Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2420/11.6TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÂO
Relator: SERRA BAPTISTA
Descritores: TRANSACÇÃO
CONFISSÃO
PROVA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS / ACTOS DA SECRETARIA - INSTÂNCIA / EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA.
Doutrina:
- Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil” Anotado, vol. 1.º, p. 533.
- Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 207.
- P. Lima e A. Varela, “Código Civil” Anotado, vol. I, p.316; vol. II, p. 856.
- Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. IV, p. 343.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 355.º, Nº 3, 1ª PARTE, 356.º, 358.º, N.º1, 361.º, 1248.º, Nº 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 159.º, 287.º, AL. D).
Sumário :
1. A transacção visa recíprocas concessões e não qualquer confissão das partes. E tem por fim a extinção da instância.

2. Se a parte acaba por reconhecer a legalidade da pretensão da contraparte, através de um acto com eficácia meramente confirmativa ou constitutiva, há uma verdadeira confissão (do pedido) e não uma transacção.

3. A confissão judicial feita em auto de processo só vale nesse processo, que não noutro.

4. Bem se compreendendo a razão de ser de tal limitação probatória, já que a parte pode ter confessado, renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto, tendo apenas em vista os interesses que estão em jogo em tal processo.

Decisão Texto Integral:
ACORDÃO NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:




AA, BB e CC vieram intentar acção, com processo ordinário, contra COMPANHIA DE SEGUROS DD, S.A., pedindo a condenação desta ao pagamento do montante de € 354 807,00 à AA e do montante de € 43 750,00 a cada um dos restantes autores, quantias essas acrescidas de juros que devem ser contados desde a data da citação.

Alegando, para tanto, e em suma:

O marido da autora e pai dos autores sofreu acidente de viação em Espanha, sob a forma de despiste do automóvel no qual se fazia transportar gratuitamente no regresso a Portugal, após trabalho, despiste esse que, dada a forma como ocorreu, causou directa e necessariamente a morte daquele.

Imputam a culpa única e exclusiva na ocorrência do despiste ao condutor do veículo no qual ele se fazia transportar e demandam a ré mercê da celebração de contrato de seguro válido e eficaz com o proprietário do aludido veículo, como responsável pela satisfação das necessárias indemnizações.

Descrevem as lesões provocadas pelo referido despiste e mais alegam que a morte não sobreveio de imediato e que, nesse lapso de tempo ocorrido, o falecido sofreu dores e angústia, por isso, se tratando de dano não patrimonial próprio reclamando, ainda, indemnização pela perda do direito à vida; para além disso, cada um dos autores alega ter sofrido desgosto e sofrimento com a referida morte devendo, pois, ser indemnizados desse dano e que o falecido era o suporte financeiro e económico do agregado, pelo que este irá deixar de auferir o respectivo rendimento, concluindo com a perda futura de ganho.

Citada a ré, veio a mesma contestar, e, em síntese, impugnou alguns dos factos articulados pelos Autores, mais defendendo que os valores peticionados serão excessivos. Conclui, não obstante afirmar que não enjeita a sua responsabilidade de indemnizar os autores pelos danos que lhe foram causados, pela absolvição do pedido.

Os Autores apresentaram um articulado que denominaram de réplica e no qual, em suma, concluem como na petição inicial.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido fixados os factos assentes e organizada a base instrutória.

              

A fls 133 e segs foi pela ré deduzido articulado superveniente, alegando a mesma, também em suma:

                

O acidente aqui em questão foi também considerado acidente de trabalho e, por via disso, os autores intentaram contra a aqui ré, também seguradora de tais acidentes, acção especial de acidente de trabalho que correu termos no Tribunal de Trabalho de Barcelos sob o nº 622/08.1TTBCL, na qual reclamavam, por via do mesmo acidente, o pagamento de uma pensão e de um subsídio por morte.

