Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
132/11.0TCFUN-A.L1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
EMBARGOS DE EXECUTADO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO EM GERAL / INSTÂNCIA / SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA / INCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / PAGAMENTO / VENDA / VENDA ANTECIPADA DE BENS / VENDA MEDIANTE PROPOSTAS EM CARTA FECHADA / VALOR BASE E COMPETÊNCIA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CAUSAS DE EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES ALÉM DO CUMPRIMENTO / COMPENSAÇÃO / REQUISITOS.
Doutrina:
- ANSELMO DE CASTRO, A Acção Executiva Singular, Comum E Especial, 3.ª edição, p. 276;
- ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das obrigações, 3.ª edição, Almedina, 2017, p. 453;
- EURICO LOPES-CARDOSO, Manual da acção executiva, p. 279;
- GOMES CANOTILHO VITAL MOREIRA, Constituição Da República Portuguesa Anotada, artigos 1.º a 107.º, p. 415;
- JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, II, 5.ª edição, Almedina, 1992, p. 202;
- JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª edição, p. 442/443;
- JOSÉ JOÃO ABRANTES, A exceção de não cumprimento do contrato, 2.ª edição, Almedina, 2012, p. 130-1;
- LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4.ª edição, p. 178/179;
- LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, II, 4.ª edição, Almedina, 2006, p. 202;
- MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, 2003, p. 1027.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 274.º, N.º 1, 814.º, N.º 1, ALÍNEA G) E 816.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 847.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM (CEDH): - ARTIGO 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 27-03-2003, RELATOR FERREIRA GIRÃO;
- DE 22-06-2006, RELATOR BETTENCOURT DE FARIA;
- DE 14-12-2006, RELATOR JOÃO MOREIRA CAMILO;
- DE 18-01-2007, RELATOR OLIVEIRA ROCHA;
- DE 29-03-2007, RELATOR OLIVEIRA VASCONCELOS;
- DE 28-06-2007, RELATOR PIRES DA ROSA;
- DE 26-04-2012, PROCESSO N.º 289/10.7TBPTB.G1.S1;
- DE 12-09-2013, RELATOR SILVA GONÇALVES;
- DE 01-07-2014, RELATOR PAULO SÁ;
- DE 02-06-2015, RELATOR FERNANDES DO VALE;
- DE 02-06-2015, PROCESSO N.º 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2;
- DE 11-07-2016, RELATOR SALVADOR DA COSTA, TODOS IN WWW.DGSI.PT.


-*-


ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 07-05-2015, PROCESSO N.º 7520-13.5TBOER-A.L1-8, IN WWW.DGSI.PT.
Jurisprudência Internacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):


- ACÓRDÃO LOBO MACHADO CONTRA PORTUGAL DE 20-02-1996, RECUEIL DES ARRÊTS ET DÉCISIONS 1996 - I, P. 195.
Sumário :

I Os embargos de executado, constituem a autoria de uma acção declarativa destinada a contestar o direito exercido pelo credor/exequente, através da impugnação da exequibilidade do título, quer através da dedução da materialidade que, em processo declarativo, poderia consubstanciar matéria de excepção: é uma contra-acção do devedor à acção executiva do credor.

II Esta específica função da oposição por meio de embargos limita, a se, o âmbito da actuação do executado, impedindo-o de exercer quaisquer outros direitos que possam extravasar a finalidade daquela, qual é a da extinção total ou parcial da acção executiva, e, não a encetada pela aqui Recorrente, enquanto Executada e Embargante, no seu Requerimento  Inicial de embargos, com o petitório formulado, qual foi o da dedução de um verdadeiro pedido reconvencional contra o Exequente, traduzido no reconhecido o direito da executada ao ressarcimento de danos sofridos até ao montante reclamado pelo Exequente na execução.

