Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
10180/15.5T8CBRT-A.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
CITAÇÃO PRÉVIA
INTERPELAÇÃO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
FIADOR
RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO
CUMPRIMENTO
PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO / PRAZO DE PRESTAÇÃO / NÃO CUMPRIMENTO / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / MORA DO DEVEDOR.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE EXECUÇÃO / DISPOSIÇÕES GERAIS / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / FASE INTRODUTÓRIA.
Doutrina:

-ANA PRATA, Dicionário Jurídico, Volume I, 5.ª Edição, Almedina, p. 641;
-ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, Volume II, 7.ª Edição, Almedina, p. 53-54,
-CARLOS LOPES DO REGO, Requisitos da Obrigação Exequenda, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV, n.º 7, 2003, Almedina p. 70-71;
-CASTRO MENDES, Direito Processual Civil , Acção Executiva, Edição da AFDL, 1071, p. 13;
-FERNANDO GRAVATO DE MORAIS, Contratos de Crédito ao Consumo, Almedina, p. 311;
-INOCÊNCIO GALVÃO TELLES, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, Coimbra Editora, p. 250 e ss.;
-LEBRE DE FREITAS, A Ação Executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª Edição, Coimbra Editora, p. 185;
-MANUEL JANUÁRIO GOMES, Assunção Fidejussória de Dívida, Colecção Teses, Almedina, p. 962;
-PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil, Anotado, Volume II, 4.ª Edição, Coimbra Editora, p. 33;
-RUI PINTO, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, p. 345-348.

Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 781.º, N.º 1,782.º E 805.º, N.º 1;
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 713.º, 726.º E 727.º.
PROPOSTA DE LEI Nº 113/XII (PL 521/2012), DE 22-11-2012, IN WWW.PARLAMENTO.PT.

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 10-05-2007, PROCESSO N.º 07B841, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 15-12-1999, IN BMJ, N.º 492, P. 483.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

-DE 06-12-2016, PROCESSO Nº 195/13.3TBPCV-A.C1.
Sumário :
I - Seguindo a execução para pagamento de quantia certa a forma de processo comum ordinário – na qual a citação prévia constitui o procedimento-regra – a citação levada a efeito vale como interpelação judicial aos executados nos termos e para os efeitos do art. 805.º, n.º 1, do CC, no caso, para cumprimento das prestações e acréscimos do contrato de mútuo considerados como estando em dívida (arts. 726.º e 727.º do CPC).

II - Essa interpelação apenas confere à obrigação exequenda o indispensável atributo da exigibilidade, não se reconduzindo a qualquer declaração resolutiva do contrato, já que, lançando o credor mão do mecanismo do vencimento ou exigibilidade antecipada da dívida pagável em prestações, reclamando a totalidade desta, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, tem o mesmo em vista a consideração do contrato como válido (no qual permanece interessado) e não a sua resolução/extinção (art. 781.º, n.º 1, do CC, e art. 713.º do CPC).

III - Não se estendendo tal direito de exigir o imediato cumprimento de todas as prestações do contrato por solver aos executados-fiadores (art. 782.º do CC) e ignorando-se qual o montante das prestações efectivamente vencidas (i.e., cujos prazos de pagamento, à data do ingresso da acção, já haviam decorrido) – únicas que o exequente podia exigir deles – é de concluir que, quanto a esses executados, a obrigação não pode ter-se como exigível.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]



I – RELATÓRIO


1. AA, BB, CC e DD vieram, por apenso aos autos de execução ordinária nº. 10180/15.5T8CBR, deduzir embargos de executado contra “CAIXA EE (EE)”, alegando em síntese que:

- em 28/05/2009 foi realizado um contrato de locação financeira imobiliária entre a FF, Lda, empresa do Executado AA, e o GG, através do contrato n.º 18/6 e onde foram creditados na conta à ordem da empresa a quantia de € 201.558,23.;

- porque houvesse atrasos e dificuldades no pagamento das prestações, por proposta do GG, foi feita a cedência da posição do contrato supra referido;

- passados alguns meses, o Executado AA, foi contactado pelo GG para o informar de que haveria ainda uma divida do referido contrato, sem no entanto especificar o valor;

- pressionado pelo GG, e tendo-lhe este feito crer que era da sua responsabilidade a assunção dessa divida, o Executado AA acabou por aceder em assinar um contrato de regularização de responsabilidades em nome pessoal e com fiadores;

- o Executado Vasco só subscreveu o contrato com o GG para regularização, porque este maliciosamente o fez crer ser da sua responsabilidade a assunção da divida, e não do cessionário, caso contrário nunca aceitaria assumir a divida;

- por outro lado, era condição dos Executados, que a Exequente fornecesse as contas devidas, dos valores que haveria em débito e para o qual estava a reclamar a necessidade de realização do contrato que ora executa, o que nunca aconteceu.

- apesar desta negociação e do acordo existente nunca foi entregue aos Executados cópia do contrato assinado, pelo que nunca souberam em concreto quais as condições a que estavam sujeitos, sendo desde logo inexigível a liquidação de qualquer valor;

- o Exequente, pela comunicação de 14/03/2014, vem exigir o pagamento de um valor total de € 681,10; todavia, os Executados nunca tiveram acesso ao referido contrato ai referido nem à carta, por a mesma nunca ter sido recepcionada pelos Executados, só tomando conhecimento da mesma através da presente ação;

- os Executados nunca foram interpelados para pagar o valor do contrato, como teria obrigatoriamente de ser, através da resolução contratual e só com esta resolução os Executados teriam entrado em mora, mantendo-se para os Executados o contrato em vigor, até pelos pagamentos que continuam a realizar, continuando o Exequente a cobrar os valores das prestações, mesmo depois da entrada da presente execução.

