registadas enviadas pela Exequente à Executada em 25-10-2016 e em 18-11-2016 demonstram o cumprimento pela Exequente das formalidades previstas na escritura para a Exequente/Recorrente tivesse o direito de exigir o reembolso de 150% do valor nominal das obrigações.

6. De facto, a escritura prevê que as obrigações teriam opção Put (opção de venda), pelo que, nos termos das deliberações da assembleia geral da sociedade executada a que faz referência a escritura e que a esta se encontram anexas, conferiam o direito de exigir o reembolso pela sociedade emitente a um valor de 150% do valor nominal das obrigações, se durante o período de duração do empréstimo obrigacionista se verificasse a ocorrência de qualquer uma das seguintes situações ali descritas em relação à sociedade emitente.

7. As obrigações, conferiam o direito de exigir o reembolso pela sociedade emitente a um valor de 150% do valor nominal das obrigações se nos últimos trinta dias de duração do empréstimo obrigacionista a sociedade (1) não efectivasse o negócio de venda ou tendente à venda do imóvel prestado em garantia pela sociedade, consubstanciado em contrato-promessa de compra e venda, (2) registo provisório de aquisição, (3) escritura pública de compra e venda, ou (4) qualquer outra forma de alienação/limitação da propriedade e/ou posse do imóvel, desde que por valor mínimo de EUR 6.000.000,00 (seis milhões de euros), ou (5) de maioria significativa (superior a 50%) do capital da própria sociedade.

8. Os documentos bancários emitidos pelo Banco DD tem o mesmo valor probatório das cartas registadas com aviso de recepção remetidas pela Exequente à executada: em 25-10-2016, solicitando diversas informações sobre prédio a fim de verificar se se preenchiam, ou não, os requisitos de que dependia o exercício do direito de opção pelo reembolso antecipado (opção de venda); e, em 10-11-2016, através da qual exerceu o direito de opção pelo reembolso antecipado (opção de venda) das 40 obrigações detidas, o qual produziu efeitos a dia 18-11-2016, face à ausência de quaisquer informações sobre a transmissão do imóvel e à ausência de qualquer menção no registo predial.

9. A ponderação diferenciada da prova documental junta pelo Tribunal da Relação do Porto quanto à verificação da obrigação futura prevista na escritura que serve de título executivo, no entender da Recorrente consubstancia uma errada aplicação da lei de processo, nomeadamente do artigo 707º CPC.

10. De realçar que a executada na sua oposição não contrariou a verificação do evento pelo qual a Exequente passou a ter o direito de exigir o reembolso pela sociedade emitente a um valor de 150% do valor nominal das obrigações nem tão-pouco negou ter recebido as supra citadas missivas, limitando-se a alegar a nulidade da cláusula de reembolso e vencimento antecipado que a própria fixou (unilateralmente) nas condições do empréstimo obrigacionista.

11. Além da escritura que foi indicada como título executivo, da qual fazem parte integrante todos os seus anexos que fixam — unilateralmente pela executada — todas as condições da emissão e reembolso do empréstimo obrigacionista, a Recorrente juntou, ainda, todos os documentos que comprovam a concretização do negócio e posterior incumprimento, após vencimento/maturidade, pela executada que confessou que nenhum dos requisitos se verificou, o que garantiu automaticamente ao tomador das obrigações o reembolso de 150% do valor nominal das obrigações, ou sejam, de EUR 6.000.000,00 (seis milhões de euros).

12. Face ao exposto, o Tribunal da Relação deveria ter julgado o recurso intentado pela Embargada totalmente procedente e, em consequência, ter revogado integralmente a decisão recorrida, alterando-se no sentido de passar a considerar a existência de titulo executivo quanto ao valor de € 6.000.000,00 correspondente ao crédito pelo reembolso de 150% do valor nominal das obrigações.

