Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
27/14.5TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: SWAP
TAXA DE JURO
ESPECULAÇÃO
JOGO
CAUSA DO NEGÓCIO
ORDEM PÚBLICA
INTERPRETAÇÃO DA LEI
Data do Acordão: 05/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - DIREITO INSTITUCIONAL / SISTEMA FINANCEIRO EUROPEU / INSTRUMENTOS FINANCEIROS.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS.
Doutrina:
- Calvão da Silva, “Swap de taxa de juro: a sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da excepção do jogo e aposta”, R.L.J. n.º 3979, Abril – Maio 2013, 261.
- Pedro Boullosa Gonzales, “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica”, Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 4, Abril – 2013, 23.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. II, 3.ª ed., 852.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1245.º, 1247.º.
CÓDIGO DOS VALORES MOBILIÁRIOS (CMVM), COM A REDAÇÃO DADA PELO DEC.–LEI N.º 357-A/2007, DE 31-10: - ARTIGOS 2.º, N.º 1, AL. E), 289.º, N.º 1, AL. A), 295.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 8.º, N.º4, 99.º, AL. C),
REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS (RGICSF): - ARTIGO 4.º, N.º 1, AL. E).
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA N.º 2004/39/CE, DE 21-04: - ANEXO I, SECÇÃO C.
REGULAMENTO (UE) N.º 549/2013, DE 21-05.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 10/10/2013,
-VOTO DE VENCIDO NO ACÓRDÃO DE 29/01/2015,
-DE 11/02/2015.
Sumário : I - O contrato de swap de taxa de juro é um contrato nominado (art. 2.º, n.º 1, al. e) do CMVM e Regulamento (UE) n.º 549/2013, de 21-05) pelo qual as partes se obrigam ao pagamento recíproco de duas quantias pecuniárias no termo do período de contagem dos juros, embora o pagamento acabe por ser, em termos práticos, apenas um – o do saldo credor resultante da compensação entre as duas quantias –, calculadas por aplicação de taxas de juro determinadas (que podem ser ambos fixas, ambas variáveis, ou uma fixa e outra variável) a um certo montante pecuniário que nunca chega a ser trocado: o capital hipotético, virtual ou nacional.

II - O contrato de swap tem usualmente como função a cobertura do risco – mediante a sua transferência para uma entidade bancária ou a sua atenuação ou supressão – de variações desfavoráveis das taxas de juros de anteriores financiamentos (o denominado “hedging”), nada obsta que tal contrato seja utilizado com finalidades puramente especulativas (partilhadas ou não pelas partes) com base na evolução dessas taxas e sem ligação a qualquer outro contrato (o denominado “trading”), revestindo, nessa hipótese, uma natureza financeira.

III - Um instrumento derivado como é o swap pode ser utilizado sem ligação a um contrato subjacente – pois vive por si –, sendo que a circunstância de constar da lista de instrumentos financeiros da Directiva n.º 2004/39/CE, de 21-04, a conjugação entre o disposto nos arts. 295.º, n.º 1 e 289.º, n.º 1, al. a) do CMVM e a previsão da al. e) do n.º 1 do art. 4.º do RGICSF – de onde se extrai que as instituições financeiras estão habilitadas a negociar os instrumentos financeiros previstos no Anexo I, secção C, daquela directiva – e a primazia do direito comunitário sobre o direito nacional (n.º 4 do art. 8.º da CRP) levam a considerar que os swaps de taxa de juro com referência a um capital, quer real, quer hipotético ou nocional, que não têm como propósito direto de cobertura de risco, constituem instrumentos financeiros não proibidos por lei, como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real.

IV - A consagração legal do swap de taxa de juro (quer referido a um capital real quer a um capital nocional) afasta a hipótese de invalidação do contrato com base na violação da ordem pública ou na falta de causa, fraude à lei ou fim contrário à lei, já que ela o permite.

V - O contrato de swap distingue-se do jogo por o resultado depender de uma variável – a variação da taxa de juro – que não pode ser controlado por qualquer uma das partes, dispondo-se estas correr o correspondente risco com base na análise que façam do mercado. Na aposta, existe um desacordo relativamente à ocorrência de um evento e um investimento que é feito na expetativa de se comprovar (ou não) a sua verificação e subjaz-lhe um fim lúdico ao passo que, no swap, as partes estão de acordo relativamente à ocorrência de um evento (a subida ou descida da taxa de juro) e à admissão do correspondente risco, partindo daí para acordarem a sua transferência, actuando ambas com uma finalidade puramente económica e elaborando previsões racionais sobre a evolução desse risco. Daí que não seja aplicável ao swap o regime do art. 1245.º do CC, tanto mais que o mesmo, por ter um regime próprio, sempre estaria abarcado pela previsão do art. 1247.º do mesmo diploma.

V - A al. c) do art. 99.º da CRP é um preceito comprometido com a redação da CRP anterior à revisão de 1989 que impunha ao Estado a intervenção na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e controlo dos preços, a fim de combater atividades especulativas, sendo que a sua interpretação, assente nesse elemento histórico e integrada com outros preceitos (mormente, os relativos à iniciativa privada), arreda a hipótese de incluir no seu âmbito os swaps, ainda que reportados a um capital nocional.

