Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
137/08.8ECLSB.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: MANUEL BRAZ
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
COMPETÊNCIA DA RELAÇÃO
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
JOGO DE FORTUNA E AZAR
RECURSO DE DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
Data do Acordão: 11/25/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :

I - É das decisões que contrariem a jurisprudência fixada pelo STJ, pondo-a declaradamente em causa ao abrigo do n.º 3 do art. 445.º do CPP, que se admite o recurso directo previsto no art. 446.º, mas não das decisões que, sem afrontarem essa jurisprudência, deixem de aplicá-la, por dela fazerem uma errada leitura.
II - Quando a decisão não afirma qualquer divergência em relação à jurisprudência fixada, mas não a aplica, por desconhecimento ou mau entendimento, o que pode haver é uma errada aplicação do direito, a não justificar mais que o recurso ordinário.
III - No caso, o tribunal recorrido não afirmou oposição à jurisprudência fixada pelo STJ através do Ac. n.º 4/2010. Antes e apenas concluiu que ela não abrangia o jogo dos autos. Assim, não se estando perante decisão com o alcance do n.º 1 do art. 446.º do CPP, não é admissível o recurso extraordinário aí previsto.
IV - Da sentença recorrida poderia apenas ter-se interposto recurso ordinário, sendo competente para o julgar a Relação, nos termos do art. 427.º do CPP. E o erro na forma do processo não pode ser corrigido, visto que o recurso, como é próprio dos recursos extraordinários, foi interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida, que assim se estabilizou.
V - De qualquer modo, a solução a que se chegou na sentença recorrida não contraria o Ac. n.º 4/2010. Neste acórdão uniformizador entendeu-se não serem jogos de fortuna ou azar todos aqueles que não tenham as características descritas e especificadas no art. 4.º do DL 422/89 e que era esse o caso dos jogos que ali estavam em causa, não se preenchendo a previsão das als. f) e g) do n.º 1, na medida em que as máquinas respectivas não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, se proporcionavam também prémios em dinheiro, o seu pagamento não assumia a configuração típica: pagamento directo em fichas ou moedas.
VI -No caso, é diferente o jogo desenvolvido pela máquina. Se não pagava prémios directamente em fichas ou moedas, apresentava como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, facto que, relevando no âmbito da parte final daquela al. g), não se verificava nas situações apreciadas no acórdão de fixação de jurisprudência. Acresce que o tribunal recorrido considerou ainda que a máquina em causa desenvolvia temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo que o acórdão uniformizador, não tendo em vista uma máquina com este funcionamento, não decidiu o contrário.


Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:

No 1º juízo criminal da comarca de Cascais, no final de julgamento com intervenção do tribunal singular foi proferida sentença que condenou os arguidos AA e BB, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo p. e p. pelos artºs 108º, nº 1, 1º, 3º e 4º, nº 1, alínea g), do DL nº 422/98, de 2 de Dezembro, na redacção dada pelo DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, na pena de 4 meses de prisão, substituída por 120 dias de multa a € 5 por dia, e 45 dias de multa complementar à mesma razão diária, ou seja, na pena de multa de 165 dias a € 5 por dia.

Dessa sentença interpôs o arguido AA, em 20/05/2010, recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do artº 446º do CPP, concluindo assim a sua motivação:
«a) A sentença recorrida erra quanto à qualificação do jogo em causa, já que qualifica tal jogo como de fortuna ou azar, quando na realidade tal jogo deve ser qualificado como modalidade afim de fortuna ou azar, e neste sentido deveria ter aplicado O DOUTO ACÓRDÃO DESTE TRIBUNAL DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDENCIA n.° 04/2010, de 08/03.
b) O aparelho apreendido nos presentes autos constitui um aparelho que só funciona com preço fixo de jogada, a saber 0,50 € confere a possibilidade de uma única utilização.
c) O aparelho em causa nos presentes autos não autoriza a introdução de 5 € para uma única utilização;
d) O aparelho em causa nos presentes autos tem contrapartidas pré-fixadas, na própria máquina, não autorizando o utilizador a fazer utilização dos créditos obtidos com as jogadas introduzidas e bem assim não autoriza os utilizadores a dobrarem apostas ou preços iniciais de utilização.
e) O aparelho em acusa nos presentes autos não é explorado em casinos.
f) O aparelho em causa nos presentes autos permite somente a utilização de 0,50€ em cada jogada, sabendo antecipadamente os utilizadores que resultado podem obter, ou seja, os utilizadores sabem que com a introdução de 0,50 € poderão somente obter a possibilidade de jogarem ou a poderão obter a possibilidade, de aleatoriamente, virem a auferir os valores mencionados no painel frontal da máquina, estando limitados aqueles prémios.
g) O aparelho em causa não passa de um sorteio de números e em nada difere de uma tômbola de números ou rifas, que conferem acesso a um prémio pré-fixado.
h) Fazendo uma comparação directa do aparelho dos presentes autos com o aparelho analisado no Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2010, resulta o seguinte: no aparelho dos presentes autos o preço da jogada é de 0,50 €, sendo pré-fixado, tal como no aparelho do Douto Ac. deste STJ 4/2010; no aparelho dos presentes autos os prémios estão pré-fixados, tal como no aparelho do Douto Ac. deste STJ 4/2010; no aparelho dos presentes autos não é possível ocorrerem dobras de apostas, tal como naqueloutro; no aparelho dos presentes autos existe um sorteio de números, tal como naqueloutro; no aparelho dos presentes autos atribui-se dinheiro aleatoriamente, tal como naqueloutro.
i) A única diferença existente entre o aparelho dos presentes autos e o aparelho dos autos de que proveio o Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência 4/2010 é que um é eléctrico e outro é mecânico, nada mais, sendo que a essência do jogo desenvolvido é a mesma e que não passa em ambos os casos de um sorteio de números; será que a forma de desenvolvimento do jogo (o mesmo jogo nos dois, e que é um sorteio de números) ser diferente, uma eléctrica e outra mecânica possibilita uma conclusão diferente quanto à qualificação jurídica do aparelho e em consequência da actuação do recorrente? Não nos parece, com todo o respeito e modéstia que a forma eléctrica passe a possibilitar a qualificação como jogo de fortuna ou azar, o que a não se entender, como o faz o recorrente, origina clara e grosseira violação do princípio da legalidade.
j) O aparelho analisado nos presentes autos não permite a viciação pelo risco do jogo, nem pela incerteza do resultado ou do prémio a atribuir, pois estes estão anunciados de forma clara no painel frontal do aparelho em causa, nem autoriza a aquisição de todas as jogadas possíveis, ao invés do material de jogo analisado no Douto Aresto de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2010, envolvendo por isso este (o aparelho analisado nos presentes autos) menos risco de utilização do que aqueloutro material de jogo (entenda-se o expositor mecânico analisado no Douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2010).
k) Resumindo: não é pelo facto de o aparelho em causa desenvolver um tema de roleta e de atribuir dinheiro de forma aleatória que deve desde logo ser qualificado como máquina de fortuna ou azar, porque as modalidades afins de fortuna ou azar que atribuam dinheiro e de que desenvolvam temas próprios de fortuna ou azar têm a sua cominação com a aplicação de coimas, as previstas nos art.°s 161.° a 163.° do DL 422/89.
l) Não é pelo facto de a máquina dos autos desenvolver o jogo de forma eléctrica e não mecânica que permite desde logo a qualificação da máquina como de fortuna ou azar, porque a forma de apresentação e desenvolvimento do jogo não influencia a qualificação do aparelho que permite o jogo, sendo que o que determina a qualificação do jogo é a sua essência, ou seja, os elementos essenciais e intrínsecos do próprio jogo e já demonstramos, pensamos que de forma segura, legal e ampla, que os elementos deste jogo em concreto que foi aprendido nos presentes autos se enquadram no Douto Ac. de fixação de Jurisprudência 4/2010, de 08/03.
m) O aparelho em causa insere-se nas premissas e previsões do Doutamente Decidido no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.° 4/2010 e o acórdão recorrido não aplica tal Jurisprudência, antes decidindo contra tal Douta Decisão Jurisprudencial».

Respondendo, o MP junto do tribunal recorrido pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
No Supremo Tribunal de Justiça, o senhor procurador-geral-adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Foi cumprido o artº 417º, nº 2, do CPP.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.


São os seguintes os factos provados (transcrição):
1. No dia 24 de Abril de 2008, os arguidos exploravam o “Café T...”, sito na ..., em ..., área desta Comarca.
2. Cerca das 9 horas do referido dia, encontrava-se no referido estabelecimento, no balcão de atendimento, uma máquina com as características descritas a fis. 50 a 53 dos autos, e das quais se salienta as seguintes:
-“Máquina de pequenas dimensões, com móvel de um só corpo, estrutura em madeira cinzenta. No painel frontal encontra-se inscrita a designação da máquina “Grand Prix” e na parede lateral direita o dispositivo de introdução de moedas (...).
-Ao centro, a máquina apresenta um circuito onde se visualizam cerca de 64 “Ieds” que se vão iluminando, estando oito deles destacados dos outros com uma pequena circunferência e com as inscrições “10”; “1”; “50”; “2”; “100”; “5”; “20” e “200”. No interior do circuito encontra-se uma janela digital onde surge a pontuação obtida no decurso das jogadas efectuadas, e do lado direito, mas na parte exterior deste, uma janela que regista os créditos introduzidos.
-Na parte lateral direita encontra-se o mecanismo de introdução de moedas e um botão vermelho que tem como função permitir que o jogador possa jogar os créditos obtidos em jogadas premiadas (...).
-Após a introdução de uma moeda de € 0,50 (permite uma jogada) inicia-se de imediato a jogada, sem ser necessário pressionar qualquer botão, ou seja, é imediatamente iluminado um dos 64 leds, sendo percorridos todos os restantes. Introduzida a moeda, o ponto luminoso inicia o seu movimento giratório gradualmente até parar ao fim de 3 ou 4 voltas, fixando-se aleatoriamente num dos orifícios mencionados.
-Se o orifício em que pára o ponto luminoso corresponde a um dos 8 identificados pelas pequenas circunferências, o jogador terá direito aos pontos correspondentes, que variam entre 1 e 200, prémios esses em regra traduzidos em Euros.
-Caso o ponto luminoso pare num dos restantes orifícios, sem qualquer referência a pontos, o jogador nada ganha e terá de tentar a sorte outra vez (...).
-A máquina aceita um número indeterminado de moedas.
-Cada moeda de € 0,50 proporciona um crédito (...).
-O ritmo (velocidade) do jogo é rápido e permite ao jogador várias jogadas por minuto”.
3. O resultado da aludida máquina depende única e exclusivamente da sorte do utilizador e não da sua destreza, perícia ou habilidade.
4. Os arguidos conheciam as características da máquina em causa e o respectivo sistema de funcionamento.
5. Tinham perfeita consciência que o estabelecimento que exploravam não estava licenciado para a prática de jogos de fortuna ou azar e que a exploração daquele tipo de jogo só é autorizada nos casinos.
6. Sabiam igualmente que para a respectiva exploração e exposição era necessária licença que não tinham nem poderiam ter, mas ainda assim decidiram proceder à sua colocação no estabelecimento que exploravam, auferindo efectivamente os lucros resultantes da utilização da máquina pelos clientes do “Café T...”.
7. Agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
8. Do Certificado de Registo Criminal do arguido AA consta que:
a) Por sentença de 03 de Março de 2006, transitada em 20 de Março de 2006, o arguido foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 2,50, perfazendo o montante global de € 225,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 03 de Março de 2006, pena esta declarada extinta.
b) Por acórdão de 06 de Fevereiro de 2007, transitado em 04 de Setembro de 2007 o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática de um crime de burla em 2001.
c) Por sentença de 03 de Outubro de 2007, transitada em 23 de Outubro de 2003, o arguido foi condenado na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo o montante global de € 560,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 08 de Maio de 2004, pena esta declarada extinta.
9. Do Certificado de Registo Criminal do arguido BB consta que:
a) Por sentença de 28 de Abril de 2005, transitada em 13 de Maio de 2005, o arguido foi condenado na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, perfazendo o montante global de € 270,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 3 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 28 de Abril de 2005, penas estas declaradas extintas, pelo cumprimento.
b) Por sentença de 13 de Julho de 2009, transitada em 03 de Novembro de 2009, o arguido foi condenado na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 8,00, perfazendo o montante global de € 720,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 6 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 23 de Agosto de 2005.
c) Por sentença de 16 de Outubro de 2009, transitada em 05 de Novembro de 2009, o arguido foi condenado na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, perfazendo o montante global de € 600,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir pelo período de 5 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 01 de Janeiro de 2008.
10. O arguido AA vive sozinho, em casa arrendada, pela qual paga cerca de € 350,00 mensais.
11. AA aufere, da sua actividade profissional, cerca de € 600,00 mensais e tem o 110 ano de escolaridade.
12. O arguido BB vive com a namorada e um filho de 6 meses de idade, em casa arrendada, pela qual paga cerca de € 370,00 mensais.
13. BB aufere, da sua actividade profissional, cerca de € 650,00 mensais e tem o 11º ano de escolaridade.


Apreciando:
Nos termos do artº 446º do CPP, «é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo correspondentemente aplicáveis» as disposições que regulam o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência. Esta norma está directamente relacionada com a do nº 3 do artº 445º, que imediatamente a precede: embora a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça não seja obrigatória para os tribunais judiciais, «estes devem fundamentar as divergências relativas» a essa jurisprudência.
Deve, pois, entender-se que é das decisões que, ao abrigo do nº 3 do artº 445º, contrariem a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça que se admite o recurso directo previsto no artº 446º, ou seja, das decisões que não aceitem essa jurisprudência, pondo-a declaradamente em causa. Não das decisões que, sem afrontarem a referida jurisprudência, deixem de aplicá-la, por dela fazerem uma errada leitura.
Só naqueles casos se justifica o recurso directo para o Supremo, na medida em que, sendo questionada a validade da jurisprudência por si fixada, se pode equacionar a necessidade de a rever, de acordo com o nº 3 do mesmo artº 446º.
Nos casos em que a decisão não afirma qualquer divergência em relação à jurisprudência fixada, isto é, não nega a sua validade, mas a não aplica, por desconhecimento ou mau entendimento, o que pode haver é uma errada aplicação do direito, a não justificar mais que o recurso ordinário.
Ora, no nosso caso, o tribunal recorrido não afirmou oposição à jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do acórdão nº 4/2010; antes e apenas concluiu que ela não abrangia o jogo dos autos: “Tal jurisprudência não abrange o jogo referido nos autos, que, como se disse, é semelhante ao jogo da roleta”, mas apenas os jogos que libertam cápsulas. Ora, face a tal facto, sem necessidade de outros considerandos, não é de aplicar o acórdão citado ao caso dos autos, nem é de considerar o jogo em causa uma modalidade afim, mas é antes uma máquina prevista expressamente na alínea g) do nº 1 do artigo 4º da Lei do Jogo”.
Assim, não se estando perante decisão com o alcance do nº 1 do artº 446º, não é admissível o recurso extraordinário aí previsto.
Da sentença recorrida poderia apenas ter-se interposto recurso ordinário, sendo competente para o julgar a relação, nos termos do artº 427º. E o “erro na forma do processo” não pode ser corrigido, visto que o presente recurso, como é próprio dos recursos extraordinários, foi interposto após o trânsito em julgado da decisão recorrida, que assim se estabilizou.
Mesmo que não fosse essa a interpretação correcta do nº 1 do artº 446º, sempre o recurso teria de improceder, na medida em que a solução a que se chegou na sentença recorrida não contraria a jurisprudência fixada no apontado acórdão nº 4/2010.
Essa jurisprudência é a seguinte: “Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos arts. 159º, nº 1, 161º, 162º e 163º do DL nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do DL nº 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público”.
Para se chegar a essa conclusão considerou-se:
Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto-Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
- os jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas;
- os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
(…).
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (…), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas.
Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no art. 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo art. 161.º, n.º 3 do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão fundamento. Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim”.
Assim, no acórdão uniformizador em análise entendeu-se não serem jogos de fortuna ou azar todos aqueles que não tenham “as características descritas e especificadas” no artº 4º do DL nº 422/89 e que era esse o caso dos jogos que ali estavam em causa, não se preenchendo tanto a previsão da alínea f) («Jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas») como a da alínea g) («Jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte») do nº 1 desse preceito, na medida em que as máquinas respectivas (nas quais o jogador introduzia uma moeda de 100 escudos ou de 50 cêntimos, fazendo sair, “seleccionada de forma totalmente aleatória, uma cápsula de plástico, ficando o jogador na expectativa de receber um prémio em dinheiro, caso as três senhas contidas no interior da cápsula, uma ou mais, tivesse escrito um número que fosse coincidente com outro inscrito no cartaz”, sendo que, “nas situações em que a numeração constante da senha não coincidia com as existentes no cartaz, o jogador não tinha direito a qualquer prémio”) não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, se proporcionavam também prémios em dinheiro, o seu pagamento não assumia a configuração típica: “pagamento directo em fichas ou moedas”.
Ora, a situação de facto deste processo é outra, por ser diferente o jogo desenvolvido pela máquina. Esta, se não pagava prémios directamente em fichas ou moedas, apresentava, desde logo, como resultado pontuações dependentes exclusivamente da sorte, facto que, relevando no âmbito da parte final daquela alínea g), não se verificava nas situações apreciadas no acórdão de fixação de jurisprudência. No presente processo, o tribunal recorrido considerou ainda que a máquina aqui em causa desenvolvia temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo que o acórdão uniformizador, não tendo em vista uma máquina com este funcionamento, não decidiu o contrário.
Assim, se o recurso extraordinário previsto no artº 446º, nº 1, fosse admissível, que não é, sempre teria de ser julgado improcedente, por não contrariar a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça naquele acórdão nº 4/2010.
A inadmissibilidade do recurso implica a sua rejeição em conferência, nos termos dos artºs 446º, nº 1, 440º, nº 4, e 441º, nº 1.



Decisão:
Em face do exposto, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça rejeitam o presente recurso extraordinário.
O recorrente vai condenado a pagar as custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC, ao abrigo do artº 8º, nº 5, e tabela III do RCP.

Lisboa, 25 de Novembro de 2010


Manuel Braz (relator)
Rodrigues da Costa