Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1963/09.6TVPRT.P1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: PRISÃO ILEGAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
ERRO GROSSEIRO
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA DO RÉU E CONCEDIDA A DO AUTOR
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL POR FACTOS ILÍCITOS.
DIREITO PROCESSUAL PENAL - MEDIDAS DE COACÇÃO ( MEDIDAS DE COAÇÃO ) / INDEMNIZAÇÃO POR PRIVAÇÃO DA LIBERDADE ILEGAL.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações, 6.ª Ed. – I, pp. 571, 599, 601.
- Filipe Albuquerque Matos, in RLJ, Ano 143.º, p. 194 e ss..
- I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 4.ª Ed., p. 375 e ss..
- Mota Pinto, Teoria Geral da Relação Jurídica, 3.ª Ed., p. 115.
- Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil” Anotado, I – 4.ª Ed., p. 500.
- Vaz Serra, in R.L.J., Ano 113.º, pp. 96, 194 e 105.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, N.4.
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 225.º, N.º1, ALS. A) E B). .
LEI N.º 67/2007, DE 31-12, REGIME DA RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO E DEMAIS EMPRESAS PÚBLICAS: - ARTIGO 13.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.06.91 (BOL. 408º/538).
-DE 11.11.97 (COL/STJ – 3.º/132) E DE 10.02.98 (COL/STJ – 1.º/65).
-DE 22.01.08, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I - O direito a indemnização prevista no art. 225.º, n.º 1, do CPP, na vigente redacção, basta-se com a constatação da ilegal (não se exigindo, como na pregressa redacção do mesmo preceito, que a prevista ilegalidade seja manifesta) privação da liberdade em circunstâncias em que a lei a não permite, não havendo, assim, que indagar se se terá incorrido em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia tal privação.

II - Na al. a) do n.º 1 do mencionado art. 225.º, prevê-se a privação de liberdade em circunstâncias em que, mesmo que não ocorra erro de quem a determina, a lei processual penal a não permite, enquanto que, na al. b) do mesmo preceito legal, se contempla a privação da liberdade que, não fora a ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto por parte de quem a determina, até seria legal.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 1963/09.6TVPRT.P1.S2[1]

               (Rel. 219)

                               Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1AA, em seu nome e em representação de seu filho, BB, instaurou, em 03.09.09, no (então) Tribunal Cível da comarca do Porto, acção declarativa, com processo comum e sob a forma ordinária, contra o Estado Português, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 741 859,11, acrescida de juros de mora, à taxa de juro, sucessivamente, aplicável, desde a citação até integral pagamento.

       Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, muito em resumo e essência, ter sido preso ilegalmente, em consequência do que lhe advieram, para si e para o filho por si representado, danos do peticionado montante e cuja obrigação de ressarcimento impende sobre o R.

      O Estado Português, para além de arguir a falta de capacidade judiciária e de constituição de advogado, tudo relativo ao 2º A., impugnou os factos alegados, considerando não serem os mesmos permissivos das conclusões a que se chega e, bem assim, que a sujeição do A. à pena de prisão se ficou a dever a um entendimento aceitável, legal, efectuado segundo os padrões e ditames de uma boa hermenêutica jurídica, o que, em seu entender, afasta a obrigação de indemnizar, mais considerando, para o caso de assim não se entender, ser exorbitante e excessiva a indemnização peticionada, para além da falta de nexo de causalidade entre alguns dos alegados danos e o facto de ter sido preso.

      Replicaram os AA., respondendo às excepções, pedindo, a final, que se julguem sanadas as deduzidas excepções obstativas do conhecimento total do mérito da causa, por cuja integral procedência pugnam.

       Sem embargo, o 1º A., reconhecendo a ilegitimidade do A. menor, BB, reduziu o pedido à quantia de € 736 859,11, ao que o R. nada opôs.

       Foi proferido despacho saneador, em que, além do mais tabelar, se julgou ocorrer falta de causa de pedir e de pedido quanto ao A. menor e, assim, a p. i. (petição inicial) manifestamente inepta, nos termos do art. 193º, nº/s 1 e 2, do CPC, com a inerente nulidade de todo o processado quanto a tal A., ao abrigo do preceituado nos arts. 193º, nº/s 1 e 2, 288º, nº1, al. b), 493º e 494º, al. b), do CPC, pelo que foi o R., correspondentemente, absolvido da instância, determinando-se o prosseguimento desta apenas quanto ao A. AA.

       Prosseguindo os autos a sua tramitação, veio, a final, a ser proferida (em 19.03.12) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção, condenou o R. a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento do que se vier a comprovar ter sido liquidado, a título de honorários, no processo-crime, o que se relegou para execução de sentença (sic).

      Esta decisão veio a ser revogada por acórdão de 05.03.13, da Relação do Porto, o qual, na procedência da apelação do R., absolveu este do pedido, tendo, em conformidade, por prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo A.

       Na procedência da revista por este interposta, foi, por acórdão de 05.11.13, deste Supremo (Fls. 1062 a 1089), revogado o acórdão recorrido, tendo-se ordenado a baixa dos autos ao tribunal recorrido, a fim de se tomar conhecimento das demais questões que haviam sido suscitadas na apelação e cujo conhecimento havia sido considerado prejudicado pela decisão, aí, tomada de considerar aplicável, “in casu”, o preceituado no art. 13º, nº2, da Lei nº 67/2007, de 31 de Dezembro, emergindo dos autos que não se mostra comprovado que a decisão judicial que decretou a prisão do A. tivesse sido objecto de revogação.

       Por seu novo acórdão de 06.05.14 (Fls. 1102 a 1137), a Relação do Porto decidiu, por maioria e com um voto de vencido, “julgar parcialmente procedentes os recursos principal e subordinado e alterar a sentença recorrida, ficando o R. Estado condenado a pagar ao A., a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais (incluindo os respeitantes ao denominado «dano biológico»), a quantia de € 31 300,00 (trinta e um mil e trezentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a importância que vier a apurar-se em posterior liquidação, a título de honorários que pagou no processo-crime após o decretamento da sua prisão e por causa da actividade processual relacionada com a privação da sua liberdade”.

      Daí as presentes revistas interpostas por ambas as partes, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes (extensíssimas e muito longe da ortodoxia processual, no caso do A…) conclusões:

                                                          /

I - Do R.-Estado:

                                                          /

1ª - Em causa está o conceito de erro judiciário, que a sentença proferida na 1ª instância julgou verificado;

2ª - O STJ pronunciou-se, em recurso anterior, pela inaplicabilidade ao caso em apreço da norma do nº2 do art.° 13° do RRCEE (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas - Lei n° 67/2007, de 31 de Dezembro), tendo determinado a análise da pretensão indemnizatória do A. à luz do art° 225° do Código de Processo Penal (CPP);

3ª - O douto acórdão do STJ (fls. 1062/1089) não proferiu decisão sobre a questão da (i)legalidade da prisão do A.;

4ª - Na decisão de “Habeas Corpus”, considerou-se que a situação não se enquadrava em nenhum dos fundamentos taxativamente enunciados no art.° 222°, nº2, do CPP;

5ª - Para apreciação do presente recurso relevam as disposições da al. a) do nº 1 do art. 225°, e da al. b) do nº2 do art° 222.°, ambos do CPP;