Decisão Texto Integral:              

              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

  No Tribunal da Comarca do Porto, Porto – Inst. Central - 1ª Secção Cível - J1, AA, S.A., instaurou em 10 de Janeiro de 2014 a presente acção declarativa de processo comum contra o réu BB, S.A. – Sociedade Aberta, alegando que um contrato celebrado entre ambos em 06/10/2008, reestruturado em 25/03/2010, comercializado pelo réu sob a denominação de “swap” (na modalidade de permuta de taxa de juros), não é um verdadeiro contrato de swap, ou de permuta, de taxa de juros, mas sim um contrato especulativo, que não visa a cobertura de risco nem é derivado de uma qualquer realidade primária, redundando numa total abstração que o degrada em mera aposta e que o esvazia de objecto, sendo por isso nulo (artigos 1285º e 280º do Código Civil).

  De facto, os pagamentos recíprocos trimestrais fixados no contrato tiveram em conta um “montante nocional” de € 1.000.000,00 (um milhão de euros), valor que não está associado a quaisquer financiamentos ou obrigações que a Autora tivesse perante o Réu, não estando associado a qualquer realidade económico-financeira, a qualquer exposição ou contingência financeira da Autora, inexistindo qualquer derivação ou cobertura de risco.

  Por força da execução financeira do mencionado contrato, e já considerando a compensação de créditos e débitos em cada trimestre, o Réu pagou à Autora a quantia de € 3.099,89 e a Autora pagou ao Réu à quantia de € 58.386,53, pelo que o saldo é de € 55.286,64 a favor do Réu, montante que a Autora pretende que lhe seja restituído, por aplicação do disposto no art.º 289º do Código Civil.

  Conclui pedindo que se julgue a acção procedente e, em consequência, que seja declarado nulo o contrato celebrado entre ambos em 6 de Outubro de 2008 (relativo a um produto financeiro que o Réu comercializava sob a denominação de swap, na modalidade de permuta de taxa de juros), contrato que foi reestruturado em 25 de Março de 2010, com as legais consequências, nomeadamente, a restituição à Autora do valor global resultante da diferença entre os créditos e os débitos relativos à sua execução, no montante de € 55.286,64, acrescido de juros legais até efetivo e integral pagamento.

    Citado, o Réu apresentou contestação, invocando, em síntese, que o contrato celebrado não é meramente especulativo, uma vez que o valor nocional fixado não é um valor abstrato, mas sim um valor resultante da vontade da Autora em reduzir a sua exposição ao risco de subida da taxa de juro para uma parte da sua dívida remunerada (superior a € 1.000.000,00).

    De facto, a celebração do contrato teve como ativo subjacente um conjunto de financiamentos da Autora, contratados junto de outros Bancos, indexados à Euribor 3 Meses, que totalizavam um valor claramente superior a € 1.000.000,00, quer no momento da contratação, quer durante toda a vida do contrato, facto que foi aliás debatido nos vários contactos/reuniões que tiveram lugar, entre os representantes da Autora e do Réu, em datas anteriores à celebração do contrato (e sua reestruturação), tendo igualmente o Réu dado cumprimento às obrigações de informação ao cliente, legalmente previstas.

    Por fim, o Réu invocou a existência de abuso de direito por parte da Autora, na modalidade de venire contra factum proprium, na medida em que vem agora invocar vícios contra uma realidade (operação de swap) que foi conscientemente negociada, contratada e efetivada em Outubro de 2008 e renegociada e reconfirmada em Março de 2010, que se manteve em execução durante mais de 3 anos e que terminou em 08/01/2012.

   Concluiu no sentido da total improcedência da ação e sua consequente absolvição do pedido.

   A Autora respondeu à matéria de excepção reiterando os fundamentos e factos plasmados na petição inicial, reafirmando que a causa de pedir dos presentes autos nunca se colocou ao nível da omissão do dever de informação ou de incumprimento contratual do Réu, mas sim ao nível do caráter abstrato e meramente especulativo do contrato dos autos, o que não é afastado pelo facto de a Autora deter responsabilidades financeiras, maioritariamente até noutras instituições bancárias, como alega o Réu.

    O processo prosseguiu termos, e foi elaborado despacho saneador - sentença, datado de 24/03/2015, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu o réu BB, S.A., do pedido.

   Apelou a Autora, tendo a Relação, em 28/10/2015, proferido acórdão que julgou improcedente o recurso e confirmou a sentença ali recorrida.

    Do acórdão que assim decidiu interpôs a autora a presente revista excecional, - oportunamente admitida pela formação competente -, apresentando alegações que terminou com as seguintes conclusões:

1.  Vem o presente recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto ao abrigo das alíneas a) e c) do artigo 672° desse Código, rogando-se a sua admissão como revista excepcional.

 2.       A questão jurídica com solução jurisprudencialmente controvertida que justifica a admissibilidade da presente revista excepcional, subsume-se a saber se, nos termos do que foi considerado pelo Acórdão recorrido «nada impede que os contratos de swap, como o presente (....) tenham como único propósito a «especulação sobre a taxa de juro».

3.       Trata-se, como sustenta o próprio Acórdão recorrido, de uma questão que tem dado azo a decisões jurisprudenciais díspares, salientando-se as posições acolhidas pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no processo 531/11.7TVLSB (acórdão fundamento) e no processo 309/11.8TVLSB.L1.S1 como, de resto, se reconhece no Acórdão recorrido, sendo que, na primeira, foi considerada nulo o contrato "meramente especulativo", mormente por violação da ordem pública, enquanto que no segundo se professou a posição acolhida na decisão ora em crise.

4.       A solução legal pela qual ora se propugna é a decidida neste Acórdão tirado no processo 531/11.7TVLSB.L1.S1, de 29/01/2015 e que frontalmente colide com o decidido pelo Tribunal a quo.

  5.       Paralelamente a revista deverá ser admitida também porque a realidade jurídica normativa em causa encerra uma dificuldade e complexidade normativa cujo estudo e reflexão, por se tratar de questão nova e pouco tratada na doutrina e na jurisprudência cumpre o requisito da alínea a) do artigo 672° do CPC.

6.        Ao contrário do que entende o Acórdão recorrido, a conclusão pela autonomia do contrato de swap, que é sinalizada pela doutrina, bem como a referência a valor nocionais hipotéticos, não significa que o ordenamento jurídico permita a celebração de contratos de swap com objectivos puramente especulativos, como é o caso dos autos.

7.       Com efeito, a referência a um capital nocional hipotético é correta apenas e na medida em que, no âmbito e por força de um contrato de swap, nomeadamente de taxa de juros, não existe troca dessa cifra, i.e., não há que confundir autonomia com abstracção.

8.        Ou seja, ainda que se reconheça, como se reconhece, a natureza jurídica autónoma do contrato de swap em face do que lhe é subjacente, não se admite outra conclusão relativamente à abstração (no sentido em que pode não existir tal subjacente) que não seja a de que o contrato visa, unicamente, a pura e dura especulação, que é proibida e sancionada com nulidade nos termos que propugnamos.

9.  Quanto à especulação enquanto objecto do contrato de swap é pacífico que a mesma sempre existirá, desde logo porque na gestão de risco há sempre especulação, pois que se prevê uma evolução incerta e toma-se a decisão com base nessa projeção com o objetivo de obter ganhos ou reduzir perdas.

             Coisa distinta, porém, é a exposição consciente e deliberada às incertezas do mercado, com a intenção de adquirir um benefício económico sem que exista qualquer background.

10.      Só é lícita a especulação conquanto que exista cobertura de risco e ambas sejam "simétricas" uma da outra. Ou, como sumariou o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão de 15/09/2015, o "swap de taxa de juros é um contrato aleatório, no qual a finalidade do cliente é cobrir o risco de flutuação das taxas de juro e a finalidade do Banco é especulativa."

 11.     A especulação pura é associada à contratação de swaps sem que exista uma posição creditícia cujo risco se pretenda cobrir, antes se operando num vácuo financeiro - nesses casos, como é o dos autos, o valor nocional não corresponderá a uma posição financeira suscetível de ser influenciada por flutuações do mercado como uma taxa de juro, mas sim uma cifra abstracta com a qual as partes decidiram jogar sem outro objetivo que não a pura especulação.

 12.    Como se lê na decisão recorrida, "nada permite concluir que exista qualquer relação, seja direta ou indireta, entre o contrato dos autos e os financiamentos contraídos pela autora".

 13.      Daí que se tem por adquirido que o contrato de swap dos autos foi celebrado sem qualquer objetivo de gestão de risco, totalmente desassociado dos financiamentos, em busca de um ganho totalmente especulativo.

14.   E nesse enquadramento, e em total divergência com o Acórdão recorrido, estamos com as posições doutrinárias que entendem que o contrato de swap com tais caraterísticas padece de nulidade, ora por se subsumir em contrato de jogo e aposta, ora por afrontar a ordem pública, dando-se, com a devida vénia, por integralmente reproduzidas as teses propugnadas pelo Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão tirado no processo 2587/10.0TVLSB.L1-6 e pelo Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão tirado no acórdão fundamento (processo 531/11.7TVLSB.L1.S1).

 15.  De acordo com a tese sufragada pelo primeiro desses dois acórdãos, ainda que se reconheça natureza jurídica autónoma (que não abstrata) ao contrato de swap em face do que lhe é subjacente, a cobertura de risco só faz sentido se o risco existir, pelo que, faltando tal risco pre-existente, o contrato é antes um produto bancário inominado e abstrato, sem qualquer adesão à realidade para a qual estava aparentemente orientado.

   16.      Ainda de acordo com tal aresto, se dos respectivos clausulados não resultar menção ao risco que o swap deveria gerir, como não resulta no contrato dos autos, então tal omissão é alegação, prova e fundamento bastante para oficiosamente decidir que os descaraterizam enquanto swaps, reconduzindo-os a uma mera aposta ilícita, a significar a nulidade do contrato à luz do artigo 1245° do CC.

    17.   Um contrato de swap de taxa de juro que com tal alegado pretexto não vise a cobertura de risco, antes o crie, é nulo pois foi construído de forma contrária à lei (por desrespeito ao objeto negocial - artigos 280° e 281° do Código Civil) e até em fraude a ela (na medida em que procura esquivar-se, sob a manta de uma aparente respeitabilidade) cabendo também na figura do jogo (artigo 1245° do mesmo Código).