Nestes termos, e sempre com o douto suprimento de V. Exas., Venerandos-Conselheiros, deve ser revogado o acórdão recorrido, substituindo-a por outro que julgue o recurso intentado pela Recorrente totalmente procedente e, em consequência, os embargos totalmente improcedentes, considerando existente titulo executivo quanto ao valor de € 6.000.000,00, correspondente ao crédito pelo reembolso de 150% do valor nominal das obrigações, acrescido dos juros convencionados vencidos e vincendos, assim se fazendo a tão costumada Justiça!

Não foram apresentadas contra-alegações pela embargante/executada, nem solicitada ampliação da revista ou interposto recurso subordinado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir

II. Fundamentação

5. Os factos relevantes para a apreciação do presente recurso são os que foram tidos como provados pelo tribunal de 1ª instância, que não foram impugnados e que se referem quer à alegação feita pela Exequente nos pontos 1 a 14 do requerimento executivo (cf. relatório) quer na escritura pública de declaração unilateral de hipoteca junta aos autos e nos restantes documentos juntos pela Exequente sob os n.º 2 a 9 (também enunciados no relatório) e que se dão como inteiramente reproduzidos, à semelhança do que já havia sido efectuado no acórdão recorrido.

6. De acordo com a lei, o objecto do recurso delimita-se pelas conclusões do recurso - art.º 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do C.P.C., a que acrescem as questões de conhecimento oficioso- art.º 608.º n.º 2 in fine.

A única questão colocada no recurso prende-se, assim, com saber se requerimento executivo e os documentos anexos ao mesmo constituem título executivo que suporte a integralidade do valor da execução, muito em especial, se suportam a obrigação de reembolsar o empréstimo obrigacionista com o valor específico associado ao exercício da opção de reembolso antecipado por iniciativa do credor obrigacionista.

7. Vejamos a questão suscitada.

7.1. De acordo com a posição da Exequente/Embargada, o Tribunal a quo decidiu mal ao não considerar que “os documentos bancários emitidos pelo Banco DD demonstram que a obrigação prevista na escritura foi constituída nos termos ali previstos, para a integralidade do crédito invocado”, o que, associado à “correspondência junta aos autos com o requerimento executivo, nomeadamente as duas cartas registadas enviadas pela Exequente à Executada em 25-10-2016 e em 18-11-2016 demonstram o cumprimento pela Exequente das formalidades previstas na escritura para a Exequente/Recorrente tivesse o direito de exigir o reembolso de 150% do valor nominal das obrigações”, o que determinaria estarem reunidas as condições para se decidir pela existência de título executivo para a totalidade do valor da execução (conclusão 5).

Na sua opinião, a escritura pública de declaração de hipoteca que juntou como doc. 1, ao requerimento executivo, reúne todos os requisitos para constituir um título executivo válido, nos termos do art.º 703.º n.º 1, al. b) do C.P.C. e que sempre tem de entender-se que foram juntos com o requerimento executivo todos os documentos necessários e exigidos pelo art.º 707.º do C.P.C. que garantem a existência da dívida.

7.2. Sobre o ponto, depois de tecer considerações sobre os títulos executivos e explicitar o sentido da evolução legal, disse o Tribunal da Relação do Porto (transcrições parciais e com sublinhados nossos):
Feito este enquadramento teórico sintético, importa ter em conta a questão a decidir nos autos, que consiste em saber se os documentos apresentados pela Exequente com o requerimento executivo constituem título executivo relativamente à quantia exequenda peticionada, na medida em que, com excepção da certidão da escritura pública de declaração unilateral de hipoteca e da escritura de cessão de créditos, por ela são apresentados apenas documentos particulares, registando-se que todos eles são posteriores a 1 de Setembro de 2013, ou seja, são documentos emitidos já depois da entrada em vigor do actual C.P.C. à luz do qual têm de ser avaliados, não podendo por isso beneficiar do regime mais amplo previsto no anterior art.º 46.º do C.P.C. quanto aos documentos particulares que constituem títulos executivos.”