III Como deflui do normativo inserto no artigo 274º, nº1 do CPCivil pregresso, aqui aplicável, a função da reconvenção não é compatível com o processo executivo, maxime em sede de oposição à execução, atenta a sua natureza de pedido autonomizado dirigido ao autor.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I M nos autos de acção executiva que lhe move o BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, SA deduziu oposição, invocando, para tanto e em síntese, ter direito a ser indemnizada pelo exequente por danos que a atuação ilícita deste lhe causou, pretendendo compensar o crédito dado à execução com o crédito indemnizatório a que se acha com direito, concluindo pedindo que seja reconhecido o direito da executada ao ressarcimento de danos sofridos até ao montante reclamado pelo BCP na presente execução, sem prejuízo do que venha a reclamar noutra sede na parte que excede tal montante; que seja declarada a compensação de créditos entre o crédito exequendo e o crédito indemnizatório de que a executada é titular e em consequência, seja declarada extinta a instância executiva.

A oposição foi recebida e o exequente, regularmente notificado para contestar, pugnou pela sua improcedência, impugnando a existência do crédito compensante.

Foi proferida a sentença a julgar improcedente a oposição com o fundamento de que não se pode pretender a compensação, em oposição à execução, do crédito exequendo com um eventual crédito indemnizatório que venha a ser reconhecido neste apenso declarativo.

Com esta decisão não se conformou a Executada, Oponente, que dela recorreu de Apelação a qual veio a ser julgada improcedente com a manutenção da sentença recorrida.

De novo irresignada recorreu a Executada, agora de Revista excepcional, admitida pela Formação através do seu Acórdão de fls 693 a 697, nos termos da alínea a) do nº1 do artigo 672º do CPCivil, tendo apresentado as seguintes conclusões, no que à economia da questão decidenda concerne:

- A sentença de 1ª instância e o acórdão ora recorrido, que a confirma, perfilham uma orientação jurisprudencial que se tem vindo a insinuar recentemente, segundo a qual a compensação, arguida como causa extintiva da execução, tem de reportar-se a um crédito previamente reconhecido por decisão judicial.

- Tal orientação jurisprudencial assenta em interpretação manifestamente errónea dos preceitos que convoca.

- É inquestionável que o art. 816.° do C.P.C., devidamente conjugado com o art. 814.° do mesmo código, nas redacções aplicáveis (ou seja, nas redacções do C.P.C, revogado), determina que, não se baseando a execução em sentença, podem ser alegados como fundamento de oposição quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, o que compreenderá, em princípio, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação. Daí se entender que, sendo a compensação um facto extintivo das obrigações, pode fazer-se extinguir-se a obrigação exequenda através do recurso a tal compensação.

- Todavia, a jurisprudência em que se louvam as instâncias, conjugando os arts. 812.° e 816.°, ambos do C.P.C., com o art. 847.° do C.C. - segundo o qual constitui requisito da compensação "ser o crédito exigível judicialmente" -, conclui que, não estando o crédito judicialmente reconhecido - i.e., comprovado e declarado por sentença anterior -, é meramente hipotético, não podendo a sua verificação ter lugar no âmbito do incidente de oposição à execução, sob pena de se entorpecer ou inviabilizar a própria acção executiva.

- O erro desta jurisprudência assenta no entendimento normativo adoptado quanto ao art. 847.°, n.° 1, a) do C.C., no sentido de que a expressão "ser o seu crédito exigível judicialmente" tem o alcance de que a compensação pressupõe que já tenha havido uma comprovação judicial do contra-crédito invocado para o exercício da compensação.

- Mas não é assim, como se retira da letra da lei - exigível judicialmente não significa judicialmente já demonstrado - como do espírito do instituto, através do qual se pretende, de uma forma ampla, favorecer a operacionalidade da extinção de obrigações quando haja créditos recíprocos.

- De resto, há um grande consenso doutrinário - ao contrário do que pressupõe o acórdão recorrido - no sentido de que o requisito do art. 847.º, nº1, a), do C.C. se reporta a um crédito que pode ser judicialmente exigível, não sendo necessário que já tenha sido objecto de decisão judicial (no caso, como é óbvio, de execuções não baseadas em sentença), o qual pode, por isso mesmo, ser compensado no âmbito da oposição à execução, a qual não é mais do que uma acção declarativa enxertada no processo executivo para fazer valer um facto extintivo do direito exequenda. E há igualmente jurisprudência que sufraga essa posição, como vem assinalado no corpo das alegações.