Tendo aí chegado a acordo, homologado por sentença judicial, no sentido de a ré ficar obrigada a pagar à autora a pensão anual e vitalícia no montante de € 2.631,60 € e ao autor CC a pensão anual e vitalícia de € 1.754,40, ambas com efeitos a partir de 19/8/2008.

Sendo, ainda, expressamente reconhecido que tal pensão só era devida ao A. CC até 21/7/2009.

Tendo-se, ainda, a ré obrigado a pagar a ambos os autores a quantia de € 5.112,00 a título de subsídio de morte.

Referindo os autores que o falecido auferia a quantia anual de € 8.772,00.


Responderam os autores, pugnando pelo não recebimento de tal articulado, face à sua intempestividade.


Por despacho de fls 158, transitado em julgado, foi indeferido o articulado superveniente, por extemporâneo.


Na acta de audiência de fls 162 vieram os autores AA e CC dizer que, no processo que corre termos no Tribunal de Trabalho receberam € 15.292,17 € e 4.226,00 €, respectivamente.

Tendo a ré, sem oposição, requerido a junção do doc. de fls 135 (transacção efectuada no aludido processo do Tribunal de Trabalho, homologada por sentença).


Realizada a audiência de discussão e julgamento, acordaram as partes em responder parcialmente à matéria de facto controvertida, tendo a restante matéria sido decidida pela forma documentada a folhas 164 e seguintes.

              

Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a Ré “Companhia de Seguros DD, S.A.”:

a) a pagar aos Autores o montante de 50.000,00 euros;

   b) a pagar a cada um dos Autores o montante de euros 25.000,00;

c) a pagar à Autora o montante de 246.468,00 euros;

      d) a pagar aos mesmos Autores, juros de mora contados desde a data da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, sobre os montantes de 50.000,00 euros e de 25.000,00 euros;

e) a pagar à Autora juros de mora contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, sobre o montante de 246.468,00 euros.


Inconformada, veio a ré seguradora interpor recurso de apelação para o Tribunal de Relação de Évora, onde, por acórdão de fls 216 a 221, na sua parcial procedência, se condenou a ré a pagar:

   a) aos Autores o montante de 50.000,00 euros;

b) a cada um dos Autores o montante de euros 25.000,00;

   c) à Autora o montante de 231.175,00 euros;

    d) aos mesmos Autores, juros de mora contados desde a data da presente decisão e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, sobre os montantes de 50.000,00 euros e de 25.000,00 euros;

     e) à Autora juros de mora contados desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento, à taxa legal em vigor, sobre o montante de 231.175,00 euros.

Ainda irresignada, veio a ré pedir revista para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões:

1ª - A Ré não pode conformar-se com o douto acórdão recorrido, uma vez que na decisão da matéria de facto, não foi tida na devida conta um documento que, nos termos do art. 358.º, nº 2, do C. Civil, tem força probatória plena, não sendo impeditivo para a atribuição de tal força a circunstância de o mesmo constar de uma transacção.

2ª - O presente recurso será sempre admissível nos termos do art. 67l.º, nº 1 e nº 3, do CPC, já que, pese embora ter existido confirmação da decisão proferida pela 1ª instância, a fundamentação do douto acórdão recorrido proferido pela Relação foi essencialmente diferente da constante da douta sentença inicialmente recorrida.

3ª - Além disso, atento o disposto no art. 674.º, nº 3, pode ser objecto de recurso de revista o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, "havendo ofensa a uma disposição expressa da lei que fixe a força a determinado meio de prova", pelo que também por esta norma nada obsta à interposição e apreciação do presente recurso.

4ª - A discordância da ora recorrente resulta da matéria de facto que foi dada como provada nos pontos GG), e JJ) da douta sentença recorrida, já que é entendimento da ora recorrente que o documento de fls. 135 impunha necessariamente outra resposta.

5ª - O referido documento, não impugnado, constitui uma sentença homologatória da transacção havida no Tribunal do Trabalho de Barcelos, proferida na acção de acidente de trabalho nº 622/08.1TIBCL, onde os Autores da presente acção, AA e CC, também Autores naquela, na cláusula 1ª, reconheceram expressamente perante a ora recorrente que a retribuição anual auferida pelo falecido EE "ascendia a € 8. 772,00".

6ª - Nos termos do art. 352.Q do C. Civil, "confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária".

7ª - Assim, é desfavorável aos Autores dar-se como provado um rendimento do falecido inferior ao por eles alegado em sede de petição e favorável à ora recorrente conseguir provar que o montante alegado pelos Autores era excessivo e não correspondia à realidade.

8ª - Constando esse facto de um documento autêntico (art. 369.º, nº 1, do CC) que configura uma sentença homologatória de um outro processo judicial, documento esse que corresponde à representação da vontade dos Autores relativamente à matéria dele constante, e que não foi colocado em causa por estes, nem arguida nem provada a sua falsidade, deverá a declaração dele constante ter-se como uma confissão extrajudicial dos Autores, nos termos do art. 355.º do CC.

9ª - Nos termos do art. 358.º, nº 2, do CC, "a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena", pelo que o referido documento tem força probatória plena (art. 358.º nº 2, do CC).

10ª- Em nenhum momento, o legislador excepcionou ou excluiu do regime da prova por confissão, constante, designadamente, dos arts. 352.º e ss do C. Civil, os factos confessados em transacção ou em sentença homologatória de transacção

11ª- Por razões que as partes melhor do que ninguém saberão, na acção de acidente de trabalho nº 622/08.1TBBCL que correu termos pelo Tribunal do Trabalho de Barcelos, optaram por fazer constar expressamente da acta que reconheciam "que a retribuição auferida pelo falecido sinistrado ascendia a 8.772,00, a qual se encontrava totalmente transferida para a ré seguradora".

12ª- Sendo assim, não se compreende que essa confissão apenas valha consoante os melhores interesses dos Autores, sem atentar nos direitos e interesses das outras partes envolvidas.

13ª- As concessões havidas em transacção, depois de feitas, especialmente quando homologadas por sentença, têm-se por admitidas plenamente, não podendo ser revogadas unilateralmente por uma das partes consoante o seu interesse pontual em cada situação.

14ª-Deste modo, deverá ser alterada a matéria de facto constante dos pontos GG) e JJ) da matéria de facto da douta sentença recorrida, deles passando a constar:

GG) Em média, ganhava, por mês, 12 vezes por ano, cerca de € 731,00.

  JJ) Ficava para o seu agregado familiar a quantia de cerca de € 281,00.

15ª- Tendo em conta os factos ora descritos, é manifesto que o montante atribuído à Autora AA, a título de compensação pelos danos patrimoniais sofridos decorrentes do falecimento do seu marido, é exagerado.

16ª- Utilizando a mesma fórmula e os mesmos critérios utilizados na douta sentença recorrida, nomeadamente, que o falecido EE tinha 44 anos de idade à data do acidente e deixava para o seu agregado familiar, mensalmente, o montante de € 281,00, nunca a compensação atribuída à Autora a título de dano patrimonial ou pela perda de alimentos prestados pelo seu falecido marido pode ser superior ao montante € 53.893,90.


Os recorridos contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.

Com dispensa dos vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir:


*


Vem dado como PROVADO:  


A) No dia 18 de Agosto de 2008, pelas 07hOO, ocorreu um acidente de viação na Carretera A 66, ao Km 205,202, sito em S. Cristobal de Entro - Julgado de Benavente - Espanha, em que interveio o veículo ligeiro misto …-…-0T, propriedade de FF, Ldª, com sede em … - 4750- 642 … - Barcelos, conduzido por GG.

B) O veículo …-…-0T circulava pela A-66, em direcção a Portugal.

C) A uma velocidade superior a 120 Kms/hora, manifestamente excessiva para o local.

D) Cujo condutor circulava com a mais completa falta de cuidado à sua condução.

E) Revelando um comportamento brutalmente negligente, com um desprezo olímpico pela vida e integridade física dos outros, designadamente dos seus companheiros de viagem, com um total desrespeito pelas mais elementares regras de prudência, de atenção, de cuidado, de consideração, de sensatez e de perícia.

F) Por tudo isso não dominou o veículo que conduzia.

G) Permitiu que saísse da faixa de rodagem da A-66 por onde circulava.

H) Que fosse à berma.

I) Que circulasse assim, pela berma, mais de 30 metros.

J) Acabando por embater num pilar da própria A-66 por onde, antes, tinha circulado.

L) O condutor do veículo …-…-0T não o dominou dentro da faixa de rodagem.

M) E permitiu que invadisse a berma e por aí circulasse.

N) O marido e pai dos demandantes, EE, era passageiro do veículo …-…-0T, transportado gratuitamente.

O) EE nasceu a 18-11-1963.

P) E faleceu a 18-8-2008.

Q) A Ré Companhia de Seguros DD é responsável pelas consequências do acidente por via do contrato de seguros titulado pela apólice nº … mediante o qual assumiu a responsabilidade decorrente da circulação do veículo …-…-0T, propriedade de FF, Ldª e que no momento do acidente circulava sob a sua direcção efectiva e no seu interesse, conduzido por GG, no exercício de funções laborais de que a sua entidade patronal o tinha incumbido.

R) Em consequência do acidente de viação dos autos sofreu:

a) - fractura das 1a, 2a, 3a, 4a e 5a costelas do lado direito;

b) - fractura do terço-médio do esterno;

c) - hematoma nas regiões parietais;

d) - fracturas interparietais frontais em forma de x;

e)- diversas fracturas na base do crânio;

f) - fractura do temporal esquerdo;

g) - hemorragia cerebral de clara etiologia traumática.

S) Todas as lesões descritas são compatíveis com as que podem resultar de um acidente de viação.

T) A paragem cárdio-respiratória, originada por um choque traumático­hemorrágico, foi a causa directa da morte.

U) Do local do acidente foi transportado para o Hospital da Virgem da La Concha de Zamora.

V) Era saudável, fisicamente bem constituído, dinâmico, alegre e sociável, trabalhador abnegado, diligente e cumpridor.

X) A A, com a morte do marido viu a parte principal do rendimento desaparecer-lhe para sempre.

Z) E viu desaparecer-lhe o apoio amigo nas boas e más horas.

AA) O falecido e os AA constituíam uma família harmoniosa e feliz onde reinava um espírito de paz, de amor e de carinho.

BB) A morte do marido e pai dos AA, tão trágica e tão prematura, constituiu para todos um violentíssimo choque, que os deixou em pânico.

CC) Causando-lhes o mais profundo desgosto, a maior angústia e a mais profunda amargura que, nem o tempo, apagará.

DD) O falecido EE era carpinteiro de cofragem.

EE) Trabalhava para a sociedade FF, Ldª.

FF) E trabalhava, já há vários anos, em Espanha.

GG) Em média, ganhava, por mês, 12 vezes por ano, cerca de 1.600,00.

HH) O falecido vivia para o trabalho e trabalhava para a família.

II) Consigo próprio, mesmo em Espanha, não gastava mais de € 450,00.

JJ) Ficava para o seu agregado familiar a quantia de cerca de €1.150,00 por mês.


*


Como é bem sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objecto do recurso – arts 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do NCPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que cumpre apreciar e decidir.


As quais se podem resumir à de saber se a declaração sobre a retribuição auferida pelo sinistrado proferida no âmbito da transacção pelas partes efectuada, embora no domínio do processo de trabalho, deve ser tida como confissão dos autores, com o seu consequente reflexo na indemnização atribuída pela perda de ganho, com força probatória plena nestes autos.


Vejamos:

Estamos, à partida, no domínio da matéria de facto, já que o que a recorrente pretende é a alteração das respostas dadas aos pontos GG e JJ antes elencados, no sentido de dos mesmos ficar respectivamente e antes a constar que o falecido ganhava por mês, 12 vezes por ano, cerca de € 731 e que ficava para o seu agregado familiar a quantia mensal de € 281.


Sendo, também, bem sabido que este STJ, em princípio, não julga matéria de facto, não podendo, assim, sindicar o julgamento que a respeito vem das instâncias, mormente do Tribunal recorrido, salvo se tiver havido violação da prova vinculada, seja, no que ora importa, se tiver havido ofensa expressa de lei que fixe a força de determinado meio de prova (art. 729.º, nº 2 do CPC em vigor à data do julgamento efectuado sobre a matéria de facto).


Dizendo-nos a recorrente ter havido violação das regras atinentes à confissão, há que nos debruçarmos sobre a questão que nos é suscitada.


Na conciliação obtida no processo 622/08.1TTBCL, do Tribunal de Trabalho de Barcelos foi, em acta, consignado o seguinte:

“1) Os autores reconhecem que a retribuição auferida pelo sinistrado falecido ascendia a € 8.772,00, a qual se encontrava totalmente transferida para a ré seguradora.

2) a) Nessa sequência a ré seguradora obriga-se a pagar à autora AA a pensão anual e vitalícia no montante de € 2 631,60, pensão essa que é devida desde o dia 19/8/2008 (…);

b) A ré seguradora obriga-se ainda a pagar ao autor CC a pensão anual e vitalícia no montante de € 1.754,40, pensão essa que é devida desde o dia 19/8/2008 (…)

3) Tais pensões serão ainda actualizadas (…)

4) Os autores reconhecem que o beneficiário CC (…) pelo que apenas lhe serão devidas as pensões referentes ao período decorrente entre 19/8/2008 e 21/7/2009;

5) A ré seguradora obriga-se ainda a pagar aos beneficiários o montante de € 5 112,00 a título de subsídio de morte (…);

6) A ré seguradora obriga-se ainda a pagar à autora AA (…) a quantia de € 20,00 que a mesma suportou com deslocações obrigatórias;

7) Mais se obriga a ré a pagar os legais juros de mora (…);

8) Custas pelos autores e ré seguradora na proporção dos respectivos decaimentos.”


Sustenta a ré que o clausulado em 1) representa a confissão dos autores[1] sobre o vencimento que o falecido auferia, já que se trata de um facto que os mesmos conheceriam e que a eles é desfavorável.

Por isso pretende a alteração à aludida factualidade, no sentido de que com tal confissão ficar conforme.   Com repercussão óbvia nas indemnizações decretadas.  


Vejamos:

Estamos, cremos ninguém disso duvidar, perante uma transacção efectuada pelas referidas partes[2], em acta, noutro processo – de jurisdição laboral – homologada – ela, a transacção – por sentença (que conhece do mérito), ao que se presume, transitada em julgado.


A transacção é um contrato pelo qual, no que ora importa, as partes terminam um litígio mediante recíprocas concessões – art. 1248.º, nº 1 do CC[3].

Para a existência da mesma é necessário que haja um direito controvertido (cfr. nº 2 do mesmo preceito legal), que haja uma controvérsia entre as partes, estando-se, com ela, perante um negócio de auto-composição do litígio[4].

Visando a mesma recíprocas concessões[5] e não qualquer confissão das partes.

Pois, se a parte acaba por reconhecer a legalidade da pretensão da contraparte, através de um acto com eficácia meramente confirmativa ou constitutiva, há uma verdadeira confissão (do pedido) e não uma transacção.

Nesta, a ideia básica dos contraentes é de concederem mutuamente e não a de fixarem rigidamente os termos reais da situação controvertida[6].


Sendo as recíprocas concessões, que podem constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica até diversa da do objecto da demanda, que constitui o objecto deste contrato, distinguindo-o, além do mais, da mera confissão[7].


Podendo entender-se como efeitos materiais da transacção aqueles que se referem à definição da situação substantiva entre as partes, a qual pode resultar de uma alteração quantitativa do objecto do litígio ou da constituição, modificação ou extinção de uma diferente situação subjectiva[8].


Visando a transacção em análise a extinção da instância – art. 287.º, al. d) do CPC.

Da instância onde teve lugar, naturalmente, havendo a mesma de aí ter tido lugar na sequência da sentença homologatória de tal transacção.


E, tendo a sentença que homologou a transacção por certo transitado em julgado[9], a verdade é que a mesma não terá força obrigatória dentro deste processo, pois, bem sabido é que em caso de acidentes simultaneamente de viação e de trabalho, cujos processos assentam em critérios diferentes, as indemnizações podem ser fixadas num e noutro, não se cumulando, porém. Podendo a parte interessada optar pela indemnização que mais lhe convém.


Não se podendo, assim, concluir que a ora questionada confissão (meio de prova) deva ser, como tal, atendida, como prova plena contra os confitentes[10] (art. 358.º, nº 1), já que não pode ser descontextualizada dos termos da aludida transacção, que não a visavam, em si mesma, antes procuravam, mutuamente, recíprocas concessões.


Mas, mesmo a assim não ser entendido, ou seja, vendo-se naquele reconhecimento que os autores AA e CC fazem acerca dos proventos percebidos pelo falecido uma verdadeira confissão probatória, também a mesma não valerá neste processo, já que, tratando-se de confissão judicial (ela foi feita em juízo, está lavrada em acta (art. 159.º do CPC) e foi feita em acto do processo (art. 356.º)) ela só vale nesses autos – art. 355.º, nº 3, 1ª parte.

Compreendendo-se a razão de ser de tal limitação probatória à instância em que foi produzida, já que a parte pode ter confessado, renunciando a discutir ou a contestar a realidade do facto, tendo apenas em vista os interesse que estão em jogo naquele processo[11].


Não se tratando, como pretende a recorrente, de uma confissão extrajudicial.


Por isso, não havendo confissão dos autores neste processo, não faz o documento ora em análise prova plena sobre os factos que aos mesmos são assacados, sendo antes de livre apreciação pelo Tribunal (art. 361.º).


Assim, não tendo havido, por banda das instâncias, violação de qualquer preceito legal que fixe a força probatória de determinado documento, resta manter a matéria de facto, tal como vem apurada.


Mantendo-se, consequentemente, os pressupostos da indemnização encontrada pelas instâncias.


*



Face a todo o exposto, acorda-se neste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 30 de Outubro de 2014


Serra Baptista (Relator)

Fernando Bento

João Trindade

_________________________
[1] Nessa conciliação aparecem-nos, como partes, apenas os ora autores AA e CC e a ré seguradora.
[2] Ver nota 1.
[3] Sendo deste diploma legal todas as disposições a seguir citadas sem outra menção.
[4] Lebre de Freitas e outros, CPC Anotado, vol. 1.º, p. 533.
[5] P. Lima e A. Varela, CCAnotado, vol. II, p. 856.
[6] Ibidem, p. 856.
[7] Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. IV, p. 343.
[8] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil, p. 207.
[9] A parte que juntou o documento não certificou o trânsito em julgado, mas a parte contrária, nem o impugnou, nem pôs em causa tal trânsito, limitando-se a não se opor à requerida junção.
[10] Podendo, desde logo, colocar-se a questão do efeito da confissão quanto ao autor Ricardo (art. 353.º). Da qual agora não curamos face ao que mais adiante se dirá.
[11] P. Lima e A. Varela, ob. cit., I Vol., p. 316.