Quanto à escritura pública de declaração unilateral de hipoteca:
constitui título executivo, integrando a previsão do art.º 703.º n.º 1 al. c) do C.P.C. como defende a Recorrente.

Os motivos da conclusão foram os seguintes: é um documento exarado por notário, documento autêntico; importa o reconhecimento de uma obrigação; o título dá a conhecer de forma clara o conteúdo da obrigação do devedor, por contraponto ao direito do credor.

Para concluir que o documento envolve o reconhecimento de uma obrigação, disse-se:
Afigurando-se pacífico que tal documento não é constitutivo do direito de crédito que a Exequente pretende fazer valer nos autos, fundamentado num empréstimo obrigacionista, importa verificar se podemos dizer que o mesmo revela o reconhecimento da obrigação Exequenda pela Executada, ou antes se se refere a uma obrigação futura, caso em que o documento para valer como título executivo fica sujeito à verificação das condições previstas no art.º 707.º do C.P.C. O reconhecimento de uma obrigação só é possível quando essa obrigação já foi previamente constituída, ou seja, apenas pode ter lugar num momento temporalmente posterior à constituição da dívida. Da declaração unilateral de hipoteca junta não decorre que no momento da realização desta já tinha sido emitido o empréstimo obrigacionista que sustenta o crédito da Exequente, e que a hipoteca se destinou a garantir, sendo que só assim podia haver o reconhecimento da dívida dele resultante, por parte da Executada.
(…)
Considera-se por isso que a escritura em causa apenas prevê a constituição de obrigações futuras, pelo que só constitui título executivo se verificados os requisitos previstos no art.º 707.º do C.P.C.
(…) O legislador admite com esta previsão que alguns elementos da obrigação exequenda possam não constar do documento que serve de título executivo, mas de outro documento ou com força executiva própria ou emitido em conformidade com o documento autêntico ou autenticado apresentado como título executivo, considerando que tal constitui garantia de segurança suficiente para o devedor.
(…) No caso em presença, como já se referiu a escritura pública em causa prevê a constituição de uma obrigação futura decorrente de um empréstimo obrigacionista a realizar, pelo que, para poder servir de base à execução, nos termos da norma mencionada, o exequente tem de provar por documento que alguma prestação foi realizada ou que alguma obrigação foi constituída na sequência da previsão das partesa prova tem de ser feita ou por documento passado em conformidade com as cláusulas que constam do documento autêntico, ou por documento que autonomamente constitua título executivo.

Por entender que esta solução era a única que se coadunava com o elenco dos títulos executivos e prova adicional, no domínio da lei vigente à data dos factos e que se mantém actualmente inalterada, o tribunal passou a analisar documento a documento o seu conteúdo e forma, a fim de apurar se cumpriam os requisitos impostos na lei, e concluiu:
 “nenhuma dos documentos apresentados, com excepção da escritura pública de hipoteca e da escritura da cessão de créditos, são susceptíveis de integrar o elenco das espécies de títulos executivos previsto no art.º 703.º n.º 1 do C.P.C., não dispondo por isso de força executiva própria importa apurar se os documentos por ela juntos com o requerimento executivo são documentos que provam a constituição da obrigação e a realização da prestação, em conformidade com as cláusulas que constam daquela escritura pública de declaração unilateral de hipoteca que a prevêem.

De seguida o Tribunal descreveu e analisou cada um desses documentos. Só depois decidiu, conforme já se indicou.

7.3. Cremos que a decisão do tribunal recorrido está correcta, pelo que se reafirma o exposto no acórdão recorrido quando aí se diz que a escritura que constitui o título dado à execução, denominada declaração unilateral de hipoteca e da qual consta “Que a sociedade sua representada “BB procede com data de hoje à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de quatro milhões de euro, mediante emissão de quarenta obrigações com opção Put (opção de venda) a taxa fixa por subscrição particular e directa e tomada firme por CC, com o valor nominal unitário de cem mil euro. Que, as obrigações têm natureza ordinária assumindo a forma de representação escritural na modalidade ao portador exclusivamente materializadas pela sua inscrição em contas abertas em nome dos respetivos titulares na instituição de crédito adiante referida. Que, nos termos das anteditas deliberações foi aprovada a contratação do respetivo registo individualizado das respetivas obrigações com o Banco DD, S.A., com sede na Avenida ..., titular do número de identificação de pessoa colectiva e matriculado na Conservatória do Registo Comercial do ... sob o número quinhentos e três milhões duzentos e sessenta e sete mil e quinze, intermediário financeiro legalmente habilitado para os efeitos do disposto no art.º 61 b) e art. 63.º CMVM. Que, as obrigações terão um prazo de maturidade de dois anos a contar da data da liquidação”, não é, por si só, um documento autêntico que constitua ou reconheça a existência de uma dívida da executada à exequente, e muito menos do valor pedido na execução.

Quanto aos restantes documentos juntos com o requerimento executivo ( e que são: i) uma acta de 23/10/2014 da Assembleia Geral da Executada com deliberação sobre a aprovação de um empréstimo obrigacionista a conceder, mediante subscrição particular e tomada firme Sr. CC, com a emissão de 40 obrigações com o valor unitário de €100.000 (cem mil euros), nos termos melhor descriminados em tal documento; ii) uma acta de 28/10/2014 da reunião do Conselho de Administração da Executada que contém deliberação sobre o empréstimo obrigacionista aprovado em Assembleia Geral e delibera sobre a constituição de hipoteca para garantia das responsabilidades emergentes do mesmo, nos termos que melhor descrimina; iii) um relatório do ROC sobre a avaliação de imóveis da Executada; iv)  um documento datado de 26/11/2014 do Banco DD com Ordem de subscrição – emissão de obrigações da sociedade executada, com identificação do Investidor CC e assinado pelo investidor, manifestando o desejo de subscrever 40 obrigações da Executada, com o valor nominal de €100.000 (cem mil euros), autorizando o débito na sua conta bancária que identifica de €4.000.000,00; escritura 21/10/2016 de cessão de créditos sobre a Executada de CC, a favor da Exequente, nos termos que melhor constam do documento junto; v) um documento do Banco DD datado de 04/05/2017 que identifica como activos na conta bancária da Exequente, obrigações emitidas pela Executada no valor de €4.000.000,00; vi) uma carta datada de 25/10/2016 dirigida pela Exequente à Executada solicitando informações sobre o prédio hipotecado, e, vii) uma carta datada de 18/11/2016 dirigida pela Exequente à Executada, relativo ao exercício do direito de opção de reembolso antecipado, ao preço de 150% do valor nominal das obrigações emitidas), também eles não permitem sustentar, na integra, a tese da recorrente.