6ª - O despacho em que o A.-recorrido fundou a sua pretensão de indemnização, interpretou devidamente os comandos normativos do Direito Penal substantivo, designadamente os arts. 43°, 44° nº1 , al. a), 46°, nº1 e 50°, todos do Código Penal;

7ª - Impõe-se assim apurar se tal decisão (em que o recorrido funda a sua pretensão) padece de erro de direito que permita afirmar a ilegalidade da prisão do recorrido, e consequente responsabilização do Estado Português;

8ª - Ou seja, está em causa uma questão de interpretação de normas jurídicas;

9ª - A interpretação efectuada pela decisão que fundamenta o pedido indemnizatório do A.-recorrido foi no sentido de que, transitado o despacho que ordena o cumprimento da prisão em consequência do não pagamento da multa por que fora substituída, nos termos do art. 43º, nº/s 1 e 2, do CP, é irrelevante o pagamento posterior da multa;

10ª - Esta interpretação é, não só uma das interpretações possíveis das disposições legais aplicáveis, como corresponde à jurisprudência maioritária dos Tribunais Superiores, tendo vindo a obter acolhimento no Acórdão Uniformizador nº 12/2013, do Supremo Tribunal de Justiça, de 18-09-2013, www.dgsi.pt.jstj, proc. 319/06. 7SMPRT.P I-A.S1, lavrado por unanimidade e do seguinte teor:

"Transitado em julgado o despacho que ordena o cumprimento da pena de prisão em consequência do não pagamento da multa por que aquela foi substituída, nos termos do artigo 43° nº/s 1 e 2, do Código Penal, é irrelevante o pagamento posterior da multa por forma a evitar o cumprimento daquela pena de prisão, por não ser caso de aplicação do preceituado no nº 2 do artigo 49° do Código Penal".

11ª - A decisão da 1ª instância que está na base da pretensão do recorrido, não pode ser considerada ilegal para efeitos de fundar responsabilidade extracontratual do Estado;

12ª - A al. b) do nº2 do art° 222° do CPP, aqui em causa - ter a privação da liberdade sido ilegal, porque motivada por facto pelo qual a lei a não permite - não se mostra preenchida, pois o recorrido foi condenado pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos arts. 199°, 195° e 197°, todos do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, como foi reconhecido na providência de “Habeas Corpus”, onde se afirmou que o caso em apreço não cabe em qualquer das alíneas do artigo 222º, nº2, CPP ;

13ª - Tendo a prisão do A. resultado do cumprimento de um despacho judicial transitado em julgado, que interpretou devidamente a lei, acolhendo em tal interpretação a corrente jurisprudencial maioritária e uniformizadora, inexiste a ilicitude subjacente à obrigação de indemnização por parte do Estado Português;

14ª - O douto acórdão recorrido violou as normas dos arts. 225°, nº1, al. a), e 222°, nº2, al. b), ambas do CPP.

      Termos em que, revogando o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que absolva o R. Estado Português, Vossas Excelências farão JUSTIÇA.

                                                       /

II - Do A. AA:

                                                       /

1ª - O acórdão recorrido considerou, e bem, tal como a primeira instância, plenamente verificados os requisitos da responsabilidade civil do Estado, mas, no que se refere ao quantum indemnizatório atribuído ao A., reduziu aquele montante de € 66 000,00 atribuídos pela 1ª instância, para € 31 300,00, o que constitui uma redução de € 34 700,00, ou seja, de 52,5 % (!), face ao montante inicialmente concedido ao A., e dai o presente recurso, na medida em que os danos efectivamente sofridos pelo A. justificavam a condenação do R. Estado Português ao pagamento de uma quantia muito superior, e nunca inferior ao valor fixado pela 1.ª instância;

2ª - O R., Estado Português, veio alegar nas suas alegações de revista que não estão verificados os pressupostos previstos nos artigos 225º, nº 1, aI. a) e 222º, nº 2, aI. b) do CPP, na medida em que considera que a prisão ordenada na sequência da decisão tomada em 12.07.07, pelo 1º Juízo Criminal do Porto, no âmbito do processo com o nº 110/01.7PJPRT, não constitui uma prisão ilegal, mas como melhor foi já confirmado quer pelo Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do pedido de “Habeas Corpus”, quer no âmbito destes autos pelo Tribunal de primeira instância e pelo Tribunal da Relação do Porto ora recorrido, estão plenamente verificados os pressupostos para a responsabilidade civil extracontratual do R. Estado Português, senão vejamos:

3ª - O artigo 225º do CPP consagra genericamente um direito a indemnização por lesão de direitos, liberdades e garantias, enquanto o nº 5 do art. 27º da CRP tem um domínio especial ou específico de aplicação, consagrando expressamente o princípio de indemnização de danos nos casos de privação inconstitucional ou ilegal da liberdade, ao passo que, no domínio da responsabilidade civil do Estado, o art. 222º regula essa responsabilidade em geral, e o art. 27º, nº 5 regula-a para a situação específica de «privação da liberdade contra o disposto na Constituição e na lei»: e a relação de especialidade em que o art. 27º, nº 5 se encontra, no confronto com o art. 222º, conduz a que este não seja invocável no âmbito do campo de intervenção daquele;

4ª - Analisados os artigos 225º do CPP, 22º e 27º, nº 5 da CRP, resulta como absolutamente claro e notório o direito do aqui A. a ser indemnizado pelo Estado Português, em consequência da decisão do 1º Juízo Criminal do Porto, que fez uma incorrecta aplicação da lei, ao manter a privação da sua liberdade após o pagamento da pena de multa, e assim sendo, não podem restar quaisquer dúvidas que a situação do A. e os danos por si sofridos integram todos os requisitos previstos no regime legal supra citado, devendo ser novamente reconhecidos por este Venerando Tribunal, confirmando-se, assim, as decisões da primeira e da segunda instância;

5ª - Não restam dúvidas de que na al. a) nº1 do art. 225º prevê-se o caso de prisão ilegal nos termos dos artigos 220º nº1 e 222º, nº2, que foi aquela que se verificou precisamente neste caso, ilegalidade essa que foi reconhecida pela última instância da organização judiciária portuguesa, ou seja, pelo Supremo Tribunal de Justiça, e ainda nestes autos pela 2ª Vara Cível do Porto e pelo Tribunal da Relação do Porto, razão pela qual é incompreensível que o R., agarrando-se a um único voto de vencido do acórdão recorrido, venha pretender contrariar todas as efectivas decisões judiciais já proferidas;

6ª - Ainda que não se encontrassem cumpridos os requisitos do artigo 225º, nº1, al. a) do CPP, na al. b) do nº1 do mesmo artigo vem prevista a situação de prisão preventiva legal, mas que posteriormente vem a verificar-se ser total ou parcialmente injustificada, por erro grosseiro - ou seja, por erro escandaloso, crasso ou palmar, que procede de culpa grave do errante - na apreciação dos respectivos pressupostos de facto, que também poderia considerar-se verificado no caso em apreço;

7ª - Do acórdão de deferimento do pedido de “habeas corpus”, resulta claro que a decisão tomada pelo 1º Juízo Criminal do Porto, contrariou o estipulado no artigo 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que expressamente estabelece que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime, o artigo 32º do texto constitucional que impõe as garantias a que deve obedecer o processo criminal com vista a assegurar a defesa dos arguidos, incluindo o recurso, e ainda os artigos 22º e 27º da CRP, bem como os artigos 114º,115º, 116º e 117º do Código das Custas Judiciais, e tendo ainda concluído que a manutenção da execução de uma situação de privação de liberdade nestas circunstâncias traduz-se, materialmente, nos seus efeitos, numa privação de liberdade sem todos os necessários pressupostos materiais e processuais e que, no rigor das coisas, equivale a uma situação de prisão por facto que a lei não permite e, como tal, ilegal;

8ª - O A. defende que a sua detenção e prisão foram ilegalmente decretadas e, esta última, ilegalmente mantida, pelo que também se verifica estar também preenchida a previsão do art. 225º, nº1, aI. a) e b) do CPP, e assim sendo, a pessoa que sofreu prisão ilegal tem direito a indemnização pelos danos sofridos, pela ilegalidade da privação da liberdade com base nos artigos 220º, nº 1, e 222º, nº 2 do CPP;

9ª - Diante da responsabilidade objectiva do Estado, apenas há que provar a culpa do servidor público ofensor; a responsabilidade civil do Estado decorre do simples funcionamento dos seus serviços; há, apenas, que se provar o nexo de causalidade entre o acto ilegal e a dor do A., na medida em que a prisão ilegal traz em si, inerente a ela, os danos morais experimentados pelo ofendido, pelo que o dever do Estado é indemnizar o ofendido, atingindo dois objectivos: compensar a vítima e punir o ofensor;

10ª - Bem esteve o tribunal de primeira instância ao decidir que "Daqui decorre que, pelo STJ, foi decidido e considerado, sem margem para dúvidas não se verificarem os necessários pressupostos materiais e processuais para a prisão do aqui A., equivalendo a mesma a uma situação de prisão em circunstâncias que a lei não permite, como tal, ilegal ou, pelo menos, injustificada, susceptível, pelo menos, de ser enquadrada no disposto no art. 225º, nº 1, al, b) do CPP. Consequentemente, há a obrigação do Estado de indemnizar o A. pela prisão que injustamente suportou";

11ª - O entendimento da primeira instância foi confirmado, e bem, em entendimento que assumimos também como nosso, pelo Tribunal da Relação do Porto, que considerou que "estão verificados os pressupostos para considerar que «in casu» o acórdão do STJ ali proferido vale como a tal decisão declarativa da ilegalidade da privação da liberdade a que o aqui autor foi sujeito, apresentando-se como vinculativo nestes autos em que está em causa a responsabilidade do Estado por essa mesma privação da liberdade. ( ... )Tais questões encontram-se, assim, definitivamente decididas pelo trânsito em julgado do douto acórdão do STJ proferido no aludido procedimento de «habeas corpus», (...) Com o mesmo devido respeito, também não cabe aqui indagar da verificação dos pressupostos fixados na al. b) do nº 1 do art. 225º do CPP. Trata-se de uma outra modalidade de privação da liberdade que legitima, igualmente, a dedução de pedido indemnizatório contra o Estado, mas diversa das constantes das als. a) e c) do mesmo preceito. E aqui, como resulta do que fica exposto, releva e estão preenchidos os pressupostos da al. a) do nº 1 daquele artigo. ( ... ) É, pois, ao abrigo da previsão daquela al. a) que o réu Estado está obrigado a indemnizar o autor. Nesta parte, improcede o recurso principal, não havendo que declarar a invocada nulidade, nem revogar a sentença recorrida."

12ª - Contrariamente ao que resulta do recurso de revista já intentado pelo R., no entendimento do A., e que é o único defensável atenta a legislação vigente, o acórdão recorrido não merece qualquer censura quanto à questão da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil do Estado, uma vez que foi cabalmente fundamentado em legislação, doutrina e jurisprudência, sendo certo que, se o STJ entendeu deferir o pedido de «habeas corpus» deduzido pelo A., por ter considerado provado que se verificou uma prisão em termos em que a lei não permitia, isso significa que está provado que o A. foi vítima, efectivamente, de uma prisão ilegal e que, por isso mesmo, deve ser ressarcido dos danos sofridos, que foram muitos;

13ª - A referência pelo R. Estado Português ao facto de existirem interpretações divergentes na doutrina e na jurisprudência quanto à ilegalidade ou não da prisão do aqui A., não tem qualquer relevância para os presentes autos, na medida em que, no caso aqui em apreço, existe já um acórdão, transitado em julgado, do Supremo Tribunal de Justiça, repete-se, a mais alta instância da organização judiciária portuguesa, que, em resposta ao pedido de «habeas corpus», julgou, definitivamente a prisão a que o A. foi sujeito como ilegal;

14ª - Não nos é possível aceitar o entendimento do R. de que a decisão de deferimento do pedido de «habeas corpus» não teria transitado em julgado, e não se compreende a referência ao douto Acórdão do STJ de 22.03.2011, uma vez que neste o que estava em causa era apenas uma decisão interlocutória relativa à apreciação de uma medida de coacção aplicada a um arguido, e não um pedido de «habeas corpus» como o apresentado pelo A., que é uma das principais garantias constitucionais do processo-crime;

15ª - Ao contrário do que o R. pretende fazer crer nas suas alegações de revista, o que está em causa nos presentes autos não é a verificação de um erro de direito grosseiro prevista na al. b), do nº 1 do art. 225º do CPP, mas antes a alínea a) da mesma norma, da qual resulta como pressuposto da responsabilização do Estado, a verificação de prisão ilegal;

16ª - Como resulta do acórdão do STJ que deferiu o pedido de «habeas corpus», e ainda das decisões de primeira e segunda instância nestes autos, a ilegalidade da prisão do A. é absolutamente notória e insindicável, e, assim sendo, como bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto, a questão da ilegalidade ou não da prisão do A. está já resolvida, não podendo, nem devendo, ser alvo de considerações adicionais, razão pela qual não é possível ao A. aceitar o conteúdo do recurso de revista intentado pelo R., e baseado num único voto vencido de entre todas as decisões já proferidas a favor do A., pois aquele perfilha um entendimento que, por contrário às normas jurídicas especiais vigentes e aplicáveis, consubstancia uma solução ilegal, razão pela qual deverá tal recurso ser julgado totalmente improcedente;

17ª - Na sentença proferida em primeira instância, o R. Estado foi condenado a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00 (sessenta e seis mil euros), correspondente à soma das seguintes quantias:

i) Danos patrimoniais:

- € 4 500,00 - pelos proventos que o A. deixou de auferir enquanto esteve preso;

- € 1 500,00 - pela expectativa de ganho que perdeu em 5 possíveis presenças em espaços públicos, pelas quais seria paga a quantia de € 300 00 cada uma.

Total danos patrimoniais: € 6 000,00;

ii) Dano biológico: € 35 000,00;

iii) Danos não patrimoniais: € 25 000,00.

18ª - O acórdão ora recorrido reduziu a indemnização conferida ao A. para € 31 300,00, por referência aos seguintes montantes:

i) Danos patrimoniais:

- € 4 800,00 - pelos proventos que o A. deixou de auferir enquanto esteve preso;

- € 1 500,00 - pela expectativa de ganho que perdeu em 5 possíveis presenças em espaços públicos, pelas quais seria paga a quantia de € 300,00 cada uma;

 ii) Dano biológico: € 10 000,00;

iii) Danos não patrimoniais: € 15 000,00;

19ª - No que diz respeito ao quantum indemnizatório, o acórdão não merece qualquer acolhimento, e deveria ter mantido integralmente a sentença da primeira instância, e os valores aí fixados, em especial no que se refere ao dano biológico e aos danos não patrimoniais, uma vez que os danos alegados pelo A. foram praticamente todos dados como provados, em especial aqueles relacionados com a sua perda de capacidade e restantes danos morais sofridos - cfr. pontos 33 a 36, 38 a 40, 55 a 60, 70, 74 a 79, 83 a 99 dos factos provados, e que nunca foram impugnados;

20ª - No que se refere ao chamado "dano biológico", o A. discorda veementemente da drástica redução de 71,42% (!) no valor indemnizatório, determinada pelo acórdão ora recorrido a favor do R. Estado, pois atenta a matéria dada como provada, e como ficou cabalmente fundamentado em primeira instância, aquela deveria ser definida pelo valor de € 35 000,00, e nunca por um valor drasticamente, e injustificadamente, inferior;

21ª - Contrariamente ao defendido pelo tribunal recorrido, as consequências da prisão ilegal do A. não desaparecerão facilmente com o passar do tempo, uma vez que, como é consabido, nos dias de hoje em que a informação se mantém disponível na internet durante anos, este episódio infeliz da vida do A. ficará para sempre associado ao seu nome, sendo certo que ainda hoje, efectuada uma pesquisa no Google, à medida que se começa a digitar o nome do A., o Google automaticamente mostra como primeiro resultado de pesquisa popular: AA AA preso. A questão da disponibilidade eterna das informações de cada cidadão, é de tal forma problemática que o Tribunal de Justiça da União Europeia, em 13.05.2014 proferiu um acórdão histórico com vista a garantir o direito ao esquecimento, e daí que as considerações do acórdão recorrido quanto à perenidade das informações relativas à prisão do A. estão completamente desfasadas da realidade;

22ª - No acórdão recorrido o tribunal assume uma posição verdadeiramente desrespeitosa das pessoas do meio profissional do aqui A., que, baseada num estereótipo discriminativo, parece concluir que por serem socialmente vistas como moralmente libertinárias, o público não considera como relevante a sua prisão. Ora, independentemente da profissão de cada cidadão, o seu direito à liberdade e a sua reputação social deverão ter o mesmo valor e relevância, razão pela qual as afirmações do tribunal recorrido merecem grave censura, parecendo mais retiradas de uma conversa de café, pois, como o tribunal bem saberá, perante a justiça, que deve ser cega, todos os cidadãos têm iguais direitos e garantias, em especial quando está em causa o direito à liberdade, que foi posto em causa de forma escandalosa com a prisão notoriamente ilegal do A.;

23ª - Quanto aos danos não patrimoniais, atenta a matéria dada como provada, a decisão da primeira instância deveria ter sido mantida, pelo que, merece grave censura o acórdão recorrido na parte em que, injustificadamente, reduziu a indemnização atribuída pela primeira instância em 40%, de € 25 000,00, para € 15 000,00, quando não existe fundamento para uma redução tão drástica;

24ª - De facto, bem esteve tribunal de 1ª instância - 2ª Vara Cível do Porto - quando decidiu a indemnização atribuída por danos não patrimoniais, fundamentando-a em termos que merecem a nossa total concordância: "( ... ) Daqui resulta sem qualquer dúvida a gravidade exigida pela lei para a ressarcibilidade do dano não patrimonial, neste caso até de uma forma aqravada (…) No caso importa ponderar, por um lado, que a ofensa praticada por órgão jurisdicional do Estado (constitucionalmente vocacionado para garantir uma protecção jurídica sem lacunas aos cidadãos) atingiu a integridade pessoal do autor; por outro, tem de valorar-se a gravidade das consequências da lesão no presente caso nos termos supra referidos. / Atendendo a todos estes elementos e considerando os padrões jurisprudenciais relativos aos montantes indemnizatórios atinentes a danos não patrimoniais (designadamente os que se referem à indemnização pela perda do direito à vida, que como se disse deve servir como ponto de referência), não perdendo de vista a ideia de proporção, de medida e de adequação ínsita ao conceito de justiça, tendemos a fixar o montante compensatório do dano não patrimonial - e considerando o valor da moeda à data da propositura da acção - em 25 OOO,OO€ (vinte e cinco mil euros) “;

 25ª - A sentença da primeira instância foi exaustiva na apreciação dos danos não patrimoniais sofridos pelo A., tendo atribuído uma indemnização que, embora seja muito inferior àquela inicialmente peticionada pelo A., é ainda assim razoável, contrariamente à redução de 40% operada pelo acórdão recorrido, que, se baseou unicamente na exposição mediática do A., como se o facto de este ser socialmente reconhecido, e alvo de cobertura noticiosa, significasse uma limitação dos seus direitos e das suas garantias; 

26ª - No caso do A., é notória a ocorrência do nexo de causalidade entre o acto praticado pelos agentes públicos - no caso a prisão indevida - e os danos morais experimentados, sendo certo que o montante atribuído pela primeira instância não se baseou de forma relevante nas circunstâncias extraordinárias e fortuitas referidas pelo acórdão recorrido e, por isso, não se justifica uma redução tão grave (de 40% !) no montante indemnizatório;

27ª - Quando se reporta ao dano moral, o fulcro do conceito ressarcitório fica deslocado para a convergência de duas forças: "carácter punitivo", e o "carácter compensatório", na medida em que, da mesma forma que é preciso compensar o A., é preciso punir o R. ofensor, pois, somente assim se conseguirá atingir o verdadeiro objectivo pretendido pelo legislador, sendo certo que, a forma de punição que maior eficácia apresenta, tratando-se de indemnização monetária, é a fixação de um valor que tenha em conta o poder económico do R. ofensor, devendo ser atingido de maneira significativa, de forma a ser exemplar;

28ª - As indemnizações irrisórias não preenchem o seu objectivo primário, dai que seja preciso encontrar um equilíbrio entre as estratosféricas indemnizações americanas e os irrisórios valores estipulados em sentenças proferidas em Portugal, sendo certo que a jurisprudência tem sido unânime, em considerar que os despachos judiciais que determinam uma prisão ilegal, deverão conduzir a indemnização compensatória pela privação ilegítima da liberdade, arts. 496º, n.º 3, primeira parte, e 566º, nº 2, do CC - 27-11-2007 Revista n.º 3359/07 - 6.ª Secção STJ Sousa Leite [Relator);

29ª - Os valores fixados no acórdão recorrido, quer no que diz respeito ao dano biológico, quer no que diz respeito aos danos não patrimoniais, sendo insignificantes, não trazem compensação satisfatória ao A. de um facto que irá marcar para sempre a sua imagem pública e a sua reputação;

30ª - O Tribunal da Relação do Porto, ora recorrido, não tinha nenhuma justificação aceitável para reduzir de forma tão drástica a indemnização conferida ao aqui A., razão pela qual deveria ter sido integralmente mantida a sentença da primeira instância, sendo o R. Estado condenado a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como no pagamento que se vier a comprovar ter sido liquidado a título de honorários no processo-crime, que se relega para execução de sentença.

      TERMOS EM QUE, e nos demais que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser:

a) julgado totalmente improcedente o recurso do R., sendo mantido o acórdão recorrido no que diz respeito aos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do R. Estado; e

b) dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido no que diz respeito ao quantum indemnizatório atribuído ao A., confirmando-se a sentença da primeira instância e sendo o R. parcialmente condenado no pedido.

       Assim decidindo, farão V. Ex. as inteira e merecida JUSTIÇA!

       Não constam dos autos contra-alegações.

       Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento dos recursos, cumpre decidir.

                                                     *

2 - A Relação teve por provados os seguintes factos (que, aqui, temos por imodificáveis, atenta a ausência de qualquer fundamento legal para a respectiva alteração):

                                                       /

1 - No âmbito do Proc. Com. nº 110/01.7PJPRT, do 1º Juízo Criminal do Porto, o A. foi condenado, por sentença proferida em 04.05.06, como autor de um crime de aproveitamento de obra usurpada, p. e p. pelos arts. 199º, 195º e 197º do Código de Direitos de Autor, na pena de 4 meses de prisão que, ao abrigo do art. 44º do CPen., foi substituída por igual tempo de multa, à taxa diária de € 1,50, e em 170 dias  de multa, à mesma taxa diária (A);

2 - Nos termos do art. 6º, nº1 do DL nº 48/95, de 23.12, foi o, aí, arguido, aqui A., condenado na pena única de 290 dias de multa à taxa diária de € 1,50 (B);

3 - Tal decisão transitou em julgado, em 04.07.06 (C);

4 - Por despacho datado de 12.07.07, tendo-se considerado que o, aí, arguido não procedeu ao pagamento voluntário da multa fixada em substituição dos 4 meses de prisão, não requereu o seu pagamento em prestações, não justificou a sua omissão, não se julgando viável o seu pagamento coercivo, por não serem conhecidos bens penhoráveis, determinou-se, ao abrigo do disposto no art. 44º, nº2 do CPen, ter o, aí, arguido de cumprir a pena de 4 meses de prisão e a pena de 170 dias de multa, ao abrigo do disposto no art. 49º, nº1 do CPen., convertida em 113 dias de prisão subsidiária (D);

5 - Nesse mesmo despacho, determinou-se a notificação do, aí, arguido, com expressa advertência de, a todo o tempo, evitar a execução apenas da pena de prisão subsidiária fixada pagando a multa em que foi condenado (E);

6 - Mais se determinou que, após trânsito, fossem passados e entregues mandados de captura contra o, aí, arguido, a fim de cumprir 4 meses de prisão efectiva e 113 dias de prisão subsidiária (F);

7 - Por requerimento apresentado em 12.09.07,o arguido requereu, ao abrigo do art. 49º, nº3 do CPen., que a pena de prisão subsidiária fosse suspensa, subordinando essa suspensão ao cumprimento de deveres ou regras de conduta não económicas, entendidas pelo tribunal como adequadas (G);

8 - Nesse mesmo requerimento, alegou, para além do mais, que só não procedeu ao pagamento da globalidade da multa por não ter tido efectivo conhecimento das notificações tendentes à execução da mesma e que, até à apresentação do requerimento, não estava representado por mandatário (H);

9 - Por despacho proferido em 21.11.07, foi indeferido aquele requerimento com o fundamento de que o arguido esteve sempre representado por advogado, o qual foi sempre notificado para os termos do processo, que o arguido foi, regular e pessoalmente, notificado da sentença condenatória proferida e que foi ainda advertido para as possíveis formas de cumprimento da pena; que, apesar disso, nada fez ou disse; que as notificações postas em causa pelo arguido mostram-se válidas e regulares, atento o disposto no art. 113º, nº9, 1ª parte, do CPPen., porquanto sempre foi o seu defensor notificado dos despachos proferidos; e que o arguido pode, a todo o tempo, evitar a execução da prisão subsidiária, pagando a multa a que foi condenado (170 dias de multa à taxa diária de € 1,50), mas já não pode evitar a pena de 4 meses de prisão, fixada a título principal, a que foi condenado (I);

10 - O arguido interpôs recurso desse despacho (J);

11 - Por despacho proferido, em 30.04.08, pelo Ex. mo relator, foi rejeitado o recurso interposto, por ser manifestamente improcedente (L);

12 - Por despacho proferido em 11.07.08, foi ordenado que, face ao requerido pelo arguido, fossem passadas as guias para pagamento imediato da pena de multa de 170 dias de multa à taxa diária de € 1,50, por forma a ser evitado o cumprimento de 113 dias de prisão subsidiária fixada (M);

13 - Nesse despacho, indeferiram-se também os pedidos - novamente formulados pelo arguido - da suspensão da pena de prisão ao abrigo do art. 50º do CPen. ou da sua substituição por dias de trabalho, nos termos do art. 58º do CPen, quer porque o despacho que determinou o cumprimento da pena de 4 meses de prisão já transitara em julgado, quer porque requerimento semelhante do arguido havia sido já indeferido por despacho igualmente transitado em julgado, quer ainda porque a sentença proferida nos autos também já estava transitada (N);

14 - Por despacho proferido em 17.07.08, foi indeferido o requerimento do arguido (feito ao abrigo do art. 371º-A do CPPen.) de reabertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável, invocando para tanto a aplicação do estatuído nos arts. 44º, nº1, al. a) e 46º, nº1 do CPen, ambos na redacção da lei nº 59/07, de 04.09 (O);

15 - Em novo requerimento, apresentado em 23.07.08, o arguido volta a pedir a reabertura da audiência de julgamento, para aplicação retroactiva da lei mais favorável, invocando para tanto a aplicação dos arts. 50º e 43º do CPen., ambos na redacção da Lei nº 59/07, de 04.09 (P);

16 - Por despacho proferido em 24.07.08, foi indeferido aquele requerimento de reabertura da audiência (Q);

17 - Em 15.07.08, o arguido procedeu ao pagamento da quantia de € 435,00 (R);

18 - Parte de tal quantia, ou seja, € 255,00 evitou a execução dos 113 dias de prisão subsidiária (170 dias x € 1,50) (S);

19 - Quanto à quantia restante, ou seja, € 180 (€ 435,00 - € 255,00), por despacho de 24.07.08, foi determinado que fosse imputada  ao montante devido pelo arguido a título de custas (T);

20 - O arguido/requerente foi preso e conduzido ao EP do Porto, em 15.07.08, em cumprimento da pena de quatro meses de prisão que lhe foi aplicada no referido Proc. nº110/01.7PJPRT, da 2ª Secção do 1º Juízo Criminal do Porto (U);

21 - O A. prestou termo de identidade e residência, em 09.09.05 (V);

22 - O filho do A., BB, nasceu no dia 24 de Setembro de 2000 (X);

23 - O A. instaurou providência de “Habeas Corpus”, pedindo a declaração de ilegalidade da sua prisão desde o dia 15.07.08 e respectiva libertação imediata, com restituição à liberdade (Z);

24 - O STJ, apreciando a petição de “Habeas Corpus” instaurada pelo, aqui, A., considerou que o seu caso não caía na previsão de qualquer uma das als. do nº2 do art. 222º do CPP, mas que “…de qualquer forma, a execução cessa a todo o tempo desde que o condenado pague a multa. É a disciplina que resulta do regime da pena de multa e que está conforme com a respectiva natureza, quer seja multa primária, quer resulte de substituição (arts. 47º e 49º, nº3 do CPen. e 6º, nº/s 1 e 2 do DL nº 48/95, de 15.03” (AA);

25 - Assim, considerando que “…a partir do momento em que o requerente efectuou o pagamento da multa, e (…) pode fazê-lo a todo o tempo, cessando mesmo com o pagamento a execução da pena de prisão que entretanto se tenha iniciado, a manutenção da execução de uma situação de privação da liberdade nestas circunstâncias traduz-se, materialmente, nos seus efeitos, numa privação de liberdade sem todos os necessários pressupostos materiais e processuais e que, no rigor das coisas, equivale a uma situação de prisão (…) em circunstâncias que a lei não permite…” (BB);

26 - Como tal, o STJ deliberou deferir a petição do, aqui, A., com a libertação do mesmo (CC);

27 - Assim, com data de 03.09.08, foi emitido o mandado de libertação do A., enviado para o respectivo estabelecimento prisional, nesse mesmo dia (DD);

28 - O A. era um profissional de relações públicas reconhecido a nível nacional, cuja actividade exercia há mais de 20 anos (1º);

29 - O A. ficou privado, em consequência do facto de ter estado preso, de receitas/proventos, nomeadamente em diversos eventos que pagam pelo simples facto da sua imagem/presença estar num certo local, associada a determinadas empresas/eventos, como figura reconhecidamente pública (3º);

30 - Foi emitida nota de honorários pelo valor total de € 9 474,90, cuja cópia se encontra junta a fls. 106 do p.p. (4º);

31 - A mãe do A. concedeu-lhe diversos adiantamentos/empréstimos de dinheiro, para que o mesmo pudesse fazer face às suas despesas (5º);

32 - Concretamente, as seguintes quantias:

- 28.07.08 - € 200,00;

- 29.08.08 - € 245,00;

- 12.09.08 - € 250,00;

- 09.10.08 - € 195,91;

- 15.10.08 - € 150,00;

- 31.10.08 - € 100,00;

- 07.11.08 - € 110,00;

- 18.12.08 - € 260,00;

- 26.12.08 - € 150,00;

- 02.01.09 - € 500,00;

- 27.02.09 - € 3 000,00;

- 06.02.09 - € 2 000,00;

- 03.04.09 - € 100,00;

- 04.02.09 - € 260,00;

- 30.01.09 - € 281,00;

- 07.01.09 - € 1 280,00 (6º);

33 - A prisão do A. afectou o crédito moral que tinha, bem como os seus ganhos (7º);

34 - Bem como dores, mágoas e uma multiplicidade de tristezas (8º);

35 - Mais tendo amputado ao A. sonhos e ambições imediatas (9º);

36 - O A., com a prisão a que foi sujeito, mostrou-se constrangido por ter de entrar pela primeira vez numa prisão e pelo temporário cerceamento (10º);

37 - O mandado de prisão foi efectuado por agente policial, apesar do A. ter procedido ao pagamento da multa de € 435,00 (11º);

38 - O que lhe provocou indignação (12º);

39 - O temporário cerceamento da liberdade do A. constitui facto que perpetua na mente do A. e que fortemente o humilhou e constrangeu (13º);

40 - Milhares de pessoas tiveram conhecimento pelas publicações semanais de revistas e jornais da prisão do A. (14º);

41 - Foi publicada notícia referente ao A. no jornal “Correio da Manhã”, com o teor que consta de fls. 191, aqui dado por reproduzido (15º);

42 - Foi publicada notícia do A. na revista “TV Mais” nº …, de … a … de 2008, com o teor que consta de fls. 192, aqui dado por reproduzido (16º);

43 - Foi publicada notícia do A. na revista “Flash” nº …, com o teor que consta de fls. 195, aqui dado por reproduzido (17º);

44 - Foi publicada no “24 Horas” uma notícia do A., com o teor que consta de fls. 196, aqui dado por reproduzido (18º);

45 - Foi também publicada na revista “TV Guia Novelas” (nº …, …) notícia sobre o A., com o teor que consta de fls. 197, aqui dado por reproduzido (19º);

46 - Também na revista “Lux” foi publicada notícia do A. (nº …, …), com o teor que consta de fls. 200, aqui dado por reproduzido (20º);

47 - Foi publicada notícia do A. na revista “Caras”, com o teor que consta de fls. 203, aqui dado por reproduzido (21º);

48 - Foi publicada também notícia sobre o A., com o teor que consta de fls. 204, aqui dado por reproduzido (23º);

49 - Na revista “VIP” (nº …) foi publicada notícia sobre a prisão do A., com o teor que consta de fls. de fls. 205, aqui dado por reproduzido (25º);

50 - Na mesma senda, foi publicado na revista “24 Horas” (nº …), notícia sobre a prisão do A., com o teor que consta de fls. 208, aqui dado por reproduzido (26º);

51 - Também na revista “LUX” perduraram as notícias referentes ao A., com o teor que consta do doc. de fls. 211, aqui dado por reproduzido (27º);

52 - A mesma revista “LUX” procedeu a nova publicação, com o teor que consta do doc. de fls. 213, aqui dado por reproduzido (28º);

53 - Ainda na mesma revista “LUX”, o A. foi novamente alvo de notícia sobre a sua prisão, com o teor que consta do doc. de fls. 215, aqui dado por reproduzido (29º);

54 - A revista “TV 7 DIAS” publicou notícia sobre a prisão do A., com o teor que consta do doc. de fls. 218, aqui dado por reproduzido (30º);

55 - Algumas revistas são visualizadas por mais que uma pessoa em cabeleireiros, cafés, clínicas, etc. (31º);

56 - As pessoas que leram as referidas notícias fizeram as suas próprias interpretações (32º);

57 - Após tais publicações, as possíveis oportunidades de trabalho ficaram “minadas”, por nenhum empresário pretender ter como relações públicas um ex-presidiário (33º);

58 - Além do mais, o A., face à prisão, ficou sem as características que faziam dele um comunicador nato, tais como a naturalidade, a simpatia, o à-vontade, a facilidade de sociabilidade (34º);

59 - Em virtude das lesões emocionais sofridas e das sequelas sociais, o A. ficou afectado na sua capacidade de trabalho que vinha desenvolvendo nos últimos 20 anos (35º);

60 - O A. não fazia mais nada que não fosse dentro do âmbito da sua actividade como relações públicas (36º);

61 - O A., à data dos factos, encontrava-se a recibos verdes e auferia da sua actividade profissional a remuneração média mensal de cerca de € 3 000,00 (37º);

62 - A saída do A. do estabelecimento prisional do Porto-Custóias, no dia 3 de Setembro, foi fotografada pelos repórteres que se encontravam no local (38º);

63 - À data da prisão, o A. era “relações públicas” da discoteca ..., situada numa zona nobre da cidade do Porto, no “…. ...” (39º);

64 - O A. auferia, como “relações públicas” da discoteca ..., uma remuneração média mensal de cerca de € 3 000,00 (41º);

65 - O A. deixou de poder exercer a sua actividade entre 15.07.08 e 03.09.08 (42º);

66 - Era o A. quem tratava de alguns assuntos relacionados com a divulgação e publicidade do espaço (43º);

67 - O A. era a “cara” do espaço (44º);

68 - O referido espaço encerrou (45º);

69 - A actividade do A. depende, em parte, do reconhecimento do público (46º);

70 - Após a sua libertação, o A. não conseguiu reclamar as suas funções de “relações públicas” nos moldes por si anteriormente exercida, quer na anterior entidade, quer noutra (47º);

71 - À data da sua detenção, o A., por vezes, fazia presenças em espaços nocturnos da zona Norte (48º);

72 - A prisão do A. foi do conhecimento da opinião pública nacional (51º);

73 - As pessoas que tomaram conhecimento dos acontecimentos ocorridos, ficaram a conhecer a situação do arguido: a prisão a que foi sujeito (53º);

74 - O A. sofreu angústia pela indefinição do seu futuro e por se ter visto arredado, durante o tempo em que esteve preso, do seu ambiente pessoal, familiar, profissional e da própria liberdade de viver (54º);

75 - Esse estado de angústia ainda hoje subsiste (55º);

76 - O A., em cada pessoa que contacta pressente sempre a hipótese de, no espírito de cada uma delas, se aventar a dúvida sobre a justeza da sua prisão (56º);

77 - O que lhe causa angústias, sofrimentos, pesadelos e depressões que lhe destroem a alegria de viver e o entusiasmo com que sempre, antes de tal acontecer, encarava o presente e o futuro (57º);

78 - O A. foi associado à prática de crimes que merecem particular censura social (58º);

79 - Algumas pessoas, ao tomarem conhecimento das notícias difundidas, mesmo assim ficaram com dúvidas sobre os reais e efectivos motivos da sua prisão, o que o prejudica a nível profissional (59º);

80 - As notícias na comunicação social faziam referência à condição do A. também como ex-marido de CC, ex-apresentadora de televisão (60º);

81 - O A. era tido como um dos “relações públicas” mais capazes, sendo referenciado como um dos melhores para abrir estabelecimentos de discotecas ou levantar aquelas que já não conseguiam bons índices de clientela/facturação (61º);

82 - Um dos factores do seu sucesso profissional devia-se ao facto de ter uma aparência jovem e, predominantemente, ao seu desempenho como “relações públicas”, durante já 20 anos, em estabelecimentos nocturnos (62º);

83 - Continuam ainda activas na Internet notícias sobre a prisão do A. (63º);

84 - O sofrimento provocado pela reclusão foi agravado pelo conhecimento que teve do que era dito ao seu filho pelos respectivos colegas de escola, quanto à sua prisão (64º);

85 - No período de 15.07 a 03.09.08,o A. ficou impedido de exercer a guarda e tutela conjunta do seu filho (65º);

86 - O A. ficou impedido de gozar as férias de Verão de 2008 com o seu filho (66º e 67º);

87 - O A. teve de explicar ao filho o que lhe tinha acontecido (68º);

88 - O A. recebeu uma carta do filho com um desenho de um menino sozinho e uma árvore (70º);

89 - O referido desenho causou sofrimento ao A. (71º);

90 - O A. tinha uma relação afectiva com uma companheira, de cuja proximidade se viu privado durante o tempo em que esteve preso (72º);

91 - A relação do A. com a sua companheira foi afectada (73º);

92 - O A. tem uma relação de grande intensidade afectiva com os pais, pelo que o choque sofrido por estes ao verem, de repente, um filho preso, perturbou o A. muito fortemente (74º);

93 - O A. ficou afectado com o facto dos seus pais serem confrontados pelos outros com as notícias que sobre si foram publicadas quanto à sua prisão (76º);

94 - O A. não pôde passar com a família o aniversário da mãe, a 31 de Agosto (77º);

95 - Teve crises de ansiedade que lhe provocaram tremores das mãos, com os dedos completamente ensanguentados, já que estava constantemente em estado nervoso que se extravasava com o roer das unhas e dos dedos na ausência daquelas (80º);

96 - O A. temia pela sua integridade física (83º);

97 - No estabelecimento prisional, incitava-se ao suicídio, dizendo: “mete a corda” (84º);

98 - O A., durante algum tempo, optou por não querer inteirar-se das notícias publicadas em revistas (86º e 87º);

99 - O A. deixou de ser convidado para fazer presenças, desde que foi preso (89º); e

100 - O A., como agenciado da agência “Glam”, que representava vários actores, apresentadores de televisão e outros, tinha a expectativa de enveredar pela representação e “realizar presenças”, entre Julho e Setembro, em espaços públicos, pelo menos 2 a 3 vezes por mês, e que, por norma, era paga a quantia de, pelo menos, € 300,00 por cada presença (90º).

                                                        *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e não havendo lugar a qualquer conhecimento oficioso, as questões por si suscitadas e que, no âmbito das respectivas revistas, demandam apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso cingem-se a saber se ocorrem os pressupostos da invocada (pelo A.) responsabilização cível do Estado Português e, na afirmativa, a quantificação de tal responsabilidade, pugnando o Estado pelo decretamento da sua total irresponsabilidade e defendendo o A. a tese contrária, ao que adita que o montante indemnizatório a que, assim, tem direito deverá ser idêntico ao fixado na 1ª instância e que foi, drasticamente, reduzido na Relação.

       Apreciando:

                                                      *

4 - I - Quanto à 1ª das enunciadas questões, sem quebra do respeito devido, entendemos que a mesma se encontra totalmente desprovida de suporte fáctico-legal.

       Na realidade, pelo Ac. deste Supremo, de 05.11.13 (Fls. 1062 a 1089), com coincidência de relator e 1ª Adjunta e transitado em julgado, foi decidido que a presente acção é subsumível à previsão constante do proémio do nº1 do art. 13º da Lei nº 67/2007, de 31.12, relativa ao “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Empresas Públicas”, nada tendo, pois, que ver com a previsão constante da 2ª parte do mesmo preceito legal. Ou seja, o que, no caso, releva é o “… regime especial aplicável ao caso de privação injustificada da liberdade…” a que, em tal proémio, se alude.

       E, nesta sede, não pode deixar de considerar-se e ter como assente, perante o decidido, em termos definitivos, pelo douto acórdão deste Supremo, de 03.09.08 - que deferiu a providência de «Habeas Corpus» requerida pelo A. - que a injustificada privação da liberdade do A.-recorrente foi como tal considerada, nos termos decorrentes do preceituado no art. 225º, nº1, al. a) - e não al. b), como correctamente observado no douto acórdão recorrido, censurando o correspondente entendimento perfilhado na 1ª instância - do CPPen. (aprovado pela Lei nº 48/07, de 29.08), com referência ao disposto no art. 222º, nº2, al. b) do mesmo Cod.

       Devendo, pois, assim ser configurada a correspondente questão, tem de assentar-se em que o direito a indemnização previsto no art. 225º, nº1 do CPPen. na vigente redacção se basta com a constatação da ilegal (não se exigindo, como na pregressa redacção do mesmo preceito, que a prevista ilegalidade seja manifesta)[2] privação da liberdade em circunstâncias em que a lei a não permite, não havendo, assim, que indagar se se terá incorrido em erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia tal privação (Não faria, aliás, qualquer sentido, a indagação da existência de erro grosseiro sobre a verificação dos pressupostos de facto da privação de liberdade num caso em que a lei nem sequer admitisse tal privação: o que, então, releva é que a lei processual penal nem sequer admite a privação de liberdade e não que qualquer agente haja incorrido em erro grosseiro sobre a verificação de pressupostos de facto duma privação de liberdade que, mesmo que inexistisse tal erro grosseiro, não teria cobertura legal). Ou seja, na mencionada al. a) e com referência ao caso versado nos autos, prevê-se a privação de liberdade em circunstâncias em que, mesmo que não ocorra erro de quem a determina, a lei processual penal a não permite, enquanto que, na al. b) do mesmo preceito legal, se contempla a privação de liberdade que, não fora a ocorrência de erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto por parte de quem a determina, até seria legal.

       No fundo e em última análise, o mencionado regime legal constitui o ponto de intercepção ou de equilíbrio entre dois grandes vectores ou princípios que devem presidir à filosofia do regime processual penal em qualquer Estado de Direito, sem qualquer concessão ou condescendência para manifestações, evidentes ou camufladas, de totalitarismo: perseguição e punição impiedosas dos criminosos e respeito e salvaguarda dos direitos de quem, não o sendo, deve ser inocentado.

       Decorrendo do exposto e do mais constante, quer do mencionado acórdão deste Supremo, de 05.11.13, quer da posição que fez vencimento no douto acórdão recorrido, a total improcedência, quer das conclusões formuladas pelo Estado recorrente, quer - sem quebra do respeito devido - da posição sustentada no voto de vencido deste último aresto.

                                                          /

II - Estando, pois, assente que o Estado deve indemnizar o recorrente-A., nada teremos a objectar quanto à quantificação dos danos de natureza patrimonial operada no douto acórdão recorrido, para este, correspondentemente, se remetendo.

       Ascendendo, pois, a € 6 300,00 o montante indemnizatório de tais danos.

                                                          *

5 - I - Os danos não patrimoniais correspondem aos prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, 6ª Ed. – 1º/571).

     Conforme arts. 496º, nº4 e 494º, ambos do CC, em sede de danos não patrimoniais e apesar de se tratar de simples compensação – Cfr., neste sentido, designadamente, Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, 3ª Ed., pags. 115 e Acs. do STJ, de 11.11.97 – COL/STJ – 3º/132 – e de 10.02.98 – COL/STJ – 1º/65 –, a indemnização não deve ser apenas simbólica e, na sua valorização, é também decisivo o recurso à equidade, sendo de atender ao grau de culpa (dolo ou mera culpa) do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias do caso concreto, designadamente, flutuações do valor da moeda e gravidade do dano. Sendo que o recurso à equidade, por seu turno, não significa o puro arbítrio, mas apelo a “todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada” – I/599), ou seja, a justiça do caso concreto.

     Simultaneamente, não poderá deixar de ter-se, igualmente, presente a natureza mistareparação do dano e punição (no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado) da conduta do agente lesante – que caracteriza a indemnização por danos não patrimoniais (Neste sentido, Prof. I. Galvão Telles, in “Direito das Obrigações”, 4ª Ed./375 e segs.; Prof. Antunes Varela, in “Ob. citada”, pags. 601; Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, in “CC Anotado”, I – 4ª Ed./500; Prof. Vaz Serra, in “R.L.J.”, Ano 113º/96, 194 e 105; e Acs. do STJ, de 10.02.98 (supra citado) e de 26.06.91 (Bol. 408º/538). 

       Com efeito, diversos tratadistas acentuam a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.

       Assim, o Prof. Menezes Cordeiro ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização”.

       O Prof. Galvão Telles sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma «pena privada», estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

       O Prof. Menezes Leitão destaca a índole ressarcitória/punitiva da reparação por danos morais, quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.

       O Prof. Pinto Monteiro, por seu turno, sustenta que a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante”.

       Finalmente, em recente estudo publicado a pags. 194 e segs. da RLJ, Ano 143º, sustenta o Dr. Filipe Albuquerque Matos que “…a «indemnização» neste particular hemisfério dos danos não patrimoniais já foi perspectivada como uma pena privada, a qual não reverte a favor do Estado, mas antes em proveito da vítima”.

                                                      /

II - No caso dos autos, pugna o recorrente por que o montante global da indemnização que lhe venha a ser arbitrada não deva ser inferior ao que foi fixado na 1ª instância, ou seja, € 66 000,00, acrescidos de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e do que, em ulterior liquidação, vier a comprovar-se ter sido reclamado, a título de honorários, no processo-crime.

       Na Relação, foi o sobredito montante reduzido a € 31 300,00.

      Propendendo, embora, para qualificar como de natureza não patrimonial todos os demais danos sofridos pelo A. em consequência da prisão ilegal a que, nos termos expostos, foi sujeito, temos por mais apropriado ao que se deixou expendido em I antecedente e aos factos acolhidos em 20, 22, 27, 28, 33 a 60, 62, 63, 66 a 70 e 72 a 99, todos de 2 supra, o veredicto proferido, a propósito, na 1ª instância, devendo, ainda, acentuar-se:

--- O período estival e de gozo genérico de férias em que ocorreu a prisão do A., com o inerente maior sofrimento filiado em razões de menor conforto propiciado pelos factores climáticos que, então, se registam e o confinamento a um espaço reduzido, em permanente interpelação da liberdade cultivada pelo A., sem restrição ao período diurno;

--- A incompreensão e revolta sentidas pela perda da liberdade e manutenção da prisão em circunstâncias a que o A. não dava adesão;

--- A propagação e publicitação da situação prisional do A., com todas as conjecturas que as mesmas propiciavam;

--- A profissão exercida pelo A., em tudo incompatível com a sua súbita situação de preso, nos antípodas da ilimitada liberdade de movimentos e expressividade de que, antes, gozava.

       A tudo atendendo, norteados pelo critério supremo da equidade consagrado no art. 496º, nº4 do CC, temos como ajustado o montante de € 59 700,00 para ressarcimento dos mencionados danos de natureza não patrimonial sofridos pelo A.

       Procedendo, pois, da forma exposta, as conclusões formuladas pelo recorrente-A. e improcedendo, integralmente, as formuladas pelo recorrente-R.

                                                    *

6 - Na decorrência do exposto, acorda-se em:

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    I - Negar a revista do R. Estado;

    II - Conceder a revista do A., condenando-se, em consequência, o R. Estado a pagar ao A. a quantia de € 66 000,00 (sessenta e seis mil euros), acrescida dos respectivos juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento e do que, em ulterior liquidação, vier a comprovar-se ser devido, a título de honorários, no processo-crime relativo à sua prisão.

     As custas das revistas serão suportadas pelo R. (Cfr. “Regulamento das Custas Processuais”, Anotado e Comentado (2009), de Salvador da Costa, pags. 138).

    As devidas nas instâncias serão suportadas por A. e R., na proporção dos respectivos decaimentos.

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                                        Lx       02/  07   /    2015 /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto Almeida

___________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (35/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  Neste sentido, designadamente, Ac. do STJ, de 22.01.08, relatado pelo Ex. mo Cons. Moreira Alves e acessível em www.dgsi.pt.