- a quantia exequenda não é exigível, porque não está vencida, uma vez que o Exequente nunca resolveu o contrato.

- Também não é líquida, pois o valor não está numericamente determinado.

Pugnam pela procedência da oposição.


2. O Exequente apresentou articulado de defesa, nele impugnando a matéria aduzida pelos Embargantes, pugnando pela improcedência dos embargos.

Alegou, em síntese, que:

- foi entregue uma cópia do contrato às partes contraentes.

- quanto à resolução do contrato, a mesma operou os seus efeitos, na sequência do incumprimento verificado, por ausência da realização dos pagamentos devidos nos termos acordados contratualmente, o que veio a determinar o vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.

- visto que o contrato, objeto dos presentes autos, apresentava datas certas e devidamente determinadas para o pagamento de cada prestação de reembolso, a falta de pagamento das respetivas prestações, aquando do prazo estipulado para cada uma delas, veio a consubstanciar uma situação de mora, mora que se constituiu independentemente da interpelação realizada, nos termos e para os efeitos do que dispõe a alínea a), do n.º 2, do artigo 805º , do Código Civil.

- uma vez que não foi em momento algum regularizada integralmente pelos Embargantes, veio a mora a converter-se em incumprimento definitivo, de acordo com o que preceitua o art. 808º do Código Civil,

- nos termos do disposto no art. 781.º do Código Civil, o incumprimento de uma das prestações provocou a imediata exigibilidade da totalidade das prestações do contrato, através do vencimento antecipado de todas as prestações vincendas.

- caso assim não se entenda, a resolução operada, sempre operaria os seus efeitos e seria do conhecimento dos Embargantes através da citação realizada nos presentes autos, sempre se tendo de considerar que a mesma operou os seus efeitos.


3. Em sede de despacho saneador, entendeu a Exma. Juíza de 1ª instância que o estado do processo permitia, sem necessidade de mais prova, apreciar a totalidade do pedido.

E assim fazendo, concluiu com o decisório seguinte:

- Pelo exposto, decide-se julgar totalmente procedente a presente oposição à execução por meio de embargos de executado e nessa sequência, ao abrigo do disposto no artigo 732.º n.º 4 do CPC, declara-se extinta a execução apensa.

Custas pela embargada/exequente.”


4. Inconformada, a Exequente interpôs recurso de apelação para a Relação de Coimbra, cujo acórdão foi rematado com o dispositivo que segue:

- Pelo exposto, decide-se a final, julgar o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida que julgou procedente a oposição à execução por não verificação dos requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, determinando-se que os autos prossigam com a apreciação e decisão sobre as demais questões suscitadas como fundamento para a dedução da oposição à execução.

Custas pelos Executados/opoentes/recorridos.


5. Por sua vez irresignados, os Executados interpuseram o vertente recurso de revista, cujas alegações findam com as seguintes conclusões:

A) - De acordo com o nosso entendimento não se pode considerar que com a citação se operaria a resolução, tal hipótese foi afastada do novo CPC, e hoje a interpelação terá de ser anterior à propositura de execução, o que não aconteceu.

B - No seu douto Ac. o Venerando Desembargador, aponta o rumo certo ao referir:

"Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812°-A, n.° 1, alíneas c) e d) e 812°-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que - nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora - terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva».

Já não nos parece curial a restante posição assumida, pois apesar da reentrada das formas sumária e ordinária, sempre o código manteve a mesma perspectiva de funcionamento, nada suportando a posição do Venerando Desembargador, ao afirmar:

"...sendo que a forma ordinária corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, regulada nos arts. 724° e segs. do n. C. P.Civil".

D) - O novo Código, mantém a possibilidade de dispensa de citação prévia, que com os seus elementos consubstanciadores acaba por ser a regra da execução e mesmo no anterior CPC, não havendo formalmente separação entre execuções sumárias e ordinárias, existia essa separação em função do valor/alçada, onde a regra era a citação prévia e era obrigatória a declaração resolutiva, anterior à propositura da acção.

Diz o ac. ora recorrido, que a citação prévia permite suprir a declaração resolutiva antes da agressão do património, que já era a posição anterior, e obrigava à resolução prévia à execução cremos que o legislador ao pretender esta declaração resolutiva, prévia à execução, foi para que a divida existente fosse certa, líquida e exigível, para o devedor poder liquidar essa divida, evitando despesas acrescidas com a execução e evitar uma eventual agressão ao seu património.

F) - Desta forma consideram a posição do tribunal de 1a instância absolutamente correcta na sua decisão, em contrário à posição o recorrido acórdão.