Ao invés, da análise do teor dos documentos indicados resulta que é fundamental distinguir duas partes no crédito que a Exequente pretende fazer nestes autos:
1ª parte - o montante do empréstimo obrigacionista de €4.000.000,00, cujo reembolso é reclamado na execução – o título executivo reconheceria uma obrigação futura e associado a documentos juntos estaria demonstrada a concretização do reconhecimento, por prova do pagamento do valor da subscrição dos €4.000.000,00 pelo Sr. CC.  É, assim, de aceitar a afirmação do tribunal recorrido quando diz: “Os documentos bancários são assim suficientes para fazer a prova de que se constituiu a obrigação futura prevista na escritura de hipoteca e cujo crédito esta visa garantir, sendo documentos emitidos de acordo com as cláusulas que constam da própria escritura de declaração unilateral de hipoteca em inteira conformidade com o que aí foi detalhadamente previsto, provando que o empréstimo obrigacionista foi feito, com a emissão e subscrição de obrigações no valor total de €4.000.000,00 precisamente na sequência da previsão que consta daquela mesma escritura, revelando que teve lugar a prestação a que ali se alude”; sempre se acrescentaria que o empréstimo foi celebrado por dois anos, entretanto decorridos, sem que o reembolso tenha acontecido – e os dois anos eram o elemento fundamental para determinar a data do vencimento da obrigação de reembolsar o investidor pelos fundos que cedeu, com contrapartida em juro e reembolso de capital; os fundos cedidos foram de €4.000.000,00;
2ª - o valor remanescente (€2.000.000,00), que se reporta ao alegado/invocado direito de opção da Exequente de reembolso antecipado das obrigações pelo valor de 150% do valor nominal das mesmas. Quanto a este alegado crédito, nem pelo requerimento executivo, nem pelos documentos juntos se consegue concluir que o crédito foi constituído/reconhecido – a sua constituição, tal como resulta das condições do empréstimo obrigacionistas, estaria dependente de factores de ordem diversa, alguns alternativos a outros (conforme cláusula do empréstimo), cuja comprovação de ocorrência/reconhecimento não está evidenciada documentalmente através de documento que possa servir de suporte a acção executiva – não bastava aqui o decurso do prazo de dois anos sobre a data da realização ou subscrição, mas o apuramento das circunstâncias que atribuiriam ao investidor um direito a reembolso antecipado (antes do vencimento) e com um prémio de 50% face ao valor da subscrição.Essa evidência não se pode considerar satisfeita pelo simples facto de a exequente alegar que lhe assiste tal direito e de ter juntado documentos em que invoca o mesmo direito, exigindo o seu cumprimento, junto da executada. É assim de subscrever o entendimento do tribunal recorrido quando afirma: “Não é minimamente segura a existência da dívida nessa parte, designadamente por não haver garantia documental de que se verificou algumas das condições necessárias à sua constituição, conforme as exigências do art.º 707.º do C.P.C., na medida em que os únicos documentos relevantes apresentados para esse efeito constituem correspondência dirigida pela própria Exequente à Executada, representando por isso uma declaração unilateral daquela, feita no seu próprio interesse. Este invocado direito sempre estaria sujeito à ocorrência de algumas situações relativas à sociedade emitente, que os documentos juntos não permitem considerar verificadas com um mínimo de segurança, sendo para tal totalmente insuficiente a carta enviada pela Exequente à Executada a pretender exercer o seu alegado direito ao reembolso antecipado.

Também não se considera que releve para infirmar esta conclusão a ideia avançada pela exequente quando diz que a executada “confessou essa dívida” (conclusão 11 – “confessou que nenhum dos requisitos se verificou”), ou não impugnou o direito ao accionamento da “put” nos embargos (conclusão 10).

 É que o teor dos embargos comporta, a nosso ver, uma clara impugnação e não reconhecimento dessa dívida, nem que seja pelo facto de se indicar que i) o Requerimento executivo era inepto; ii) inexistia título que pudesse fundar a execução; iii) uma cláusula de reembolso antecipado com o teor da indicada sempre seria nulo, por comportar juros usurários ou por representar um abuso de direito (cf. embargos a fls. 3 e ss.).

Também não se considera procedente o argumento da recorrente quando alega: “as duas cartas registadas enviadas pela Exequente à Executada em 25-10-2016 e em 18-11-2016 demonstram o cumprimento pela Exequente das formalidades previstas na escritura para a Exequente/Recorrente tivesse o direito de exigir o reembolso de 150% do valor nominal das obrigações.” É que as duas cartas até podem demonstrar que se cumpriram as formalidades para solicitar o reembolso antecipado, mas daí não decorre que as mesmas comprovem que estavam reunidas as circunstâncias de que dependeria esse “direito” de reembolso antecipado, o que são coisas muito distintas, nomeadamente quando estamos a tratar de assegurar a utilização de acção executiva. Não se trata aqui de dizer que o direito da exequente existe ou não, nem se a put foi bem exercida, mas apenas de decidir se pode utilizar a acção executiva para cobrança forçada do crédito que indica ter.

III. Decisão

Em face do exposto, julga-se o presente recurso improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 9 de Abril de 2019

Fátima Gomes

Acácio Neves

Fernando Samões