Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
544/09.9YFLSB
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA ROSA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA
CIRURGIA ESTÉTICA
OBRIGAÇÃO DE QUASE RESULTADO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/17/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : 1 – Em cirurgia estética se a obrigação contratual do médico pode não ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se “em absoluto” com a melhoria estética desejada, prometida e acordada, é seguramente uma obrigação de quase resultado porque é uma obrigação em que “só o resultado vale a pena”.
2 – Aqui, em cirurgia estética, a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico devedor.
3 – Ao médico compete, por isso, em termos de responsabilidade contratual, o ónus da prova de que o resultado não cumprido ou cumprido defeituosamente não procede de culpa sua, tal como o impõe o nº1 do art.799º do CCivil.
4 – Ao médico não basta, para cumprir esse ónus, a prova de que o tipo de intervenção efectuada importa um determinado risco ( eventualmente aceite pelo paciente ); é necessário fazer a prova de que a sua conduta profissional, o seu rigoroso cumprimento das “leges artis”, foi de molde a poder colocar-se o concreto resultado dentro da margem de risco considerada e não dentro da percentagem em que normalmente a intervenção teria êxito.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA intentou, no Tribunal Cível de Lisboa, contra BB ( mas desistiu do pedido quanto a esta ré a fls.170, desistência que foi admitida ) CC acção ordinária, que recebeu o nº16/2000, da 5ª Vara, 1ª secção, pedindo « ser o R. condenado no pedido, pagando à A. a quantia de 8 000 000$00 a título de indemnização por danos morais e patrimoniais causados em virtude de cumprimento defeituoso do contrato ».
Alegou, em síntese:
procurou a ré BB, a qual aconselhou o réu CC a realizar-lhe intervenção de cirurgia plástica;
desconhecia que o réu CC não era especialista reconhecido em cirurgia plástica pela Ordem dos Médicos;
o réu aconselhou-a a submeter-se a quatro intervenções cirúrgicas: lifting facial, introdução de próteses mamárias, lipoaspiração da anca e coxa e aumento do volume dos lábios;
o lifting e a introdução de próteses mamárias foram feitas em 4/2/98;
posteriormente, o réu fez o aumento do volume dos lábios;
o preço acordado para as quatro intervenções foi de 1 000 contos, cujo pagamento foi efectuado por 4 cheques de 250 contos;
depois o réu pediu mais 139 000$00 para pagamento das próteses mamárias, valor que já estava integrado no preço acordado;
exigiu ainda o réu mais 270 000$00 para pagamento do “Artcol”, material utilizado no aumento dos lábios;
o réu não fez qualquer análise ou diagnóstico que permitisse saber o tipo de prótese a realizar;
as próteses que foram colocadas à A. não eram adequadas ao seu caso, não tendo o tamanho consentâneo com a sua compleição física;
a intervenção resultou em dano estético que as fotografias demonstram, por encapsulamento mamário;
além dos danos estéticos, teve ainda dores e sofrimento psicológico que lhe impediu a concentração nas suas actividades diárias, lhe alterou o humor, a incapacitou de descansar;
consultou outros médicos especialistas que são unânimes sobre a necessidade de se submeter a nova intervenção cirúrgica de reparação.
Contestou ( fls.40 ) o réu CC alegando, em suma:
tem a especialidade de cirurgia plástica reconstrutiva, que obteve na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e tem pendente a sua inscrição no Colégio da Especialidade de Cirurgia Plástica e Reconstrutiva da Ordem dos Médicos Portuguesa;
acordou com a A. esta pagar 1 000 contos por duas intervenções - lifting cervico facial e aumento do volume mamário - preço que não incluía o preço das próteses;
os 270 000$00 que a A. pagou posteriormente destinaram-se a pagar o material para aumento do volume dos lábios;
por a A. ser muito magra, a sua constituição física aconselha a que se colocassem próteses retromusculares, que têm a seu favor um menor índice de contracção capsular, mas implicam cuidados importantes pós-operatório, designadamente a compressão nos pólos superiores das próteses para evitar deslizamento superior;
a própria introdução de próteses apresenta um risco de encapsulamento de 8%, risco esse explicado à autora;
os resultados finais, e que constam das fotografias juntas pela autora, só podem resultar de um deslizamento da prótese e da falta de cuidado da autora;
e por um evidente encapsulamento, que é um risco próprio da intervenção e que foi aceite pela autora;
o réu aplicou a próteses mamárias de modo correcto.
Do mesmo passo, requereu o réu, ao abrigo do disposto no art.325º do CPCivil, a intervenção principal de DD - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. para quem havia transferido a sua « responsabilidade profissional médica a coberto da apólice nº000000000».
A ré BB, Lda foi citada editalmente e não contestou.
A chamada DD, S.A. contestou ( fls.126 ) defendendo que a sua responsabilidade como seguradora está esclarecida, nos termos do art. 8º, al. c) das Condições Particulares do contrato de seguro, que prevê “… não estão compreendidos no seguro … os danos resultantes do exercício da actividade profissional para a qual o segurado ou os seus auxiliares não tenham a devida autorização legal” e, no mais, impugna a factualidade descrita pela autora.
Após uma audiência preliminar realizada a fls.170, foi elaborado despacho saneador, com alinhamento dos factos assentes e fixação da base instrutória.
Efectuado o julgamento, com respostas nos termos do despacho de fls.504, veio o réu CC apresentar a fls.513 as suas alegações de direito.
Foi então proferida a sentença de fls.518 a 526 que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente:
a ) absolveu a interveniente principal DD do pedido;
b ) condenou o réu CC a pagar à autora a quantia de 25 000,00 euros, a título de danos não patrimoniais e a quantia de 6 500,00 euros, a título de danos patrimoniais, no total de 31 500,00 euros.
Inconformados, interpuseram recurso de apelação quer o réu CC ( fls.534 ), quer a autora AA, esta « na parte respeitante à absolvição da DD, S.A. » ( fls.538 ), recurso este último que por despacho de fls.647 foi julgado deserto por falta de alegações.
Em acórdão de fls.683 a 697, datado de 2008-09-18, o Tribunal da Relação de Lisboa julgou procedente o recurso de apelação e, consequentemente, revogou a decisão recorrida, absolvendo o apelante/réu, CC, do pedido contra o mesmo formulado pela apelada/autora AA.
É agora a vez da autora se não conformar com a decisão e pedir revista para este Supremo Tribunal ( « nos termos e ao abrigo do disposto no art.682º, nº2 do CPCivil » interpôs o réu recurso subordinado que, todavia, por despacho de fls.802, não foi admitido ).
Alegando a fls.72, CONCLUI a autora/recorrente:
A – Provado que a recorrente entregou ao réu, na qualidade de médico, a quantia de 7 028,06 euros, como prévio pagamento de quatro intervenções cirúrgicas – introdução de próteses mamárias, lifting cervico-facial, aumento do volume dos lábios e lipoaspiração de anca e coxa – é de concluir que entre ambos foi realizado um contrato de prestação de serviços, nos termos do art.1154º do CCivil, ao qual se aplicam as regras do mandato;
B - O incumprimento ou cumprimento defeituoso pelo prestador de serviços das obrigações assumidas é gerador de responsabilidade contratual, pelo que se presume a culpa do lesante, nos termos do artigo 799° do Código Civil;
C - Bastando à Recorrente, em conformidade, fazer prova do incumprimento;
D - A obrigação assumida pelo R. foi de resultado e não de meio;
E - Apesar de não se ter demonstrado em concreto qual o resultado pretendido, a cirurgia estética tem sempre como fim um resultado positivo e não a produção de um dano grave;
F - Na sentença proferida pelo tribunal de 1ª Instância ficou provado que da intervenção do R. resultou para a Recorrente um encapsulamento mamário de grau III à esquerda e de grau II/III à direita, bastando o recurso às regras de experiência comum para se concluir não ser esse o resultado pretendido;
G - A intervenção do R. não foi precedida de qualquer análise ou diagnóstico que permitisse saber que tipo de prótese colocar, como também houve erro manifesto na sua aplicação, resultando o dano da inobservância da conduta devida e não do risco estatístico de 8%; pelo que
H - Mesmo que de mera obrigação de meios se tratasse, considerando que o acto médico em concreto não comportava, no estado actual da ciência, senão uma ínfima margem de risco, nunca poderemos considerar que o agente apenas estaria vinculado a actuar segundo as legis artis, mas sim que assumiu um compromisso que implica a obtenção de um resultado,
I - E esse resultado, ainda que não determinado, nunca se poderia traduzir no dano produzido.
J - Assim, houve incumprimento das obrigações contratualmente assumidas pelo que mal andou o Venerando Tribunal ao considerar não se ter logrado demonstrar a desconformidade entre a conduta devida e a observada;
K - A produção do dano, visível e pericialmente demonstrado, é suficiente para demonstrar aquela desconformidade e, logo, o incumprimento das obrigações assumidas e a sua ilicitude,
L - Nomeadamente porque o R. não estava sequer legalmente autorizado a realizar as intervenções cirúrgicas que aconselhou, propôs e realizou na pessoa da Recorrente, o que demonstra a sua culpa. Assim,
M - Estão integralmente preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade contratual do R, pelo que o douto Acórdão, ao revogar a sentença anteriormente proferida, fez errada e má aplicação da lei substantiva.
N - Ademais, não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, a mesma nunca poderia ser modificada como parece acontecer no Acórdão em crise, pelo que
O - Não obstante a procedência das demais alegações da Recorrente, o Acórdão em crise pronuncia-se sobre questões que de que não podia tomar conhecimento, o que sempre acarretará a sua nulidade, nos termos do disposto na alínea d) do nº1 do art. 668° do Código de Processo Civil, ex vi dos arts.772°/, 754°/2 e 755° do mesmo diploma;
P - Sendo que uma eventual consideração da inexistência dos fundamentos de facto que justificassem a decisão da primeira instância traduziria causa de nulidade daquela, e não da sua revogação.
Por sua vez, o recorrido/réu CC, alegando a fls.763, pugna por que « deverá ser mantido na íntegra o acórdão recorrido ou, para eventualidade de assim se não entender, ser declarada a sua nulidade ».
Em acórdão de fls.809 a 811 o Tribunal da Relação de Lisboa, considerando que « sendo certo que não foi impugnada a matéria de facto, também é certo que o acórdão não modificou tal matéria », julgou improcedente a arguida nulidade do acórdão de 2008-09-18.
Estão corridos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
FACTOS tais como os fixaram as instâncias, maxime o Tribunal da Relação, que os importou – intocados – para o acórdão recorrido:
1º - A autora é empresária em nome individual – Alínea A) dos Factos Assentes, doravante, FA.
2º - Entre o réu, CC e a Interveniente Principal DD – Companhia de Seguros, SA foi outorgado um contrato de seguro titulado pela apólice 0000000, mediante o qual o réu transmitia para a interveniente a sua responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais causados aos seus clientes e outros terceiros em consequência de actos ou omissões praticados no exercício da sua actividade – B), FA.
3º - No âmbito do referido contrato encontram-se excluídos os danos resultantes do exercício da actividade profissional para a qual não tenha a devida autorização legal – art. 8º, al. c) das Condições Especiais do contrato – C), FA.
4º - No ano de 1997, a autora procurou a clínica “BB” a fim de obter aconselhamento médico sobre eventuais intervenções a nível das mamas – Resposta ao quesito 1º da Base Instrutória, doravante BI.
5º - A “BB” indicou à A., como médico, o réu CC – Resp. ao 2º BI.
6º - A autora desconhecia que o réu não estava inscrito na Ordem dos Médicos como cirurgião plástico de cirurgia reconstrutiva e estética – Resp. ao 3º BI.
7º- Após algumas consultas, o réu aconselhou a A. a submeter-se a quatro intervenções cirúrgicas – Resp. ao 5º BI.
8º- Essas intervenções consistiam em: lifting cervico-facial, introdução de próteses mamárias, lipoaspiração da anca e coxa e aumento do volume dos lábios – Resp. ao 6º BI.
9º - O lifting cervico-facial e a introdução de próteses mamárias foram realizados em 4 de Fevereiro de 1998 – Resp. ao 7º BI.
10º - O réu combinou com a A. que primeiro seriam realizadas duas intervenções, a introdução das próteses mamárias e o lifting cervico facial e, posteriormente, o aumento do volume dos lábios e a lipoaspiração – Resp. ao 8º BI.
11º - No total, porém, o réu realizou apenas três das quatro intervenções descritas, designadamente: lifting cervico-facial, introdução de próteses mamárias e, aumento do volume dos lábios – Resp. ao 9º BI.
12º - tendo sido a última intervenção, o aumento do volume dos lábios, realizada em data posterior à das duas primeiras – Resp. ao 10º BI.
13º - O preço acordado para as quatro intervenções foi de 1 000 000$00 (€ 4 987,98) sendo o modo de pagamento efectuado través de quatro cheques pré-datados, de 250 000$00 cada – Resp. ao 11º BI.
14º - O réu pediu ainda à autora a quantia de 139 00$00 (€ 693,33) para pagamento das próteses mamárias e a quantia de 270 000$00 (€ 1.346,75) para pagamento de “artcol” – Resp. ao 12º BI.
15º - A A. entregou ao réu o total de 1 409 000$00 (€ 7028,06) – Resp. ao 13º e 14º BI.
16º - A primeira intervenção não foi precedida de análise ou diagnóstico que permitisse saber que tipo de prótese colocar – Resp. ao 14º BI.
17º - A autora começou a padecer de dores que lhe retiraram a concentração nas suas actividades diárias e sofreu de alterações de humor – Resp. ao 16º BI.
18º - A autora deslocou-se a Lisboa para obter aconselhamento médico tendo procurado o réu. – Resp. ao 17º BI.
19º - E recorreu a diversos médicos da especialidade – Resp. ao 18º BI.
20º - Foi recolhida pela A. a opinião unânime de que existe a necessidade de se submeter a novas intervenções de reparação – Resp. ao 19º BI.
21º - cujos custos poderão ascender a € 6 500,00 – Resp. ao 20º BI.
22º - Essa intervenção aterroriza a autora – Resp. ao 21º BI.
23º - A intervenção do aumento do volume mamário por introdução de implante mamário apresenta um risco de 8% de encapsulamento – Resp. ao 25º BI.
24º - Imediatamente após a intervenção para aumento do volume dos seios e, pela primeira vez que os viu, a autora ficou satisfeita com o resultado – Resp. ao 27º BI.
25º - A A apresenta o aspecto de fls. 56 imediatamente após a intervenção – Resp. ao 28º BI.
26º - A autora tem actualmente o aspecto de fls.13 – encapsulamento que se poderá classificar de grau III à esquerda e grau II/III à direita – Resp. ao 30º BI.

Inquestionável ( e inquestionada ) é a relação que une autora e réu – uma relação contratual de prestação de serviços, no domínio de um contrato tal como está desenhado no art.1154º do CCivil, ou seja, um contrato em que uma das partes – aqui o réu – se obriga a proporcionar à outra – aqui a autora – certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
A responsabilidade do réu, que a BB indicou à autora, como médico, quando no ano de 1997 a autora a procurou a fim de obter aconselhamento médico sobre eventuais intervenções a nível das mamas e que após algumas consultas a aconselhou a entre outras intervenções cirúrgicas introdução de próteses mamárias, é então – a existir – uma responsabilidade contratual.
O que se pergunta é, em primeira linha, se o médico cumpriu pontualmente a sua obrigação porque – art.798º do CCivil – o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.
Mais do que o (in)cumprimento da obrigação há que perguntar, antes ainda, qual é a concreta obrigação do médico e também se o incumprimento, a ter-se por verificado, se deve ou não a culpa do devedor-médico.
O que se pode dizer com segurança, in casu, é que a obrigação ou não foi cumprida ou foi cumprida defeituosamente.
Porque não estamos, na situação concreta em que nos movimentamos, perante alguém que estando doente anseia ser curado ( sendo que, não se sujeitando à intervenção do médico, continuará doente ). O que estamos é perante alguém, uma mulher, que – não se encontrando perante qualquer doença em movimento, a que pretenda por termo ou atenuar – anseia apenas por novas mamas que satisfaçam mais a preceito a sua exigência estética.
Se esta pode não ser uma obrigação de resultado, com o médico a comprometer-se em absoluto com a melhoria estética desejada ( e acordada entre ambos ), é seguramente uma obrigação de quase resultado porque é obrigação em que só o resultado vale a pena. Só o resultado vale a pena, quer para a autora quer para o réu.
Noutro tipo de intervenções a alternativa será, para o paciente, entre o risco assumido de uma intervenção eventualmente não conseguida, e/ou a degradação de um estado de doença a que se pretende pôr termo ou atenuar, e em relação ao qual a inércia parece ser o pior dos males; aqui não há dois polos de uma mesma alternativa, porque ou se concretiza o resultado ou não valia a pena correr o risco de pôr em risco o que era um estado de ... saúde.
Portanto aqui, em intervenções médico-cirúrgicas deste tipo, em cirurgia estética, a ausência de resultado ou um resultado inteiramente desajustado são a evidência de um incumprimento ou de um cumprimento defeituoso da prestação por parte do médico-devedor.
E o que aconteceu aqui foi que, efectuada a intervenção cirúrgica para introdução das próteses mamárias, a autora começou a padecer de dores que lhe retiraram a concentração nas suas actividades diárias e sofreu de alterações de humor e recolheu a opinião unânime de que existe a necessidade de se submeter a novas intervenções de reparação, cujos custos poderão ascender a 6 500,00 euros e que aterrorizam a autora.
E se é verdade que imediatamente após a intervenção para aumento do volume dos seios e, pela primeira vez que os viu, a autora apresentava o aspecto de fls. 56 e ficou satisfeita com o resultado,a verdade é também que a autora tem actualmente o aspecto de fls.13 e um tal aspecto, no que sem receio se pode afirmar como um facto notório, não é de molde a satisfazer o sentido estético de quenquer que seja, muito menos de qualquer mulher, por menos exigente que seja. Ainda menos o sentido estético de alguém que se dedica à cirurgia estética, sendo certo até que o que se vê traduz um encapsulamento que se poderá classificar de grau III à esquerda e grau II/III à direita.
Dir-se-á que esse é um risco deste tipo de intervenções. E provou-se que a intervenção do aumento do volume mamário por introdução de implante mamário apresenta um risco de 8% de encapsulamento.
E relembrar-se-á que se não afirmou a obrigação do médico, mesmo em medicina estética, como obrigação de resultado mas apenas do que pôde chamar-se, pensa-se que apropriadamente, de quase resultado. Porque há sempre algo de imprevisível na natureza humana a introduzir sempre uma dose de imprevisibilidade em qualquer intervenção cirúrgica, por mais simples que seja.
Mas se não é de resultado, a obrigação é de meios. E então há-de competir ao médico-devedor, perante um resultado não cumprido ou cumprido defeituosamente, o ónus da prova de que – art.799º, nº1 do CCivil – a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.
A ele competirá a prova de um grau de conhecimentos e de um zelo e diligência demonstrativos do emprego de todos os meios e conhecimentos e diligências adequados à obtenção do resultado ( que se não obteve ou que só defeituosamente se conseguiu ). E não apenas pela afirmação desta ou daquela diligência, deste ou daquele meio, ou desta ou daquela atitude ou opção como as que teve por adequadas, mas pela afirmação da coincidência dessas diligências, meios, atitudes ou opções com aquilo que seria adequado cumprir, por parte de um profissional qualificado, para o tipo de intervenção que ofereceu ao seu cliente.
Neste caso, no nosso caso, por maioria de razão, provado como está que o réu não estava inscrito na Ordem dos Médicos como cirurgião plástico de cirurgia reconstrutiva e estética. Acrescendo que a autora desconhecia isso mesmo – e pode perguntar-se: partiria ela para a intervenção se acaso conhecesse a não inscrição do réu como especialista na Ordem dos Médicos?
Ao réu competia o ónus da prova da ausência de culpa sua na produção do resultado, o ónus imposto pelo nº1 do art.799º.
E não basta – para que esse ónus esteja cumprido – a prova de que há, neste tipo de intervenções, um risco de 8% de encapsulamento.
O que era necessário, passe a abordagem matemática, era que o médico-devedor fizesse a prova de que a sua conduta profissional havia sido de molde a que o concreto resultado estava dentro desses 8% e não, por culpa sua, dentro dos 92% em que normalmente a intervenção tem êxito.
Mas essa prova não a fez o réu – não a fez quando:
se provou que a primeira intervenção não foi precedida de análise ou diagnóstico que permitisse saber que tipo de prótese colocar;
não se provou que o risco de 8% de encapsulamento foi explicado à autora e esta aceitou;
não se provou que as próteses implantadas na autora deslizaram, por ausência de compressão, nos polos superiores, no post-operatório;
não se provou que o encapsulamento grau IV de Baker é um risco próprio da intervenção – respostas não provado aos pontos 26, 30 e 31 da base instrutória.
É certo que se não provou também – resposta negativa ao ponto 15 – que as próteses implantadas à autora são desadequadas em tamanho à sua estrutura física.
Mas – repete-se – o ónus estava no réu, não na autora.
Não lhe competia a ela, autora, provar a desadequação mas ao réu provar a adequação.
Concluindo:
o resultado está incumprido ou cumprido defeituosamente;
dos meios, da ausência de culpa sua nos meios a contratualmente cumprir, não fez o réu prova;
consequentemente, nos termos do que dispõe o nº1 do art.799º do CCivil, o réu tornou-se responsável pelo prejuízo que causou ao credor, à autora.
~~
D E C I S Ã O
Na procedência do recurso, concede-se a revista e, revogando-se o acórdão recorrido, recupera-se a decisão de 1ª instância, e condena-se o réu CC a pagar à autora AA a quantia de 25 000,00 euros a título de danos não patrimoniais e a quantia de 6 500,00 euros a título de danos patrimoniais, no total de 31 500,00 ( trinta e um mil e quinhentos ) euros.
Custas aqui e na Relação a cargo inteiramente do réu; na 1ª instância, na proporção do vencido.


Lisboa, 17 de Dezembro de 2009

Pires da Rosa ( Relator )
Alberto Sobrinho
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Lázaro Faria
Custódio Montes ( com declaração de voto )Concordo com a decisão mas com a seguinte declaração de voto:
Qualquer obrigação se pode qualificar como obrigação de meios, na medida em que ao devedor é sempre exigível um certo grau de diligência na realização da conduta devida; mas, também, se pode qualificar como obrigação de resultado, na medida em que toda a obrigação tende a um certo resultado.
Se grande parte da doutrina já contesta a classificação das obrigações como obrigações de meios ou de resultado, muito mais o faria se se admitisse um tertium genus - "obrigação de quase resultado" -, como se defende nos fundamentos do acórdão.
Devido àquela dificuldade em estabelecer a fronteira entre obrigação de meios e obrigação de resultado, importa é considerar, caso a caso, qual o grau aleatório do resultado para, desse modo, se saber se é ou não de exigir do devedor um mero comportamento diligente ou um comportamento garantístico do resultado.
Ora, no caso dos autos, tendo a A. consultado um cirurgião que se apresentou como cirurgião plástico e que a aconselhou a submeter-se a quatro intervenções cirúrgicas, para os fins desejados pela A.- de fazer o implante mamário - sem que lhe comunicasse qualquer risco de não obter o resultado pretendido, um declaratório normal, colocado na posição da A., teria entendido não haver qualquer risco sério de o implante não ter êxito.
Por isso, à face dos factos provados, qualificamos a obrigação como obrigação de resultado, pois, no caso, não se tratava de curar uma doença, de si imprevisível, mas, antes, melhorar o aspecto estético da A., sem ter sido advertida de que corria riscos de o não conseguir.
Assim, cabia ao R. demonstrar que agiu sem culpa ao não conseguir o resultado pretendido pela A., o que não conseguiu.