G) - Mas caso a nossa anterior posição não seja sufragada, sempre se considera que existe, de igual modo, uma flagrante contradição expressa no próprio acórdão, já que o mesmo refere:

"Ora, no caso vertente, na imediata sequência do segmento antes transcrito, isto é, que poderia proceder-se à resolução imediata do contrato e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da divida, foi expressamente acordado que tal só poderia ser operado "se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% (dez por cento) do montante total do crédito;

b) ter a EE, sem sucesso, concedido ao(s) cliente (s), um prazo suplementar mínimo de 15 (quinze) dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do beneficio do prazo ou da Resolução do contrato. "

O que tudo serve para dizer que revertendo estes ensinamentos ao caso ajuizado, o que se constata é que no mesmo foi utilizada uma cláusula que identificou com precisão o número de incumprimentos que justificaria o direito de resolução, e uma outra que estabeleceu a necessidade de concessão de uma moratória admonitória, donde, na linha do vindo de expor, desde que verificados estes pressupostos, não se poderia objectar à legitimidade e validade de uma resolução ao abrigo da mesma/

Sem embargo do vindo de dizer, continuamos a esbarrar com um obstáculo intransponível: é que nem se vislumbra que se possa sustentar que estavam in casu positivamente verificadas as exigências constantes dessas duas cláusulas, nem, decisivamente, veio a ser operada a resolução por declaração.

H) - O douto acórdão, concorda com a posição do tribunal de 1a instância de que não estavam reunidos os pressupostos para a aplicação da cláusula resolutiva expressa, e existe desta forma uma ligação entre as duas partes da decisão, colocando em causa a decisão de mérito da causa.

I) - Pois é o próprio acórdão ora recorrido que refere "...quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (...) a obrigação considera-se vencida pela citação", Mas pelo supra exposto a inexigibilidade, no caso presente, não resulta só da falta de interpelação, mas pelo facto de não se encontrarem reunidas as condições para a aplicação da cláusula resolutiva expressa.

J) - Então o douto acórdão contradiz-se ao referir que "Importa, então concluir que estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela Exequente/recorrente.", isto quando anteriormente afirma não estarem verificadas as exigências constantes dessas duas cláusulas, logo dos requisitos contratualmente estabelecidos.

Em Síntese:

O douto acórdão recorrido violou o disposto na alínea c) do n.° 1 do artigo 615° do Código Civil e nos termos da decisão da 1a instância, o artigo 715°, n.° 3, do CPC, "na parte em que na redacção do Cód. de Proc. Civil conferida pelo DL n° 329-A/95 de 12.12, o art.° 804° n° 3 previa a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação no processo executivo (« quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (...) a obrigação considera-se vencida com a citação do executado»), mas tal hipótese desapareceu na redacção introduzida ao artigo pelo DL n° 38/2003 de 8.3, situação que se manteve inalterada na redacção decorrente do DL n° 226/2008 de 20.11 e assim permaneceu no actual Código de Proc. Civil, na redacção decorrente da Lei n° 41/2013 de 26.6)", devendo tais normas ter sido interpretadas e aplicadas em conformidade com as conclusões que antecedem.

Concluem defendendo que, na procedência do presente recurso, deve ser revogado o acórdão recorrido, e substituído por outro que acolha a materialidade fluente das conclusões tecidas.



8. Não foram apresentadas contra-alegações.


Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


II – FACTOS  

No acórdão recorrido foi dada como provada a matéria que segue:

1. O exequente Caixa EE, instaurou em 25.11.2015, o processo executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados contra os executados AA, BB, CC e DD, com vista à cobrança coerciva de créditos no valor global de €37.137,65.

2. No processo executivo ao qual os presentes autos se encontram apensados é título executivo um contrato de crédito individual celebrado no dia 10 de Julho de 2013, entre o exequente e os executados BB e AA, na qualidade de mutuários, e CC e DD, na qualidade de fiadores.

3. Através do referenciado contrato, o exequente concedeu aos executados BB e AA a quantia de € 41.904,19 (quarenta e um mil novecentos e quatro euros e dezanove cêntimos), da qual estes se confessaram devedores.

4. Pelos executados CC e DD foi dito que se confessavam e constituíam como fiadores e principais pagadores das dividas contraídas pelos mutuários no âmbito do supra mencionado contrato, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia.

5. O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 120 (cento e vinte) meses e deveria ser reembolsado em 120 (cento e vinte) prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, à taxa convencionada.

6. Os executados deixaram de cumprir pontualmente as obrigações contratuais de pagamento das prestações acordadas no contrato.

7. Do contrato referido em 2) consta o seguinte:

Em caso de incumprimento contratual por parte do(s) cliente(s) de qualquer obrigação emergente deste contrato, a EE, poderá proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da obrigação de reembolso, exigindo o pagamento imediato da divida se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

a) a falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% (dez por cento) do montante total do crédito;

b) ter a EE, sem sucesso, concedido ao(s) cliente(s), um prazo suplementar mínimo de 15(quinze) dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do beneficio do prazo ou da resolução do contrato.

Sem prejuízo do disposto no número anterior e/ou de quaisquer outros direitos que lhe sejam conferidos, pela lei ou pelo presente contrato, a EE reserva-se o direito de resolver o presente contrato, declarando vencidas as responsabilidades no mesmo garantidas e exigindo o seu cumprimento imediato, caso ocorra o incumprimento, ainda que parcial, pelo(s) cliente(s), de qualquer das obrigações a que o(s) clientes se tenha(m) vinculado em qualquer outro contrato de financiamento celebrado ou a celebrar com a EE e/ou com quaisquer outras instituições de crédito ou financeiras, nacionais ou internacionais.

Quaisquer comunicações escritas que a EE remeta ao cliente serão enviadas por meio de carta simples e sem aviso de receção para o endereço constante da base de dados de clientes, que se obriga, desde já a manter actualizado, o qual para efeito das referidas comunicações, incluindo citação ou notificação judicial, se considera ser o domicilio convencionado.

Os intervenientes declaram aceitar as cláusulas gerais e condições particulares do presente contrato de que todos receberam cópia.

7. Por carta datada de 14.3.2014 o exequente enviou aos executados uma comunicação escrita, da qual consta o seguinte: «Contº nº 177-26-101287-2 .O contrato em referência foi afeto ao GG Recuperação de Crédito ACE. Todavia, não desejamos instaurar, desde já, a competente ação judicial sem tentar, uma vez mais, a regularização extrajudicial. Aguardamos por isso, que até ao dia 28.3.2014, V. Exa proceda à regularização da divida, que à data da emissão desta carta, ascende a 525,10 euros. Conforme previsto no preçário, serão cobradas despesas, acrescidas do imposto de selo, no montante de 156,00 euros, relativas à correspondente desafetação.(…).Certos de que considerará esta oportunidade para regularizar a situação contratual (…)».


III – DIREITO


1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. nos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do NCPC[2], o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

      De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que os Executados/Embargantes ultimam as respectivas alegações, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas; e que são saber:

     - se com a citação dos aludidos Executados para a acção executiva se operou, ou não, a resolução do contrato de crédito por eles e Exequente/Embargado celebrado;

     - no caso de resposta afirmativa a essa pergunta, se existe contradição no acórdão recorrido ao decidir estarem verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, quando antes se decidiu pela inverificação das exigências constantes das duas cláusulas resolutivas do contrato, ou seja, não se acharem preenchidos os requisitos contratualmente estabelecidos para que a extinção do contrato, mediante tais cláusulas, pudesse ocorrer.


  2. No que concerne a essa primeira equacionada questão, sustentam os aqui Recorrentes que não se pode considerar – diversamente do decidido no Acórdão recorrido ‑ que com a citação dos Executados para a acção executiva se operou a resolução do contrato de crédito por eles e Exequente/Recorrido celebrado, pois tal hipótese acha-se afastada do novo Código de Processo Civil, sendo que, hoje, a interpelação terá que ser anterior à propositura de execução, o que “in casu” não aconteceu.

Com efeito – mais aduzem‑, apesar do restabelecimento, com esse novo Código, das formas sumária e ordinária de execução, este Diploma manteve a mesma perspectiva de funcionamento, ou seja, a possibilidade de dispensa de citação prévia, o que, com os seus elementos consubstanciadores, acaba por ser a regra no processo executivo, tal como o anterior Código, em que, não havendo formalmente separação entre execuções sumárias e ordinárias, existia essa separação em função do valor/alçada, sendo regra a citação prévia, e, no entanto, obrigatória a declaração resolutiva anterior à propositura da acção.

Desta forma – acrescentam para concluir‑ consideram os Recorrentes a posição do Tribunal de 1ª instância absolutamente correcta, ao invés do sucedido com o acórdão ora em crise.

            Vejamos.

    No douto aresto recorrido, e com atinência às questões aí submetidas, começou por se formular a interrogação seguinte:

- “Será correta a decisão do Tribunal a quo assente no entendimento de que não se podia considerar que a Exequente optara efetivamente pela resolução dos contratos ou a efetivara de modo eficaz e válido?”

Para logo de seguida se responder: “Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório! – pode e deve efetivamente ser sancionado essa 1ª vertente do entendimento perfilhado na decisão recorrida, na medida em que nesse particular apreciou adequadamente a situação.”

Acrescentando: “Sucede que tal não terá como consequência o (integral) acolhimento da decisão recorrida, na medida em que, em nosso entender, soçobra a 2ª vertente em que se louvou a decisão recorrida – a saber, no aspeto em que não considerou suprida a resolução pela citação (dos Executados) da propositura da acção executiva – relativamente ao que o nosso entendimento é diverso.

Senão vejamos”.

E nesta sequência, após fundamentar, recorrendo a elementos de índole doutrinal e jurisprudencial devidamente explicitados, esse adiantado concordante veredicto com o equacionado primeiro segmento da sentença apelada, reiterando: “nada a censurar a esta 1ª vertente do entendimento perfilhado na decisão recorrida”, de imediato se plasmou:

- “Assente isto, vejamos agora do (des)acerto da 2ª vertente do entendimento subjacente a essa mesma decisão.

Recorde-se que consiste ela no entendimento de que não se pode considerar que a resolução foi comunicada e operada com a citação dos executados nos presentes autos.

Que dizer?”

E prosseguindo: “Que esse entendimento era defensável no período temporal que antecedeu a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil, mas deixou de o ser na vigência deste, pelo que, na medida em que a situação ajuizada se reporta a uma execução “ordinária” à qual é aplicável o dito novo Código de Processo Civil[3], esse entendimento naufraga inapelavelmente.

Senão vejamos.

Mais concretamente, temos que na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art. 804º, nº 3 prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação, operando-se então o vencimento da obrigação com a citação no processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.

Tal hipótese desapareceu na redação introduzida ao artigo pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.

Comentando essa eliminação, foi doutamente sublinhado o seguinte: «É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no artigo 805º, nº 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo.

Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos artigos 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva. [4]» .

Sucede que esta última objecção não procede quando está em causa – como no caso vertente! – uma execução “ordinária” à qual é aplicável o novo C.P.Civil.

É que, consabidamente, com a dita Reforma do Processo Civil de 2013 no âmbito do processo executivo, teve lugar o retorno à divisão entre forma ordinária e forma sumária (cf. art. 550º do n.C.P.Civil), sendo que a forma ordinária corresponde à execução com citação prévia e constitui a forma-regra, regulada nos arts. 724º e segs. do n.C.P.Civil.

É certo estar prevista a possibilidade de dispensa dessa citação prévia, mas na medida em que a citação prévia é o regime-regra nesta forma de processo, o pedido de dispensa dessa citação prévia constitui verdadeiramente um elemento eventual e opcional que, apenas sendo disso caso, constará do requerimento executivo.[5]

Neste sentido é paradigmático o que consta da “Exposição de Motivos” que presidiu à Reforma do Processo Civil, traduzida na Proposta de Lei nº 113/XII (PL 521/2012 - 2012.11.22)[6] , particularmente no seguinte segmento:

«(…)

No que toca à tramitação do processo executivo comum para pagamento de quantia certo, retoma-se a distinção (abandonada, sem proveito, em 2003), entre forma ordinária e forma sumária. A forma sumária - caracterizada por penhora imediata, com dispensa da intervenção liminar do juiz e da citação prévia do executado, sendo o requerimento executivo remetido, sem autuação e por via electrónica, para o agente de execução - empregar-se-á quando o título executivo for uma decisão arbitral ou judicial (quando esta não deva ser executada no próprio processo), um requerimento de injunção ao qual tinha sido aposta fórmula executória, um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor, ou um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância. Na forma ordinária, assegura-se a intervenção liminar do juiz e a citação do executado em momento anterior à penhora. Em face desta nova formulação, haverá um maior controlo judicial na fase introdutória da execução, pois execuções que até agora principiavam pela penhora passarão a ser submetidas a despacho liminar, o que reforçará as garantias do executado. Ainda assim, nas execuções que devam seguir a forma ordinária, é prevista a possibilidade de o exequente obter a dispensa de citação prévia do executado, com carácter de urgência, se demonstrar a verificação dos requisitos do justo receio da perda da garantia patrimonial, aplicando-se, de seguida, a tramitação do processo executivo sumário.

(…)»

Ora, no caso vertente, não foi alegado nem resulta que tenha tido lugar a dispensa da citação prévia, pelo que, em consonância com o já referido regime-regra duma execução ordinária, foram os aqui Executados citados ab initio, isto é, em momento anterior à penhora.

O que tudo serve para dizer que no caso vertente, em relação aos Executados, com a sua citação (prévia), teve lugar o exercício do direito potestativo de resolução do contrato, com a concomitante interpelação para o pagamento do montante total em dívida, montante este tornado exigível por via do seu operado vencimento.

Com o que ficaram salvaguardadas as garantias dos executados, nomeadamente tendo os mesmos, logo nesse momento prévio, podido exercer o contraditório relativamente a essa interpelação do vencimento da dívida.

De referir que este entendimento que estamos a perfilhar já estava suficientemente expresso no aresto que foi invocado na decisão recorrida[7] , designadamente na sua nota (12), como, aliás, igualmente decorria do ponto “IV” da sua síntese conclusiva quando se dizia que esse regime (ter desaparecido a possibilidade de que a interpelação fosse substituída pela citação) decorrente da redação introduzida ao artigo 804º do Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03 “permaneceu até ao actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06)”, o que, obviamente, não significava que esse fosse o regime no ou do atual/novo Código de Processo Civil…

Ocorre que, tanto quanto é dado perceber, não foi esse entendimento devidamente interpretado, antes se truncou literalmente o seu sentido, pois que, ao transcrevê-lo, grafou-se que o dito regime “permaneceu no actual Código de Processo Civil (na redacção decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06)”

Importa, então, concluir que estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela Exequente/recorrente.

Posto que, no quadro normativo aplicável à situação, a citação (prévia) dos Executados permitiu efetivamente suprir a necessidade de manifestação e comunicação a estes da vontade de resolver os contratos por parte da Exequente, ainda que unu actu com a instauração da execução!”

E assim se rematou:

- “Termos em que procede este argumento recursivo, impondo-se revogar a decisão recorrida (que julgou procedente a oposição à execução por não verificação dos requisitos de exigibilidade da quantia exequenda), e determinar que os autos prossigam com a apreciação e decisão sobre as demais questões suscitadas como fundamento para a dedução da oposição à execução.”

Vertida esta explanação integrante do douto acórdão ora sob censura, não vemos, salvo o muito respeito, como não sobraçar a mesma, enquanto nela se considera que, correspondendo à execução ora embargada a forma de processo comum ordinário, a citação prévia levada a efeito na mesma vale[u] como interpelação dos Executados, nos termos e para os efeitos do n.º 1, do art. 805.º, do Cód. Civil.

Na verdade, e antes de mais, indúbio que tal citação não pode deixar de ser tida como uma interpelação judicial efectuada, mediante iniciativa do Exequente, em relação a tais Executados, para o cumprimento das prestações – e acréscimos - do contrato de mútuo considerados como estando em dívida.

E mesmo aderindo à objecção/restrição sustentada por Carlos Lopes do Rego – conforme a douta exposição deste ilustre processualista inserta no segmento do acórdão acima reproduzido -, também não pode deixar de se entender que, face ao actual Código de Proc. Civil, e considerando o caso das execuções ordinárias para pagamento de quantia certa – como a vertente -, a realização de citação prévia constitui – ao invés do afirmado pelos Recorrentes -, o procedimento-regra.

Tal resulta, claramente, do confronto entre o disposto nos arts. 726.º e 727.º.

E assim, “naturalmente” vai nesse sentido o ensino do Prof. Lebre de Freitas[8], sendo que começando por referir que “[a] revisão do Código aboliu o despacho liminar, como regra, na ação declarativa, mas manteve-o na ação executiva”, acrescenta:

- “A reforma da ação executiva continuou a afirmar, como regra, a necessidade do despacho liminar, mas introduziu tantas exceções que ele passou a constituir estatisticamente uma exceção. O novo código, ao desdobrar em ordinária e sumária a forma de processo comum, impõe na primeira o despacho liminar e dispensa-o na segunda. “

E referindo ainda: “Aliás, esse controlo judicial prévio constitui a característica fundamental da forma ordinária em face da forma sumária”, remata:

- “O despacho liminar pode ser, nos termos gerais, de indeferimento, de aperfeiçoamento ou de citação.”

Mais à frente[9], cuidando da forma sumária de execução, depois de referir que “[o] regime do processo sumário pouco diverge do processo ordinário[…]” , precisa:

- A principal diferença reside em que não há, em regra, despacho liminar.”

Deste modo, e como referimos, sem dúvida que a citação prévia se perfila como o procedimento normalmente a levar a efeito em sede de execução ordinária para pagamento de quantia certa.

Assim, e por isso que – como também se assinala no acórdão recorrido -, no caso em exame não foi alegado nem resulta que tenha havido dispensa de citação prévia em relação a um ou a alguns dos Executados, estes têm, necessariamente de se considerar – presente o estipulado do já aludido n.º 1, do art. 805.º, do CC - como havendo sido alvo de interpelação [judicial] quanto à importância exequenda, alegadamente representativa do quantitativo global de prestações e demais encargos, pretensamente em débito pelos mesmos.

Decorre assim do ora exposto – perguntar-se-á – que com essa interpelação, e tal como também defendido no acórdão em foco, se operou o exercício, de banda do Exequente, do direito potestativo de resolução do contrato, tornando assim exigível dos Executados, por essa via, o “quantum“ da dívida reclamada?

Vejamos de novo.

Constando do contrato aqui ajuizado – “ut” Ponto de facto n.º 7‑, a possibilidade de o Exequente poder proceder à resolução imediata do mesmo e ao vencimento antecipado da respectiva obrigação, exigindo o pagamento imediato da dívida, no caso da verificação cumulativa das condições nele também especificadas, surge incontroverso que a dita Exequente nunca levou a efeito, em ordem a pôr fim ao acordo, a resolução deste, com fundamento em tal previsto factualismo. Factualismo este que – como igualmente bem se refere no acórdão em exame -, não se vislumbra que tenha de algum modo positivamente se verificado.

Mas assim sendo, como é, de que outro modo, e com que diferente fundamento, levou a Exequente a cabo a resolução do contrato?

Salvo o muito respeito, cremos que ambas estas interrogativas não podem deixar de merecer rotundas respostas negativas.

Nenhum elemento, com efeito, se descortina dos autos a possibilitar concluir que essa resolutiva conduta por parte do Exequente teve lugar.

Mas então – terá também de se perguntar - que efectiva consequência teve essa já reiteradamente mencionada interpelação, mediante citação prévia, dos aqui Executados?

Apenas e só, em nosso modesto entender, a de tornar exigível a obrigação exequenda.

Na verdade, e como o Exequente também desde sempre vem aduzindo, com a falta de cumprimento pelos Executados de algumas das prestações mensais do contrato, o mesmo, firmando-se no estipulado no art. 781.º do CC – “[s]e a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”-, considerou vencida toda a dívida, assim se determinando à instauração da acção executiva.

Ora, neste contexto, quadra inteira pertinência e validade a explanação constante do acórdão recorrido[10] quando – louvando-se no ensinamento do Prof. Antunes Varela [11]– diz que “[…]  não se pode olvidar o entendimento doutrinário pacífico neste particular no sentido de que estando em causa no art. 781º do C.Civil um benefício concedido ao credor – que este poderá exercer ou não – não poderá ser dispensada a interpelação do devedor para cumprir, sendo que só com a interpelação – por via da qual o credor exerce o direito ou benefício que a lei lhe concede – poderá ocorrer a mora do devedor relativamente à totalidade da prestação.

Donde, nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime consagrado no art. 781º, do C. Civil, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida.

Assim, se o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade) […]”

Deste modo, pois, essa interpelação, a reputar validamente efectuada pelo Exequente mercê da citação dos Executados em sede da execução ora embargada, apenas e só teve esse efeito, conferir à obrigação exequenda o indispensável atributo – a par de outras mister [certeza e liquidez] - da sua exigibilidade, no quadro de tal execução – art. 713.º.

Mas não operou ou se reconduziu, de todo, a qualquer declaração resolutiva do contrato por parte do Exequente, sendo certo que, lançando o credor mão – a exemplo do aqui Exequente – do mecanismo do vencimento antecipado da dívida, reclamando a totalidade desta, nos termos desse n.º 1, do art 781.º, tem ele em vista, e portanto como suporte, não a resolução/extinção do contrato, mas, bem diferentemente, na consideração do mesmo como válido e nele permanecendo interessado, o efectivo e cabal cumprimento [posto que antecipado] do mesmo.

Esta ilação nitidamente deflui da inserção sistemática do dito art. 781.º no Código que o alberga, mais precisamente, em sede da Subsecção IV – com o título “Prazo da Prestação” - do Capítulo VII, - por sua vez intitulada “Cumprimento e não cumprimento das obrigações”-, em respectivo e inequívoco abono podendo ainda convocar-se, entre outros, Fernando Gravato Morais[12] ao elencar como sendo três as atitudes susceptíveis de gerar o não pagamento das prestações de um empréstimo pelo consumidor, a saber:

- o financiador tolera durante algum tempo o atraso;

- o financiador provoca o vencimento antecipado das prestações;

- o financiador resolve o contrato.

Nestes termos, pois, sendo a operância do imediato vencimento ou exigibilidade imediata da dívida pagável a prestações, com a consequente perda do benefício do prazo por parte do devedor, realidade diametralmente diversa da resolução/rescisão do contrato de mútuo[13], apenas objectivando a interpelação para tal efeito desse mesmo devedor a torná-la vencida – antes de tal interpelação a dívida [“rectius”, a correspondente obrigação], apesar de a todo o tempo exigível [pura, portanto], não se encontra vencida[14] e, portanto, o devedor constituído em mora -, força é considerar, insista-se, que com a instauração da execução e subsequentes trâmites o Exequente não levou a cabo a extinção do contrato, nos termos do art. 432.º, n.º 1, do CC. Mas, em alternativa bem diferente, a efectivação do seu latitudinário cumprimento.

Aqui chegados – e tendo ainda no horizonte essa segunda questão recursória levantada, como supra explicitado, pelos Executados ‑, uma outra pergunta não deixa de nos aflorar:

- Pode essa efectivação de cumprimento, prosseguida pelo Exequente, reputar-se como válida, eficazmente, levada a efeito no tocante a todos os Executados?

Com efeito, vem ao caso esta pergunta, sabendo-se – Ponto de facto n.º 3 -, que apenas os dois primeiros Executados foram os mutuários do contrato, tendo os dois últimos – Ponto n.º 4 -, apenas intervindo no mesmo na qualidade de garantes - fiadores - daqueles.

    Ora, o art. 782.º do CC - após a precedente art. 781.º rezar, como visto, que “[s]e a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa oi vencimento de todas.” – prescreve que “[a] perda do benefício do prazo não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia.”

     Frente a esta enunciação legal, temos, pois, que – na linha do salientado por Pires de Lima e Antunes Varela[15] -, “[a] perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido pessoalmente o cumprimento da obrigação. A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos.

     Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria.”

    Do mesmo modo se decidiu no Acórdão deste Supremo Tribunal de 10.05.2007[16], que “[a] perda do benefício do prazo de pagamento de obrigações a prestações emergente do não pagamento de uma delas não vale quanto ao fiador.”

   Destes doutos pronunciamentos – com os quais inteiramente concordamos -, surge, pois, forçosamente de concluir que não assistia ao Exequente o direito a, sem mais, levar a efeito no tocante aos Executados-fiadores, similarmente aos Executados-Mutuários, a exigência do imediato cumprimento de todas as prestações do contrato por solver. Apenas lhe assistia tal direito no que concerne às prestações efectivamente vencidas – leia-se, cujos prazos de pagamento, à data do ingresso da acção, já haviam decorrido -, prestações que se ignora em absoluto – por falta de alegação e prova -, quais hajam sido e, logo, atinentes montantes parciais e total.

     Donde se segue que a quantia exequenda não podia nem pode ter-se como exigível no que tange a esses dois últimos Executados[17], desconhecendo-se mesmo, e insuperavelmente, qual fosse – a ser, como parece de considerar, diferente -, esse montante.

Quer dizer, ao fim e ao resto, a obrigação a fazer actuar no tocante a tais Executados, além de não exigível, apresentava-se até de valor indeterminado, ou seja, e como ao presente, ilíquida.

    Mercê de tal, não se achava a execução em termos de ser instaurada, e muito menos de prosseguir, em relação a tais Executados, pelo que, sempre salvaguardando o muito respeito, não podia – nem devia – ter sido objecto, como foi, desse prosseguimento.

    Nesta parte, pois, os ora apreciados embargos procedem, havendo que, desse modo, decretar, quanto aos ditos Executados, a extinção da execução.

      Esta apenas poderá seguir os seus termos no que concerne aos 1.ºs Executados, AA e BB.


   3. Em face do ora decidido, somos a concluir achar-se prejudicada a apreciação dessa outra e remanescente questão suscitada pelos Recorrentes – relembre-se - existir contradição no acórdão recorrido ao decidir pela ocorrência dos requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, na linha do advogado pelo Exequente, quando, no passo anterior, se decidiu não estarem verificadas as exigências constantes [conforme Ponto de facto n.º 7], dessas duas cláusulas resolutivas do contrato, e logo – não estarem verificados - os requisitos contratualmente estabelecidos para que a extinção do contrato, mediante tais cláusulas, pudesse ter lugar.

      Na verdade, e conquanto essa contradição se pudesse configurar no que tange à fundamentação do douto acórdão recorrido, o certo é que, como acabamos de ver, no nosso entendimento – e que, como tal, aqui surte prevalecente - a exigibilidade da obrigação exequenda por parte do Exequente, e circunscrita somente quanto aos 1.ºs Executados, fundou-se, em recta visão das coisas, no imediato vencimento de todas as prestações do mútuo. Situação que, de modo algum – como sobejamente sublinhado - se pode reconduzir a comportamento resolutivo do negócio.

Nenhuma contradição ou discrepância sendo assim de reputar ocorrida quanto a esse nosso erigido entendimento, outra qualquer porventura verificada em relação ao acórdão recorrido evidencia-se, aqui e agora, inócua ou indiferente, em vista do desfecho do julgamento do vertente recurso e da lide; de tal sorte, a completamente excluir a necessidade de qualquer apreciação a esse respeito.

    Destarte, e conquanto que por diferentes razões, a revista em apreço logra parcial procedência.

    Pelo que, tudo visto, finda-se com a seguinte

     

IV – DECISÃO

     Termos em que, na parcial procedência da revista, decide-se revogar parcialmente o acórdão recorrido e, consequentemente:

       1 - Julgar procedentes os embargos de executado deduzidos pelos Executados CC e DD, nessa medida julgando também extinta a execução contra os mesmos instaurada e em curso.

       2 - Julgar improcedentes os embargos de executado deduzidos pelos Executados AA, CC e BB, ordenando, conseguintemente, o prosseguimento dos autos para conhecimento e decisão das demais questões suscitadas pelos mesmos em fundamento de tais embargos.

      Custas a cargo destes últimos Executados e do Exequente, na proporção de metade, considerando toda a tramitação até ao momento ocorrida, incluindo o vertente recurso de revista.


*

*



Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Julho de 2018


Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza

António Piçarra

__________

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e
              Exm.º Conselheiro António Joaquim Piçarra.
[2] Respeitam a este Diploma os demais preceitos doravante a citar sem menção de proveniência.
[3] A este ponto, no texto em consideração, insere-se uma nota de rodapé com o seguinte teor: “Tendo em conta a data da instauração da execução apensa, a qual, quer por ter a forma “ordinária”, quer pelo seu número (a saber, 10180/15.5T8CBR), é necessariamente posterior a 1 de Setembro de 2013 (data de entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, nos termos do art. 8º desta, Lei essa que aprovou o n.C.P.Civil), do que resulta ser aplicável ao caso os preceitos do Código de Processo Civil na redação decorrente dessa Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, em conformidade com o art. 6º, nº 3 dessa Lei.”
[4] Em nota de rodapé, e igualmente do ora reproduzido texto, refere-se “[c]itámos CARLOS LOPES DO REGO, no artigo “Requisitos da Obrigação Exequenda”, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, nº 7, 2003, Almedina, a págs. 70-71.”
[5] Neste ponto, e igualmente erigindo nova nota de rodapé, consignou-se: “Assim RUI PINTO, in “Manual da Execução e Despejo”, Coimbra Editora, 2013, a págs. 345-348.”
[6] m nova nota de rodapé, escreve-se “acessível em app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf?path...fich=ppl113-XII.doc”.E
[7] Nova nota de rodapé neste passo se inscreve na qual se lê : “Trata-se do acórdão deste T. Rel. de Coimbra de 6.12.2016, proferido no proc. nº 195/13.3TBPCV-A.C1, subscrito precisamente pelo mesmo colectivo de Juízes Desembargadores do presente.
[8] Cfr. “A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6.ª ed., C. Editora, p. 185; sendo os sublinhados nossos.
[9] Ibidem, p. 427.
[10] Cfr. fls. 123, “in fine”, dos autos.
[11] In “Das Obrigações em geral”, Vol. II, 7.ª ed., Almedina, pp. 53-54.
[12] Cfr. “Contratos de Crédito ao Consumo”, Almedina, p. 311: sendo os sublinhados nossos.
[13] Assim se decidiu também e expressamente no Ac. da R. L. de 15.12.1999, in Bol. n.º 492, p. 483, em cujo sumário se lê “[o] imediato vencimento das prestações subsequentes àquela ou àquelas que deixam de ser pagas, nos termos do art. 781.º do CC, não se traduz numa situação de resolução contratual.”
[14] Goza apenas do que o Prof. Pessoa Jorge –citado por Castro Mendes, in “Direito Processual Civil – Acção Executiva”, ed. da AFDL, 1071, p. 13, nota 1 de rodapé -, denominava de “exigibilidade em sentido fraco”, pois, ensinava, “[h]á assim dois conceitos de exigibilidade: exigibilidade em sentido forte é a situação em que se encontra a prestação já vencida; exigibilidade em sentido fraco é a situação da obrigação que pode ser interpelada.” Em modo equipolente, expende Ana Prata – in “Dicionário Jurídico”, Vol. I, 5.ª ed., Almedina, p. 641 -, que “[s]endo a obrigação exigível (em sentido que alguma doutrina qualifica como “fraco”) logo que se constitua validamente, o credor só pode, porém, exigir o seu cumprimento quando ela se vencer. Vencida a obrigação, torna-se então exigível em sentido “forte”, isto é, o credor pode exercer judicialmente o seu direito no caso de o devedor a não cumprir voluntariamente, executando o respectivo património para satisfação do seu crédito.” Com muito interesse, sobre esta matéria, vide, outrossim, Inocêncio Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 7.ª ed., C. Editora, pp. 250 e ss.
[15] Cfr. “Código Civil-Anotado”, Vol. II, 4.ª ed., C. Editora, p. 33; sublinhado nosso.
[16] Proferido no Proc. n.º 07B841, acessível in dgsi.pt, sendo o sublinhado nosso.
[17] Cfr., neste sentido, Manuel Januário da Costa Gomes, in “Assunção Fidejussória de Dívida”, Colecção Teses, Almedina, p. 962.