 18.    A inexistência de gestão de risco reconduz-se à pura especulação, na medida em que os contratos cuja validade é apreciada nos presentes autos como no caso do Acórdão fundamento não se mostravam funcionalmente associados a quaisquer financiamentos ou obrigações que o Cliente tivesse perante o Banco Réu ou outra instituição financeira.

  19.  Nos termos da tese dimanada por tal Acórdão, a especulação potenciada por contratos com as caraterísticas assinaladas não tem virtualidade económica, antes pelo contrário é tida como ilícita por, como ensina Batista Machado, ofender princípios fundamentais que são imanentes ao ordenamento jurídico e que formam as traves mestras em que se alicerça a ordem económica e social.

            20. Daí que seja com acuidade que, no Acórdão que acompanhamos, se refira que a Constituição da República Portuguesa, baluarte legal dos princípios que enformam a ordem jurídica, defina no seu artigo 99° como objetivo da política económica o combate à especulação, pelo que a sua afronta consubstanciará uma nulidade por ofensa á ordem pública.

            21.      Em suma, não tendo o swap celebrado entre Autora e Ré relação com os financiamentos contraídos pela primeira, o seu objeto não era a gestão do risco das dívidas da A., nem salvaguardar qualquer contingência associada a concretas dívidas da Autora, nem substituir qualquer taxa concretamente contratada, antes sim, e apenas, especular.

             22.      Ora, a circunstância de o contrato dos autos não visar a cobertura do risco, mas pelo contrário servir para criar o risco (i.e., ter, nessa medida, um escopo meramente especulativo), deve ser interpretada como demonstrativa de que tem um fim contrário à lei, carecendo o mesmo de causa e portanto inquinado de nulidade tanto nos termos do artigo 280° e 281° do Código Civil (falta de objeto/fim contrário à lei a par da ofensa à ordem pública) - causas de nulidade que igualmente se invocam.

             23.      A Decisão recorrida violou, eventualmente entre outras normas, os artigos 280°, 281° e 1245° do Código Civil e 99° da Constituição da República Portuguesa.

 Termos em que deverá o Acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que declare a nulidade dos contratos.

             Se assim não se entender, e à cautela, requer-se que o Acórdão seja revogado e determinada a produção de prova que eventualmente seja considerada necessária.

 ***                                        ***                                        ***  

    Em contra alegações, o Banco recorrido pugnou pela negação da revista.

    ***                                         ***                                        ***

  Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos dados por assentes pelas instâncias são os seguintes:

 1. A Autora é uma sociedade anónima portuguesa que actua no âmbito da confeção de bordados.

 2. O Banco Réu é uma instituição bancária.

  3. Em 6 de Outubro de 2008, Autora e Réu celebraram um contrato que qualificaram como “contrato de swap ou permuta de taxa de juros”, cujo conteúdo, aqui dado como reproduzido, resulta do acervo documental que inclui as condições individuais acordadas pelas partes (“confirmação de swap”) – documento de fls. 25 a 27 dos autos – e também as condições gerais constantes do “Contrato - Quadro de Operações de Produtos Financeiros” – documento de fls. 84 a 89 dos autos.

  4. Em 25 de Março de 2010, o referido contrato foi reestruturado, nos termos que constam do documento junto a fls. 28 a 31 do autos, cujo teor aqui é dado como reproduzido.

  5. Nos termos do mencionado contrato, as partes obrigaram-se a efetuar, trimestralmente, pagamentos recíprocos tendo em conta um “Montante Nocional” de € 1.000.000,00 (um milhão de euros).

  6. Os valores a pagar pela Autora ao Réu a cada trimestre, com início no trimestre referente a 06/10/2008 e fim em 08/01/2012, seriam determinados de acordo com aplicação de uma taxa fixa sobre a dita importância nominal de € 1.000.000,00.

  7. Por seu turno, o Banco Réu obrigou-se a pagar à Autora, trimestralmente e na mesma data em que nasce a obrigação da Autora, o quantitativo correspondente à aplicação de taxa variável – no caso a Euribor a 3 meses – igualmente sobre a dita importância nominal de € 1.000.000,00.

  8. Por força das supra descritas regras (aplicação das respectivas taxas sobre o “montante nocional” de € 1.000.000,00€) a execução do contrato teve a seguinte expressão financeira:

   8.1. No primeiro trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/10/2008 a 08/01/2009), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período e de acordo com o contrato era de 4,18%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 10.682,22, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 13.782,11.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor da Autora, no montante de € 3.099,89, que o Réu pagou.

  8.2. No segundo trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/01/2009 a 08/04/2009), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período e de acordo com o contrato era de 4,18%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 10.450,00, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 6.992,50.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 3.457,50, que a Autora pagou.

  8.3. No terceiro trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/04/2009 a 08/07/2009), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período e de acordo com o contrato era de 4,18%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 10.566,11, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 3.705,72.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 6.860,39, que a Autora pagou.

  8.4. No quarto trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/07/2009 a 08/10/2009), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período e de acordo com o contrato era de 4,18%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 10.682,22, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 2.678,22.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 8.004,00, que a Autora pagou.

  8.5. No quinto trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/10/2009 a 08/01/2010), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período e de acordo com o contrato era de 4,18%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 10.682,22, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 1.901,33.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 8.780,89, que a Autora pagou.

  8.6. No sexto trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/01/2010 a 08/04/2010) e já de acordo com as regras estabelecidas com a reestruturação acordada entre as partes, a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 1,00%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 2.500,00, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 1.735,00.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 765,00, que a Autora pagou.

  8.7. No sétimo trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/04/2010 a 08/07/2010), a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 1,00%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 2.527,00, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 1.612,72.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 915,06, que a Autora pagou.

  8.8. No oitavo trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/07/2010 a 08/10/2010) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 1,70%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 4.344,44, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 2.036,78.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 2.307,66, que a Autora pagou.

  8.9. No nono trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/10/2010 a 10/01/2011) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 1,70%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 4.438,89,enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 2.504,06.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 1.934,83, que a Autora pagou.

  8.10. No décimo trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 10/01/2011 a 08/04/2011) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 3,20%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 7.822,22, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 2.437,11.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 5.385,11, que a Autora pagou.

  8.11. No décimo primeiro trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/04/2011 a 08/07/2011) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 3,20%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 8.088,89, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 3.207,75.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 4.881,14, que a Autora pagou.

  8.12. No décimo segundo trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/07/2011 a 08/10/2011) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 4,50%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 11.750,00, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 4.096,83.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 7.653,17, que a Autora pagou.

  8.13. No décimo terceiro trimestre em que o contrato esteve em vigor (de 08/10/2011 a 08/01/2012) a Autora teve de pagar ao Réu, por força da aplicação da sua taxa fixa (que nesse período era de 4,50%) sobre o montante nocional de € 1.000.000,00, a quantia de € 11.375,00, enquanto o Banco Réu teve de pagar à Autora (atenta a taxa Euribor a 3 meses então verificada) o valor de € 3.933,22.

  Assim, neste período, apurou-se um saldo credor a favor do Réu, no montante de € 7.441,78, que a Autora pagou.

  9. Assim, considerando a compensação de créditos e débitos em cada trimestre, o Banco Réu pagou à Autora a quantia de € 3.099,89, ao passo que a Autora pagou ao Banco Réu a quantia de € 58.386,53, o que se traduziu num saldo global a favor do Banco Réu no montante de € 55.286,64.

  10. Apesar de nada ter sido referido a tal propósito no contrato celebrado entre Autora e Réu, aquela tinha, à data da celebração do referido contrato e durante toda a sua execução, operações de financiamento contratadas a taxas de juro variáveis, junto de várias instituições bancárias, designadamente o CC e a DD, de valor superior a € 1.500.000,00.

  11. Existiram várias reuniões entre representantes da Autora e do Réu, em vista da celebração do contrato concluído entre as partes, onde foi discutido, entre outras matérias, o valor nocional a estabelecer no contrato e o prazo deste.

  12. Apesar de nada ter sido referido a tal propósito na reestruturação do contrato celebrado entre Autora e Réu, em 31/12/2009, a Autora apresentava responsabilidades perante o Banco Réu no valor de € 262.464,26 e um valor de € 2.779.267,00 na agregação de responsabilidades do Banco de Portugal.

  13. Existiram igualmente reuniões entre representantes da Autora e do Réu, em vista da reestruturação do mesmo contrato.

  14. As contas da Autora, relativas aos anos de 2008 a 2012, espelham a existência das seguintes responsabilidades junto da Banca, designadamente em sede de financiamentos de médio e longo prazo:

  14.1. Relativamente a 2008, as contas da Autora apresentavam como Passivo de Médio e Longo Prazo, dividas a Instituições de Crédito no valor de € 1.211.199,71 e de curto prazo de € 628.000,03.

  14.2. Relativamente a 2009, as contas da Autora apresentavam como Passivo de Médio e Longo Prazo, dividas a Instituições de Crédito no valor de € 631.145,72 e de curto prazo de € 1.348.674,16.

  14.3. Relativamente a 2010, as contas da Autora apresentavam como Passivo não corrente, financiamentos obtidos no valor de € 215.272,04 e corrente de € 1.924.445,51.

  14.4. Relativamente a 2011, as contas da Autora apresentavam como Passivo não corrente, financiamentos obtidos no valor de € 97.799,49 e corrente de € 1.851.170,45.

  14.5. Relativamente a 2012, as contas da A. apresentavam como Passivo não corrente, financiamentos obtidos no valor de € 766.073,75 e corrente de € 1.072.785,40.

  ***                                        ***                                        ***

  No que respeita às cinco primeiras conclusões das alegações da recorrente, referem-se apenas à questão da admissibilidade da presente revista, questão essa já definitivamente decidida pela formação competente para o efeito, pelo que sobre elas nada mais há a acrescentar.

  No que se refere às conclusões restantes dessas alegações, as quais como é sabido delimitam o âmbito do recurso, apenas uma questão é suscitada: saber se o contrato invocado pela recorrente enferma de nulidade por visar unicamente um ganho puramente especulativo, sem existir uma posição creditícia cujo risco se pretenda, por via dele, cobrir.       

      Em causa está um denominado contrato de swap, que é um derivado financeiro, isto é, um instrumento financeiro cujo valor deriva de outros valores, os valores de base e que, além dos swaps, abrange pelo menos as forward e os futuros. Pode, o swap, revestir várias modalidades, sendo as mais comuns o swap de taxa de juros, e o swap cambial. Nestes autos apenas está em análise o swap de taxa de juro, - na sua fórmula mais simples, conhecida por plain vanilla swap -, que é um contrato nominado, por referido no art.º 2º, n.º 1, al. e), do Código dos Valores Mobiliários, com a redação dada pelo Dec. – Lei n.º 357-A/2007, de 31/10, que, além do mais, no seu preâmbulo refere que, “relativamente ao elenco dos instrumentos financeiros, impõe-se clarificar os instrumentos financeiros que, além dos valores mobiliários, devem assim ser qualificados. Para este efeito, acolhe-se a lista constante da Diretiva (que o mesmo diploma transpôs para o direito interno, n.º 2004/39/CE do Parlamento e do Conselho, de 21/04/2004, a qual continha, na Secção C, alínea 4ª do Anexo I, a referência aos instrumentos financeiros em termos de regulação do mercado de capitais, neles incluindo os swaps), cuja principal novidade é a inclusão de instrumentos derivados sobre mercadorias e ativos de natureza nocional e, desta forma, a sujeição da prestação de serviços sobre estes a normas prudenciais e de conduta harmonizadas a nível comunitário”. Acresce que o swap se encontra definido pelo Regulamento (UE) n.º 549/2013 do Parlamento e do Conselho, de 21/05/2013, da forma seguinte:

              “5.210 Definição: os swaps são acordos contratuais entre duas partes que acordam na troca, ao longo do tempo e segundo regras predeterminadas, de uma série de pagamentos correspondentes a um valor hipotético de capital, entre elas acordado. As categorias mais frequentes são os swaps de taxas de juro, os swaps cambiais e os swaps de divisas.    

       5.211 Os swaps de taxas de juro consistem na troca de juros de diferentes tipos relativos a um capital hipotético que nunca é trocado. Exemplos de taxas de juro que podem ser objeto de swaps: taxas fixas, taxas variáveis e taxas denominadas numa divisa. Geralmente os pagamentos ocorrem em numerário, no correspondente à diferença entre as duas taxas de juro estipuladas no contrato e que se aplicam ao capital hipotético que foi acordado.”

      Por outro lado, nos swaps de taxa de juro o ativo usado normalmente é a taxa de juro Euribor (Euro Interbank Offered Rate) a três meses, como é aqui o caso.

              Também na nossa jurisprudência já foi formulada uma definição caraterizando o contrato de swap de taxas de juro como o contrato pelo qual as partes acordam trocar entre si quantias pecuniárias expressas numa mesma moeda, representativas dos juros vencidos sobre um determinado capital hipotético, calculados por referência a determinadas taxas de juro (Acórdão deste S.T.J. de 10/10/2013 – relator Granja da Fonseca).

      Assim, por este contrato as partes obrigam-se ao pagamento, uma à outra, de duas quantias pecuniárias no termo do período de contagem dos juros, embora o pagamento acabe por ser, em termos práticos, apenas um, - o do saldo credor resultante da compensação entre as duas quantias -, calculadas por aplicação de taxas de juro determinadas, que podem ser ambas fixas, ambas variáveis, ou uma fixa e outra variável, como é a hipótese dos autos, a um mesmo certo montante pecuniário que nunca chega a ser trocado: o capital hipotético, virtual ou nocional. Acordam as partes trocar o produto das taxas de juro previamente ordenadas, mediante prévio pagamento ao Banco de um preço pela operação e pelo risco que esta vai suportar.

              No essencial da discordância da recorrente com o decidido no acórdão recorrido está o facto de, em seu entender, o contrato de swap em causa ter uma finalidade puramente especulativa, por na sua base inexistir, como o entendeu aquele acórdão, qualquer operação financeira concreta cujo risco inerente à variação da taxa de juro vise cobrir, não tendo as partes feito consignar no texto dos documentos que corporizam o contrato qualquer referência a financiamentos ou obrigações da autora para com o réu ou para com qualquer outra entidade, embora já à data da celebração do contrato de swap as tivesse para com outras entidades bancárias, mas, enquanto o mesmo acórdão considerou que tal não obsta à validade do contrato, a recorrente entende que da sua finalidade, que considera puramente especulativa, resulta a sua invalidade.

    Ora, apesar de ser frequentemente apontada como causa ou função do contrato de swap a cobertura de risco, ou seja, a sua transferência para uma entidade bancária, ou a sua atenuação ou supressão, por forma a que, por regra geral, as empresas possam proteger-se contra variações desfavoráveis das taxas de juro sobre financiamentos que anteriormente lhes tenham sido concedidos e assim minorarem os prejuízos que daí lhes possam advir na hipótese de subida de tais taxas – é esta a hipótese normal, caso em que ocorre a situação denominada hedging, na qual, se as taxas de juro efetivamente subirem, a parte financiada recebe mais pelo contrato de swap do que aquilo que tem de pagar ao Banco pelo mesmo contrato, dessa forma conseguindo minorar o prejuízo resultante de ter de pagar mais, devido à subida das taxas de juro, na execução do contrato base -, certo é que também tem sido reconhecido que tal contrato pode ser utilizado com finalidades puramente especulativas sobre a taxa de juro, - a que, como veremos abaixo, nada obsta -, só para uma das partes ou para ambas, conforme só uma ou ambas visem através do swap realizar operações lucrativas com base na futura evolução das taxas de juro, sendo então o swap utilizado sem ligação a qualquer outro contrato (contrato subjacente), situação denominada trading. Neste caso, o swap tem natureza financeira, pois tem uma finalidade de financiamento por parte do cliente do Banco, sendo este que tem uma finalidade especulativa, e não é complemento de nenhum outro. E é nesta situação que se suscita a questão da eventual nulidade do contrato.

       Só na primeira hipótese o contrato de swap da taxa de juro será válido, no entender do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nestes autos invocado pela recorrente como fundamento da admissibilidade da presente revista, datado de 29/01/2015, relatado por Bettencourt Faria mas com um voto de vencido; já na segunda hipótese, - que é a que se verifica na hipótese dos autos na medida em que no contrato não se especifica qualquer operação financeira cujo risco de variação da taxa de juro vise cobrir -, o contrato de swap também o será, como o entende o acórdão deste Supremo datado de 11/02/2015, relatado por Sebastião Povoas.

                Ora, como neste último se sustenta, “As taxas de juro incidem sobre um capital virtual, hipotético (hoje comumente apodado de nocional, ou seja, meramente nominal), que não depende da concreta finalidade das partes, mas estando presente a natureza bilateral e sinalagmática do contrato de swap.” E acrescenta: “Na prática, um instrumento derivado pode ser utilizado sem ligação a um contrato nominado subjacente, uma vez que o próprio contrato de swap se basta a si próprio não sendo de considerar meramente especulativo apenas pelo facto de não ter por detrás outra figura contratual, já que pode tratar-se de um contrato de natureza financeira com a função de cobertura de riscos.”

               E conclui, invocando ainda, entre outros, o defendido pelo Dr. Pedro Boullosa Gonzales, in “Interest Rate Swaps: Perspectiva Jurídica”, apud “Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários”, n.º 4, Abril – 2013, 23, segundo o qual tais figuras contratuais são autónomas e não necessariamente complementares a um contrato de mútuo ou outro tipo de financiamento, que os swaps de taxa de juro podem ter, ou não, um subjacente real, quer para ambos, quer para um dos outorgantes desse contrato (derivado) financeiro, sendo contratos comerciais, hoje nominados, de natureza obrigacional, onerosos e geradores, por si, de obrigações recíprocas.

    Assim, face ao direito comunitário e ao acolhimento pelo legislador da lista de instrumentos financeiros constante da mencionada Diretiva, conjugando por outro lado os art.ºs 295º, n.º 1, e 289º, n.º 1, al. a), do Código dos Valores Mobiliários, com o art.º 4º, n.º 1, al. e), do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, - pelos quais se conclui que as instituições de crédito estão autorizadas à realização de transações, por conta própria ou da clientela, sobre instrumentos financeiros a prazo, podendo também negociar, por conta própria, os instrumentos financeiros previstos no Anexo I, Secção C, da DMIF (a citada Diretiva dos Mercados de Instrumentos Financeiros, de 21 de Abril de 2004) -, e atendendo à primazia do direito comunitário sobre o direito nacional consagrada no art.º 8º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, é de entender que os swaps de taxas de juro com referência a um capital, quer real, quer hipotético ou nocional, que não têm o propósito direto de cobertura de risco, constituem instrumentos financeiros legais, não proibidos por lei, como o não são aqueles cujo valor nocional não corresponde a um passivo real. Caso contrário teria de se concluir também pela inadmissibilidade, por exemplo, da aquisição de títulos na esperança da subida dos respetivos preços para depois serem vendidos com lucro. Pelo que, sendo celebrados, como é o caso, com entidades financeiras autorizadas a exercer essa atividade nos termos dos diplomas acima indicados, se conclui pela sua validade.

                Também, nas palavras do Prof. Calvão da Silva, in “Swap de taxa de juro: a sua legalidade e autonomia e inaplicabilidade da exceção do jogo e aposta”, apud R.L.J. n.º 3979, Abril – Maio 2013, 261, “nenhuma dúvida séria e consistente pode subsistir acerca da legalidade do swap da taxa de juro no direito português independentemente de o ativo subjacente ser real ou meramente nocional (nominal, fictício ou hipotético), dado o princípio comunitário da interpretação conforme a Diretiva das normas nacionais da correspondente transposição.”     

          Esta também não é afastada pelo regime legal do contrato de jogo e aposta, previsto no art.º 1245º do Cód. Civil, segundo o qual o jogo e a aposta não são contratos válidos nem constituem fonte de obrigações civis; porém, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais, exceto se neles concorrer qualquer outro motivo de nulidade ou anulabilidade, nos termos gerais de direito, ou se houver fraude do credor na sua execução. Com efeito, o contrato de swap não é subsumível a qualquer destas figuras, pois, no jogo, existe um acordo segundo o qual uma das partes se obriga a pagar à outra certa quantia mas sendo que o vencedor participou, intervindo na execução do jogo, coisa que não se verifica no swap; quando contratam, as partes sabem que existirá sempre uma desvantagem para alguma delas na execução do contrato, por o resultado deste depender de uma variável que não podem controlar, e que é a variação da taxa de juro, da qual, conforme suba ou desça, resultará que o saldo seja favorável a uma ou a outra. No entanto, dispõem-se a correr o risco correspondente, com base na análise que façam do mercado e por considerarem mais provável que da execução do contrato lhes resulte uma vantagem. Na aposta, há um desacordo inicial relativamente à ocorrência de um determinado evento, passado ou futuro, investindo o apostador certa quantia ou valor no sentido de lhe ser atribuída uma vantagem económica se o evento em que apostou se verificar ou tiver verificado, ao passo que as partes no contrato de swap não estão em desacordo quanto à eventualidade da ocorrência do evento, antes partindo da possibilidade da sua verificação, no caso, da subida da taxa de juro, e portanto da admissão do correspondente risco, para acordarem na transferência deste a troco de um preço, embora tal subida tenha acabado por não ter tido lugar; e o apostador intervém com um fim lúdico, enquanto no swap o agente atua com um objetivo puramente económico, no contexto de um mercado com relevante função económica fazendo, ao contrário daquele, uma previsão racional da evolução das variáveis com base nas taxas de referência fixadas pelo Banco Central Europeu e, no nosso País, pelas políticas financeiras do Governo e do Banco de Portugal.

     Daí que não seja aplicável ao contrato de swap o art.º 1245º, mencionado, que considera nulos o jogo e a aposta, embora a regulamentação do jogo e aposta tenha determinado o aparecimento de dúvidas sobre se aquele dispositivo se encontra plenamente em vigor, suscitadas entre outros por Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. II, 3ª ed., 852.

      Acresce que, mesmo que se considerasse o contrato de swap abrangido na matéria de que trata o capítulo do Cód. Civil referente ao jogo e aposta, tal dispositivo também não seria aplicável, dado o disposto no art.º 1247º do mesmo Código, ao contrato de swap, por ser este objeto da legislação especial acima referida, que fixa validade a tal contrato e caráter jurídico civil às obrigações dele resultantes, com a consequente possibilidade da sua exigência judicial.  

O swap da taxa de juro tem, como se disse, consagração legal efetiva como instrumento financeiro na redação do art.º 2º, n.º 1, al. e), do Código dos Valores Mobiliários, dada pelo Dec. – Lei n.º 357-A/2007, de 31/10, quer referido a um capital real, quer a um capital nocional ou hipotético, o que afasta a invalidação de tal contrato, mesmo que especulativo, com base, quer em violação da ordem pública, quer na exceção de jogo e aposta ou da consideração de se tratar de obrigações naturais, quer em nulidade por falta de causa, fraude à lei ou fim contrário a ela, que precisamente o permite.

Invoca ainda a recorrente o objetivo da política económica de combate à especulação consagrado no art.º 99º da CRP, o que levaria a que a admissão da validade do contrato de swap sem passivo ou financiamento subjacente constituiria ofensa à ordem pública.

Para além, porém, do que já se referiu quanto ao reconhecimento pelo próprio legislador da inexistência de tal ofensa ao admitir como lícito o contrato de swap de taxas de juro com referência a um capital, quer real, quer hipotético ou nocional, é de ter em conta o explicado a esse respeito pelo Cons. João Bernardo no seu voto de vencido no dito Acórdão de 29/01/2015, ao dizer que o art.º 99º, al. c), da CRP, ao dispor que é objetivo da política comercial o combate às atividades especulativas, é um preceito comprometido com a redação vigente até 1989 (então do art.º 109º, n.º 1), que impunha ao Estado a intervenção na racionalização dos circuitos de distribuição e na formação e controlo dos preços a fim de combater atividades especulativas, levando a sua interpretação, assente nesse elemento histórico e inserida no contexto resultante também de outros preceitos constitucionais, mormente os relativos à iniciativa privada, a que se deva colocar os swaps, mesmo os reportados a capital nocional (também designado por fictício ou hipotético) fora do âmbito do combate que o legislador constitucional determina.

 De tudo resulta que, ao contrário do que defende a Recorrente, os contratos de swap nos quais o valor nocional não tem qualquer correspondência com o passivo ou os financiamentos da contraente, não são proibidos.

Assim, conclui-se que o contrato em causa não enferma de qualquer nulidade, ele é em si mesmo válido ainda que o montante nocional inscrito no contrato (€ 1.000.000,00) não tenha qualquer correspondência a quaisquer financiamentos ou obrigações que a Autora tivesse perante o Banco Réu ou perante outras entidades, o que, efetivamente, exclui a necessidade de produção de qualquer prova adicional sobre a eventual existência de relação, direta ou indireta, com os financiamentos anteriormente concedidos à recorrente.

***                                        ***                                        ***

Pelo exposto, acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

***                                        ***                                        ***

Lisboa, 03 de Maio de 2016


Silva Salazar (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira