Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
53/20.5GHCTB.C1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: SÉNIO ALVES
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CONCURSO DE INFRAÇÕES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
FURTO QUALIFICADO
VALOR DIMINUTO
FURTO
TENTATIVA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA PARCELAR
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 05/05/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Não se apurando o valor da coisa furtada, tem de considerar-se, para o efeito previsto no n.º 4 do art. 204.º do CP, que esse valor é diminuto.
Decisão Texto Integral:

            Acordam, nesta 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:


I. O arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado no Juízo central criminal ………, J…, e aí condenado,

 - pela prática de sete crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e) por referência ao art.º 202º, al. d) e e) do CP na pena de dois anos e dois meses cada um (processos n.ºs 260/19………, 273/19………., 294/19……….., 11/20………., 21/20………, 64/20………. e 8/20……);

- pela prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e) por referência ao art.º 202º, al. d) e e) do CP na pena de dois anos e seis meses ( processo n.º 2/20………);

 - pela prática de oito crimes de furtos simples, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1 e 204º, n.º 4 do CP (processos 244/19…….., 17/20…….., 26/20………, 34/20………, 53/20………, 59/20………., 63/20……… e 83/20………..) na pena de nove meses de prisão cada um;

 - pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 203º, n.º 1, 204º, n.º 2, al. e), 22º, 23º, e 73º do CP, na pena de cinco meses de prisão;

- pela prática em autoria material, de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86º, n.º 1 al c) da Lei 5/2006, de 23.02, na pena de um ano e seis meses de prisão;

- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na única de sete anos e seis meses de prisão.


Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação ……. Por decisão sumária proferida em 16/2/2021, a Exmª Desembargadora relatora declarou a incompetência, em razão da hierarquia, daquele Tribunal e ordenou a remessa dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça, porquanto o recurso visa unicamente o reexame em matéria de direito e o arguido foi condenado numa pena de prisão superior a 5 anos.


Pretende o recorrente a redução da pena única aplicada e a subsequente suspensão da sua execução, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):

«I. O douto Acórdão encontra-se ferido de nulidade, nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Penal, susceptível de suprimento pelo Tribunal Superior, conforme artigo 379.º n.º 2 do Código de Processo Penal.

II. O douto Tribunal a quo não conformou os requisitos essenciais para a determinação, tanto das penas parcelares, como da pena conjunta, previstos nos artigos 71.º, n.º 2, e 77.º, n.º 2 do Código Penal.

III. Não foram, objectivamente, ponderados o grau de ilicitude dos factos, o modo de execução deste, e a gravidade das suas consequências.

IV. Também se revelou omisso, quanto aos patentes actos demonstrativos arrependimento, que levariam à aplicação da atenuação especial da pena prevista no artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) do Código Penal.

V. Em relação à motivação expendida quanto às restantes alíneas do artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal, não deixam de se evidenciar deduções conclusivas não assentes em factos constantes dos autos.

VI. Não se vislumbra de onde se pode retirar a conclusão de que o recorrente se decidiu logo pelo mundo do crime, até porque não tem antecedentes criminais.

VII. Igualmente, não é fundamentada a razão pela qual é considerado o número de armas elevado, único factor de pendor subjectivo e conclusivo para determinar a medida concreta da pena aplicada quanto ao crime de detenção de arma proibida.

VIII. A justificação para a exigência de prevenção geral da necessidade da pena ser muito elevada, por estarem em causa a frequência de notícias sobre idênticos crimes - subtração de bens móveis dentro de uma habitação -, além de se demonstrar insuficiente, não se aplica ao caso concreto, porquanto, a maioria dos crimes tiveram lugar fora da habitação, ou em anexos.

IX. O douto Tribunal não concretizou a especial fundamentação exigida para a cabal aplicação do imperativo ínsito no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal.

X. Não foram ponderados os critérios relativos ao tipo de criminalidade em causa, quer seja bagatelar, média ou grave; ao tipo de bem jurídico ofendido, se patrimonial, ou fundamental/pessoal; ao tipo de personalidade do agente, no sentido de saber se demonstra traços de uma tendência criminosa, ou se se trata de uma pluriocasionalidade; à eventual conexão dos factos entre si; e ao efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente.

XI. Há uma omissão total de avaliação do comportamento global do recorrente, legalmente devida segundo os critérios supra enunciados.

XII. Ao não se pronunciar sobre questões que deveria ter apreciado, incorreu o douto Acórdão na nulidade referida no artigo 379.º, n.º 1, c) do Código de Processo Penal.

XIII. O douto Tribunal deveria pronunciar-se sobre o arrependimento manifestado pelo recorrente, aquando da sua colaboração com a justiça reproduzida na prova por reconstituição dos factos, e subsequentes declarações plasmadas em auto, e que não se resumiu à confissão integral e sem reservas, tendo sido acompanhada por actos que demonstraram uma consciente mudança de atitude em relação à conduta criminosa.

XIV. Cometeu o douto Tribunal a nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 2, alínea a), por referência ao requisito constante do artigo 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, ao distinguir a pena parcelar concretamente aplicada quanto aos oito crimes de furto qualificado, sem fundamentar tal destrinça, não se vislumbrando o iter lógico dedutivo que percorreu para aí chegar.

XV. Tendo em conta o prescrito no artigo 412.º, n.º 2, alínea c), o douto Acórdão aplicou, erradamente, a norma constante do artigo 204.º, n.º 2 alínea e) do Código Penal, devendo ser aplicado o seu n.º 4, em conjugação com o artigo 203.º do mesmo diploma legal.

XVI. Não foram apurados quais os bens que o recorrente alegadamente quereria furtar, e correspondente valor.

XVII. Pelo que, o crime de furto na forma tentada deverá ser desqualificado, sendo a moldura penal para o crime tentado, em vez de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão, a de multa de 10 a 120 dias ou, prisão de 30 dias a 1 ano.

XVIII. Nos termos do disposto no artigo 412.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo violou os artigos 40.º, 50.º, 70.º, e 71, n.º 2, todos do Código Penal, e o artigo 18.º, n.º 2 da CRP.

XIX. Atendendo à prova constante dos autos, e à produzida em sede de audiência de julgamento, a medida da pena concretamente aplicada revela-se excessiva e desproporcional.

XX. O recorrente não possui antecedentes criminais;

XXI. O recorrente manifestou confissão integral e sem reservas;

XXII. O recorrente demonstrou arrependimento sincero, através da colaboração activa na reconstituição dos factos, e nas suas declarações no subsequente auto, em que acrescentou modos de execução e itens furtados;

XXIII. O recorrente praticou os crimes num curto espaço de tempo de sete meses, em 39 anos de vivência sem qualquer cometimento de crime.

XXIV. Os crimes são de natureza idêntica, denotando, assim, uma conexão intrínseca entre o seu autor e tipo de crime em questão, sendo o modus operandi semelhante.

XXV. Os crimes são contra o património, e não contra bens fundamentais e pessoais, sendo o valor dos bens, em grande maioria diminuto ou pequeno (onze dos dezasseis crime possuem como valor maior 350 euros, e menor 50 euros).

XXVI. O arguido actou sozinho, furtando um determinado número elevado de bens para consumo pessoal de alimentação.

XXVII. O arguido não vendeu outros bens, mantendo-os na sua habitação, sendo estes recuperados para os seus proprietários.

XXVIII. Nunca praticou os crimes com recurso a violência física, ou confronto pessoal, tendo mesmo fugido aquando da possibilidade de ser confrontado com os proprietários dos bens, e não usou as armas que detinha na sua habitação.

XXIX. O arguido saiu da toxicodependência há nove anos, revelando força anímica suficiente para alterar comportamentos nocivos.

XXX. O arguido não tem apoio familiar, nem está inserido na comunidade, o que releva para uma motivação emocional, de carência, e não maquiavélica quanto ao surgimento repentino, e sem antecedentes, desta conduta criminosa.

XXXI. Atendendo ao binómio personalidade/factos que compõe a moldura autónoma prevista no artigo 77.º, n.º 1 do Código Penal, não se pode concluir que o recorrente possua uma personalidade tendencialmente criminosa, sendo patente, percorrendo o seu historial de vida, que estes factos reconduzem-se a um bocado de vida ínfimo menos conseguido, quanto à sua actuação segundo as normas de direito vigentes.

XXXII. A grande parte dos bens furtados possuem valor pequeno, ou mesmo diminuto, o que releva para efeitos de classificação do tipo de criminalidade em causa, tendo esta uma dimensão bagatelar e pequena.

XXXIII. Estando perante a ofensa de bens jurídicos de natureza idêntica nas várias ocasiões de delito, e de homogeneidade das penas, é patente a conexão íntima entre os factos, afastando assim o arguido de uma tendência intrínseca para a criminalidade.

XXXIV. Uma visão integrada acerca do comportamento global em questão levaria à redução da pena aplicada, obedecendo, prima facie, ao princípio da proporcionalidade, na sua vertente stricto sensu, que encontra respaldo constitucional no artigo 18.º, n.º 2.

XXXV. Assimilando tais princípios fundamentais do sistema jurídico penal, e tendo em conta a intervenção residual do direito penal, deveria o douto Tribunal ter reduzido a pena única, tendo em consideração as várias atenuantes supra explanadas, acrescentando à pena parcelar de maior dimensão, uma fracção menor das restantes.

XXXVI. Assim a prova produzida nos presentes autos impunha uma decisão diferente e mais adequada da que foi proferida pelo Tribunal a quo, em que a aplicação de uma pena única em cúmulo deveria ser substancialmente reduzida, e não privativa de liberdade, para valores que permitam a suspensão na sua execução, e sob condição obrigatória de frequência de formação e emprego, e em estreita relação com os serviços de reinserção social e IEFP, admitindo-se por mera hipótese e cautela jurídica, que a pena aplicada se mantenha privativa de liberdade, deve ser reduzida de forma substancial, havendo um estrito plano de conduta a que o arguido se sujeite com vista à sua reintegração na sociedade».


Respondeu a Exmª magistrada do MºPº, pugnando pelo não provimento do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):

«1. O arguido foi condenado pela prática de sete crimes de furto qualificado na forma consumada, um crime de furto qualificado na forma tentada, oito crimes de furto simples e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de sete anos e seis meses de prisão.

2. São elevadas as exigências de prevenção geral, até pelo alarme social que se vem acentuando com tantas situações similares às dos autos, daí advindo a necessidade de a comunidade sentir que as normas relativas a esta matéria devem ser cumpridas, respeitadas.

3. Por outro lado, o grau de ilicitude dos factos imputados ao arguido é muito elevado atendendo, como referido, ao contexto em que foram praticados, sendo ainda o dolo manifestado, directo, intenso.

4. O Tribunal a quo considerou os crimes cometidos pelo recorrente conjuntamente com a sua personalidade, permitindo, assim, uma visão conjunta dos factos e aferir da sua personalidade violenta e da sua tendência criminosa, reiterada, para o tipo de crimes graves, daqui se concluindo que a sua conduta radica na sua personalidade.

5. Estando, assim, correctamente apreciado o conjunto dos factos, o decurso temporal em que ocorreram, a personalidade do condenado e a sua propensão para a prática do tipo de em apreço, resulta que as penas parcelares encontradas e a pena única aplicada não excede a culpa e satisfaz suficientemente as exigências preventivas, afigurando-se-nos, assim, justa e adequada.

6. Todos os aspectos a considerar foram considerados pelo tribunal a quo, como resulta da simples leitra do douto acórdão recorrido, não se verificando qualquer omissão de pronuncia (artº 379º, nº 1, al.c), do CPP).

7. Do mesmo modo que, de tal leitura, resulta apodítico que foi dado cumprimento ao disposto no artº 374º, nº 2, do CPP, respeitando o douto acórdão recorrido a estrutura imposta por lei.

8. Face ao exposto, ainda que se entendesse ser de aplicar pena de prisão até cinco anos, com o que se discordam sempre seria de afastar a suspensão da execução da pena tal como pretende o recorrente.

9. Com efeito, afigura-se-nos que a comunidade social seguramente não compreenderia que em face do elevado grau de ilicitude e de censurabilidade ético-jurídica, as exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral) fossem ainda compatíveis com a ressocialização em liberdade pretendida pelo recorrente.

10. Manifestamente, no caso concreto, a censura do facto e a ameaça da prisão só por si, de modo nenhum, se revelariam suficientes para se assegurarem as finalidades da punição, tudo aconselhando ao cumprimento efectivo da pena.

11. Por todas as razões ora aduzidas entende-se que o acórdão proferido pelo tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado qualquer provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão nos seus precisos termos».


No Tribunal da Relação ……., o Exmº Procurador-Geral Adjunto, sustentando a incompetência daquele Tribunal para os termos deste recurso e considerando competente para tal este Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, à excepção do segmento relativo ao crime de furto qualificado na forma tentada, entendendo – na linha de raciocínio seguida pelo recorrente – que os factos apurados integram a prática, pelo arguido, de um crime de furto simples, na forma tentada, atenta a circunstância de se não ter apurado o valor tentado furtar; admitindo a redução da pena única, entende que a mesma não deverá ser fixada em montante inferior a 5 anos e, por isso, insusceptível de suspensão, na sua execução.


II. Neste Tribunal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso, no que ao crime de furto qualificado na forma tentada diz respeito, cujos factos, na sua perspectiva, integram a prática de um crime de furto simples, na forma tentada (porquanto não apurado o valor dos bens de que o arguido tentou apropriar-se), devendo alterar-se a pena parcelar aplicada, com reflexo no quantum da pena única, “reduzindo-se a mesma proporcionalmente”.

Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou qualquer resposta.


III. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência.

São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.


O recorrente suscita as seguintes questões:

 «1. Falta de fundamentação relativa a critérios fundamentais legais para determinação das penas parcelares e da pena conjunta;

2. Omissão de pronúncia sobre elementos fácticos constantes dos autos que o Tribunal deveria ter conhecido;

3. Falta de fundamentação motivada acerca da escolha de pena parcelar diferente quanto aos crimes de furto qualificado;

4. Errada qualificação jurídica quanto à condenação por crime de furto qualificado na forma tentada»; e

5. Excessividade das penas, parcelares e única, e, consequente violação do princípio da proporcionalidade.


O tribunal recorrido entendeu como provada a seguinte factualidade:

NUIPC 244/19………, NUIPC 27/20…………, NUIPC 66/20………….

1 - Entre as 15H00 do dia 07 de Outubro de 2019 e as 12h30 do dia 23, do mesmo mês e ano (o arguido) dirigiu-se, por três vezes a uma propriedade rural, propriedade essa, de BB, sita no Sítio ………, ……….;

2 – Uma vez ali chegado, das três vezes, saltou o muro, estroncou a porta de um anexo ali existente, onde se encontravam animais, dali retirando:

- Vinte galinhas;

- Dois galos;

- Uma cabra;

tudo no valor global de 300,00€.

3 – Munido dos animais, já mortos, abandonou o local.

NUIPC 260/19…………

4 - Entre as 18H30 do dia ... de Novembro de 2019 e as 09h00 do dia seguinte dirigiu-se a uma casa, propriedade de CC, sita na Rua ………, em …….. .

5 – Uma vez ali chegado, quebrou o vidro de uma janela, introduziu o seu braço e abriu-a pelo interior, assim se introduzindo na residência, dali retirando:

- Ferramentas diversas (chaves de fendas, alicates, chaves de bocas e sextavadas);

- Um par de botas de biqueira de aço;

- Dois coelhos vivos;

- Quarenta e oito cervejas que se encontravam no congelador;

- Um saco de farinha de 19 kg;

- Dois bolos;

- Uma caxa de comprimidos;

- Uma frigideira;

- Cinco litros de azeite;

- Um casaco;

- Um saca-rolhas;

- Especiarias;

- Um pires de café;

- Dois pares de botas, uma delas de borracha;

- Chaves de bites;

- Um spray de WD40;

- Cebolas, estes últimos quatro items que se encontravam na garagem, cujo cadeado estroncou,

tudo no valor global de 350,00€.

6 – De seguida abandonou o local munido dos animais, alimentos e objectos.

NUIPC 273/19…………

7 - Entre as 00h00 do dia ... de Novembro de 2019 e as 08h00 do dia 28, do mesmo mês e ano, dirigiu-se à Quinta ………, junto à Estrada Nacional n.º …, entre as localidades de …… e ………., propriedade de DD.

8 – Uma vez ali chegado, procedeu à quebra do vidro de uma janela e içando o seu corpo, entrou na residência, dali retirando:

- Canetas;

- Corta papeis;

- Um medalhão comemorativo;

- Dois projectores de energia solar;

- Dois relógios;

- Um par de calças;

- Um colete;

- Seis cervejas;

- Um livro,

tudo no valor global aproximado de 1000,00€.

9 – Munido desses objectos abandonou o local.

NUIPC 2/20……….

10 - Entre as 09H35 do dia ... de Dezembro de 2019 e as 18H00 do dia ... do mesmo mês e ano, dirigiu-se a uma vivenda, propriedade de EE, sita na Estrada ………, em ………… .

11 – Uma vez ali chegado, subiu e saltou o muro que vedava a casa, foi em direção à porta de entrada, estroncou a fechadura e ali se introduziu, dali retirando:

- Uma câmara de videovigilância de marca D-Link, modelo……;

- Uma câmara de videovigilância de marca Foscam, modelo ……;

- Uma máquina de café Delta, de cor preta;

- Dois monitores de marca Dell;

- Duas colunas de som de marca Logitech, com caixa de baixo, de cor preta;

- Uma Box MEO;

- Uma Consola X-BOX, com vários DVDs de jogos;

- Um Comando Hager …;

- Um comando Hager …;

- Um comando Hager ....;

- Um monóculo de visão noturna;

- Uma lanterna UV;

- Uma lanterna de cabeça VIZZ PTEC;

- Um Leitor DVD / VHS de marca LG;

- Uns auscultadores de marca SONY

- Uma máquina de barbear de marca BRAUN, modelo……, com base de carregamento;

- Um livro com o título “Livro do Desassossego”, de Bernardo Soares;

- Um livro com o título “Dentro do segredo”, de José Luís Peixoto;

- Um livro com o título “Guia de Campo”,

tudo no valor global de 2.912,55€.

12 – Após, trazendo consigo todos os objectos mencionados, abandonou o local.

NUIPC 294/19……….

13 - Entre as 14H00 do dia ... de Dezembro de 2019 e as 09H00 do dia seguinte dirigiu-se à Quinta ………, propriedade de FF, sita em ………….

14 – Uma vez ali chegado, cortou as grades de uma janela da casa ali existente e por ali se introduziu, dali retirando:

- Uma televisão SAMSUNG, modelo UE32K5100AW, com comando e alimentador;

- Uma Box TELEFUNKEN, modelo TSFHD 2300B com cartão viaccess n.º de série ………;

- Uma caixa ornamentada em madeira com dizeres manuscritos em língua francesa, colados na parte interior da tampa, com garrafa;

- Um rádio de marca Denver, modelo……,

tudo no valor global de 929,00€.

15 – Com tais objectos na sua posse abandonou o local;

NUIPC 11/20………..

16 - Entre as 17H30 do dia ... de Janeiro (de 2020) e as 12h30 do dia seguinte dirigiu-se à Quinta …, propriedade de GG, sita no Lugar … em … .

17 – Uma vez ali chegado, subiu e transpôs o muro que contornava a casa fazendo uso de uma picareta, quebrou a fechadura de uma porta, assim se introduziu na residência, dali retirando:

- Duas pistolas antigas de ornamentação;

- Um copo em chifre de boi;

- Um smartphone, marca HUAWEI, modelo ……, de cor preta, com o IMEI ………..;

- Um braço de varinha mágica de cor branca sem marca,

tudo no valor global de 800,00€ (oitocentos euros).

18 – Seguidamente abandonou o local na posse de tais objectos.

NUIPC 17/20………….

19 - Entre as 18H30 do dia ... de Janeiro de 2020 e as 10h30 do dia seguinte dirigiu-se a uma pocilga que se encontrava na propriedade de HH, sita na Rua ……, Alcains.

20 - Uma vez ali chegado, subiu e transpôs o muro que contornava a propriedade e bem assim a rede da vedação fazendo uso de uma picareta, assim se introduzindo, dali retirando um animal de raça suína, no valor de 160,00 (cento e sessenta euros).

21 - Na posse do animal, abandonou o local.

NUIPC 21/20……….

22 - Entre as 02H00 e as 07H0 do dia ... de Janeiro de 2020 dirigiu-se a uma vivenda, propriedade de II, sita na Rua ……, em ………… .

23 - Uma vez ali chegado, procedeu ao corte da rede que dá aceso ao quintal e assim se introduziu na residência, dali retirando:

- Um computador de marca TOSHIBA, modelo ……, n.º de série ………;

- Um smartphone, marca SAMSUNG, modelo ……, com o IMEI ………, de cor branco, sem cartões inseridos, com capa de silicone cor de rosa;

- Um Smartphone, marca WIKO, modelo SUNNY, de cor preto e branco, com o IMEI …………, sem cartões inserido e com bateria;

- Um aparelho scanner de marca RABOBANK;

- Um saco de plástico contendo várias caixas de medicamentos de diferentes marcas, tudo no valor global de 1.000,00€.

24 – Munido, assim, de tais objectos, abandonou o local.

NUIPC 26/20…………

25 – No dia ... de Fevereiro de 2020, pelas 02H00 dirigiu-se novamente à Quinta …, propriedade de GG, sita no Lugar …. em … .

26 – Uma vez ali chegado estroncou o portão de um anexo à residência ali se introduzindo e dali retirando:

- Uma rebarbadora de marca DEWALT, modelo …… de cor amarela;

- Um par de chifres de veado,

tudo, no valor de 50,00€.

27 – Munido dos objectos ausentou-se do local.

NUIPC 28/20…………

28 - No dia .../02/2020 pelas 02H28, dirigiu-se à Quinta …… - Quinta …. em ………, pertencente a JJ;

29 - Ali chegado, a fim de aceder ao interior da casa e dali retirar objectos que lhe interessassem, rasgou a rede mosquiteira da janela de um quarto, mas como a denunciante se apercebeu e fez barulho, colocou-se em fuga.

NUIPC 34/20……….

30 - No período compreendido entre as 18H30m do dia ... de Fevereiro e as 09h30 do dia seguinte, dirigiu-se à residência de KK, sita na Rua …… .

31 - Ali chegado, saltou o muro, estroncou a janela de um anexo, tendo dali retirado algumas batatas.

32 – Seguidamente, acedeu à residência entrando pela janela que estava aberta no 1.º andar içando o seu corpo para o efeito, de onde retirou:

- Um corta vidro;

- Um par de botas;

- Um martelo;

- Uma lata de spray;

- Um conta quilómetros de uma bicicleta de montanha, dois últimos items, estes, que se encontravam no quintal da casa, tudo no valor de 100,00 euros.

33 – Na posse destes objectos abandonou o local.

NUIPC 53/20……….

34 – Entre as 18h30 do dia ... de Março de 2020 e as 09h00 do dia seguinte, dirigiu-se a uma propriedade agrícola, propriedade esta, dividida e pertencente a várias pessoas, sita em ………, em ………..

35 – Uma vez ali chegado estroncou as fechaduras dos anexos, propriedade de LL, ali se introduziu, tendo dali retirado:

- Um candeeiro Led;

- Dois rolos de fita cola,

tudo no valor de 16,00 euros.

36 – Estroncou, também, as fechaduras dos anexos de NN ali se introduzindo e dali retirando:

- Um fogão elétrico de marca Zanussi;

- Uma mala de ferramenta, em cabedal, de cor castanha;

tudo no valor global de, pelo menos, 130,00 € (cento e trinta euros).

37 – Abandonou o local levando os objectos consigo.

NUIPC 59/20…………

38 - Entre as 17H30 do dia ... de Março de 2020 e as 09h00 do dia seguinte, dirigiu-se a uma propriedade agrícola, propriedade, esta de OO, sita na Estrada ………, …….. .

39 – Uma vez ali chegado, dirigiu-se ao galinheiro ali existente, que se encontra vedado, abriu o ferrolho da porta, que não tinha cadeado, tendo dali retirado cinco galinhas e dois cocotes, tudo no valor de 100,00 euros.

40 – Na posse dos animais, ausentou-se do local.

NUIPC 63/20………..

41 – Entre as 12h00 do dia ... de Março de 2020 e as 14h00 do dia seguinte, dirigiu-se a uma propriedade agrícola, propriedade esta, de FF, sita na Avenida ………., Estrada ……… em ………… .

42 – Uma vez ali chegado, cortou a grade de protecção de uma janela, estroncou a porta das traseiras da residência que ali se encontrava e ali se introduziu, tendo dali retirado:

- Uma cafeteira elétrica no valor de 12,00 (doze) euros;

- Um tapete;

- Um par de botas;

- Um casaco;

- Uma fita métrica;

- Detergente da loiça;

o total em valor não concretamente apurado.

43 – Abandonou o local na posse de tais objectos.

NUIPC 64/20…………

44 - No período compreendido entre as 18H00m do dia .../03/2020 e as 15H00m do dia seguinte, dirigiu-se a uma quinta, propriedade de PP, sita no Sítio ……. em … .

45 - Ali chegado, saltou o muro, estroncou a janela de um anexo, cortou as suas grades e a porta de um outro anexo, entrando na residência de onde retirou uns binóculos, uma rebarbadora, uma serra tic-tic e um canivete, tudo no valor de 189,08 (cento e oitenta e nove euros e oito cêntimos).

46 – Após, abandonou o local na posse dos objectos.

NUIPC 83/20………….

47 - No período entre as 17H00 do dia ... de Abril de 2020 e as 07H30 do dia seguinte, dirigiu-se à Quinta … em …, pertencente a QQ;

48 - Uma vez ali chegado, saltou o muro, entrou na quinta tendo estroncado uma porta para se introduzir no interior de uma casa ali existente, com recurso a duas chaves de fendas, e dali furtou duas latas de atum e duas latas de salchichas e uma embalagem de creme, de valor não apurado mas necessariamente inferior a 102,00 (cento e dois) euros.

49 – Seguidamente, na posse de tais objectos, abandonou o local.

NUIPC 8/20………… – Apenso I

50 - No período compreendido entre as 17H00 do dia ... de Março de 2020 e as 11h59 do (dia) seguinte, dirigiu-se à Quinta ………, em ……., pertencente a RR;

51 - Uma vez ali chegado, estroncou uma janela, tendo-se introduzido num anexo à casa que ali se encontrava, dali retirando:

- Duas garrafas de vinho;

- Uma varinha mágica;

- Uns carrinhos de brincar;

- Toalhas de mesa;

- Uma saca de milho,

tudo no valor de 115,66 euros.

52– Seguidamente, na posse de tais objectos, abandonou o local.

53 - No dia ... de Abril de 2020, pelas 07H05, na sua residência sita na Rua ………., ………, detinha os objectos acima descritos a que se locupletou, com excepção de alguns dos animais que já havia consumido e, bem assim:

- Duas pistolas de alarme, marca STAR, transformadas em armas de fogo de calibre 6.35,

- Uma carabina de calibre .22,

- Arma de caça de calibre 9mm,

- Arma de caça de calibre 14mm

- Arco com 10 flechas,

- Soqueira (boxer).

54 – O arguido bem sabia que se apropriava, ou tentava apropriar de bens, que não lhe pertenciam, contra a vontade dos seus legítimos proprietários, só não o tendo logrado num dos casos por motivos alheios à sua vontade;

55 – Mais sabia que se introduzia ora em residências, ora em espaços privados vedados, cuja entrada não lhe era permitida, violando a propriedade contra a vontade dos seus proprietários e o domicílio alheio, e, bem assim a reserva da intimidade privada.

56 –Fazia-o mediante a transposição de obstáculos, como sendo subida de muros, corte de grades, estroncamento de portas, estroncamento de janelas ou quebra de fechaduras, factor que incrementava a gravidade da sua conduta, o que não ignorava;

57 – Sabia que para isso, estragava bens alheios, causando prejuízo aos seus proprietários.

58- Sabia que detinha armas cuja posse era proibida ou que lhe era exigido porte de licença e uso, de que sabia não se munir;

59- Agiu sempre livre, voluntária e conscientemente;

60 – Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.

61 – O arguido encontra-se em prisão preventiva desde o dia 22 de abril de 2020, à ordem do presente processo, sendo que desde então ainda não recebeu qualquer visita no EP, nem manteve qualquer contacto telefónico;

62 – O arguido possui o 9º ano de escolaridade;

63 – O arguido vivia sozinho em casa propriedade da família de origem, com precárias condições de habitabilidade;

64 – O arguido encontrava-se desempregado, sendo que não tinha qualquer ocupação nem exercia qualquer actividade;

65 - O arguido não dispõe de qualquer apoio familiar uma vez que não mantém relacionamento com os seus progenitores e irmã há vários anos, nem com nenhum outro familiar;

66 - Aos 14 anos o arguido iniciou o consumo de estupefacientes, consumo esse que diz ter parado aos 30 anos;

67 - O arguido não apresenta qualquer condenação averbada no seu certificado de registo criminal.


E desta forma explanou o tribunal colectivo o modo de formação da sua convicção:

«Para a formação da sua convicção quanto à factualidade provada, o Tribunal atentou na análise crítica e conjunta da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador (cf. artigo 127º do Código de Processo Penal) nos seguintes termos:

Em primeiro lugar, a confissão integral e sem reservas levada a cabo pelo arguido AA em sede de audiência de julgamento relativamente a todos os factos que constam da acusação, conforme se alcança da respectiva acta de julgamento.

Mais se relevou, ao nível da prova documental, toda a constante dos autos, nomeadamente:

- Documental por Reconhecimento de Objetivos e Reconstituição do Facto;

- Cópia relatório de inspeção ocular, fls. 16 a 18, contendo registos fotográficos da propriedade de NN;

- Cópia relatório técnico de inspeção judiciária, fls. 20 a 22;

- Cópia de relatório de inspeção ocular referente ao NUIPC 63/20…, fls. 30 a 32;

- Cópia relatório técnico de inspeção judiciária referente ao NUIPC 63/20…, fls. 33 a 35;

- Cópia auto de visionamento de vídeo e extração de imagens, referente ao NUIPC 26/20…, fls. 52 a 67 (contendo fotogramas com a captação de imagem do arguido);

- Ficha de identificação civil do arguido, fls. 93;

- relatório de busca, fls. 111 a 119, onde consta a diligência de busca e apreensão dos objectos furtados na casa do arguido, com a descrição de todos os objectos que conseguiram ser recuperados;

- auto de busca e apreensão, fls. 122 a 149;

- Auto de reconhecimento de objetos (NN, NUIPC 53/20….), fls. 161;

- Auto de reconhecimento de objetos (EE, NUIPC 02/20…), fls. 164 e 173;

- Auto de reconhecimento de objetos (II, NUIPC 21/20….), fls. 175;

- Auto de reconhecimento de objetos (SS, NUIPC 294/19…), fls. 176 a 179;

- Auto de reconhecimento de objetos (GG, NUIPC 11/20….), fls. 180;

- Relatório fotográfico (busca), fls. 181 a 215;

- Pedido informação PSP sobre registos/manifestos de armas de fogo por parte de AA, fls. 216 e 217;

- Informação prestada pela PSP sobre registos/manifestos de armas de fogo por parte de AA, fls. 250 e 251;

- Relatório Tático de Inspeção Ocular nº 14/20, fls. 268 a 273;

- Relatório Técnico de Inspeção Judiciária, nº 46/20-…, fls. 275 a 280;

- Auto de reconhecimento de objetos (MM, filho da denunciante LL), fls. 316;

- Termo entrega de objetos na PSP, fls. 318 e 319;

- Auto de reconhecimento de objetos (PP), fls. 334 e duas provas de compras constantes a fls. 335 e 336;

- Original Relatório Tático de Inspeção Ocular nº 12/20, fls. 340 a 342;

- Relatório Técnico de Inspeção Judiciária, nº 41/20-…., fls. 344 a 346;

- Auto de reconhecimento de objetos (TT), fls. 350;

- Auto de reconhecimento de objetos (UU), fls. 361;

- Fatura/recibo, fls. 362, montante despendido numa nova fechadura por UU;

- Orçamento, fls. 365 para reparação da porta de entrada e respectiva fechadura em nome de QQ;

- Auto de reconhecimento de objetos (QQ), fls. 366;

- Auto de reconhecimento de objetos (VV), fls. 373;

- Auto de reconhecimento de objetos (XX), fls. 379;

- Auto de exame direto e avaliação, fls. 389 a 423 realizado pela GNR ……;

- Auto de reconhecimento de objetos (DD), fls. 426;

- Auto de Reconstituição, fls. 427 a 430;

- Auto de reconhecimento de objetos (ZZ), fls. 454 e 455;

Também se relevaram os exames periciais realizados aos vestígios lofoscópicos encontrados na propriedade de NN e na … que se vieram a revelar como sendo do arguido (cfr. Relatório de exame Pericial nº …66, fls. 37 a 40 e Relatório de Exame Pericial nº …63, fls. 282 a 288).

Conjugados todos estes elementos probatórios, o Tribunal não teve qualquer dúvida quanto à autoria dos factos pelo arguido.

Quanto ao dolo do arguido, da conjugação dos documentos juntos aos autos, com a confissão integral e sem reservas efectuada pelo arguido, concretizados e objetivados com os atos materiais praticados pelo arguido, à luz das regras da experiência, é possível e legítimo afirmar a sua verificação.

Para a prova dos factos atinentes às condições profissionais e económico-sociais do arguido, bem como do seu agregado familiar, o Tribunal baseou-se nas declarações do mesmo que se tiveram por espontâneas e bem assim, no relatório social elaborado pela DGRSP constante dos autos (ref.ª …75).

Quanto à ausência de antecedentes criminais do arguido, valeu o certificado de registo criminal junto aos autos com a ref.ª ……..09».


IV. Decidindo:

Iniciaremos a apreciação das questões suscitadas neste recurso por aquela que, por razões de elementar lógica jurídica, precede às relativas à determinação das penas, parcelares e única: a errada qualificação jurídica quanto à condenação por crime de furto qualificado na forma tentada.

Entende o recorrente (conclusões XV a XVII) que o acórdão recorrido “aplicou, erradamente, a norma constante do artigo 204.º, n.º 2 alínea e) do Código Penal, devendo ser aplicado o seu n.º 4, em conjugação com o artigo 203.º do mesmo diploma legal”, posto que não foram apurados quais os bens que o recorrente queria furtar, e correspondente valor, razão pela qual o crime de furto na forma tentada deverá ser desqualificado.

Estão em causa os factos apurados e descritos sob os nºs 28 e 29 e relativos ao NUIPC 28/20……….:

28 - No dia 10/02/2020 pelas 02H28, dirigiu-se à Quinta ………. em …….., pertencente a JJ;

29 - Ali chegado, a fim de aceder ao interior da casa e dali retirar objectos que lhe interessassem, rasgou a rede mosquiteira da janela de um quarto, mas como a denunciante se apercebeu e fez barulho, colocou-se em fuga.

Escreveu-se a este propósito no acórdão recorrido:

«Analisemos em seguida a situação provada em 28) e 29) e que é imputada ao arguido a prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 203º, n.º 1, 204ºn.º 2 ale), 22º, 23º e 73º, todos do Cód. Penal.

Para além das considerações já tecidas a propósito do crime de furto simples e qualificado, há ainda que atender às regras da tentativa. Vejamos então.

Estatui o artigo 22º do Cód. Penal, o seguinte:

“1. Há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu

cometer, sem que este chegue a consumar-se.

2. São atos de execução:

a) Os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime;

b) Os que forem idóneos a produzir o resultado típico; ou

c) os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam das espécies indicadas nas alíneas anteriores”.

Ora, na situação provada em 28) e 29) o arguido pese embora se tenha dirigido à Quinta …, pertença de JJ, e rasgado a rede mosquiteira da janela de um quarto, o arguido nada mais fez já que a proprietária se apercebeu e o arguido colocou-se em fuga, não chegando sequer a penetrar na habitação.

De salientar destes factos encontra-se a circunstância de o arguido não ter conseguido consumar o crime de furto, já que não chegou a haver subtração de qualquer bem alheio, elemento objectivo deste tipo de ilícito para que possa dizer-se que o crime se consumou.

Sucede que o arguido praticou actos idóneos a produzir o resultado típico (concretamente ao ter rasgado a rede mosquiteira da janela do quarto a fim de penetrar na habitação), sendo assim, caso de tentativa, conforme prevê o artigo 22º do Código Penal.

Sendo caso de tentativa, é manifesto que o arguido não chegou a consumar a subtração, tendo, no entanto, dado início à execução de atos concernentes ao plano previamente traçado de furtar objetos existentes na dita Quinta, só não tendo concretizado na totalidade o seu plano de execução por circunstâncias exteriores completamente alheias à sua vontade.

De resto, é inequívoco estarmos diante de tentativa, dado que o arguido não logrou, como se viu, completar todo o iter criminis, o mesmo vale por dizer, consumar a subtração, uma vez que nada retirou do supra mencionado local.

De resto, é manifesto que, em face do manancial fáctico dos autos, à exceção da subtração, se verificam todos os restantes elementos do crime em causa.

Trata-se, pois, de um típico caso de tentativa (artigo 22.º, do CP), sendo certo que a mesma é punível (cf. os artigos 23.º e 203.º/2 e 204º, n.º 2 al. e) do CP).

Destarte, o arguido deverá ser punido como autor material, um crime de furto qualificado, na forma tentada (artigos 203.º, n.º 1 e 2, 204º, n.º 2, al.e) e 22.º, todos do C.P.)».

Posto isto:

Sendo, na verdade, inquestionável que estamos perante um “típico caso de tentativa” de furto, como se afirma no acórdão recorrido, já nos parece de difícil sustentação afirmar que o mesmo se mostra qualificado.

É um facto que ficou provado que o arguido, a fim de aceder ao interior da casa e dali retirar objectos que lhe interessassem, rasgou a rede mosquiteira da janela de um quarto. Dito de outra forma: pretendia introduzir-se no interior daquela habitação através de uma janela e, por isso, através de escalamento – artº 202º, al. e) do Cod. Penal. E daí, portanto, que se mostre preenchida a circunstância qualificativa do crime de furto, enunciada na al. e) do nº 2 do artº 204º do mesmo diploma.

Porém, estatui-se no nº 4 do citado artº 204º que “não há lugar à qualificação se a coisa ou animal furtados forem de diminuto valor”.

No caso em apreço, não se mostra apurado o valor dos bens tentados furtar.

E, nestas situações, a jurisprudência dos nossos tribunais superiores tem vindo a entender, de forma uniforme e desde há muitos anos, que “não se conseguindo apurar o valor da coisa furtada, tem de considerar-se, para o efeito previsto no n.º 4 do art.º 204º do Código Penal, que esse valor é diminuto – cfr., v.g., ac. T.R.P., 29/4/2009, Proc. 89/06.9PAVCD.P1, www.dgsi.pt.” – Ac. RC de 22/1/2014, Proc. 973/12.0PBLRA.C1 [1].

Com efeito, como elucidativamente – e a propósito do crime de roubo - se afirma no recente acórdão deste Supremo Tribunal de STJ de 21/1/2021, Proc. 202/20.3PAPTM.S1, “A determinação do valor das quantias monetárias suscetíveis de apropriação é essencial, como pressuposto da qualificação ou não do crime de roubo e da determinação da moldura penal abstrata. Quando dos factos provados não consta qualquer indicação sobre o valor - quantificado ou quantificável, por referência a valores monetários - das coisas tentadas roubar, e não sendo tal valor revertível à noção de facto notório, porque necessita ser provado, a ausência de circunstâncias que permitam ao menos uma quantificação aproximada, relevante e segura para satisfazer o respeito pelo princípio da tipicidade, não pode ser interpretada in pejus, em desfavor do arguido. Nesse caso, na qualificação jurídico-penal apenas se poderá considerar o valor mais favorável, contido na definição legal de valor diminuto, não podendo ter lugar a qualificação do crime (art. 204.º, n.º 2, al. f, do CP) por efeito do disposto no art. 204.º, n.º 4”.

É o que sucede, no caso em apreço: sabido que o arguido se tentou introduzir no interior de uma casa (quinta), através de uma janela, para daí retirar objectos que lhe interessassem, ignora-se que bens aí existiam nessas condições, bem como o respectivo valor.

 Assim, necessário se mostra que, para efeitos de qualificação jurídica dos factos apurados, consideremos o valor mais favorável, isto é, o valor diminuto a que alude o artº 204º, nº 4, com referência ao artº 202º, al. c), ambos do Cod. Penal.

Consequentemente, mostra-se desqualificado o crime de furto tentado em causa.

É que, como refere Faria Costa, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, t. II, 86/87, “do mesmo jeito que o legislador pode criar normas incriminadoras que são expressão normativa de reais e efectivas qualificações a atitude inversa é curial e absolutamente legítima. Pressuposta uma determinada condição – também ela definida legalmente – considera-se que o comportamento, em princípio susceptível de ser enquadrado como adequada expressão de qualificação, mais não deve do que ser degradado para a integração no crime matricial”.

“Degradado” para crime de furto simples, na forma tentada, resta dizer que este ilícito é punível (artº 203º, nº 2 do Cod. Penal) com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (artºs 23º, nº 2, 73º, nº 1, als. a) e b), 203º, nº 1 e 47º, nº 1, todos do Cod. Penal).

Afastada – pelas razões enunciadas no acórdão recorrido e que o recorrente não questiona – a aplicação de uma pena não privativa de liberdade, nos crimes por ele praticados, puníveis alternativamente com prisão ou multa, cumpre dizer que o arguido agiu com dolo directo, daí que intenso. Alguma intensidade assume, também, o grau de ilicitude dos factos, desde logo espelhado na forma de execução dos mesmos. E se é certa a desqualificação do crime, em função do valor não apurado, certo é igualmente que, no âmbito da moldura penal correspondente ao crime de furto simples, na forma tentada, não pode ser ignorado o escalamento que esteve presente.

Não sendo particularmente graves as consequências da infracção (que se terão reduzido à destruição da rede mosquiteira da janela por onde o arguido pretendia introduzir-se na habitação), têm significado assinalável as necessidades de prevenção geral (atenta a frequência de crimes contra o património praticados em habitação, com o sentimento de insegurança que lhe está associado), bem como têm relevo as necessidades de prevenção especial (num espaço de tempo inferior a 7 meses, o arguido praticou vários crimes contra o património, evidenciando particular insensibilidade ao bem jurídico protegido neste tipo de ilícitos).

O arguido é primário e colaborou de forma activa e relevante para a descoberta da verdade.

O tribunal colectivo condenou o arguido numa pena de 5 meses de prisão, no pressuposto – errado – de que estava perante um crime de furto qualificado, na forma tentada.

Qualificados juridicamente os factos respectivos como um crime de furto simples, na forma tentada, punível com prisão de 1 mês a 2 anos, entendemos por adequada a pena concreta de 4 meses de prisão, assim se reduzindo esta pena parcelar.


Abordando, agora, as três primeiras questões suscitadas nas conclusões do recurso:

Entende o recorrente, desde logo, que o tribunal a quo se não pronunciou quanto a elementos fundamentais para a determinação das penas, parcelares e única, nomeadamente quanto ao grau de ilicitude dos factos, o modo de execução deste, e a gravidade das suas consequências. Em seu entendimento, também se revelou omisso quanto à colaboração do arguido para a descoberta da verdade e o seu arrependimento (que, no seu entender, justificariam mesmo uma atenuação especial da pena). Depois, existe – em sua óptica - omissão total de avaliação do comportamento global do recorrente, na determinação da pena única aplicada.

 Tudo isto, conclui, determina a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, porquanto o tribunal terá deixado de se pronunciar sobre questões que devia apreciar.

Na determinação das penas parcelares e única, assim se pronunciou o tribunal a quo:

«O crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204º, n.º 2, alínea e), por referência ao disposto no artigo 202º, alínea a), todos do Código Penal, é punível com pena de prisão de dois a oito anos.

Os crimes de furto simples são puníveis com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Quanto à tentativa do crime de furto qualificado, é punida nos termos do n.º 2 do art.º 23º e n.º 1 do art.º 73º do Cód. Penal, que estabelecem que a tentativa só é punível se ao crime consumado respectivo corresponder pena de prisão superior a 3 anos, sendo que o n.º 2 do mesmo preceito legal estatui que a tentativa é punível com a pena aplicável ao crime consumado, especialmente atenuada.

Por sua vez, o art.º 73º do Cód. Penal preceitua o seguinte:

“1 - Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:

a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;

b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;

Tal significa que a moldura penal in casu, se situará entre 5 anos e 4 meses de prisão e o limite mínimo de 1 (um) mês.

O crime de detenção de arma proibida é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;

Uma vez que dois dos crimes são punidos com pena de multa em alternativa à pena de prisão, importa começar por determinar se, no caso em apreço, qual a pena a aplicar.

Para esse efeito é relevante atender ao que dispõe o artigo 70º do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

No que respeita aos fins que devem presidir à aplicação das penas e medidas de segurança tomou o legislador posição no Código Penal, resultando do respectivo artigo 40º, n.º 1, que “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.

Na verdade, como salientam Leal-Henriques e Simas Santos, “a fundamentação a que se refere este artigo consiste na demonstração de que a pena não detentiva se mostra suficiente para que, no caso concreto, sejam alcançados os efeitos que se pretendem obter com qualquer reacção criminal, na justificação da prognose social favorável que está na base da opção pela pena não privativa da liberdade”.

Deste modo, tendo em conta todas as circunstâncias em concreto verificadas, importa apurar se a aplicação de penas de multa aos arguidos satisfaz, de forma adequada, as exigências de prevenção geral e especial suscitadas em relação aos crimes pelos mesmos praticados.

Antes de mais, importa referir que as exigências de prevenção geral associadas à prática dos factos que se encontram em apreciação nos presentes autos são bastante elevadas, tendo em conta a frequência com que surgem notícias da prática de factos idênticos.

Por outro lado, o elevado grau de insegurança e de desconfiança em relação à eficácia do ordenamento jurídico, no que respeita à imposição e validade das normas jurídicas violadas, torna premente a necessidade de reforçar a consciência jurídica comunitária, no que respeita à validade e vigência das normas infringidas.

De facto, os crimes relacionados com a subtração de bens móveis dentro de uma habitação pertencente a terceiros provocam, na comunidade, fortes sentimentos de insegurança.

No que concerne às exigências de prevenção especial, pese embora o arguido não possuir antecedentes criminais, o elevado número de crimes em que vai condenado revela da parte do mesmo uma grande dificuldade em adequar o seu comportamento às regras e princípios que regulam a vida em comunidade.

Em face das razões apontadas, impõe-se concluir que, no caso em apreço, a aplicação de penas de multas ao arguido não seria suficiente para assegurar as finalidades que estão na origem da punição.

Deste modo, opta-se pela aplicação de penas de prisão quanto a todos os crimes praticados pelo arguido.

Assim, decidida a natureza das penas a aplicar aos arguidos, cumpre agora proceder à determinação da medida concreta das penas de prisão em que o mesmo vai ser condenado.

Conforme resulta do disposto no artigo 71º, n.º 1, do Código Penal, “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”.

Por seu turno, dispõe o n.º 2, do artigo 40º, do Código Penal, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Deste modo, como salienta Eduardo Correia, “há-de ser essencialmente o grau de culpa a determinar o quanto da punição. (…). Na verdade, (…) ela valerá tão-só para fixar o limite máximo da punição. (…). Por outro lado, (…) mesmo dentro da moldura variável da punição que corresponde a um crime, o quanto concreto da pena, medido pela culpa, não é inteiramente fixo, mas contém ainda um resto de variabilidade, uma margem maior ou menor de variação. (…). Ora precisamente nesta margem de variação cabe a consideração dos fins de prevenção geral e especial que no caso concreto sejam de tomar em conta”.

Para além disso, estatui o artigo 71º, n.º 2, do Código Penal, que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) a intensidade do dolo ou da negligência; c) os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) as condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena”.

A este respeito, dir-se-á que a favor do arguido AA pesam as circunstâncias de ter confessado os factos e alguns dos bens terem sido recuperados.

Acresce ainda que, em contexto de reclusão, o arguido tem vindo a adoptar um comportamento adequado, cumprindo as regras institucionais vigentes apesar de não participar em qualquer tarefa dentro do EP nem receber qualquer visita ou efectuar qualquer contacto telefónico com familiares, o que denota a inexistência de qualquer apoio familiar (veja-se que a explicação do arguido para a prática dos factos típicos e ilícitos foi ter perdido o apoio social que recebia, não tendo sequer demonstrado que solicitou apoio de familiares ou até da Cáritas, tendo-se decidido logo pelo mundo do crime).

Por outro lado, o grau de intensidade do dolo é acentuado, na medida em que o arguido agiu sempre com dolo directo que, como é sabido, configura a modalidade mais grave que o dolo pode revestir, bem como o elevado número de crimes cometidos durante cerca de sete/oito meses, o que é considerável.

Assim sendo, ponderadas todas estas circunstâncias acabadas de referir, o Tribunal Colectivo considera justo e adequado aplicar ao arguido as seguintes penas de prisão:

- 2 anos e 2 meses de prisão quanto aos sete crimes de furto qualificado praticados no âmbito dos processos n.ºs 260/19…, 273/19…., 294/19……, 11/20……, 21/20……, 64/20…. e 8/20…., num total de 15 anos e dois meses de prisão;

- 2 anos e 6 meses de prisão quanto ao crime de furto qualificado praticado no âmbito do processo n.º 2/20…….;

- 9 meses de prisão quanto a cada um dos crimes de furto simples (oito), num total de 6 anos de prisão (processos 244/19…, 17/20…., 26/20……, 34/20…, 53/20…, 59/20..., 63/20… e 83/20…);

- 5 meses de prisão quanto ao crime de furto qualificado na forma tentada;

- 1 ano e seis meses de prisão quanto ao crime de detenção de arma proibida (atento o número elevado de armas que o arguido detinha);

Atentas as penas aplicadas cabe agora determinar a medida concreta da pena única que o arguido terá que cumprir.

Nos termos do disposto no artigo 77º, n.º 1, do Código Penal, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

Por outro lado, decorre do n.º 2 do mesmo preceito do Código Penal que “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Ora, no caso em apreço verifica-se que a soma das penas aplicadas ao arguido ascende a 25 anos e 7 meses de prisão, sendo que não poderá ultrapassar conforme se referiu os 25 anos já estabelecidos como limite máximo de qualquer pena.

Por seu turno, o limite mínimo da pena única aplicável ao arguido é de 2 anos e 6 meses, por ser essa a pena mais elevada aplicada aos crimes pelo qual vai o mesmo condenado.

No que respeita à determinação da pena única aplicável ao concurso de crimes, salienta o Supremo Tribunal de Justiça13 que “o que releva e interessa considerar é, sobretudo, a globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente de forma a aquilatar- se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido”.

Quer isto dizer que “na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está, (...), ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) deve ser ponderado o modo como a personalidade se projecta nos factos ou é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente”.

Ora, no caso em apreço verifica-se que os crimes foram todos cometidos num espaço de tempo ainda considerável de cerca de 8 meses. O certo é que, o arguido não possui averbada qualquer condenação anterior no seu CRC e confessou os factos de forma integral e sem reservas, contribuindo assim, de uma forma relevantíssima para a descoberta da verdade e consequente realização da justiça.

Deste modo, após uma apreciação conjunta de todos os critérios enunciados, o Tribunal Coletivo considera que se revela ajustado fixar a pena única a aplicar ao arguido AA no âmbito destes autos em sete anos e seis meses de prisão, a cumprir de modo efetivo, o que se decide».

           

Da leitura deste excerto do acórdão resulta clara a inexistência de qualquer omissão relevante de pronúncia, em ordem a determinar a nulidade do mesmo.

 É nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar – artº 379º, nº 1, al. c) do CPP.

O tribunal, na determinação da medida concreta das penas parcelares e única, enunciou os critérios legais inerentes a tal operação, sopesou-os (mesmo a contribuição do arguido para a descoberta da verdade, contrariamente ao por ele afirmado nas suas conclusões de recurso) e fixou as penas. Concretamente no que diz respeito ao grau de ilicitude, ao modo de execução dos factos e à gravidade das suas consequências, se bem que não exista uma referência concreta a cada um desses elementos no excerto em causa, não existem razões para crer que os mesmos tenham sido ignorados pelo colectivo, quando é certo que os mesmos resultam do factualismo descrito e que, por exemplo, expressamente se refereo elevado número de crimes cometidos durante cerca de sete/oito meses, o que é considerável” e, ainda, que no que concerne à gravidade das consequências da infracção existe mesmo uma referência ao facto de “alguns dos bens terem sido recuperados”.

O resultado da concreta ponderação desses factores poderá ser do desagrado – e objecto de discordância – do recorrente; não constitui, porém, qualquer omissão de pronúncia.

Entende o recorrente, ainda, que “não é fundamentada a razão pela qual é considerado o número de armas elevado, único factor de pendor subjectivo e conclusivo para determinar a medida concreta da pena aplicada quanto ao crime de detenção de arma proibida”.

 Salvo o devido respeito, a omissão de pronúncia determinativa de nulidade da sentença/acórdão é a que incide sobre questões que o tribunal devesse apreciar. O acórdão fica ferido dessa nulidade se, pura e simplesmente, não aborda uma questão que devesse apreciar, não quando a aborda com fundamentação que o recorrente considera deficiente, conclusiva ou da qual, pura e simplesmente, discorda.

 E aqui, como é evidente e dispensa grandes considerações, não existe qualquer nulidade, por omissão de pronúncia.

Discorda o recorrente do facto de o colectivo ter considerado elevado o número de armas por ele detidas.

É lícita a discordância [embora dificilmente compreensível, dado que o arguido detinha 2 (duas) pistolas de alarme, marca STAR, transformadas em armas de fogo de calibre 6.35, uma carabina de calibre .22, uma arma de caça de calibre 9mm, uma arma de caça de calibre 14mm, um arco com 10 flechas e uma soqueira (boxer), sendo certo que foi condenado pela prática de um único crime de detenção de arma proibida e, seguramente e como o próprio recorrente concordará, não deve ser punida de igual forma a conduta de quem detém 7 armas proibidas  e de quem detém uma única arma]. Essa discordância, porém, não fere o acórdão recorrido de qualquer nulidade.

Posto isto:

Entende o recorrente que se verifica, ainda, uma omissão de pronúncia sobre elementos fácticos constantes dos autos que o Tribunal deveria ter conhecido.

 E isto porque após dois meses em prisão preventiva, foi chamado a colaborar com a descoberta da verdade e realização da justiça, através da sua participação na reconstituição dos factos. Em tal diligência, a sua colaboração foi imprescindível, na medida em que, indicou de modo concreto a forma de execução dos actos em todos os locais em que perpetuou os crimes, acrescentado, ademais, elementos fácticos aos já existentes na investigação (vide prova de reconstituição e subsequente auto de declarações do arguido.) Se, já de si, este comportamento indica uma tentativa de reparação, no que lhe é possível, em benefício da justiça, e das vítimas, uma vez que não tem substracto económico que o possa fazer ingressar noutro tipo de conduta exteriorizável, revela, igualmente, uma autocensura, uma rejeição da conduta criminosa, a que acresce a confissão integral e sem reservas, compondo, assim, o conjunto de actos posteriores do arguido destinados a reparar as consequências do crime em cabal colaboração com a realização da justiça. Porém, não foram objecto de valoração, sequer menção”.

O recorrente não impugnou a matéria de facto fixada pelo tribunal a quo, restringindo o recurso ao reexame de matéria de direito.

Da matéria de facto fixada não consta qualquer referência à relevância da participação do arguido na reconstituição dos factos.

 E não competindo a este Tribunal sindicar a matéria de facto apurada (nem, verdadeiramente, o recorrente a questiona, caso em que o recurso teria sido apreciado no Tribunal da Relação), resta dizer que a contribuição do recorrente para a descoberta da verdade foi, sem dúvida alguma, objecto de ponderação no acórdão recorrido, onde se chega a afirmar que o arguido contribuiu “de uma forma relevantíssima para a descoberta da verdade e consequente realização da justiça”.

Inexiste, pois e também aqui, qualquer nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia.

Por fim, entende o recorrente que existe falta de fundamentação motivada acerca da escolha de pena parcelar diferente quanto aos crimes de furto qualificado, o que determina – mais uma vez – a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia. Tudo isto porque o tribunal a quo condenou o arguido em penas de 2 anos e 2 meses de prisão por cada um de 7 crimes de furto qualificado e na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática de outro crime de furto qualificado sem que, relativamente a este, tenha adiantado fundamentação que justificasse tal distinção.

Mais uma vez: a fundamentação das penas concretamente aplicadas, parcelares e única, mostra-se efectuada, nenhuma omissão se verificando nesse aspecto. Uma fundamentação menos completa (se quisermos, mais deficiente) não significa ausência de fundamentação e, por isso, omissão de pronúncia.

 Bastará, contudo, olhar para a matéria de facto apurado para perceber a razão da distinção: nos 7 crimes de furto qualificado punidos com prisão de 2 anos e 2 meses, o valor dos objectos de que o arguido se apropriou não ultrapassou os 1.000 euros; no crime de furto qualificado punido com prisão de 2 anos e 6 meses, o valor dos bens apropriados atingiu quase o triplo desse valor, 2.912,55 euros.

E, como se refere no Ac. deste Supremo Tribunal de 20/5/2020, Proc. 160/17.1GBLGS.E1.S1, “pretendendo-se com a punição do furto a tutela da propriedade, estando em causa bens com um determinado valor de mercado (…), a intensidade da agressão ao património variará de acordo com o valor objectivo dos bens de que o proprietário é desapossado, sendo diverso o grau de lesividade consoante esse valor (…)”.

Essa, pois, a razão da distinção.


Aqui chegados:

O recorrente não questiona a qualificação jurídica dos factos apurados e as penas parcelares aplicadas (à excepção, claro, da já abordada questão da desqualificação do crime de furto na forma tentada) nem, tão-pouco, a opção por pena de prisão, nos crimes puníveis alternativamente com prisão ou multa.

Mas discorda da medida concreta da pena única encontrada, que considera excessiva.

“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º, nº 1 do Cod. Penal – sendo certo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.

A pena parcelar mais elevada – que assim constituirá o limite mínimo da pena única abstractamente aplicável – é de 2 anos e 6 meses de prisão.

O somatório das penas parcelares – que assim constituirá o limite máximo daquela pena abstractamente aplicável – atinge os 25 anos e 6 meses de prisão, sendo certo que, por força do disposto no artº 77º, nº 2 do Cod. Penal, a pena não pode ultrapassar os 25 anos de prisão.

Como se refere no Ac. deste STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção , “I. A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”.

Na consideração conjunta dos factos, haverá que ter em conta que os mesmos se traduzem (à natural excepção dos relativos ao crime de detenção de arma proibida) na apropriação de bens de terceiros, em regra mediante a introdução em habitação, por escalamento. Têm algum peso as necessidades de prevenção geral, traduzidas na necessidade de manter a confiança da sociedade nos bens jurídico-penais violados, atenta a frequência com que ilícitos deste tipo se verificam e o sentimento de insegurança que inevitavelmente geram. Num espaço de tempo relativamente curto, cerca de 7 meses, o arguido cometeu 17 crimes contra o património, revelando alguma indiferença face aos bens jurídicos protegidos e dessa forma evidenciando as necessidades de prevenção especial aqui presentes.

De outro lado, porém, o arguido não tem averbadas condenações anteriores aos factos dos autos. Mesmo em face do elevado número de infracções cometidas, porque situadas num contexto temporal estreito, não existem motivos para se concluir por uma tendência criminosa do arguido, antes por uma pluriocasionalidade.

Não assumem gravidade de maior as consequências das infracções porquanto, à excepção de alguns animais que o arguido consumiu, todos os objectos de que se apropriou vieram a ser recuperados.

O arguido confessou os factos apurados e contribuiu de forma relevante (“relevantíssima”, como se afirma no acórdão recorrido) para a descoberta da verdade, primeiro passo para uma futura reinserção social.

Ponderados todos estes factores, é nosso entendimento que uma pena única a fixar nos 5 anos e 6 meses de prisão dá guarida às naturais expectativas da sociedade na reposição da validade e eficácia das normas jurídicas violadas, de outro lado se satisfazendo igualmente as necessidades de prevenção geral, razão pela qual procederá, ainda que parcialmente, o recurso interposto pelo arguido.

           

V. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes desta 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA:

a) qualificando juridicamente os factos descritos na matéria assente sob os nºs 28 e 29 como um crime de furto simples, na forma tentada, p.p. pelos artºs 22º, 23º, nº 2, 73º, nº 1, als. a) e b) e 203º, nº 1, todos do Cod. Penal e condenando-o na pena de 4 meses de prisão; e

b) condenando o arguido, em cúmulo jurídico de todas as penas parcelares aplicadas, na única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, no demais negando provimento ao recurso.


 Sem custas.

Lisboa, 5 de Maio de 2021 (processado e revisto pelo relator)


Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)

Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Ana Maria Barata de Brito

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[1] No mesmo sentido, cfr., vg., Ac. RG de 28/1/2019, Proc. 67/17.2JABRG.G2: «Sempre que não for notório que os bens valiam mais do que a unidade de conta, nem se fizer prova bastante do valor dos bens, não pode o arguido ser condenado por mais do que um crime de furto "simples"»