Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P028
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SIMAS SANTOS
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
DECLARAÇÕES DO CO-ARGUIDO
MEDIDA DA PENA
EXPULSÃO DE ESTRANGEIRO
Nº do Documento: SJ2007020800283
Data do Acordão: 02/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Área Temática: DIR PROC PENAL
Sumário : 1 - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
2 - Se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, quase na íntegra, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como muito detalhada e, quanto às alterações que introduziu na matéria de facto preocupou-se em justificá-las, então as Instâncias cumpriam suficientemente o encargo de fundamentar.
3 - A discordância quanto aos factos apurados não permitem afirmar que o mesmo não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.
4 - É a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.
5 - A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.
6 - Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.
7 - O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.
8 - A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade).
9 – Justifica-se a aplicação da pena acessória de expulsão do território nacional se o arguido:
– de nacionalidade cabo-verdiana, se encontra em Portugal desde finais de 2001;
– nunca teve autorização de residência;
– à data dos factos não tinha ocupação profissional estável, apenas por vezes trabalhando como pedreiro, tendo desenvolvido, desde inícios do ano de 2003, o mencionado tráfico de estupefacientes, que retomou não obstante a intervenção das autoridades, sendo certo que só chegou a Portugal em finais de 2001.
– vive com a mulher que trabalha como "prostituta" na zona do Intendente e Anjos em Lisboa (a zona onde ele traficava).
Decisão Texto Integral: 1.
O Tribunal Colectivo da 6.ª Vara Criminal de Lisboa, 1ª Secção, condenou os arguidos:

FJNS, com os sinais dos autos, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes do art. 21.º, n.° 1, do DL n°. 15/93, com referência às tabelas anexas 1-A e l-B, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão; em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida do art. 275°, n.° 1, do C. Penal, por referência ao art.3°, n°1, alíneas b) e f), do DL n.° 207-A775, de 17 de Abril, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão; e, em cúmulo, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão;

— ABC, com os sinais dos autos, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade de substâncias estupefacientes do art. 25°, al. a), do DL n.° 15/93, com referência às tabelas anexas 1-A e 1-8, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução com regime de prova pelo período de 4 anos, assentando este num plano de readaptação social, a elaborar pelos serviços de reinserção social e a homologar oportunamente pelo Tribunal, definindo-se, desde já, e integrando esse plano, os seguintes deveres e regras de conduta a respeitar pelo arguido: não frequentar meios e lugares habitualmente frequentados por delinquentes; não acompanhar, nem se relacionar, com pessoas suspeitas de má conduta social e/ou relacionadas com consumo de estupefacientes; submeter-se ao acompanhamento de técnico(s) de reinserção social, acatando as suas orientações e comparecendo nos respectivos serviços sempre que para tanto convocado; contribuir para a sua adequada conduta posterior, designadamente, abstendo-se de qualquer tipo de consumo de substâncias estupefacientes e iniciando tratamento que lhe for determinado no sentido de se libertar do vício de consumo de estupefacientes, e aceitar as directrizes com vista a ocupar-se do ponto de vista profissional;

— CAGS, com os sinais dos autos, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes do art. 21.°, n.° 1, do DL n.° 15/93, com referência às tabelas 1-A e 1-8, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão;

Foram ainda os arguidos FJNS e CAGS, condenados, na pena acessória de expulsão do território nacional, sendo, quanto ao primeiro, com interdição de entrada por 10 anos e, ao segundo, com interdição de entrada por 8 anos.

Recorreram para a Relação de Lisboa os arguidos CAGS e FJNS (crítica da decisão da questão de facto, pedido de anulação do julgamento, absolvição da condenação pela prática do crime de detenção de arma proibida, pena acessória de expulsão e medida da pena).

Aquele Tribunal Superior, por acórdão de 12.10.2006 (proc. n.º 10803/06) negou provimento ao recurso, mantendo na totalidade o acórdão da 1.ª Instância.

Recorre agora para este Supremo Tribunal de Justiça o arguido FJNS, que requereu a produção de alegações escritas e concluiu na sua motivação:

1 - O recorrente tinha direito a uma segunda decisão em matéria de facto, com uma análise concreta aos pontos incorrectamente julgados.

2 - Contudo, o douto acórdão recorrido refugiou-se no princípio da livre apreciação da prova, para negar sindicar a prova documentada.

3 - O recorrente cumpriu rigorosamente todos os requisitos do art. 412° do CPP.

4 - É o douto acórdão recorrido nulo, nos termos dos artigos 425° n°4 e 379° n°1 c) do CPP, pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar.

5 - Mal andou o douto acórdão recorrido ao negar a pretensão do recorrente, por melhor exame crítico e fundamentação da matéria de facto e em consequência, não declarar a nulidade do douto acórdão de 1 instância.

6 - O douto acórdão de 1ª instância apenas efectuou uma enumeração da prova e um resumo do conteúdo das declarações em julgamento.

7 - Nunca efectuou um exame crítico.

8 - Sobre os pontos 11, 14 e 20, não foi produzida qualquer fundamentação para se chegar a um juízo de provado.

9 - Violaram-se os direitos de defesa do arguido, porquanto sem fundamentação o arguido está impossibilitado de recorrer do raciocínio feito pelo tribunal para dar como provado aqueles factos — art. 32° n°1 da C.R.P.

10 - As declarações prestadas pelo co-arguido ABC, contribuíram de uma forma irrestrita, para a formação da convicção do douto tribunal, quanto aos factos 1, 2, 3, 4, 9, 10 e 14.

11 - Pois resultaram exclusivamente do depoimento de co-arguido ABC.

12 - Violou-se o estatuído nos artigos 127°, 133° e 343° do C.P.P.

13 - A pena mostra-se elevada.

14 - Quanto ao crime de trafico, e mesmo quanto ao crime de detenção de arma proibida.

15 - Pelo que as penas deveriam ser substancialmente inferiores.

16 - O douto acórdão confirmou a pena de expulsão decretada pela 1.ª instância

17 - Da factualidade dada como provada resulta que o arguido se encontra estabelecido em Portugal pelo menos desde 2001, tem família constituída, pois é casado com uma portuguesa e que com ela vive.

18 - Pouco mais foi apurado pelo tribunal quanto às suas condições sociais.

19 - Assim, ponderando o direito do arguido a constituir família e o respeito devido à vida privada e familiar consignado no art. 8° da CEDFI, e o interesse do Estado de ordem pública e segurança social, e uma vez que, salvo melhor opinião, não se considera no caso dos autos a imperiosa necessidade social de expulsão do recorrente do território nacional, por sobrelevarem os interesses familiares do arguido e a sua manutenção junto da sua mulher, não é de decretar aquela expulsão.

Violaram-se as seguintes disposições: Artigo 32° CRP, Artigos 71° do CP, Artigos 374° e 412° do CPP, Artigos 21.º e 34° do D.L. 15/93 de 22 de Janeiro.

Nestes termos e demais de direito deve o presente recurso obter provimento, e

a) anular-se o acórdão recorrido, ou o julgamento;

b) aplicar-se pena de prisão inferior;

c) revogar-se a decisão que decretou a sua expulsão do território nacional.

Mais se requer, que as alegações finais sejam proferidas por escrito

Não houve resposta.

Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Ministério Público apôs o seu visto.

Assinalado prazo para tal, foram produzidas alegações escritas. Nelas o recorrente limitou-se a remeter para e a reafirmar a sua motivação.

Já o Ministério Público entendeu em conclusão:

a) O douto acórdão recorrido abordou expressamente a questão da impugnação da matéria de facto, decidindo-a no sentido da sua improcedência.

b) Referiu, desenvolvidamente, a razão de ser da exigência de exame crítico da prova, explicando proficientemente que, no caso concreto, a correlação dos diversos elementos indicados no douto acórdão de 1.ª instância, como fundamentos da convicção do Tribunal, revelava suficientemente, na sua análise global, os dados essenciais do raciocínio lógico em que se baseou a sua convicção.

c) Na parte relativa ao crime de detenção de arma proibida não é admissível recurso do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, por estar em causa procedimento por crime punível com pena de prisão não superior a cinco anos de prisão – art. 275.°, 11.0 1, do C.P. e art. 400.°, 11.0 1, al. e), do C.P.P.

d) Quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, a pena parcelar de seis anos e seis meses de prisão parece-nos respeitadora dos limite que a culpa constitui e adequada a responder com equilíbrio às exigências concretas de prevenção de geral e especial.

e) Tendo presente a moldura penal do concurso, na consideração dos factos e da personalidade do recorrente, a pena de sete anos e seis meses de prisão parece-nos equilibrada, respondendo às exigências de prevenção geral, à evidência elevadas, e de prevenção especial, sem colocar em causa o limite que a culpa constitui.

f) A ingerência na esfera privada do recorrente FJNS não se mostra desproporcionada, sendo necessária ao fim legítimo prosseguido – prevenção de futuras infracções –, não merecendo qualquer censura a imposição da pena acessória de expulsão.

Termos em que, negando provimento ao recurso, deve ser confirmado o douto acórdão recorrido.

2.

Colhidos os vistos, foram os autos presentes em conferência, pelo que cumpre conhecer e decidir.

E conhecendo.

2.1.

O recorrente pede a anulação do acórdão recorrido, ou do julgamento, a aplicação de pena de prisão inferior e a revogação da decisão que decretou a sua expulsão do território nacional.

Suscita, para tal pedido, as seguintes as questões:

— Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia sobre a questão de facto (conclusões 1.ª a 9.ª)

— Valor das declarações prestadas pelo co-arguido ABC (conclusões 10.ª a 12.ª)

— Medida da pena (conclusões 13.ª a 15.ª)

— Pena acessória de expulsão (conclusões 16.ª a 19.ª)

Vejamos, começando por aquelas que podem condicionar o conhecimento de mérito e contendem com a questão de facto.

2.2.

Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia.

Sustenta o recorrente o seu direito a uma segunda decisão em matéria de facto, com uma análise concreta aos pontos incorrectamente julgados (conclusão 1ª), tendo-se o acórdão recorrido refugiado no princípio da livre apreciação da prova, para negar sindicar a prova documentada (conclusão 2ª), quando o recorrente cumpriu rigorosamente todos os requisitos do art. 412° do CPP (conclusão 3ª).

Daí que seja o acórdão recorrido nulo [art.ºs 425° n°4 e 379° n°1 c) do CPP], pois deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (conclusão 4ª), negando melhor exame crítico e fundamentação da matéria de facto (conclusão 5ª), quando o acórdão de 1ª instância apenas efectuou uma enumeração da prova e um resumo do conteúdo das declarações em julgamento (conclusão 6ª), sem efectuar exame crítico (conclusão 7ª).

Defende que sobre os pontos 11, 14 e 20, não foi produzida qualquer fundamentação para se chegar a um juízo de provado (conclusão 8ª) e que se violaram os direitos de defesa do arguido, porquanto sem fundamentação o arguido está impossibilitado de recorrer do raciocínio feito pelo tribunal para dar como provado aqueles factos — art. 32° n°1 da C.R.P. (conclusão 9ª).

Mas não lhe assiste razão.

Diferentemente do que o recorrente pretende no texto da sua motivação (fls. 1030 e ss), a Relação não se limitou a elencar alguns princípios orientadores e das obrigações que impendem sobre os recorrentes que queiram impugnar matéria de facto e não se recusou a decidir sobre a impugnação da matéria de facto.

O que resulta do próprio texto do acórdão e que se impõe seja aqui lembrado, não obstante a sua extensão para que não fiquem dúvidas sobre a afirmação que se proferiu.

Começou a Relação por analisar a invocada violação do art. 374.º, n.º 2, o que fez da forma seguinte:

«Como é sabido o art. 374º, nº2, do CPP impõe que na fundamentação da sentença deve constar a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Com a revisão do CPP operada em 1998 a fundamentação da sentença passou a conter, não só a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, como o seu exame crítico, tendo em atenção que por virtude de tal revisão se veio assegurar um efectivo duplo grau de jurisdição em matéria de facto atribuída às Relações, daí que a alteração contida no citado art. 374º, nº2, do CPP, bem como o escopo de tal alteração legal, ao exigir-se, para além da indicação das provas, dever ser entendida não no sentido de se exigir num detalhado exame crítico da prova produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação subjectivada pelo tribunal, relatada tão só por um dos seus membros, sobre a forma de «apreciação crítica das provas» e a partir de meras indicações não obrigatórias dada por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma, como refere o Tribunal Constitucional no Ac. nº 680/98, a explicitar o processo de formação da convicção do tribunal.

Desta forma garante-se que não se tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo uma especial força na formação da convicção do Tribunal (Vide Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2ª Ed. 2000, Rei dos Livros, II, Vol, pág. 556-557)).

Com efeito, como refere Marques Ferreira (Jornadas 229-230), a propósito da motivação da decisão, «Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência».

Da leitura da decisão recorrida não vislumbramos o vício apontado.

Na verdade o tribunal “a quo” procedeu a uma rigorosa e ponderada avaliação e valoração crítica sobre toda a prova, como resulta, inquestionavelmente, da fundamentação e da respectiva motivação da decisão sobre a matéria de facto.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, aquela instância, analisou criticamente toda a prova produzida em audiência, não merecendo, nesta parte, a decisão qualquer censura ou reparo.

Com efeito o sustentado pelo recorrente não tem fundamento, já que uma mera leitura do acórdão revidendo possibilita que os seus destinatários entendam, ponto por ponto, o raciocínio dos julgadores, ao darem como provados todos os factos que suportaram a integração dos mesmos na previsão do art. 21°, n.° 1, do DL 15/93, de 22/01 (crime de tráfico de estupefacientes imputado àquele na acusação). Os seus destinatários directos (in casu, o próprio recorrente e o Ministério Público) ficaram em perfeitas condições de interpor recurso do aresto, com perfeito conhecimento da situação, o mesmo acontecendo com as instâncias de recurso que estão, igualmente, em condições de sindicarem, em segurança e de forma crítica o trabalho desenvolvido, quer em termos de facto, quer em termos de direito, pelo tribunal recorrido, proferindo um juízo concordante ou divergente.

Com efeito os elementos de prova em que se fundou a decisão de facto vêm não só exaustivamente enunciados e enumerados, como se mostram crítica e ponderadamente avaliados, a saber, os depoimentos prestados pelos arguidos, passando pelas declarações dos agentes policiais que surpreenderam o recorrente na posse de estupefaciente e procederam às vigilâncias relatadas nos autos, até aos autos de apreensão de heroína e cocaína.

É verdade que qualquer juízo de facto para efeitos de formar a convicção do tribunal e habilitá-lo a proferir a decisão de facto, deve ser efectuado numa perspectiva global, entrecruzando e sopesando todos os elementos trazidos a julgamento, deles extraindo uma conclusão lógica, plausível e sensata, servindo as regras da experiência comum como fiel da balança, na tarefa de apuramento final da verdade material.

O bom senso aconselha a que este seja o procedimento a utilizar em qualquer crime, o que se verificou no caso concreto, ou seja o tribunal “ a quo”, na fundamentação da decisão de facto, explicou clara e detalhadamente as razões por que deu maior credibilidade a uma prova em detrimento de outra, empregando uma técnica processual adequada. Está suficientemente explicado e fundamentado os motivos pelos quais o tribunal recorrido considerou a actuação concertada e prolongada no tempo entre o recorrente e o co-arguido Carlos Semedo.

A fundamentação de facto exarada no acórdão condenatório é válida, não sofrendo, pois, de qualquer "deficiência" que possa ferir o aresto da alegada nulidade.»

Apreciou depois a impugnação da matéria de facto, exarando:

«Considera o recorrente ter sido incorrectamente julgada a matéria de facto, devendo a prova produzida em audiência de julgamento impor decisão diversa da firmada.

O recorrente pugna pela alteração dos factos dados como provados por forma a fazer valer, apenas, a sua versão sobre os mesmos, de forma a fazer vingar a sua tese quanto ao seu não envolvimento na prática do crime de tráfico de estupefacientes, ou, pelo menos, que a sua absolvição se impõe na dúvida, por aplicação do princípio in dubio pro reo.

Todavia, como diz o MºPº, o recorrente não impugna os factos dados como provados sob os n.°s 4 (1a parte), 5, 6, 7 e 8 do acórdão, ou seja, que no dia 18 de Maio de 2003, pelas 11 horas, quando se encontrava juntamente com Artur Cordeiro na Rua dos Anjos, em Lisboa, ao ser surpreendido por agentes da P.S.P., pôs-se em fuga, apenas se tendo imobilizado devido ao facto de um desses agentes ter efectuado um disparo para o ar com a sua arma de serviço e, abordado então pela polícia, arremessou para o solo um saco de plástico que continha 15 embalagens com 1,61 gramas de "heroína" e 37 embalagens com 3,758 gramas de "cocaína", estupefacientes estes sua pertença.

Mais refere que a ora resposta à aparente contradição será esta: o recorrente, pese embora em julgamento tenha negado todos os factos que se provaram no que toca ao tráfico de estupefacientes, tendo dito do mesmo fôlego "não conhecer nem saber nada de droga", e nunca ter consumido estupefacientes, acaba por admitir, no recurso ora em análise, o que não pode negar, por evidente, ou seja, que no dia 18 de Maio de 2003 tinha consigo "cocaína e heroína", droga essa que lhe pertencia.

O tribunal recorrido, fundou a sua decisão em todos os elementos de prova carreados para julgamento e não apenas no declarado pelo co-arguido Artur Cordeiro, o que impossibilita, por razões óbvias de falta de credibilidade, de dar crédito à versão dos factos dada por aquele, face à apreciação conjugada de toda a outra prova que foi feita em sentido diverso.

Relativamente aos depoimentos dos agentes da P.S.P. ouvidos em julgamento, também não colhe a argumentação do arguido, na medida em que se trata de prova directa, pois todos eles assistiram à actividade de traficância dada como provada no que tange ao recorrente, seja por vigilâncias que efectuaram, seja por intervenção directa na abordagem que fizeram ao recorrente e aos restantes arguidos – mormente no aludido dia 18 de Maio de 20003 – e nas apreensões das substâncias estupefacientes objecto de tráfico.

O ora recorrente, não tem a mínima razão, quando invoca tal argumentação, a menos que pretenda impor ao tribunal de julgamento a sua tese, isto é, não pode pretender que o tribunal decida de acordo com a sua posição, ficcionando a existência de vícios que só uma leitura menos atenta da decisão “a quo” justificam.

O tribunal “a quo” formou a sua livre convicção de acordo com todos os argumentos probatórios que foram esgrimidos em audiência, tendo apreciado e valorado toda a prova apresentada. O que pretende, ao fim e ao cabo, é pôr em crise o processo de formação da convicção dos julgadores, querendo fazer valer a interpretação que ele próprio dá dos factos, o que não é aceitável.

De acordo com a regra da livre apreciação da prova inserta no art. 127º, do CPP, “…a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, que não se confunde de modo algum com apreciação arbitrária da prova, nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, mas tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (Ac. do STJ de 09MAI96, in proc. nº 48690/3ª)

Como se afirma no Ac. do STJ de 30JAN02, (sumariado no Site da Internet do STJ, Boletim Interno 2002 ) «A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não outra das versões apresentadas, as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção».

In casu, a motivação expressa pelo Tribunal recorrido é suficiente para habilitar os sujeitos processuais, bem como o Tribunal de recurso, a concluir que as provas a que o Tribunal «a quo» atendeu são todas permitidas por lei de acordo com o preceituado no art. 355º, do CPP, e que o julgador seguiu um processo lógico e racional na formação da sua convicção, desta não resultando uma decisão ilógica, arbitrária, contraditória ou claramente violadora das regras experiência comum na apreciação da prova.

Do supra exposto resulta que não há nos autos, quer da prova testemunhal produzida em audiência, documentada e transcrita, elementos que permitam a este Tribunal concluir que os factos que o recorrente impugna se mostram incorrectamente julgados, ou que o Tribunal “a quo” atendeu a prova proibida por lei (art. 125º, do CPP) e todas de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção (art. 127º do CPP), de forma a que a matéria de facto fixada pelo Tribunal “a quo” deva ser alterada.

A inserção destes factos no domínio da factualidade dada como assente, imporia necessariamente, um outro julgamento, com outros protagonistas, que não este que estamos a analisar.

Com cristalina clareza o acórdão em causa analisou criticamente toda a prova produzida em audiência e da sua fundamentação e motivação resulta a certeza, quanto aos factos que foram dados como provados e não provados.

Com efeito o tribunal “a quo” jamais poderia dar como provados os factos pretendidos pela recorrente por não resultarem inequivocamente, da documentação da prova produzida, não sofrendo o seu conhecimento qualquer vício, como já vimos.

Ora, como se sabe, esta matéria não é sindicável por esta instância de recurso, sob pena de se violar o consignado no art. 127° do CPP, segundo o qual o tribunal é livre na apreciação da prova, posto que esta não seja por qualquer forma proibida -- o que é incontestável in casu — e seja feita "... segundo as regras da experiência comum ".

Certamente que as declarações de arguidos que incriminam outros que com eles actuam em conjugação de esforços e intenções podem e devem ter valor probatório no tocante a estes últimos, desde que, como sucede no caso, sejam corroboradas por outros elementos de prova. ( cfr. Art. 133º, nº 1, al. a) do CPP).

Acresce que não desconhece o Tribunal que a prova não é, nem pode ser nunca, a certeza absoluta da ocorrência do facto (ela tem como função, para usar a expressão do artigo 341.º, do Código Civil, a demonstração da realidade dos factos), em vista da impossibilidade de fuga à deformação sofrida até à apreensão pelo receptor dos factos.

É, aliás, da natureza das coisas e, como afirma Sentís Melendo, citado por Miguel Machado (O princípio in dubio pro reo e o novo CPP, ROA 49, págs. 583-611, em especial, 608), "suspeita, dúvida, certeza, evidência, são as etapas de um caminho até à verdade" (também, Vaz Serra, Provas - Direito Probatório Material -, BMJ separata, 1962, 22).

Ora, no caso dos autos, foram claramente ultrapassados os dois primeiros estádios: suspeita e dúvida.

No caso dos autos foi possível ao tribunal, com este tipo de prova, conseguir ter um mínimo de certeza ou de afastamento de dúvidas razoáveis quanto à forma como os factos terão ocorrido, em termos de imputar aos arguidos a prática dos factos descritos na acusação.

Como afirmou o Professor Cavaleiro de Ferreira, sendo incerta a prova, impõe-se ao Tribunal que não use um critério formal, como resultante de ónus legal da prova, para decidir da condenação dos arguidos, a qual terá sempre que assentar na certeza dos factos probandos, impondo-se antes o recurso ao princípio de direito probatório, “in dubio pro reo”, implicando, dessa forma, a presunção de inocência dos arguidos (cfr: Direito Penal Português, I, página 111) e assim apurando os factos provados e não provados supra enunciados.

Deste modo não faz qualquer sentido falar no recurso ao princípio in dubio pro reo, na medida em que o tribunal, após tudo ponderado, não teve qualquer dúvida em imputar a prática dos factos aos arguidos e em condená-los nos exactos termos em que o fez.

Assim, nenhuma censura merece a decisão de facto.»

Ou seja, a Relação começou por demonstrar que a decisão da 1.ª Instância está devidamente fundamentada; que a matéria de facto aí estabelecida não merece censura e porquê; tomou posição sobre o valor das declarações do co-arguido lembrando que a 1.ª Instância fundou a sua decisão em todos os elementos de prova carreados para julgamento e não apenas no declarado pelo co-arguido Artur Cordeiro, «o que impossibilita, por razões óbvias de falta de credibilidade, de dar crédito à versão dos factos dada por aquele, face à apreciação conjugada de toda a outra prova que foi feita em sentido diverso».

Lembrou ainda o exame crítico da prova, então efectuado, e a inoperância dos argumentos a propósito utilizados pelo recorrente, e que a credibilidade é um factor muito dependente da livre apreciação da prova e da imediação e apreciou e decidiu a questão da impugnação da matéria de facto quanto aos factos que respeitam à prática do crime em causa.

Daqui flui, pois, a conclusão de que está ausente a nulidade do acórdão recorrido, por omissão de pronúncia invocada pelo recorrente.

Na verdade, é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar [al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP].

Ora, a decisão recorrida conheceu de todas as questões que lhe foram colocadas pelo recorrente quanto à fundamentação da decisão da 1.ª Instância, ao exame crítico das provas, ao correcto julgamento de facto, à valoração do depoimento do co-arguido e à credibilidade das testemunhas.

Improcede, pois, a arguição de nulidade da decisão recorrida.

2.3.

Mas, merecerá a decisão tomada, quanto a essas questões e na parte sindicável por este Supremo Tribunal de Justiça, censura.

A decisão quanto à fundamentação segue o entendimento que, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, têm espelhado.

Lembrem-se, v.g., o AcSTJ de 24/01/2002 (proc. n.º 3036/01-5, com o mesmo relator): «A exigência operada pela Revisão de 1998 do CPP, do exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal relaciona-se com a questão do duplo grau de jurisdição em matéria de facto e deve ser entendida não no sentido de se traduzir num detalhado exame crítico do conteúdo da prova produzida (que a ter lugar é suportado pela documentação da prova e pela sua posterior reapreciação por parte do Tribunal Superior, e não pela intermediação subjectivada do tribunal, relatada tão só por um dos seus membros, sobre a forma de "apreciação crítica das provas" e partir de meras indicações não obrigatórias dadas por cada membro do tribunal recorrido), mas antes no exame crítico dos próprios meios de prova, designadamente da sua razão de ciência e credibilidade, por forma a explicitar o processo de formação da convicção, assim se garantindo que se não tratou de uma ponderação arbitrária das provas ao atribuir ao seu conteúdo em especial força na formação da convicção do Tribunal.»

E o AcSTJ de 11/11/2004 (proc. n.º 3182/04-5, também com o mesmo relator):

«6 - O dever constitucional de fundamentação da sentença basta-se com a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, bem como o exame crítico das provas que serviram para fundar a decisão e o exame crítico da prova, exige, como o fez o tribunal colectivo, a indicação dos meios de prova que serviram para formar a sua convicção, mas, também, os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do Tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.

7 - Se a Relação sindicou todo o processo, fundamentou a decisão sobre a improcedência do recurso em matéria de facto nas provas examinadas no processo, acolhendo, quase na íntegra, a fundamentação do acórdão do tribunal colectivo que se apresenta como muito detalhada e, quanto às alterações que introduziu na matéria de facto preocupou-se em justificá-las, então as Instâncias cumpriam suficientemente o encargo de fundamentar.

8 - A discordância quanto aos factos apurados não permitem afirmar que o mesmo não foi (ou não foi suficientemente) efectuado o exame crítico pelas instâncias.

9 - A Constituição devolveu ao legislador ordinário o "preenchimento" do dever de fundamentação das decisões judiciais, a delimitação do seu âmbito e extensão em termos prudentes evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Limitou-se a consagrar o aludido princípio "em termos genéricos", deixando a sua concretização ao legislador ordinário, sem que isso signifique que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.

10 - A garantia de legalidade da "livre convicção" a que alude o artigo 127.º do CPP, terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo da sua formação, de forma a ficar bem claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção, possibilitando a partir daí o necessário controlo da sua legalidade, como também o processo lógico que a partir dele o tribunal desenvolveu para chegar onde chegou, nomeadamente da valoração efectuada, enfim, da razão de ser do crédito ou descrédito dado a este ou àquele meio de prova.

11 - Esta forma de interpretar e aplicar o princípio da livre convicção, porque arredando a possibilidade de arbítrio, permite um mínimo de controlo - porventura o possível - sobre o processo de formação da convicção do tribunal, pelo que não fere o texto constitucional, mormente o princípio de presunção de inocência com assento no artigo 32.º, n.º 2, da Constituição.

12 - O princípio da livre apreciação - que contem sempre uma certa margem de intervenção pessoal do juiz - essa garantia de legalidade terá de bastar-se com a necessária explicitação objectiva e motivada do processo de formação da convicção, de forma a ficar claro não só o acervo probatório em que assentou essa convicção (possibilitando a partir daí o necessário controle da sua legalidade), como também o processo lógico que a partir dele o tribunal E quando se trata de usar as regras da experiência e da vida, obviamente que tal uso se tem de haver como pressuposto de todo e qualquer julgamento de um homem por outro ou outros, pelo que seria, no mínimo, excessivo, exigir a torto e a direito, menção expressa feita de tal uso, a explicar que o tribunal tenha dado por provados factos a que porventura ninguém tenha assistido.»

O mesmo se diga quanto ao valor das declarações do co-arguido.

Dispõe o art. 133.º do CPP:

"1. Estão impedidos de depor como testemunhas:

a) O arguido e os co-arguidos no mesmo processo ou em processos conexos, enquanto mantiverem aquela qualidade;

b) As pessoas que se tiverem constituído assistentes, a partir do momento da constituição;

c) As partes civis.

2. Em caso de separação de processos, os arguidos de um mesmo crime ou de um crime conexo podem depor como testemunhas, se nisso expressamente consentirem."

Face a este preceito, designadamente à al. a) do n.º 1, tem sido questionado se o arguido está absolutamente impedido de testemunhar no próprio processo em que figure com essa qualidade.

A Doutrina já respondeu que os arguidos não estão impedidos de produzir prova "por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.º' 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.º' 343.º e 345.º, todos do CPP, mas que essas declarações - na decorrência de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros arguidos. Rodrigo Santiago (Reflexões sobre as "Declarações do Arguido" como Meio de Prova no CPP de 1987) conclui deste jeito:

"1. os co-arguidos estão impedidos de ser testemunhas relativamente uns aos outros, adentro do mesmo processo, em caso de co-arguição e nos limites desta, como decorre do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 133.º do CPP;

2. não estão, todavia, impedidos de produzir prova "por declarações do arguido no decurso do julgamento, nos termos dos art.º' 140.º e seguintes, como decorre, entre outros, do disposto nos art.º' 343.º e 345.º, todos do CPP. Porem;

3. as declarações assim prestadas por um ou mais dos co-arguidos - na decorrência, repete-se, de co-arguição - não podem validamente ser assumidas como meio de prova relativamente aos outros;

4. servindo tais declarações, únca e exclusivamente, como meio de defesa do arguido ou arguidos que as tiverem prestado - art.º 343.º, n.º 2 do CPP. Logo, 5. da motivação da sentença, nos termos do art.º 574.º, n.º 2, in fine, do CPP constar que as declarações dos co-arguidos contribuíram irrestritamente para a formação da convicção do Tribunal, verifica-se uma nulidade do julgamento, por assunção de um meio de prova proibido".

Mas a propósito da mesma questão do depoimento de co-arguido, enquanto meio proibido ou não de prova, também se concluiu pela não proibição, lembrando, no entanto, que se trata de um meio de prova frágil, que impõe o controle pela defesa do co-arguido e prefere a corroboração por outras provas.

Teresa Beleza conclui assim (Rev. Min. Públ., Ano 19, 58 e 59):

"O depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação.

Não tendo esse depoimento sido controlado pela defesa do co-arguido atingido nem corroborado por outras provas, a sua credibilidade é nula.

Na medida em que esteja totalmente subtraído ao contraditório, o depoimento de co-arguido não deve constituir prova atendível contra o(s) co-arguido(s) por ele afectado(s).

A sua valoração seria ilegal e inconstitucional".

Entendeu o Tribunal Constitucional que é inconstitucional, por violação do art. 32,º, n.º 5, da CRP, a norma extraída com referência aos art.º' 133.º, 343.º e 345.º do CPP, no sentido em que confere valor de prova às declarações proferidas por um co-arguido em prejuízo do outro co-arguido quando, a instâncias deste outro co-arguido, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio (Ac. n.º 524/97, de 97/07/14, DR II S de 97-11-27).

No mesmo sentido o Ac. do STJ de 25-2-99 (Acs STJ VII, 1, 229), "está vedado ao tribunal valorar as declarações de um co-arguido, proferidas em prejuízo de outro co-arguido quando, a instâncias deste, o primeiro se recusa a responder, no exercício do direito ao silêncio, sob pena de violação do art. 32º, n.º 5 da CRP.". Cfr. ainda o Ac. do STJ de 7-2-01 (proc. n.º 4/00-3): "As declarações que os arguidos prestem estão tuteladas na sua produção e no seu âmbito pelo estatuto próprio do arguido, devendo ser sujeitas ao princípio do contraditório na medida em que afectem o co-arguido, não valendo contra este se esse contraditório não puder ser estabelecido, mormente pela oposição do arguido produtor da prova."

No sentido de os cuidados que se impõem ao Tribunal devem redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório pelo co-arguido, mas que não impede a livre apreciação por parte do tribunal, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques (CPP Anotado, I, pág. 727).

E conclui-se igualmente que é a posição interessada do arguido, a par de outros intervenientes citados nesse art. 133.º, que dita o impedimento, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

Com referem aqueles AA (pág. 726-7):

"Parece-nos, contudo, que a interpretação correcta deverá repousar na consideração de que o arguido, só porque o é, não estará sem mais impedido de prestar declarações no próprio processo em que se encontra envolvido. O legislador pretendeu, em primeira linha, construir no Código a figura do arguido, assegurando-lhe todos os meios de defesa mesmo através de si próprio, pelo que, se o entender necessário à sua defesa, poderá usar o amplo direito que lhe assiste a ser ouvido. E a defesa desta posição leva a que o arguido ou co-arguido não possam ser ouvidos no mesmo processo ou processos conexos como testemunhas, ou seja como intervenientes que não só são obrigados a prestar declarações, como a fazê-lo com verdade (art.º 91.º) por tal ser incompatível com a sua posição de interessados no desfecho do processo e com o seu direito ao silêncio. De notar que no mesmo n.º 1 deste artigo, nas als. b) e c), e por identidade (parcial) de razões, também os assistentes e as partes civis estão impedidos de depor como testemunhas, interessados que também são no mesmo desfecho.

É, pois, esta posição interessada que dita o impedimento, posição reforçada no caso do arguido, dado o seu estatuto especial. Isso mesmo entendeu o STJ ao decidir que este artigo visa proteger próprio impedindo-o de depor contra si, nada porém obstando a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade (Ac. de 96-10-17, BMJ, 460-399).

Daqui decorre também que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido nele podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

Cuidado que deve redobrar quando as circunstâncias ou direito ao silêncio impediram ou limitaram o exercício do contraditório, mas que não impede, a nosso ver, a livre apreciação por parte do tribunal."

Este Tribunal afirmou, impressivamente (Ac. de 3-5-00, Acs STJ VIII, 2, 180): "não há qualquer impedimento legal em que as declarações dos co-arguidos sejam valoradas, segundo o prudente critério do tribunal, em conjunto com os outros meios de prova."

E tem sido neste último sentido que se tem formado a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça.

Com efeito decidiu-se que "(1) a crítica feita no sentido de que não seria lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP; (2) na verdade, este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, estabelecendo o art. 126°, aquelas que são proibidas, não constando deste elenco o caso das declarações dos co-arguidos. Estas são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.; (3) o que acontece é que a Lei Processual ao proibir que o arguido seja ouvido como testemunha, pretende, tão só, protegê-lo e impedi-lo, por exemplo, que venha a ser condenado por perjúrio"(Ac. do STJ de 03-06-1993, proc. n.º 44347).

E que "o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo" (Ac. do STJ de 04-05-1994, proc. n.º 44383).

"Nada impede que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos. O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido" (Ac. do STJ de 30-05-1996, proc. n.º 498/96). No mesmo sentido o Ac. de 30-5-97 (proc. n.º 498/96): "(1) - Nada impede que um arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento e que constituam objecto de prova, quer de factos que só a ele digam directamente respeito, como sobre factos que também respeitem a outros arguidos. (2) - O n.º 3 do art. 344.º do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova resultante das declarações do arguido, mas apenas que, nesses casos, as declarações do arguido não têm o valor de força probatória pleníssima que deve ser atribuída aos casos do n.º 2."

Claramente no sentido sustentado pelos últimos AA referidos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art. 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: o de garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa. Porém, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Ac. do STJ de 10-12-1996, proc. n.º 48697).

"O sentido da norma do art.º 133.º, n.º 1, al. a), do CPP é o de que com ela se intenta proteger o próprio arguido, impedindo-o de depor contra si próprio, nada obstando a que preste declarações, nomeadamente para se defender de uma acusação ou aligeirar a sua responsabilidade nela." (Ac. do STJ de 31-01-2001, proc. n.º 3574/00-3). No mesmo sentido o Ac. de 29-3-00 (proc. n.º 1134/99): "(1) - O que o art.º 133.º, do CPP, pretende evitar é que o arguido ou co-arguidos prestem declarações que sejam incriminatórias de si próprios. (2) - Um arguido que decide prestar declarações, ao indicar factos ou circunstâncias que excluam ou diminuam a ilicitude ou a sua culpa, relevando para a minoração da medida da pena, pode directa ou indirectamente contribuir para a prova incriminatória de outros arguidos. (3) - A lei processual, com todas as garantias a que o arguido tem direito - entre as quais se destaca a de guardar silêncio quanto aos factos de que é acusado - não vai ao ponto de impedir a prestação de declarações, de forma livre e espontânea, sejam elas ou não incriminatórias ou agravatórias da responsabilidade de outros intervenientes nos factos criminosos. (4) - De molde a evitar que os co-arguidos possam usar de reivindicta ou se desresponsabilizem recíproca ou multilateralmente, mandam as regras da experiência comum que se use de cautela na valoração de tais declarações."

"Se é certo que os arguidos no mesmo processo ou em processos conexos não podem depor como testemunhas, não é menos verdade que sempre podem prestar declarações, que o tribunal valorizará dentro das balizas do art. 127.º do CPP." (Ac. do STJ de 30-11-2000, proc. n.º 2828/00-5). Cfr. ainda o Ac. do STJ de 26-3-98 (proc. n.º 44/98): "Não existe qualquer disposição legal que proíba que as declarações de co-arguido possam valer como meio de prova, pelo que as mesmas poderão ser objecto de valoração por parte do tribunal, para fundamentar a sua convicção sobre os factos que dá como provados, dentro da regra da livre apreciação da prova."

"As declarações de co-arguido são meios admissíveis de prova e, como tal, podem ser valoradas pelo tribunal para fundar a sua convicção acerca dos factos que dá como provados. O art. 133.º do CPP, o que proíbe é que os co-arguidos sejam ouvidos como testemunhas, mas não impede que os arguidos da mesma infracção possam prestar declarações (cuja credibilidade é, naturalmente, mais diluída), no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo (art.º 343, n.º 1, do CPP) (Ac. do STJ de 23-10-1997, proc. n.º 679/97)

Deve, assim, entender-se, em síntese, que é a posição interessado do arguido, a par de outros intervenientes citados no art. 133.º do CPP, que dita o seu impedimento para depor como testemunha, o que significa que nada obsta a que preste declarações, nomeadamente para se desonerar ou atenuar a sua responsabilidade, o que acarreta que, não sendo meio proibido de prova, as declarações do co-arguido podem e devem ser valoradas no processo, não esquecendo o tribunal a posição que ocupa quem as prestou e as razões que ditaram o impedimento deste artigo.

A crítica feita no sentido de que não ser lícita a utilização das declarações dos arguidos como meio de prova contra os outros, não tem razão de ser em face do art. 125°, do CPP, pois este artigo estabelece o princípio da admissibilidade de quaisquer provas no processo penal, e do elenco das provas proibidas estabelecido no art. 126° do CPP não consta o caso das declarações dos co-arguidos, que são perfeitamente possíveis como meios de prova do ponto de vista da sua legalidade, como o são as declarações do assistente, das partes civis, etc.

Pode, assim, afirmar-se que o art. 133º do CPP apenas proíbe que os arguidos sejam ouvidos como testemunhas uns dos outros, ou seja, que lhes seja tomado depoimento sob juramento, mas não impede que os arguidos de uma mesma infracção possam prestar declarações no exercício do direito, que lhes assiste, de o fazerem em qualquer momento do processo, nada impedindo que o arguido preste declarações sobre factos de que possua conhecimento directo e que constituam objecto da prova, ou seja, tanto sobre factos que só ele digam directamente respeito, como sobre factos que respeitem a outros arguidos.

O art. 344º, n.º 3 do CPP não prevê qualquer limitação ao exercício do direito de livre apreciação da prova, resultante das declarações do arguido.

Tem entendido o Supremo Tribunal de Justiça que a proibição constante do art.º 133.º do CPP, tem um objectivo muito próprio: garantir ao arguido o seu direito de defesa, que facilmente se mostraria incompatível com o dever de responder, e com verdade, ao que lhe fosse perguntado, com as sanções inerentes à recusa de resposta ou à resposta falsa, mas, apesar do seu regime específico, as declarações de um co-arguido não deixam de ser um meio de prova, cujas limitações o não privam da virtualidade de influenciarem relevantemente, ou até fundamental ou exclusivamente, a convicção dos julgadores (Cfr. neste sentido os Acs. do STJ de 28-6-01, proc. n.º 1552/01-5, de 15.6.03, proc. n.º 976/03 e de 22/06/2006, proc. n.º 1426/06-5, com o mesmo Relator).

Assim, não merece censura a posição das instâncias de que podiam valorar as declarações prestadas pelos co-arguidos.

Da posição que expendeu resulta que não há um dever especial de análise crítica dos meios de prova coadjuvantes, que é o exigível nas demais circunstâncias.

E foi isso exactamente que fez o Tribunal recorrido ao apreciar o recurso do arguido:

“O tribunal recorrido, fundou a sua decisão em todos os elementos de prova carreados para julgamento e não apenas no declarado pelo co-arguido Artur Cordeiro, o que impossibilita, por razões óbvias de falta de credibilidade, de dar crédito à versão dos factos dada por aquele, face à apreciação conjugada de toda a outra prova que foi feita em sentido diverso.”

Daí que não assista razão ao recorrente quando pretende que as declarações prestadas pelo co-arguido ABC, contribuíram de uma forma irrestrita, para a formação da convicção do douto tribunal, quanto aos factos 1, 2, 3, 4, 9, 10 e 14 (conclusão 10ª), por terem resultado exclusivamente do depoimento de co-arguido ABC (conclusão 11ª).

2.4.

É a seguinte a matéria de facto assente pelas instâncias e que não consente a intervenção oficiosa deste Supremo Tribunal de Justiça.

Desde pelo menos a partir de inícios de Maio de 2003 o arguido FJNS, tratado pela alcunha de “Ilídio”, procedia à venda de embalagens com “heroína” e “cocaína”, na zona do intendente/Anjos, em Lisboa.

Quando o arguido chegava ao local, o que fazia diariamente e já em poder de número não determinado de tais embalagens, mas superior a cinquenta, entregava-as a outros indivíduos, os quais procediam à sua venda a terceiros, entregando estes, posteriormente, ao arguido FJNS as quantias monetárias obtidas com as vendas.

Esses indivíduos, geralmente consumidores de estupefacientes, eram angariados no local e recebiam do arguido, como forma de pagamento pelo indicado serviço, embalagens com “heroína” e “cocaína” para o seu consumo.

No dia 18 de Maio de 2003, pelas 11 horas, o arguido FJNS acabara de chegar à Rua dos Anjos, em Lisboa, encontrou-se com o arguido ABC, um dos indivíduos a quem o arguido FJNS entregava embalagens com “heroína” e”cocaína” para aquele vender por sua conta, e preparava-se para entregar-lhe um saco plástico com tais embalagens para a indicada finalidade.

Nesse momento foram ambos os arguidos surpreendidos pela presença no local de agentes da P.S.P., pelo que se puseram em fuga.

Apenas o arguido FJNS veio a ser abordado pelos agentes, mas só parou devido à utilização por agente de pistola de serviço, tendo efectuado um disparo para o ar, o que levou a que aquele se tivesse imobilizado.

Nessa altura, o arguido FJNS arremessou para o solo o indicado saco plástico, que continha no seu interior 15 (quinze) embalagens, com o peso líquido de 1,161 gramas de “heroína” e 37 (trinta e sete) embalagens, com o peso líquido de 3,758 gramas de “cocaína”.

Tal saco e indicado conteúdo pertenciam ao arguido FJNS.

Não obstante tal ocorrência na referida data, o arguido FJNS continuou a vender estupefacientes nos moldes indicados, de forma contínua, o que fez, pelo menos, até inícios do mês de Abril 2004, com excepção do período entre 19 de Setembro de 2003 e 17 de Outubro de 2003 em que esteve internado num estabelecimento hospitalar.

O arguido FJNS utilizou para os referidos fins, entre outros, e no período compreendido entre Maio e Novembro de 2003, o arguido ABC e, a partir do mês de Janeiro de 2004 e até finais do mês de Fevereiro de 2004, KAF, melhor id. a fls.161, de alcunha “Russo”.

Pelo menos a partir do início do ano de 2004, o arguido FJNS começou a utilizar um quarto sito na Pensão “Residencial Seixas”, no n°284, 4°. andar, da Rua da Palma, em Lisboa, que sub-arrendou a CAPS, melhor id. a fls.242, para ai guardar, misturar com outros produtos e embalar em doses individuais os produtos estupefacientes que comercializava e que para ali transportava diariamente.

No dia 28 de Janeiro de 2004, pelas 15 horas e 15 minutos, o referido KAF encontrava-se na Rua da Palma, em Lisboa, e tinha consigo 2 (duas) embalagens, com o peso líquido de 0,365 gramas de “heroína” e 4 (quatro) embalagens, com o peso líquido de 1,068 gramas de “cocaína”, que lhe tinham sido entregues pelo arguido FJNS e que aquele destinava à venda a terceiros por conta deste.

Tinha ainda em seu poder a quantia monetária de Eur.59,40 (cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos), proveniente de anteriores transacções.

Pelo menos a partir de 20 de Fevereiro de 2004, o arguido FJNS passou a contar com a colaboração do arguido CAGS na descrita actividade, tendo este, para o efeito, começado a frequentar e a pernoitar no referido quarto naquela data, onde guardava o estupefaciente e ajudava à sua mistura e embalamento.

O arguido CAGS também procedia a vendas de embalagens na via pública, na indicada zona, sendo conhecido pelos “toxicodependentes” pelo nome de “José Luís”.

No mês de Março de 2004, foi mesmo o arguido CAGS quem pagou ao referido Carlos Santos a renda pela utilização do quarto.

No dia 18 de Março de 2004, pelas 9 horas e 10 minutos, LMAA, melhor id. a fls.428, encontrava-se na Avenida Almirante Reis, em Lisboa, e detinha 8 (oito) embalagens com “heroína” e 5 (cinco) embalagens com “cocaína”.

No dia 2 de Abril de 2004, pelas 9 horas e 30 minutos, o arguido CAGS encontrava-se no indicado quarto, sito na Rua da Palma, e aí estavam 57 (cinquenta e sete) sacos plásticos, com o peso líquido total de 11,732 gramas de “heroína” e “cocaina”; 3 (três) sacos plásticos, com o peso líquido total de 61,221 gramas de “heroína”; 73 (setenta e três) sacos plásticos, com o peso líquido total de 19,193 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 20,264 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 158,513 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 40,908 gramas de “cocaína”; 2 (dois) sacos plásticos, com 190 gramas de “paracetamol” e cafeína; uma balança digital; dois cofres em metal; a quantia monetária de Eur.309,24 (trezentos e nove euros e vinte e quatro cêntimos); um saco plástico contendo no interior vários sacos recortados em formas circulares; três tesouras; um telemóvel de marca “Nokia”, modelo “3310”; um telemóvel de marca “Philips”, modelo “GSM 900”; uma máscara de utilização médica; e os dois bilhetes de identidade indicados a fls.195 em nome de terceiros.

Os sacos com a heroína” e “cocaína” encontravam-se no interior dos indicados cofres, sendo que um estava aberto e o outro fechado, estando em poder do arguido CAGS a chave que permitia abri-lo.

Tal estupefaciente fora para ali transportado pelo arguido FJNS a fim de, depois de misturado e embalado, vir a ser vendido por si e pelo arguido CAGS conforme descrito, a ambos pertencendo.

O “paracetamol” e a cafeína destinavam-se a ser, por ambos os arguidos, misturados com os estupefacientes, designadamente, com a “heroína”, por forma a melhor rentabilizarem os seus proventos.

Utilizavam a balança, os cofres, os sacos plásticos e as tesouras para a pesagem, a guarda, o embalamento e a mistura dos produtos.

A aludida quantia monetária era proveniente de anteriores transacções desses produtos e os telemóveis eram utilizados para contactos no âmbito da descrita actividade.

No dia 17 de Agosto de 2004, pelas 9 horas, o arguido FJNS tinha na sua residência sita no andar direito do lote n°. da Rua Bento Gonçalves, Bairro do Armador, Chelas, em Lisboa, pertencendo-lhe: no interior do seu quarto, um revólver de calibre .38 Special – equivalente a 9 milímetros no sistema métrico –, de marca “Dan Wesson” de provável modelo “15”, com o número de série 5002123, de origem norte-americana, com cano com o comprimento aproximado de 52 mílimetros, em boas condições de funcionamento e, ainda, 3 (três) munições de calibre .38 Special, de marca “Remington”, de origem norte-americana; no mesmo quarto, um punhal com uma lâmina com 20 centímetros de comprimento, com uma bolsa em cabedal de cor preta; na cozinha, uma embalagem de “spray” de cor preta, com a indicação no rótulo de “Aerosol Anti-Agression Longue Portee 70% OS Defense Gas, Police”, contendo no seu interior gás CS, de efeitos tóxicos que, quando aplicado, prejudica as funções vitais.

Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente da “heroína” e “cocaína” que comercializaram conforme descrito.

O arguido FJNS conhecia as características do revólver, das munições, do punhal e do “spray”, sabendo que não os podia deter e não destinando o punhal à utilização em actividade profissional ou para uso diário, mas sim à utilização como instrumento de agressão.

Todos os arguidos actuaram de forma livre, voluntária e consciente, sabendo não serem as suas condutas permitidas, tendo agido em conjugação de esforços e mediante acordo prévio conforme ficou descrito.

O arguido FJNS confessou ter em seu poder e pertencerem-lhe o revólver, as munições e o “spray” referidos.

À data, não tinha ocupação profissional estável, apenas por vezes trabalhando como pedreiro.

Natural de Cabo Verde e de nacionalidade caboverdiana, encontra-se em Portugal desde finais de 2001.

Vive com a mulher.

Nunca teve autorização de residência no País.

O arguido ABC confessou colaborar com o arguido FJNS e por conta deste na venda de embalagens de “heroína” e “cocaína” da forma descrita, ainda recebendo, em média, do arguido FJNS e diariamente, não menos de 25 (vinte e cinco) embalagens para vender e, em troca, entregando-lhe este, pelo menos, mais 5 (cinco) embalagens para seu consumo pessoal e da sua companheira.

Tinha o vício de consumo dessas substâncias desde 1996.

Não exerce actividade profissional desde há quatro anos.

Trabalhara antes como operário na indústria naval.

À data, vivia na rua, com a companheira.

Presentemente, continua a viver na rua e a consumir substâncias estupefacientes. Tem um filho, de dois anos, que vive com a mãe da companheira.

De habilitações literárias, tem o 7°.ano de escolaridade.

O arguido CAGS, à data, trabalhava, por períodos, como pedreiro.

Natural de Cabo Verde e de nacionalidade caboverdiana, encontra-se em Portugal desde 2001.

Nunca teve autorização de residência no Pais, tendo tido visto de permanência já caducado pelo menos desde 2003.

Tem dois filhos, que vivem em Cabo Verde.

Não são conhecidas anteriores condenações do arguido FJNS.

O arguido ABC foi anteriormente condenado: por sentença de 3.10.96, proferida no 1°.Juízo Criminal de Oeiras, proc.n°.782/96.2PEOER, pela prática de crime de furto, cometido em 3.10.96, na pena de 7 (sete) meses de prisão suspensa na execução por 1 (um) ano, sob condição de apresentação no Instituto de Reinserção Social para tratamento de desintoxicação; por sentença de 18.11.97, proferida no Tribunal Judicial de Vila Nova de Foz Côa, proc.n°.18/97, pela prática, em 23.05.95, de crime de burla p. e p. pelo art.316° do Cod. Penal, em pena de multa.

Do certificado do registo criminal do arguido CAGS nada consta.

Não tiveram as instâncias por provado que haviam sido acabadas de adquirir ao arguido FJNS as embalagens que LMAA detinha em 18 de Março de 2004.

2.5.

Medida da pena

Sustenta o recorrente que a pena se mostra elevada (conclusão 13º), quanto ao crime de trafico, e mesmo quanto ao crime de detenção de arma proibida (conclusão 14ª), pelo que deveriam ser substancialmente inferiores (conclusão 15ª).

Escreve-se, a propósito, na decisão recorrida:

«e) Da Medida da(s) Pena(s) de Prisão.

Tendo em consideração todos os elementos acima aduzidos, de natureza doutrinária e jurisprudêncial, que aqui se dão por reproduzidos, é indubitável, que face à matéria de facto provada e ao seu correspondente enquadramento legal, nenhuma censura ou reparo merece a pena, em concreto, que foi aplicada ao recorrente, ou seja, afigura-se-nos justa, adequada e equilibrada a sanção privativa da liberdade aplicada ao recorrente – 6 anos e 6 meses de prisão, no que toca ao crime de tráfico de estupefacientes e 2 anos e 6 meses para o de detenção de armas proibidas e, em cúmulo jurídico, a pena única, de 7 anos e 6 meses de prisão.

Com efeito o circunstancialismo da acção e a sua inquestionável gravidade objectiva, o grau de culpa, as necessidades de prevenção, geral, e as que in casu se fazem sentir, tornam adequadas, por conformes aos critérios definidores do art. 71° do CP, as penas de prisão aplicadas ao recorrente, quer as parcelares, quer a unitária.

De facto a única circunstância de valor atenuativo é a que decorre do recorrente não ter antecedentes criminais, o que espelha, simplesmente, um quadro normal que é exigível a qualquer cidadão honesto que saiba viver em sociedade cumprindo as regras e os valores impostos por esta.

Assim sendo, concluí-se que o acórdão recorrido não merece qualquer censura, pois foi elaborado de acordo com a prova produzida em julgamento, sem qualquer insuficiência, contradição, erro ou outra nulidade, nele se tendo feito um correcto enquadramento jurídico-penal dos factos dados como assentes, sendo as penas que, em concreto, lhes foram aplicadas justas e adequadas, pelo que se mantêm o mesmo na sua totalidade.»

Vejamos, pois, da valia do recurso nesta parte, começando por analisar os poderes de cognição deste Tribunal em matéria de medida concreta da pena.
Mostra-se hoje afastada a concepção da medida da pena concreta, como a «arte de julgar»: um sistema de penas variadas e variáveis, com um acto de individualização judicial da sanção em que à lei cabia, no máximo, o papel de definir a espécie ou espécies de sanções aplicáveis ao facto e os limites dentro dos quais deveria actuar a plena discricionariedade judicial, em cujo processo de individualização interviriam, de resto coeficientes de difícil ou impossível racionalização.
De acordo com o disposto nos art.ºs 70.º a 82.º do Código Penal a escolha e a medida da pena, ou seja a determinação das consequências do facto punível, é levada a cabo pelo juiz conforme a sua natureza, gravidade e forma de execução, escolhendo uma das várias possibilidades legalmente previstas, traduzindo-se numa autêntica aplicação do direito. Não só o Código de Processo Penal regulou aquele procedimento, de algum modo autonomizando-o das determinação da culpabilidade (cfr. art.ºs 369.º a 371.º), como o n.º 3 do art. 71.º do Código Penal (e antes dele o n.º 3 do art. 72.º na versão originária) dispõe que «na sentença devem ser expressamente referidos os fundamentos da medida da pena», alargando a sindicabilidade, tornando possível o controlo dos tribunais superiores sobre a decisão de determinação da medida da pena.
Mas importa considerar os limites de controlabilidade da determinação da pena em recurso de revista, como é o caso.

Não oferece dúvidas de que é susceptível de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação.
Tendo sido posto em dúvida que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade caibam dentro dos poderes de cognição do tribunal de revista (Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, § 82 II 3), deve entender-se que a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado, salvo perante a violação das regras da experiência ou a desproporção da quantificação efectuada (Neste sentido, Maurach e Zipp, Derecho Penal, § 63n.º m. 200, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 197 e Simas Santos e Correia Ribeiro, Medida Concreta da Pena, Disparidades, pág. 39).
Numa primeira operação de determinação da medida da pena encontra-se a moldura penal abstracta e, numa segunda operação, é dentro dessa moldura penal, que funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente:
– O grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente);
– A intensidade do dolo ou negligência;
– Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
– As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
– A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
– A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
A medida das penas determina-se, já o dissemos, em função da culpa do arguido e das exigências da prevenção, no caso concreto, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura (Ac. do STJ de 17-09-1997, proc. n.º 624/97).
Em síntese pode dizer-se que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa de uma miragem, quando a medida concreta da pena não possui o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando o limite da culpa.

A esta luz, e atendendo aos poderes de cognição que a este Supremo Tribunal assistem, impõe-se concluir que a pena concreta fixada e que o recorrente contesta, se situa claramente dentro da sub–moldura a que se fez referência e que dentro dela foram sopesados todos aqueles elementos de facto que se salientaram.
Com efeito, como resulta da matéria de facto provada desde inícios de Maio de 2003 o recorrente procedia à venda de embalagens com “heroína” e “cocaína”, diariamente, em número superior a cinquenta, entregava-as a outros indivíduos, os quais procediam à sua venda a terceiros, entregando-lhe estes, posteriormente as quantias monetárias obtidas com as vendas e foi surpreendido a 18.5.03nessa actividade e só parou na fuga que encetou mediante um disparo de arma de fogo da policia, para o ar, tendo em seu poder 15 embalagens de heroína e 37 de cocaína.

Não obstante, continuou a vender estupefacientes dessa forma até inícios do mês de Abril 2004 (excepto de 19.9.03 a 17.10.03). Pelo menos a partir do início do ano de 2004, passou a utilizar um quarto sito na Pensão “Residencial Seixas”, no n°284, 4°. andar, da Rua da Palma, em Lisboa, para ai guardar, misturar com outros produtos e embalar em doses individuais os produtos estupefacientes que comercializava e que para ali transportava diariamente. No dia 2 de Abril de 2004, pelas 9 horas e 30 minutos, nesse quarto foram encontradas 57 (cinquenta e sete) sacos plásticos, com o peso líquido total de 11,732 gramas de “heroína” e “cocaína”; 3 (três) sacos plásticos, com o peso líquido total de 61,221 gramas de “heroína”; 73 (setenta e três) sacos plásticos, com o peso líquido total de 19,193 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 20,264 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 158,513 gramas de “cocaína”; 1 (um) saco plástico, com 40,908 gramas de “cocaína”; 2 (dois) sacos plásticos, com 190 gramas de “paracetamol” e cafeína; uma balança digital; dois cofres em metal; a quantia monetária de Eur.309,24 (trezentos e nove euros e vinte e quatro cêntimos); um saco plástico contendo no interior vários sacos recortados em formas circulares; três tesouras; um telemóvel de marca “Nokia”, modelo “3310”; um telemóvel de marca “Philips”, modelo “GSM 900”; uma máscara de utilização médica.

O “paracetamol” e a cafeína destinavam-se a ser, por ambos os arguidos, misturados com os estupefacientes, designadamente, com a “heroína”, por forma a melhor rentabilizarem os seus proventos. Utilizavam a balança, os cofres, os sacos plásticos e as tesouras para a pesagem, a guarda, o embalamento e a mistura dos produtos. A aludida quantia monetária era proveniente de anteriores transacções desses produtos e os telemóveis eram utilizados para contactos no âmbito da descrita actividade.

O que vale por dizer que é elevada a ilicitude da sua conduta, envolvendo uma prolongada e extensa actividade de venda de dois produtos proibidos, altamente lesivos da saúde de quem os consome, com recurso já a uma pequena organização que transcende a mera venda directa pelo recorrente ao consumidor de rua, com mistura de outras substâncias para aumentar o lucro.

E um dolo intenso, não só por ser directo, como normalmente acontece neste casos, mas por envolver já o mencionado esquema de venda, prolongado no tempo.

O recorrente não tinha à data, não tinha ocupação profissional estável, apenas por vezes trabalhando como pedreiro, quando se tratava de um período já longo. É natural de Cabo Verde e de nacionalidade caboverdiana, encontra-se em Portugal desde finais de 2001, sem nunca ter tido autorização de residência no País. Vive com a mulher, não lhe sendo conhecidas anteriores condenações.

À luz destas circunstâncias, a que atenderam as instâncias, a pena aplicada pelo crime de tráfico de estupefacientes, numa moldura penal abstracta de 4 a 12 anos de prisão de 6 anos e 6 meses de prisão não se mostra excessiva ou desproporcionada, por força a merecer a intervenção desta Tribunal, antes se mostra adequada e equilibrada.

Porém, um ponto que se prende com a medida da pena referente ao crime de detenção de arma proibida, não suscitado nos autos, merece atenção. Referimo-nos à circunstância de o art. 275.º, à luz do qual foi punido esse crime, ter sido revogado pelo art. 118.º, al. o) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que veio estabelecer um novo regime jurídico das armas e suas munições, punindo criminalmente a sua detenção, designadamente no art. 86.º, n.º 1, c) com a pena de prisão ate´5 anos ou multa até 600 dias, em vez da prisão de 2 a 5 anos prevista no revogado art. 275.º, n.º 1 do C. Penal.

Importa, pois, considerar o regime que concretamente me mostre mais favorável, nos termos do n.º 4 do art. 2.º do C. Penal, o que impõe a determinação da pena que caberia à luz do normativo actualmente vigente.

Assim, deve considerar-se, em primeiro lugar o disposto no art. 70.º do C. Penal, uma vez que a norma sancionatória prevê a pena de multa em alternativa à pena de prisão.

Prevê-se nesse artigo que, sendo aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Essas finalidades são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal).

Ora, como resulta da matéria de facto provada, são acentuadas as exigências de prevenção geral positiva pela gravidade da conduta em causa, a insistência do arguido, o número de armas, as circunstâncias da sua vida, o que leva à conclusão de que a pena não privativa da liberdade não realiza de forma adequada e suficiente necessidades da prevenção comummente reconhecidas, quando nos confrontamos com a violência que as armas em causa podem potenciar.

No caso, a diminuição do limite mínimo da respectiva moldura penal abstracta de 2 anos para 1 mês, impõe necessariamente uma diminuição que se entende dever ser traduzida exactamente na redução de 1 ano de prisão na pena de 2 anos e 6 meses de prisão aplicada pelas instâncias e que assim ficaria reduzida a 1 ano e 6 meses de prisão que, por ser concretamente mais favorável, deve ser aplicada ao recorrente.

Essa redução repercute-se na pena única que passa a ser de 7 anos e não 7 anos e 6 meses, como vinha determinado pelas instâncias.

2.6.

Pena acessória de expulsão

Defende o recorrente que dos factos provados resulta que se encontra estabelecido em Portugal pelo menos desde 2001, tem família constituída, pois é casado com uma portuguesa e que com ela vive (conclusão 17ª), pouco mais tendo sido apurado quanto às suas condições sociais (conclusão 18ª), pelo que não é de decretar aquela expulsão, ponderando o direito do arguido a constituir família e o respeito devido à vida privada e familiar consignado no art. 8° da CEDFI, e o interesse do Estado de ordem pública e segurança social, pois não é imperiosa a necessidade social de expulsão do recorrente do território nacional (conclusão 19ª)

Escreve-se na decisão recorrida sobre tal questão:

«d) Da Pena de Expulsão do Território Nacional.

Face ao que consta da matéria assente, sendo o recorrente cidadão estrangeiro, encontrando-se em Portugal ilegalmente desde finais de 2001 sem ocupação estável, "...apenas por vezes trabalhando como pedreiro", tendo pelo menos desde inícios de Maio de 2003 até meados de 2004 traficado "heroína" e "cocaína" — drogas dita "duras" —, outro caminho não restava ao tribunal, senão aquele que o levou, correctamente, a aplicar a pena acessória de expulsão do território nacional.

Efectivamente o único vínculo do recorrente a Portugal, é o resultante do seu casamento, com uma cidadã de nacionalidade portuguesa.

O recorrente não se encontra "estabelecido" em Portugal, como refere, tendo uma vida muito instável, quer em termos familiares, quer em termos profissionais, pois, segundo declarou em julgamento, a mulher trabalha como "prostituta" na zona do Intendente e Anjos em Lisboa, e ele próprio trabalha "de vez em quando" como pedreiro.

Pelo contrário foi em Portugal que o recorrente tentou criar “vínculos” ilegais, resultantes da traficância de droga.

A pena acessória em causa, para além de ter pleno fundamento legal, mostra-se justa e adequada ao caso.»

Deve reter-se, pois, que o recorrente:

– de nacionalidade cabo-verdiana, encontra-se em Portugal desde finais de 2001;

– nunca teve autorização de residência;

– à data dos factos não tinha ocupação profissional estável, apenas por vezes trabalhando como pedreiro, tendo desenvolvido, desde inícios do ano de 2003, o mencionado tráfico de estupefacientes, que retomou não obstante a intervenção das autoridades, sendo certo que só chegou a Portugal em finais de 2001.

– vive com a mulher.

Quanto a este aspecto, como se viu, o Tribunal Recorrido lembra que «o recorrente não se encontra "estabelecido" em Portugal, como refere, tendo uma vida muito instável, quer em termos familiares, quer em termos profissionais, pois, segundo declarou em julgamento, a mulher trabalha como "prostituta" na zona do Intendente e Anjos em Lisboa (a zona onde ele traficava)».

O que vale por dizer que não se levantam dúvidas sobre a legalidade da aplicação da pena acessória de expulsão: o recorrente é estrangeiro, não tem, nem nunca teve, título válido de residência, foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes na pena de 6 anos e 6 meses de prisão (art. 34.° do DL n.° 15/93)

Por outro lado, o equilíbrio, desejável nesta matéria, entre o direito ao respeito da vida privada e familiar e a protecção da ordem pública, a prevenção de infracções futuras, não impõe outra solução.

Os factos que se retomaram, com o quadro de gravidade dos factos criminais, nem no seu tipo, quer na sua conformação concreta, a ausência de autorização de residência, bem como de ocupação laboral estável, e à vida instável em termos familiares não tornam a medida desproporcionada, mas necessária e adequada ao fim legítimo prosseguido – prevenção de futuras infracções

Não merece, assim, qualquer censura a imposição da pena acessória de expulsão.

3.

Pelo exposto, acordam os juízes da (5.ª) Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso trazido pelo arguido FJNS, mas em alterar a decisão recorrida quanto à pena aplicada pelo crime de detenção de arma proibida, que passa a 1 ano e 6 meses de prisão e a pena unitária que passa a 7 anos de prisão, no mais a confirmando.

Custas pelo recorrente, com a taxa de Justiça de 5 Ucs.

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007

Simas Santos (Relator)

Santos Carvalho

Rodrigues da Costa