- Não ocorrendo excepção de direito material, nem nenhuma outra das circunstâncias supra referidas [no corpo das alegações] que impeçam o reconhecimento do crédito (v.g., ser produto de uma obrigação natural ou estar dependente de prazo - a não ser quando estabelecido a favor do declarante - ou condição), o declarante pode demonstrar, no âmbito da oposição, a natureza e montante do crédito que invoca. E por isso que a oposição à execução assume o caráter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo, constituindo como que a petição inicial de uma acção declarativa, na qual deve ser apreciado e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar.

- Pelo exposto, não procede o argumento de que deve ser julgada improcedente a oposição à execução com o fundamento em que o alegado crédito compensatório de natureza indemnizatória da Oponente seria futuro e eventual - ainda dependente de uma apreciação judicial -, não podendo essa apreciação ter lugar no âmbito da oposição à execução, uma vez que esse entendimento faz uma errónea aplicação do art. 847.º, n.° 1, a), do C.C., devidamente conjugado com os arts. 814.º e 816.º do C.P.C, (na redacção aplicável do C.P.C, revogado).

- Ademais, tal entendimento normativo, pelo seu cariz desproporcionado, até é inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, tal como previsto no art. 20.º da C.R.P..

- Uma nota final apenas para referir que a circunstância do crédito invocado ter uma natureza indemnizatória - decorrente da responsabilidade civil do Exequente - não altera os dados do problema, uma vez que aquilo que está na raiz da posição das instâncias tem a ver com a circunstância do crédito da Oponente não estar judicialmente reconhecido, estando ainda pendente do julgamento da acção enxertada na oposição deduzida, situação que tanto ocorre num crédito indemnizatório, como em qualquer outro contestado pelo exequente e que careça da apreciação judicial, a ter lugar precisamente na contra-acção em que se consubstancia a oposição.

- A questão em debate nestes autos - a de saber se a compensação, arguida como causa extintiva da execução, tem de se reportar a um crédito (de natureza indemnizatória ou outra) já reconhecido por decisão judicial, o que tem a ver com o entendimento adoptado acerca do requisito do art. 847.º do C.C., no sentido de que constitui requisito da compensação "ser o crédito exigível judicialmente" - tem uma enorme relevância jurídica, sendo a sua apreciação claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, como decorre da incerteza jurisprudencial que se verifica a tal propósito, bastando recordar os arestos atrás referidos em que se sustenta a ora Recorrente (proferidos em 2015. 2016 e 2019), razão pela qual a presente revista se inscreve no âmbito do art. 672.º, n.° 1, a), do C.P.C..

Nas contra alegações o Exequente, aqui Recorrido, pugna pela manutenção do julgado.

II O único problema que se põe no presente recurso é o de saber se a Executado, em oposição à execução, pode pedir a extinção do crédito exequendo por compensação com um seu alegado direito litigioso a uma indemnização, a arbitrar no mesmo enxerto declarativo.

Para a dilucidação desta temática, os factos relevantes são os que decorrem do requerimento inicial da oposição e constam do relatório.

Vejamos.

A sentença de primeiro grau decidiu do seguinte modo:

«[A] questão que os presentes autos suscitam consiste em apurar se o crédito exequendo é susceptível de ser compensado no caso concreto no âmbito de um incidente de oposição à execução.

Os artigos 814.°, n.° 1, alínea g), e 816.° do Código de Processo Civil, prevêem que a oposição à execução pode ser fundada num facto extintivo da obrigação, como seja a compensação.

Há lugar à compensação quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados que sejam certos requisitos: ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade — cf. artigo 847.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Código Civil.

Através da compensação o devedor livra-se da obrigação, por extinção simultânea do crédito equivalente de que disponha contra o seu credor.

A declaração de compensação é um negócio jurídico unilateral, podendo denominar-se negócio potestativo porque, através dela, é exercido o direito potestativo do declarante. Consequentemente, traduzindo-se a compensação num direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido por via extrajudicial ou judicial, por via de acção ou de defesa por excepção, ou por reconvenção, conforme a situação.

Logo, a compensação pode ser exercida, no âmbito de oposição à execução, como facto extintivo da obrigação exequenda e não já de reconvenção, pois esta não é admissível em processo executivo — cf., por todos, LEBRE DE FREITAS, A Acção Executiva (Depois da Reforma), 4.a ed., págs. 178/179, e ac. do STJ de 26.04.2012, processo n.° 289/10.7TBPTB.G1.S1, disponível inwww.dgsi.pt.

No entanto, tal como foi supra referido, um dos requisitos da compensação é que o crédito invocado para a compensação seja exigível em juízo e não inutilizado por excepções, ou seja, o crédito daquele que declarar/invocar a compensação não pode ser controvertido, tem de existir de facto, estar judicialmente reconhecido.

Permitir que o executado utilize oposição à execução para através dela ver reconhecido o seu contra-crédito seria abrir caminho para entorpecer ou até inviabilizar a sua actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é a específica finalidade da execução para pagamento de quantia certa — cf., por todos, o ac. da RL de 07.05.2015, processo n.° 7520-13.5TBOER-A.L1-8, disponível in www.dgsi.pt.

Esta tem sido a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça como se pode ler no seu ac. de 02.06.2015, processo n.° 4852/08.8YYLSB-A.L1.S2, disponível in www.dgsi.pt:

«Ora bem, em recente acórdão deste Supremo (Ac. de 14.03.13, relatado pelo Ex. mo Cons. Granja da Fonseca e em que a, ora, Iª Adjunta interveio como 2ª Adjunta), exarou-se que constitui orientação jurisprudencial do STJ que, para efeitos de compensação, um crédito só se torna exigível quando está reconhecido judicialmente, admitindo-se que este reconhecimento possa ocorrer em simultâneo, mas apenas na fase declarativa do litígio, contrapondo o R. o seu crédito, como forma de operar a compensação" (Assim, Ac. de 18.01.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Rocha).

Tendo-se, igualmente, já decidido que:

"(N)afase executiva, um crédito dado em execução só pode ser compensado por outro que também já tenha força executiva (...) Donde, a compensação não pode ocorrer se um dos créditos já foi dado à execução e o outro ainda se encontra na fase declarativa " (Ac. de 22.06.06, relatado pelo Ex. mo Com. Bettencourt de Faria);

"A compensação formulada pelo executado na oposição do crédito exequendo com um seu alegado contra-crédito sobre a exequente, não reconhecido previamente e cuja existência pretende ver declarada na instância de oposição, não é legalmente admissível" (Ac. de 14.12.06, relatado pelo Ex. mo Cons. João Moreira Camilo);

"Só podem ser compensados créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação ", pelo que, "estando o crédito que a R. apresentou na contestação como sendo compensante a ser discutido numa acção declarativa pendente, deve o mesmo ser tido como incerto, hipotético, não dando direito ainda a acção de cumprimento ou à execução do património do devedor (...) Tal crédito não é, pois, exigível judicialmente, pelo que não pode ser apresentado a compensação " (Ac. de 29.03.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Oliveira Vasconcelos); e

"Para além dos requisitos substantivos que o instituto da compensação comporta e que vêm definidos no art. 847° do CC, é indispensável também que o crédito esgrimido pelo devedor contra o seu credor esteja já reconhecido, pois o processo executivo não comporta a definição do contra-direito, conforme resulta do disposto nos arts. 814°, 816°e 817°, n°l, ai. b) do CPC" (Ac. de 28.06.07, relatado pelo Ex. mo Cons. Pires da Rosa).

Esta orientação jurisprudencial foi ressaltada e perfilhada no recentíssimo acórdão de 01.07.14, deste Supremo, relatado pelo Ex. mo Cons. Paulo Sá, onde se dá conta de que decidiram em idêntico sentido os Acs. deste Supremo, de 21.11.02, 09.10.03, 27.11.03, 21.02.06, 11.07.06, 14.12.06 e 12.09.13 (acessíveis, como os demais citados, em www.dgsi.pt), acentuando-se, igualmente, em reforço do que vem sendo considerado e após se ponderar que a exigibilidade do crédito não se confunde com o seu reconhecimento, que "não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo " (negrito de nossa autoria).».

In casu, a oponente, na presente oposição à execução, invocou ser titular de um contra-crédito sobre o exequente concluindo pela compensação dos créditos e extinção da execução.

Todavia, o exequente impugnou a existência desse contra-crédito, não estando o mesmo judicialmente reconhecido, sendo, pois, controvertido. Ora, a apreciação desta matéria (reconhecimento do contra-crédito) deve ter lugar no âmbito de acção declarativa e não no âmbito de oposição à execução.

Assim, tal como exposto, a utilização da compensação em processo de embargos/oposição à execução tem que ter como fundamento um contra-crédito do executado já reconhecido judicialmente, não sendo, de todo, admissível que o reconhecimento judicial do contra-crédito tenha lugar nos autos de embargos/oposição à execução.

Assim, considerando quanto ficou expendido, tem de assentar-se em que, como tem vindo a ser entendimento da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, o invocado crédito compensante não preenche o requisito de ser judicialmente exigível, não podendo, pois, ser admitida a compensação visada pela opoente, por inverificação de tal requisito, cumulativamente imposto pelo artigo 847.° do Código Civil para a admissibilidade de tal forma de extinção da obrigação.

Donde, mesmo que a oponente lograsse provar a existência do crédito compensante nunca poderia obter qualquer efeito útil no âmbito da presente oposição à execução por não ser legalmente admissível que a sentença a ser proferida neste incidente reconheça a existência do crédito compensante e, implicitamente condene o exequente a reconhecer a existência desse crédito.

No fundo, a pretendida extinção do crédito exequendo por compensação não é passível de ser atingida mediante a dedução de oposição à execução por o crédito compensante ser um crédito não reconhecido pelo exequente e, por conseguinte, controvertido.

Logo, a defesa deduzida na presente oposição à execução de compensação de créditos não é susceptível de lograr a extinção do crédito exequendo.»

Por seu turno, lê-se no Aresto sob censura:

«[A] compensação é uma das causas de extinção das obrigações, a par de outras e além do cumprimento. Tem como pressuposto que duas pessoas sejam reciprocamente credoras e devedoras, ou seja, que cada uma delas esteja obrigada a efetuar uma prestação à outra (v. arts. 847, n.º 1, e 397 do CC).

Verificado o pressuposto, qualquer dos devedores pode livrar-se da sua obrigação por compensação com a obrigação da contraparte desde que se verifiquem os requisitos cumulativos listados nas alíneas do n.º 1 do art. 847 do CC, a saber:

a) ser o crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção de direito material, quer perentória, quer dilatória;

b) terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.

Para perceber esta alínea a), importa esclarecer o que são exceções de direito material. As categorias «exceções processuais» e «exceções materiais», por um lado, e «exceções perentórias» e «exceções dilatórias», por outro, pertencem a duas classificações diferentes, que distinguem as exceções com base em distintos critérios, embora se possam cruzar formando subcategorias dentro de cada critério. Para explicar os vários conceitos em causa, nada melhor nos ocorre do que transcrever um trecho do livro de JOSÉ JOÃO ABRANTES, A exceção de não cumprimento do contrato (2.ª ed., Almedina, 2012, pp. 130-1):

«a) Exceções processuais são as que têm fundamento e efeitos de ordem meramente processual: traduzindo-se na invocação de irregularidades processuais, podem levar à absolvição da instância (é, por exemplo, o que se passa com a incompetência absoluta do tribunal) ou, apenas, dar lugar à remessa do processo para outro tribunal (caso da incompetência relativa) – o direito que o autor invoca, se existe, fica intacto.

Exceções materiais são as fundadas em razões de direito substantivo, traduzindo-se na invocação de causas impeditivas, modificativas ou extintivas do direito do autor. Podem levar à improcedência definitiva da ação (porque o direito que o autor invoca não existe, nem pode vir a existir); mas o seu efeito pode ser apenas o de a ação não poder ser julgada desde logo procedente, por lhe faltar algum requisito de ordem substantiva, podendo todavia sê-lo mais tarde ou até mesmo desde já, embora só produzindo a condenação efeitos num momento ulterior (condenação in futurum), pois o direito do autor, não existindo ainda ou não sendo exercitável, pode todavia vir a ter existência e exercitabilidade.

b) Relativamente à distinção entre exceções perentórias e dilatórias, o critério é o de ser ou não definitiva a recusa de atendimento da pretensão do autor. Perante as primeiras, tal recusa é definitiva; quando antes se trate das segundas, então a ação pode vir a ser repetida com êxito. A distinção vem já do direito romano (…).Conforme já se disse, a contraposição operada pelo art. 493.º do C.P.C. [art. 576 do CPC 2013] corresponde à primeira das referidas classificações doutrinais, e não à segunda (com a qual apenas tem de comum os termos). O critério de distinção é, na realidade, o dos efeitos, como é fácil de ver nos n.ºs 2 e 3 do preceito. As exceções dilatórias – ou seja, as assim qualificadas pelo art. 493/2 [art. 576 do CPC 2013] – correspondem a casos de inadmissibilidade do pedido, por falta de pressupostos processuais, e conduzem ou à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal (arts. 494.º e 288.º do C.P.C.) [arts. 577 e 278 do CPC 2013], sendo em regra de conhecimento oficioso (art. 495.º) [art. 578 do CPC 2013]. Aquelas a que o art. 493.º/3 [art. 576 do CPC 2013] chama perentórias importam a absolvição, total ou parcial, do pedido, traduzindo-se em factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (…).

Na teoria do art. 493.º do C.P.C. [art. 576 do CPC 2013], a exceptio non adimpleti contractus é uma exceção perentória.

Atendendo às classificações doutrinais de exceções apresentadas, é uma exceção material dilatória – um dos poucos exemplos que pedem ser encontrados.»

No caso dos autos, temos, de um lado, a dívida exequenda emergente de contrato e, do outro, um alegado direito a uma indemnização por danos.

O direito de que a oponente se arroga ainda não tem consistência de um crédito em sentido estrito, pois ainda não impende sobre o exequente a obrigação de efetuar uma prestação indemnizatória à oponente, tão-pouco sabemos se virá a impender. A compensação pretendida não está em condições de ser exercida em ação executiva, nem sequer podemos ter a certeza de que venha a reunir essas condições mais tarde, pois o direito da oponente está dependente da incerta procedência de uma ação na qual demonstre os factos que sustentam a pretendida indemnização.

Ou seja, o direito que a oponente quer fazer valer não é desde já exequível, e poderá mesmo não vir a sê-lo, caso não venha a demonstrar os factos integradores da responsabilidade civil do exequente.

Sobre a questão já se pronunciaram os tribunais inúmeras vezes,

(…)

Também na doutrina, e ao contrário do afirmado pela recorrente, se tem afirmado consistentemente que a exigibilidade e exequibilidade do contra crédito é um dos requisitos da compensação. Assim sucede, nomeadamente, na doutrina citada pela oponente para justificar a sua posição, contrária.

Vejamos alguns exemplos.

JOÃO DE MATOS ANTUNES VARELA, Das obrigações em geral, II, 5.ª ed., Almedina, 1992, p. 202:

«Validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito (do compensante), do crédito ativo. Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coativa do crédito (contra crédito) que se arroga contra este. A alínea a) do n.º 1 do artigo 847.º concretiza esta ideia, explicitando os corolários que dela decorrem: o crédito do compensante tem de ser exigível judicialmente e não estar sujeito a nenhuma exceção, perentória ou dilatória, de direito material.» (os negritos são nossos, nesta transcrição e nas próximas).

MÁRIO JÚLIO DE ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Almedina, 2003, p. 1027:

«Consiste outro requisito na validade, exigibilidade e exequibilidade do contra crédito. Com efeito, estatui o n.º 1, al. a), do art. 847.º, que o crédito invocado pelo compensante terá de ser “exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material”.».

ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, IX, Direito das obrigações, 3.ª ed., Almedina, 2017, p. 453:

«Podemos, agora, reescalonar a exigibilidade como requisito da compensação. No fundo, ela traduz a necessidade de que os créditos em presença possam ser cumpridos. Quanto ao crédito ativo, isso implica: - que seja válido e eficaz; - que não seja produto de obrigação natural; - que não esteja pendente de prazo ou de condição; - que não seja detido por nenhuma exceção; - que possa ser judicialmente atuado; - que possa extinguir por vontade do próprio. As duas últimas proposições afastam a compensação em créditos de personalidade ou de natureza familiar, que não admitam execução judicial ou que sejam indisponíveis.»

LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito das obrigações, II, 4.ª ed., Almedina, 2006, p. 202:

«Para que a compensação se possa verificar é ainda necessário que o crédito do declarante seja judicialmente exigível, e que o devedor não lhe possa opor qualquer exceção, perentória ou dilatória, de direito material (art. 847.º, n.º 1 a)). Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coativa da prestação.»

O trecho transcrito nas alegações de recurso dizia respeito ao crédito do declaratário, daquele contra quem a contraparte pretende exercer a compensação, cujos requisitos são menos exigentes, podendo até ser constituído por obrigação natural.

Em suma: No apenso declarativo de oposição a uma ação executiva, não se pode pretender compensar o crédito exequendo com um futuro e eventual crédito indemnizatório, pelo que se confirma a sentença que julgou a oposição manifestamente improcedente, na medida em que destinada apenas a operar uma compensação com eventual crédito, no momento, pelo menos, inexequível.».

Insurge-se a Recorrente contra a tese defendida pelas instâncias uma vez que no seu entendimento, é inquestionável que os artigos 816º e 814º do CPCivil pregresso, determinam que, não se baseando a execução em sentença, podem ser alegados como fundamento de oposição quaisquer outros que seria lícito deduzir como defesa no processo de declaração, o que compreenderá, em princípio, qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, daí se entender que, sendo a compensação um facto extintivo das obrigações, pode fazer-se extinguir-se a obrigação exequenda através do recurso a tal compensação.

Contudo, esse facto extintivo deverá estar definitivamente determinado e não, como no caso sub judice, constituir apenas uma probabilidade sujeita às regras decorrentes da alegação e prova do direito que a parte se arroga.

Se não.

Os embargos de executado, constituem a autoria de uma acção declarativa destinada a contestar o direito exercido pelo credor/exequente, através da impugnação da exequibilidade do título, quer através da dedução da materialidade que, em processo declarativo, poderia consubstanciar matéria de excepção: é uma contra-acção do devedor à acção executiva do credor, cr Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum E Especial, 3ª edição276; Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, 279.

Esta específica função da oposição por meio de embargos limita, a se, o âmbito da actuação do executado, impedindo-o de exercer quaisquer outros direitos que possam extravasar a finalidade daquela, qual é a da extinção total ou parcial da acção executiva, e, não a encetada pela aqui Recorrente, enquanto Executada e Embargante, no seu Requerimento  Inicial de embargos, com o petitório formulado, qual foi o da dedução de um verdadeiro pedido reconvencional contra o Exequente, o que resulta vítreo das pretensões formuladas traduzidas no reconhecido o direito da executada ao ressarcimento de danos sofridos até ao montante reclamado pelo BCP na presente execução, sem prejuízo do que venha a reclamar noutra sede na parte que excede tal montante, na declaração da compensação de créditos entre o crédito exequendo e o crédito indemnizatório de que a executada é titular e em consequência do assim declarado, a extinção da instância executiva.

Como deflui do normativo inserto no artigo 274º, nº1 do CPCivil pregresso, aqui aplicável, a função da reconvenção não é compatível com o processo executivo, maxime em sede de oposição à execução, atenta a sua natureza de pedido autonomizado dirigido ao autor.

De outra banda, a compensação aqui arvorada pela Recorrente só poderia operar em termos de, com a mesma, se obter desde logo a extinção da acção executiva, se o crédito aqui oposto fosse judicialmente exigível, nos termos do artigo 847º, nº1, alínea a) do CCivil, o que não acontece, pois o que aquela pretende é, antes, que o Tribunal o reconheça e na sequência desse reconhecimento, que proceda à sua compensação, o que não é de todo em todo viável em sede de embargos de executado, cujo âmbito é diverso, cfr inter alia os Ac STJ de 2 de Junho de 2015 (Relator Fernandes do Vale, em que a Relatora interveio como Primeira Adjunta e o Primeiro Adjunto como Segundo Adjunto); 1 de Julho de 2014 (Relator Paulo Sá),12 de Setembro de 2013 (Relator Silva Gonçalves),14 de Dezembro de 2006 (Relator João Camilo); 11 de Julho de 20016 (Relator Salvador da Costa) e 27 de Março de 2003 (Relator Ferreira Girão), in www.dgsi.pt.

A significância da expressão «judicialmente exigível», não passa por uma mera eventualidade e/ou possibilidade de o titular do pretenso crédito poder ou não suscitar a intervenção do Tribunal para efectivar a sua pretensão, implicando, antes, que tal pretensão já se mostre devidamente efectivada e o crédito efectivamente reconhecido.

A interpretação assim gizada e delineada, no que toca à interpretação da possibilidade do exercício da compensação em sede de embargos, não conflitua, de todo em todo, com o direito a um processo equitativo consagrado no artigo 20º, nº4 da CRPortuguesa.

Se não.

O carácter equitativo do procedimento, implica, pela própria noção de equidade, o cumprimento de algumas exigências genéricas, quais sejam, a igualdade de armas, direito ao contraditório, participação efectiva e fundamentação da decisão, sendo esta a jurisprudência que vem sendo firmada a este respeito pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem na esteira do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem a partir do Acórdão Lobo Machado contra Portugal de 20 de Fevereiro de 1996, cfr Recueil des arrêts et décisions 1996 - I, 195.

Mas a exigência de um processo equitativo não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, o que implica, para além do postulado da efectividade do direito de defesa, do exercício do contraditório e da igualdade de armas, que o mesmo seja exercido dentro dos parâmetros regulamentados por aquele e assim sendo, na espécie, a actuação das partes não deixa de ficar limitada às contingências formais impostas pelo meio processual aplicável, contingências essas que de modo algum impedem uma actuação em plena concordância com o exercício do direito de defesa pelas partes, cfr Gomes Canotilho Vital Moreira, Constituição Da República Portuguesa Anotada, artigos 1º a 107º, 415; Jorge Miranda - Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I-2ª edição, 442/443.

Não se antolha, pois, que a recusa da pretensão da Recorrente em fazer declarar e reconhecer o seu eventual direito a ser indemnizada pelo Recorrido, em sede de embargos, na medida em que tal seria admitir a possibilidade de dedução de pedido reconvencial na acção executiva, viole o direito a um processo equitativo, por se mostrar materialmente inadequado a uma tutela judicial efectiva.

Entendemos serem correctas as decisões de direito das instâncias no que tange a esta problemática da compensação, mantendo-se assim quer a doutrina tradicional, quer a jurisprudência firmada a propósito.

Soçobram, pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão ínsita no Acórdão impugnado.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 4 de Julho de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho