Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
600/09.3JAPRT.P1.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: ISABEL PAIS MARTINS
Descritores: HOMICÍDIO QUALIFICADO
CÔNJUGE
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
SUICÍDIO
MEDIDA DA PENA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PENA ÚNICA
Data do Acordão: 06/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário :

I - O homicídio qualificado do art. 132.º do CP é um caso especial de homicídio doloso, punido com uma moldura penal agravada, construído de acordo com o método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão: resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias, cuja verificação nem sempre se revela qualificadora.
II - No caso concreto, apenas o preenchimento da circunstância da al. b) do n.º 2 do art. 132.º foi considerado pelas instâncias, exemplo-padrão introduzido com a Lei 59/2007, de 04-09.
III -Nessas relações, matrimoniais e análogas ou não matrimoniais nem análogas mas meramente parentais, com ou sem coabitação, presentes ou pretéritas, alicerça o legislador um juízo de censura especial, nelas assentando a construção de um novo exemplo-padrão.
IV -Não parece que esta nova alínea esteja, pelo menos completamente, a coberto da polémica: pela amplitude com que foi construída, nem sempre será fácil encontrar nas relações previstas entre agente e vítima o verdadeiro fundamento de um tipo de culpa especialmente agravado, aparecendo, mais imediatamente, essas relações como indicadoras de que a agravação do homicídio tem mais a ver com um maior desvalor do tipo de ilícito do que com a verificação de um tipo de culpa especialmente agravado.
V - Por outro lado, na introdução dessa nova alínea, poderá detectar-se que o legislador foi receptivo à, relativamente recente, tomada de consciência pela comunidade dos fenómenos de violência de género, especialmente na sua vertente de violência doméstica, e aos sentimentos de repúdio que geram. Não se podendo negar, a ser assim, como pensamos que é, que o legislador não foi alheio ao alcance social deste novo exemplo-padrão no plano das exigências de prevenção geral.
VI -Seja como for, exacto é que as relações agente/vítima previstas na al. b) constituem indícios de uma especial censurabilidade, que não se verifica automaticamente em função delas, como é próprio do método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.
VII - Aliás, na exposição de motivos da Proposta de Lei que procedeu à 21.ª alteração ao CP, aprovada em Conselho de Ministros, reunido a 27-04-2006, insistiu-se, a propósito de serem acrescentadas novas circunstâncias ao homicídio qualificado, «assim a relação conjugal (presente ou passada) ou análoga (incluindo entre pessoas do mesmo sexo)» que passavam «a constar do elenco de circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade», em recordar que «a técnica utilizada na tipificação do crime mantém-se inalterada. As circunstâncias não são definidas de forma taxativa, correspondendo antes a exemplos padrão, e não são de funcionamento automático, estando sujeitas a apreciação em concreto».
VIII - Com efeito, a presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do art. 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação de uma moldura penal agravada. Com a realização do tipo fundamental desencadeia-se o chamado efeito padrão que fornece o indício de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente mas a ponderação global do facto e do autor pode revelar circunstâncias especiais susceptíveis de atenuar substancialmente o conteúdo da culpa de tal modo que se imponha a revogação do efeito de indício. A revogação desse efeito resultará sempre da comprovação de circunstâncias que consigam atribuir ao facto uma imagem global insusceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente.
IX -Da leitura dos factos provados resulta que:
- o recorrente casou com a vítima em 1988 e o divórcio, em 2002, mais não visou do que criar “um efeito legal”, uma vez que o casal continuou a vida em comum. Com uma interrupção da coabitação que se consegue situar quanto ao início (2002/2003), mas já não quanto ao termo, embora se possa inferir que, pelo menos, não ultrapassou o ano de 2007, o recorrente e a vítima partilharam cama, mesa e habitação até ao início de Abril de 2009, altura em que a vítima decidiu abandonar o domicílio conjugal por não aguentar mais a violência a que, por parte do recorrente, era sujeita;
- a vítima era a mãe dos dois filhos do recorrente e sempre foi ela quem suportou todas as despesas do casal bem como todas as despesas decorrentes da educação dos filhos do casal. Nesta relação de vida entre o recorrente e a vítima funda-se, justamente, a especial censurabilidade do facto de o recorrente ter posto termo à vida de sua mulher, em Abril de 2009, com o que aquele demonstrou ter vencido as contra-motivações éticas pressupostas naquela relação;
- sabe-se que, no dia anterior ao do crime, o recorrente combinou um encontro, a realizar no dia seguinte, com a vítima e o pai e o irmão dela, com o fim de serem resolvidas questões decorrentes da separação e das dificuldades económicas do recorrente;
- o recorrente chegou ao local combinado, a serração … levando consigo um revólver de calibre .32, carregado com seis munições, e mais sete munições e, dirigindo-se ao escritório, onde o aguardava a vítima apontou a arma na direcção do seu corpo e, de imediato, efectuou três disparos, visando a cabeça da mesma, matando-a;
- o recorrente foi encontrado, também ele, com um tiro na cabeça, ao lado da vítima;
- actualmente encontra-se acamado, efectuando fisioterapia, de manhã; encontra-se aparentemente na total dependência de terceiros, sendo os pais e a irmã que asseguram os seus cuidados de higiene e alimentação.
X - As finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o art. 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
XI -Na prática do crime manifestam-se qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente que conformam, para além do preenchimento do exemplo-padrão da al. b) do n.º 2 do art. 132.º do CP – este já não ponderado para efeitos da determinação da medida da pena pelo crime, como é imposto pela proibição da dupla valoração –, um muito elevado grau de culpa, no quadro da especial censurabilidade própria do tipo qualificado.
XII - O facto não é um acto único, concretamente motivado, de expressão extrema de violência, mas o culminar de um processo longo de exercício continuado de dominação da vítima, pela humilhação e pelo uso da violência.
XIII - Ao longo da sua vida de casal, o recorrente desrespeitou gravemente a dignidade de pessoa da vítima, tornando-a o “objecto” eleito do exercício, por variadas formas, do seu domínio. Através da violência física e psicológica, o recorrente sujeitou a vítima ao seu “poder” e controlo e até mesmo à exploração económica, uma vez que era a vítima quem suportava todas as despesas do agregado, nomeadamente as decorrentes da educação dos filhos e, ainda assim, o recorrente ia-lhe exigindo a entrega do dinheiro que ela auferia com a sua actividade de comerciante
XIV- Na prática do facto, escassos dias após a vítima abandonar o domicílio conjugal, com o propósito da separação, manifesta-se a incapacidade de o recorrente “aceitar” que a vítima recupere a sua dignidade de pessoa, libertando-se da sua dominação. Mas não estarão em jogo exclusivamente fenómenos de frustração do recorrente parecendo subjazer, ainda, preocupações do recorrente com a sua própria subsistência económica. Para o que as exigências de “pagamentos” e a finalidade do tal encontro passar pela resolução das dificuldades económicas do recorrente apontam.
XV - Há, assim, na prática do crime e no seu comportamento anterior a manifestação de qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente, caracterizada por impulsividade, irritabilidade, explosividade e traços paranóicos Ao contrário do que o recorrente pretende, não se comprova que as características da sua personalidade sejam uma consequência necessária do acidente que sofreu aos 19/20 anos, como, principalmente, não se demonstra a incapacidade de o recorrente as poder controlar, de modo a adequar normativamente a sua conduta, ainda que com recurso a apoio médico e terapêutico adequados.
XVI - Ao matar a mulher o recorrente não manifestou apenas insensibilidade pela vida dela mas demonstrou também indiferença pelos filhos. Não só em virtude do desgosto que lhes iria causar a perda da mãe mas ainda porque os deixaria desprotegidos, privando-os de quem lhes proporcionava o sustento e a educação. Também por aqui, é elevada a culpa do recorrente e são agravadas as consequências do facto.
XVII - Ponderando-se, por um lado, que não se têm por verificadas circunstâncias agravativas (“premeditação do crime”, “o meio de agressão utilizado” e a “superioridade física”) que foram consideradas pelas instâncias na determinação da medida da pena e, por outro, que a situação de doença do recorrente constituirá factor de penosidade acrescida do cumprimento da pena, entende-se ajustado fixar em 16 anos a pena pelo crime de homicídio qualificado [na 1.ª instância tinha sido fixada em 20 anos e na Relação, em 18 anos].
XVIII - Estabelece o n.º 2 do art. 77.º do CP, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, sendo certo que no caso, há a considerar as seguintes penas: 16 anos de prisão, pelo homicídio, 3 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de violência doméstica, 2 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de maus tratos, na pessoa da filha M, 18 meses de prisão, pelo crime de maus tratos, na pessoa do filho A, 13 meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida; assim, a moldura penal abstracta do concurso tem como limite mínimo 16 anos de prisão e o limite máximo de 24 anos e 7 meses de prisão.
XIX - Na ponderação global dos crimes predomina serem eles expressão de uma atitude do recorrente de dominação, no âmbito familiar, primeiro sobre a mulher depois também sobre os filhos, imposta pela violência física e psicológica, exercida com constância ao longo de duas décadas. Na prática dos crimes o recorrente revelou o desrespeito e a indiferença pelos laços familiares e pela dignidade das pessoas da mulher e filhos, dando livre expressão às qualidades desvaliosas da sua personalidade, a culminar no acto de matar a mulher, sem que, na relação conjugal e na paternidade, encontrasse fundamentos para adoptar mecanismos inibitórios e de auto-controlo.
XX - Manifesta-se, portanto, na prática dos crimes, uma verdadeira tendência criminosa do recorrente, não obstante a mesma se concretizar exclusivamente no meio familiar mas também por isso mesmo, quer dizer, justamente por o recorrente demonstrar, na prática dos factos, uma defeituosa compreensão de valores essenciais de convivência humana, no âmbito das relações conjugais e parentais.
XXI - Na consideração global dos factos e do tipo de conexão que entre eles se pode estabelecer e da personalidade do recorrente neles manifestada, mas, ainda aqui, conferindo relevo ao seu actual estado de saúde, adequado a implicar sacrifícios pessoais acrescidos no cumprimento da pena, conclui-se ser ajustada a pena conjunta de 18 anos de prisão [na 1.ª instância foi aplicada a pena única de 23 anos e na Relação, 21 anos].
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

I

            1. No processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, n.º 600/09.3JAPRT, do 1.º juízo do Tribunal Judicial de Paços de Ferreira, por acórdão de 16/07/2010, foi decidido, quanto à acção penal e no que, agora, interessa considerar, julgar parcialmente procedente, por provada, a acusação pública deduzida contra o arguido AA, devidamente identificado nos autos, e condená-lo:
– pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.°, n.os 1, alínea a), e 2, do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão;
–  pela prática de dois crimes de maus tratos praticados na pessoa dos seus filhos BB e CC, previstos e puníveis pelo artigo pelo artigo 152.°–A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, nas penas, respectivamente, de dezoito meses de prisão e de dois anos e seis meses de prisão;
– pela prática de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de vinte anos de prisão;
– pela prática de um crime de detenção de arma de proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de treze meses de prisão;
– e, em cúmulo jurídico dessas penas, na pena conjunta de 23 anos de prisão.
            2. O arguido interpôs recurso, para o Tribunal da Relação do Porto, de um despacho de 14/06/2010, de um outro despacho de 05/07/2010, que foram admitidos a subir com o recurso que viesse a ser interposto da decisão final, e do acórdão.
            3. Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05/01/2011, foi decidido:
– julgar improcedentes os dois recursos retidos interpostos pelo arguido e, em consequência, manter os correspondentes despachos recorridos;
–  corrigir e alterar o acórdão, por forma a que:
– «a fls. 37 (equivalente a fls. 1.780) dos autos, onde se inscreveu "...provocando a morte da mesma, que se verificou de imediato", deve ser eliminada esta última parte "que se verificou de imediato", mantendo-se o demais ali inscrito;
– «a fls. 58 (equivalente a fls. 1.801) dos autos, onde se inscreveu "...a quantia de € 25.000,00 a atribuir[ão] demandante BB 115.000,00 ...", deve ser eliminado este último montante de 115.000,00", mantendo-se o demais ali inscrito;»
– julgar o recurso interposto pelo arguido do acórdão parcialmente procedente e, em consequência:
– alterar o ponto 40 dos factos provados, para passar a ter a seguinte redacção: «Por sua vez, cerca das 13 horas e 30 minutos, o arguido AA chegou à Rua .........., em ......., Paços de Ferreira, mais concretamente às instalações da "Serração DD", levando consigo o revólver, de "calibre .32", com o número de serie 000000000, de marca Harrington & Richardson Magnum, devidamente carregado com seis munições».
– fixar a pena aplicada pela prática do crime de homicídio qualificado em dezoito anos de prisão e o cúmulo jurídico desta e das demais penas aplicadas, que foram confirmadas, em vinte e um anos de prisão, mantendo-se, no mais, o acórdão recorrido.
4. Desse acórdão interpôs o arguido recurso, para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:
«1. Muito embora do preâmbulo do relatório de autópsia junto aos autos na parte destinada à identificação (civil) do cadáver, conste o nome de EE, aí também se diz, não apenas no espaço destinado à identificação pessoal, mas principalmente no que aqui importa, no espaço respeitante à identificação médico-legal, que o cadáver autopsiado era do sexo masculino.
«2. Ora, se a indicação da identidade pessoal do cadáver constante do relatório de autópsia, nada tem de juízo técnico ou científico, sendo, as mais das vezes feita por indicação de terceiros já que a vítima nem conhecida será dos peritos,
«3. Já a identificação médico-legal efectuada por perito médico, nomeadamente no que toca ao sexo do cadáver objecto de autópsia é — essa sim — juízo técnico ou científico, estando assim sujeito ao regime do disposto no art. 163º do CPP e, como tal subtraído à livre apreciação do julgador.
«4. E, por isso, está o mesmo julgador impedido também de deitar mão do disposto no nº 2 do mesmo artigo porquanto, não tendo presenciado a autópsia ou visto o cadáver que foi autopsiado, não pode exercer qualquer juízo crítico sobre o juízo pericial,
«5. Impõe-se assim a conclusão de que o relatório de autópsia constante dos autos não pertence ao cadáver de EE (por esta ser do sexo feminino), sendo assim estranho ao presente processo.
«6. Donde que, ao indeferirem o pedido de desentranhamento do mesmo, e pior ainda, ao considerarem ter havido erro de escrita dos senhores peritos médicos e procederem à alteração do mesmo quanto á indicação do sexo do cadáver, violaram as instâncias o disposto no art. 163º do CPP.
«7. Donde que se impõe seja o mesmo revogado e substituído por outro que ordene o desentranhamento do aludido relatório de autópsia dos autos, com as legais consequências,
«8. Quais sejam as do reenvio do processo por impossibilidade de dar como provada a matéria constante dos pontos 45, a 47, 48, 49, todos da matéria de facto dada como provada pelas instâncias, por falta de elemento probatório que as sustente.
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«9. O momento próprio para a junção de documentos em processo penal é o previsto no art. 165º do CPP.
«10. Por outro lado, nos termos do disposto no art. 360º /1 do CPP, 1ª parte, a partir do momento em que o tribunal concede a palavra para alegações orais ao ministério público e aos advogados do assistente, das partes cíveis e aos defensores, a produção de prova está encerrada, e com ela, a possibilidade da junção de quaisquer documentos.
«11. Tal regra apenas comporta as excepções taxativamente previstas na lei, e que são as do art. 360º/4; do art. 371º (com referência ao art. 369º-2); e do art. 371º-A, todos do CPP.
«12. Por ser assim, não pode o tribunal reabrir a fase de discussão no momento da leitura da sentença como o Venerando Tribunal da Relação ora pretende, muito menos do modo implícito que agora sustenta ter acontecido no presente caso, validando-o.
«13. Mostra-se assim que ao ter procedido, no momento em que o fez, à Junção aos autos do documento de fls 1713, fê-lo o tribunal sem base legal para tanto, pelo que violou (e com ele, o tribunal da Relação) o disposto nos art.ºs 165º, 360º e 361º, todos do CPP.
«14. Deve consequentemente tal despacho ser revogado e substituído por outro que ordene o desentranhamento do aludido documento, o qual não poderá mais valer como prova,
«15. Quando assim se não entenda, deverá reconhecer-se que o documento não contém quaisquer elementos que o MP não pudesse obter e fazer juntar aos autos em sede de inquérito, não se tratando de factos novos, supervenientes, ou que fossem de difícil acesso ao MP — não o tendo, porém, feito.
«16. Donde que a reputar-se os elementos constantes de tal documento de essenciais, impõe-se se reconheça a insuficiência do inquérito, com a consequência prevista no art. 120º do CPP.
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«17. Vem o recorrente condenado pela prática de um crime de violência doméstica, pp pelo art. 152º -1 a) e 2 do CP na pena de 3 anos e 6 meses de prisão; de dois crimes de maus tratos, pp pelo art. 152º -A- 1a) do CP, nas penas de 18 meses por um e 2 ano e 6 meses por outro; de um crime de homicídio qualificado, pp pelos arts 131º e 132º - 1 e 2 b) do CP, na pena de 18 anos de prisão; e de um crime de detenção de arma proibida pp pelo disposto no art. 86º-1 c) da Lei 5/2006 de 23.02, na pena de 13 meses de prisão, tudo num cúmulo jurídico de 21 anos de prisão.
«18. O recorrente não se conforma com a sua condenação pelo crime de detenção de arma proibida.
«19. Igualmente se não conforma com as medidas das penas parcelares que lhe foram aplicadas por cada um dos crimes, e, consequentemente, com o cumulo jurídico aplicado.
«20. O recorrente desde cedo deu notícia das múltiplas falhas de que no seu entender a investigação padecia, mostrando a sua inconformação com a não realização de diligências essenciais para a descoberta da verdade, a saber,
«21. Pelo facto, do MP não ter procedido à abertura de inquérito destinado a averiguar as circunstâncias em que ele, arguido fora baleado.
«22. De o MP, no presente processo, não ter tido minimamente em conta que o arguido também fora ferido.
«23. De se terem omitido diligências investigatórias essenciais que seria de elementar bom senso terem sido levadas a cabo para um mais capaz esclarecimento do que de facto ocorrera, tais como o eram, por exemplo, o despiste homicídio/suicídio quanto ao ferimento do arguido, ou, mais gravemente, a perícia do projéctil que terá morto a infeliz EE, por forma a determinar se afinal tal projéctil poderia sequer ter sido disparado pela arma dos autos.
«24. Tais omissões são, aliás, geradoras de nulidade, tal como previsto pelos arts 119º b) e 210º-2 d), as quais se arguiram na pendência da instrução, arguição sempre e também agora renovada.
«Sem prescindir
«25. O arguido sofre, desde os 19 anos de idade, e na sequência de um acidente de moto de que então foi vítima (portanto sem culpa sua), e em que lhe foi colocada platina no crânio, de uma patologia psicótica, paranoide ou esquizofrénica, a qual lhe altera a normal percepção da realidade e consequentemente o seu comportamento, levando-o frequentemente a agredir os que lhe são mais próximos e de quem mais gosta, com alterações de humor, como maior impulsibilidade, maior irritabilidade, maior explosividade.
«26. Acresce, por outro lado, que desde os factos dos autos que o arguido se encontra paraplégico, completamente dependente de terceiros até para os mais básicos afazeres de higiene pessoal, e assim incapaz de representar qualquer perigo seja para quem for.
«27. Aliás, tudo aponta nos autos que fora do ambiente conjugal sempre o recorrente foi um indivíduo absolutamente pacífico.
«28. Assim, e se existe uma prevenção geral que cumpre sempre acautelar, já no presente caso em concreto a prevenção especial não se faz sentir.
«29. Tais factos não foram tidos em devida conta pelas instâncias na escolha e na medida das penas absolutamente violentas que decidiram aplicar, tendo assim as instâncias violado os arts. 40º e 71º ambos do CPenal.
«30. De facto, atentos os contornos do caso, e para além da absolvição pelo crime de detenção de arma proibida por inexistir prova que tal sustente.
«31. É nossa firme convicção de que a condenação pelos mais crimes não poderá, atento que supra vai, andar longe dos mínimos legais para cada crime.
«32. Sendo assim de se aplicar penas que nunca ultrapassem os 2 anos e 6 meses pelo crime de violência doméstica.
«33. 1 ano pelo crime de maus tratos na pessoa do filho BB,
«34. 1 ano e 2 meses pelo crime de  maus tratos na pessoa da filha CC,
«35. 14 anos pelo homicídio qualificado,
«36. E, para a eventualidade de lhe vir a ser aplicada pena pelo crime de detenção de arma proibida (que cremos, se não poderá vir a dar por provado), a pena de 8 meses por este,
«37. Num cúmulo jurídico que nunca ultrapasse os 17 anos de prisão.
«38. Tudo penas que, estas sim, tendo em linha de conta as especiais circunstâncias que concorrem no agente, estariam mais de acordo com os critérios decorrentes da aplicação dos respectivos dispositivos legais incriminatórios e, bem assim, os critérios pautados pelos arts. 40º e 71º ambos do CP.»
                5. O Ministério Público respondeu ao recurso, pronunciando-se, em síntese:
            – pela inadmissibilidade do recurso, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal[1], quanto à questão da ilegitimidade das instâncias para alterarem o teor do relatório da autópsia junto aos autos a fls. 466 e ss., desconsiderando a referência ali feita ao sexo do cadáver examinado (masculino), concluindo no sentido de se tratar de um cadáver do sexo feminino, e quanto à questão da inadmissibilidade da junção de prova documental tendente a demonstrar factos da acusação, já após a fase de alegações; 
                – pela inadmissibilidade do recurso, na parte em que discute a dosimetria das penas aplicadas aos demais crimes além do de homicídio;
            – pela confirmação da pena aplicada, pelo crime de homicídio qualificado, e pela confirmação da pena, pelo concurso de crimes.
            6. Por despacho do relator, de 22/03/2011, foi decidido:
            – com fundamento na alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, não admitir o recurso, na parte em que são impugnadas as decisões dos recursos intercalares e que foram apreciados conjuntamente com o recurso interposto do acórdão (decisões sobre a questão do sexo do cadáver autopsiado e sobre a questão da admissão de um documento após as alegações);
            – no mais, admitir o recurso.
            7. Sem reacção do recorrente a esse despacho, na parte em que não admitiu o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal.
8. Na oportunidade conferida pelo artigo 416.º, n.º 1, do CPP, o Exm.º Procurador-geral-adjunto foi de parecer de que:
– o recurso deve ser rejeitado, por inadmissibilidade, face à dupla conforme condenatória, na parte em que o recorrente visa impugnar as medidas das penas pelos crimes de violência doméstica, maus tratos e detenção de arma proibida; e
– deve ser julgado improcedente, quanto às questões das medidas da pena, pelo crime de homicídio e única.
9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, veio o recorrente:
– lamentar a decisão de não admissão do recurso quanto às decisões dos recursos interlocutórios, embora reconhecendo que o assunto está já definitivamente decidido;
– sustentar a recorribilidade de toda a decisão que conheceu do recurso interposto do acórdão da 1.ª instância, por a interpretação defendida no parecer do Ministério Público comportar uma diminuição grave dos direitos de defesa do arguido; e
– reafirmar a relevância, em termos atenuativos, a reflectir-se na redução das penas, das alterações da sua personalidade.
10. Uma vez que o recorrente não requereu a realização da audiência (artigo 411.º, n.º 5, do CPP) e devendo, por isso, o recurso ser julgado em conferência (artigo 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP), colhidos os vistos, com projecto de acórdão, realizou-se a conferência.
Dos trabalhos da mesma procedendo o presente acórdão.
II
            1. Definindo-se o objecto do recurso pelas conclusões formuladas pelo recorrente (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), verifica-se que as questões que o recorrente fez constar das conclusões são as seguintes:
            – a questão da legalidade da alteração pelas instâncias dos juízos periciais constantes do relatório de autópsia, por forma a dele ficar a constar que o cadáver autopsiado era do sexo feminino (conclusões 1. a 8.);
            – a questão da junção aos autos de documento tendente a provar factos da acusação em momento posterior ao encerramento da audiência (conclusões 9. a 16.);
            – a questão das medidas das penas por cada um dos crimes e pelo concurso de crimes (conclusões 17. a 19. e 25. a 38.);
            – a questão da insuficiência do inquérito, por o Ministério Público ter omitido diligências investigatórias essenciais (conclusões 20. a 24.).
            Na conclusão 18., o recorrente manifesta a sua inconformação com a condenação pelo crime de detenção de arma proibida o que pode sugerir a impugnação da qualificação jurídica dos factos, nesse ponto. Mas não é assim. A motivação revela que o recorrente extrai da procedência do recurso, quanto à questão da ilegalidade da junção de um documento em momento posterior ao encerramento da audiência, o desentranhamento desse documento, como consequência necessária, daí resultando a falta de prova do facto n.º 55 em que assenta a sua condenação por esse crime. O que é também corroborado pela conclusão 30.
            2. O conhecimento deste Supremo Tribunal está limitado às questões das medidas das penas, pelo homicídio, e pelo concurso de crimes.
            2.1. Quanto às duas primeiras questões colocadas, o recurso não foi admitido, por despacho do Exm.º Desembargador relator, decisão que o recorrente acatou.
            2.2. A insuficiência do inquérito a que o recorrente parece querer referir-se nas conclusões 20. a 24 e que, com dúvidas – até pelo método de a intercalar no grupo de conclusões já referentes às medidas das penas e de a ter omitido quando, no início da motivação, enunciou claramente as questões que colocava –, teremos de admitir que seja questão que o recorrente quer ver, de novo, apreciada, na medida em que se refere à “renovação da arguição da nulidade”, poderia ser considerada, em tese, apenas no âmbito da nulidade dependente de arguição da alínea d) do n.º 2 do artigo 120.º do CPP.
            A qual teria de ser arguida nos termos que decorrem da alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo, ou seja, tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito ou à instrução, até ao encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito.
            Estaria, assim, completamente ultrapassada a oportunidade de arguir tal nulidade.
            Mas, o que decorre da própria alegação do recorrente é que efectivamente já a arguiu e, por isso, a questão já foi conhecida, sendo certo, por outro lado, que não o foi no acórdão da relação pelo que, manifestamente, não poderá, no âmbito de um recurso desse acórdão, vir suscitar questões sobre cuja apreciação o acórdão recorrido não se pronunciou.
            Reforçando-se, por esta via, a compreensão da matéria levada às conclusões 20. a 24. como não mais do que um mero desabafo do recorrente. 
             2.3. Quanto à questão das medidas das penas em que o recorrente foi condenado pelos crimes de violência doméstica, de maus tratos, praticados na pessoa dos seus filhos BB e CC, e de detenção de arma de proibida, o recurso é inadmissível, nos termos do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP.
Os recursos para este Supremo Tribunal de Justiça de acórdãos da relação são admissíveis, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea b), do CPP, segundo o qual [recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça] “de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações em recurso, nos termos do artigo 400.º”.
            Segundo o artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos.
            São, assim, dois os pressupostos de irrecorribilidade estabelecidos na norma: o acórdão da relação confirmar a decisão de 1.ª instância e a pena aplicada na relação não ser superior a 8 anos de prisão.
            Ora, quanto aos acima referidos crimes o acórdão da relação confirmou o acórdão da 1.ª instância, quanto aos factos, respectiva qualificação jurídica e medidas das penas.
            Na verdade, a ligeiríssima alteração de redacção introduzida, pela relação, ao facto provado n.º 40 é anódina na perspectiva dos factos que importam à condenação do recorrente pelo crime de detenção de arma proibida. Não se pode reconhecer, por isso, que, quanto a esse crime, não houve confirmação.
            Por outro lado, o recorrente, por todos esses crimes, foi condenado em penas inferiores a 8 anos.
            A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na actual redacção, na medida em que limita a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional[2].
            Aliás, nesta matéria, o Tribunal Constitucional dispõe de uma jurisprudência firme segundo a qual o legislador ordinário goza da máxima liberdade de conformação concreta do direito ao recurso, desde que salvaguarde o direito a um grau de recurso.
            Havendo recurso para a relação e confirmação da decisão de 1.ª instância (a chamada dupla conforme), só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão.
            Por isso, no caso de concurso de crimes e verificada a “dupla conforme”, sendo aplicadas ao recorrente várias penas pelos crimes em concurso, penas que, seguidamente, por força do disposto no artigo 77.º do CP, são unificadas numa pena única, haverá que verificar quais as penas superiores a 8 anos e só quanto aos crimes punidos com tais penas e/ou quanto à pena única superior a 8 anos é admissível o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
              Na verdade, a alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º não comporta o entendimento de que a circunstância de o recorrente ser condenado numa pena (parcelar ou única) superior a 8 anos de prisão assegura a recorribilidade de toda a decisão, compreendendo-se, portanto, todas as condenações ainda que inferiores a 8 anos de prisão[3].
            Escreve, a propósito, Paulo Pinto de Albuquerque[4]:
            «(…)
            «Portanto, é inconstitucional, por violar o artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a interpretação do artigo 400.º, n.º 1, al.ª f) que vede o recurso para o STJ dos acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem a cada um dos crimes em concurso penas concretas inferiores a oito anos de prisão, mesmo que a pena conjunta seja superior a oito anos de prisão. Mas já é admissível a interpretação que restrinja a competência do STJ à questão do cúmulo jurídico e da fixação da respectiva pena.» 
Assim, no caso, na medida em que o recorrente foi condenado em pena parcelar superior a 8 anos e pena única superior a essa medida, mostra-se assegurada, no estrito âmbito das condenações por que sofreu essas penas, a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da relação.
3. Interessa ver, agora, a fundamentação de facto do acórdão recorrido.
3.1. Os factos que se devem ter por assentes são os seguintes:
«1 – O arguido AA e a vítima EE casaram no dia 25 de Junho de 1988, em Monte Córdova, Santo Tirso.
«2 – Desse casamento nasceram dois filhos: CC, nascida a 5 de Março de 1990, e BB, nascido a 31 de Maio de 1994.
«3 – Por sentença proferida a 19 de Fevereiro de 2002, transitada em julgado em 4 de Março de 2002, foi decretado o divórcio entre o arguido AA e a vítima EE, com o acordo e por conveniência de ambos, nomeadamente por causa das dívidas acumuladas por cada um dos cônjuges.
«4 – Desde a data do casamento até data não concretamente apurada do ano de 2003 ou 2004, o arguido AA e a vítima EE residiram em comunhão de casa, mesa e leito, na casa de morada de família sita na Rua de ....., em ....., Paços de Ferreira.
«5 – Na verdade, não obstante a referida decisão de divórcio, o arguido AA e a vítima EE continuaram a residir em comunhão de vida, na referida casa de morada de família.
«6 – Contudo, desde data não concretamente apurada, mas que se reporta, pelo menos, aos anos de 2000/2001, o arguido AA, motivado por ciúmes infundados e pelas dificuldades económicas que o casal foi sofrendo passou a injuriar e a ameaçar a vítima EE, de forma diária, afirmando que esta era uma "puta" e que a haveria de matar.
«7 – Desde aquela data e quase diariamente, o arguido AA passou também a telefonar para a vítima EE, pretendendo saber por onde e com quem esta estava, afirmando que ela "tinha alguém" e que a haveria de matar.
«8 – Além do mais, em diversas ocasiões, o arguido AA agrediu a vítima EE, desferindo-lhe murros e pontapés em todo o seu corpo, o que fazia mesmo à frente dos filhos do casal, então ainda ambos menores.
«9 – Aliás, sempre que se aborrecia com a vítima EE, o arguido AA apodava-a de "puta", "cabra" e "vaca", referindo ainda que ela não valia nada e que tinha amantes. Tais expressões eram também proferidas na presença dos filhos do casal, acima identificados.
«10 – Frequentemente, o arguido AA acordava a vítima EE durante a noite, constrangendo-a a manter consigo relações sexuais, sob a ameaça de arma de fogo ou mesmo fazendo uso da força física.
«11 – Na verdade, era frequente o arguido AA dormir com uma arma de fogo, debaixo da sua almofada, como forma de inibir o comportamento da vítima EE durante a noite.
«12 – Por outro lado, em diversas ocasiões, o arguido AA exigiu à vítima EE a entrega do dinheiro que esta auferia no exercício da sua actividade de comerciante, sempre com recurso ao uso da força física ou mediante o recurso à ameaça de morte, apesar de ser esta vítima quem suportava todas as despesas da casa de habitação do casal, bem como todas as despesas decorrentes da educação dos filhos do casal.
«13 – 0 arguido AA passou a impor regras de comportamento à vítima EE, regras essas que redigiu e entregou à vítima EE, no intuito de esta as respeitar escrupulosamente, sob pena de ser agredida, ameaçada e insultada.
«14 – Em data não concretamente apurada, mas que se reportará aos anos de 2003/2004, já por causa da difícil convivência com o arguido AA, a vítima EE abandonou a residência do casal, passando a residir com o seu irmão e cunhada.
«15 – Na sequência de tal mudança de residência, a vítima EE combinou com o arguido AA, um dia e hora para se deslocarem à casa de morada de família, com vista a aquela recuperar os seus objectos pessoais e os objectos pessoais dos filhos do casal, que haviam acompanhado a mãe.
«16 – Em data não concretamente apurada mas posterior a 2000/2001, o arguido AA teve de se deslocar à Alemanha.
«17 – Contudo, antes de sair de casa, o arguido AA agrediu a vítima EE, pelo menos com as mãos, deixando-a a sangrar pela boca. Nesta ocasião, o arguido AA agrediu a vítima EE como forma de a amedrontar e, dessa forma, condicionar o seu comportamento durante tal ausência.
«18 – No 13° aniversário do ofendido BB, ou seja, no dia 31 de Maio de 2007, o arguido AA agrediu a vítima EE, na presença da família de ambos (nomeadamente os pais de ambos), desferindo-lhe murros e pontapés em todo o corpo. Nesta ocasião, o arguido AA agiu da forma descrita, por a vítima EE se ter ausentado da festa de aniversário do filho por uns minutos, com o intuito de atender um cliente seu na loja que se situava no rés-do-chão da residência do casal.
«19 – Na noite de 20 de Outubro de 2007, o arguido AA pretendia manter relações sexuais com a vítima contra a vontade desta. Contudo, como EE tivesse gritado, a ofendida CC dirigiu-se para o quarto do casal, com o intuito de socorrer a sua mãe, o que aliás usualmente fazia. Nesta ocasião, o arguido AA agrediu a sua filha CC, desferindo-lhe bofetadas na face.
«20 – Neste mesmo dia, o arguido AA agrediu ainda a vítima EE, desferindo-lhe murros e pontapés no corpo, por esta ter permanecido na recusa em manter relações sexuais com ele.
«21 – No dia 24 de Abril de 2008, dia de aniversário da vítima EE, o arguido AA mais uma vez a agrediu, com murros e pontapés que desferiu em todo o seu corpo.
«22 – Em data não concretamente determinada do ano de 2007/2008, por discordar da atitude da sua filha CC, que havia manifestado apoio a sua mãe durante mais uma discussão do casal, o arguido AA tentou desferir-lhe com um jarro de metal no seu corpo, jarro esse de características não concretamente apuradas, ao mesmo tempo que a apodava de "puta".
«23 – Em noite não concretamente apurada de Junho/Julho de 2008, o arguido AA agrediu ainda a ofendida CC, empurrando-a contra uma parede da residência, por esta chegar a casa mais tarde, ainda que esta tivesse avisado os seus pais de tal facto.
«24 – Em dia não concretamente apurado de Agosto de 2008, o arguido AA afirmou que haveria de matar a vítima EE e a ofendida CC, que as iria "mandar para o cemitério", ao mesmo tempo que lhes exibia uma faca, de características não concretamente apuradas.
«25 – No entanto, como o ofendido BB se tivesse colocado na frente daquelas, o arguido AA desistiu dos seus intentos.
«26 – Em dia não concretamente apurado do final do verão de 2008, novamente o arguido agrediu a vítima EE, atirando-a ao chão e desferindo-lhe diversos pontapés no corpo.
«27 – Há cerca de três a quatro anos, em dia não concretamente apurado do Outono/Inverno, o arguido AA agrediu a vítima EE com um atiçador da lareira, atingindo-lhe o abdómen e causando-lhe pequenas escoriações nesta região do corpo.
«28 – Nos últimos meses de vida, a vítima EE pedia frequentemente à ofendida CC, entretanto a residir na Maia durante o período lectivo, para não confrontar o seu pai, porque, caso contrário, era aquela quem sofria as consequências de tais "desaforos", concretizadas em ofensas à sua integridade física, ameaças e injúrias.
«29 – Ora, no início de Abril de 2009, a vítima EE e o ofendido BB decidiram novamente sair de casa, pondo fim a tais agressões, injúrias e ameaças.
«30 – Como condição para a permissão de tal mudança de residência, o arguido AA exigiu que EE lhe entregasse 5 000 € ( cinco mil euros) em dinheiro.
«31 – Contudo, como a vítima EE não possuísse tal quantia monetária, o arguido AA exigiu que a ofendida CC procedesse à emissão e entrega de 8 cheques, que perfaziam o total de 5 000 €, com vista ao pagamento faseado de tal quantia.
«32 – A ofendida CC, de comum acordo com a mãe, acedeu a tal pedido, para evitar que a sua mãe mais uma vez fosse agredida e impedida de agir livremente.
«33 – Não obstante a separação do casal, que se veio a concretizar no início de Abril de 2009, o arguido AA passou a perseguir a vítima EE na rua, ameaçando-a da morte constantemente e afirmando que caso não voltasse a residir com ele e não lhe entregasse o dinheiro atrás referido a mataria.
«34 – Também em Abril de 2009, até ao dia da morte da vítima EE, o arguido AA passou a responsabilizar o ofendido BB da separação do casal.
«35 – Em todas as condutas acima descritas, o arguido AA actuou com o propósito concretizado de ofender a integridade física e moral da sua mulher e companheira EE e da sua filha CC, revelando crueldade, egoísmo e uma profunda insensibilidade para os valores pessoais protegidos pelo direito.
«36 – Ao ameaçar, agredir, insultar aquela vítima e a ofendida CC, o arguido AA actuou também com o propósito de ofender a honra e consideração destas, de as humilhar e de as intimidar, o que de facto conseguiu, uma vez que para além de sentirem medo e inquietação, as ofendidas sentiram ainda vergonha, humilhação, vexame e indignação.
«37 – Ainda ao agir da forma descrita, responsabilizando o ofendido FF pela separação dos seus pais e ao sujeita-lo à vivência familiar atrás descrita, o arguido AA agiu ainda com intenção de afectar a integridade moral deste, ainda menor, revelando também crueldade e egoísmo.
«38 – Ora, no dia 20 de Abril de 2009, o arguido AA manifestou o propósito de se reunir, no dia seguinte, com o seu sogro - GG, o seu cunhado HH e a vítima EE, com o fim declarado de resolverem as questões decorrentes da separação do casal e das dificuldades económicas do arguido.
«39 – Com o propósito de comparecer a tal reunião, no dia 21 de Abril de 2009, cerca das 13 horas e 15 minutos, a vítima EE dirigiu-se para as instalações da "Serração DD", sita na Rua de ......, em ....., Paços de Ferreira, onde aguardou, no respectivo escritório, a chegada do arguido AA.
«40Por sua vez, cerca das 13 horas e 30 minutos, o arguido AA chegou à Rua de ....., em ....., Paços de Ferreira, mais concretamente às instalações da "Serração DD", levando consigo o revólver, de "calibre .32", com o número de serie 000000000, de marca Harrington & Richardson Magnum, devidamente carregado com seis munições[5].
«41 – Nesta ocasião, para além dos projécteis que colocara no referido revólver, o arguido AA transportou ainda consigo mais sete munições, também de "calibre .32", Harrington & Richardson Magnum.
«42 – Ali chegado, o arguido AA dirigiu-se de imediato para o escritório, local onde o aguardava a vítima EE, nascida a 24 de Abril de 1967, sua ex-mulher.
«43 – Uma vez neste local, o arguido AA apontou na direcção do corpo de EE a referida arma de fogo.
«44 – De imediato, o arguido AA efectuou três disparos na direcção do corpo da vítima EE, visando a cabeça da mesma, que se encontrava a não mais de três metros de distância.
«45 – Um dos projécteis deflagrados pelo arguido atingiu a vítima no membro superior direito, causando, ao nível externo as seguintes lesões: solução de continuidade, de forma arredondada localizada na face dorsal da falange proximal do primeiro dedo da mão direita, com orla de contusão excêntrica, solução de continuidade, de forma irregular, localizada na face palmar da falange proximal do primeiro dedo da mão direita.
«46 – Após ter sido deflagrado o projéctil referido no ponto 45 foi deflagrado um outro projéctil pelo arguido que atingiu a cabeça da vítima EE, mais concretamente na parte posterior da região parietal direita, por onde entrou.
«47 – Tal projéctil provocou, a nível externo, equimose, peri-orbicular, direita de cor arroxeada, escoriação, de forma irregular, de coloração avermelhada, localizada na asa direita do nariz, com seis por cinco milímetros de maiores dimensões, solução de continuidade, de forma irregular, de bordos com infiltração sanguínea, localizada na parte posterior da região parietal direita, com equimose dos bordos, com um e meio por três centímetros de maiores dimensões.
«48 – A nível interno e em consequência da entrada de ta! projéctil no crânio, a vítima EE sofreu infiltração sanguínea da aponevrose epi-craneana e face interna do couro cabeludo, generalizada, infiltração sanguínea do musculo temporal direito, fractura da abóbada situada na região parietal direita, posterior, com as maiores dimensões de um e meio por dois e meio centímetros, fractura adjacente a esta, de forma arredondada, com os máximos de treze por 15 milímetros, representando um cone de base interna, fractura linear que se iniciava ao nível da parte anterior da primeira fractura, de direcção aproximadamente coronal, parando ao nível da sutura sagital, com comprimento de seis centímetros, varias fracturas de forma linear, com várias direcções, localizadas na região parietal esquerda, fractura cominutiva, de bordos com infiltração sanguínea, ao nível do andar anterior da base do crânio, hemorragia das meninges, laceração do tecido encefálico, com túnel, com focos de contusão circundantes, com início no lobo parietal direito e término no pólo anterior do lobo temporal esquerdo, local este onde se alojou o referido projéctil.
«49 – As lesões cranio-encefálicas descritas, causadas na sequência do projéctil disparado pelo arguido AA provocaram a morte de EE.
«50 – O arguido AA sabia que a arma que detinha, acima descrita, estava carregada com os seis projécteis.
«51 – Tal como sabia que, ao accionar o referido revólver apontado à cabeça da vítima EE, lhe iria provocar a morte, causando-lhe as lesões acima descritas, como efectivamente veio a acontecer.
«52 – Contudo, o arguido AA não se absteve de actuar da forma acima descrita, concretizando o seu propósito de retirar a vida à vítima.
«53 – O arguido AA efectuou os disparos, matando a vítima EE, dentro de um espaço fechado sem que esta tivesse qualquer possibilidade de se defender ou mesmo fugir.
«54 – Assim, o arguido agiu com insensibilidade para com o valor vida e com um profundo desrespeito das relações familiares que o prendiam à vítima.
«55 – O arguido não possuía qualquer licença de uso e porte de qualquer arma fora do domicílio, bem sabendo que tal era necessário para pegar e utilizar armas fora do seu domicílio.
«56 – O arguido AA sabia ainda que não podia deter e transportar consigo quaisquer munições reais de arma de fogo, sem a respectiva licença das autoridades competentes.
«57 – Actuou livre e conscientemente, com conhecimento de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crime.
«58 – Do Certificado de Registo Criminal do arguido não consta que o mesmo tenha antecedentes criminais.
«Factos relativos à situação pessoal do arguido:
«59 – O arguido AA concluiu o 5º ano de escolaridade, altura em que abandonou o sistema de ensino e passou a auxiliar os pais na exploração de um café que aqueles haviam entretanto adquirido e cujos rendimentos, aliados ao desenvolvimento, em simultâneo, da actividade de barbeiro por parte do progenitor, proporcionavam ao agregado uma situação económica sem constrangimentos de registo.
«– AA sofreu um acidente aos 19-20 anos de idade com traumatismo crâneo-encefálico e necessidade de colocação de placa de platina na calote crâneana ao nível da região fronto-parietal esquerda que muito provavelmente poderá ter provocado alterações na personalidade do arguido traduzidas em maior impulsividade, maior irritabilidade, maior explosividade e traços paranoides mais acentuados e vertidos no seu dia-a-dia ao nível da relação conjugal através de um ciúme exacerbado.
«– AA manteve uma relação de namoro com a vítima, EE desde os 12/13 anos.
«– A partir do seu casamento passou a viver com o cônjuge numa casa que pertencia ao sogro e começou a trabalhar como vendedor de madeira para a firma dos pais do cônjuge, situação que manteve cerca de dois anos e que abandonou por considerar não possuir perfil para a actividade em questão.
«– Posteriormente passou a vender veículos motorizados e mais tarde automóveis, actividade que manteve até à data dos factos de que está indiciado.
«– Laboralmente o arguido desenvolvia a actividade de venda de automóveis por conta própria, sendo os seus tempos livres ocupados, com saídas esporádicas com um grupo de amigos para Espanha, nos períodos relativos aos fins-de-semana com o objectivo de jogar no Bingo.
«– Actualmente o arguido vive com o seu pai, de 71 anos, mediador de seguros e Presidente da Junta de Freguesia de Modelos e a mãe, de 68 anos, doméstica.
«– O agregado habita uma casa que é propriedade dos pais do arguido, de tipologia 4, com boas condições habitacionais e beneficia de uma situação económica equilibrada.
«– AA encontra-se acamado, efectuando de segunda a sexta-feira, nos períodos da manhã e na companhia do progenitor, fisioterapia.
«– O arguido encontra-se aparentemente na total dependência de terceiros sendo os pais, em colaboração com uma irmã, que diariamente asseguram os seus cuidados de higiene e de alimentação uma vez que não tem autonomia para o fazer.
«– No actual meio residencial, à semelhança do anterior, onde residia à data dos factos, a imagem do arguido sempre esteve associada ao reduzido auto-controlo perante situações adversas, motivo pelo qual eram evitadas as interacções pessoais com o mesmo, sendo os contactos estabelecidos pautados por relações de mero circunstancialismo.
«– No relatório social elaborado sobre o arguido foi proferida a seguinte conclusão:
«"O desenvolvimento psicossocial de AA decorreu num contexto familiar aparentemente securizante e transmissor de um quadro de valores consonantes com as regras de convivência em sociedade e, consequentemente, dos recursos pessoais necessários à construção de projectos de vida normativos.
«O acidente de viação sofrido aos dezanove anos de idade terá resultado numa alteração comportamental do arguido, que passou a evidenciar dificuldades em recorrer a estratégias assertivas de negociação, características que despolotavam nos pares sociais receio, evitando a interacção.
«O presente processo resultou num significativo impacto ao nível pessoal com diversas perdas para o arguido que as vivência de forma dolorosa.
«O apoio familiar estruturante que vem beneficiando por parte da família de origem tem-se constituído como um importante factor de estabilidade para AA e funciona como factor protector em termos de inserção social que dependerá igualmente do desenvolvimento de competências sociais que lhe permitam gerir de forma adequada a interacção com terceiros".
«Pedidos de indemnização civil (fls. 640 e ss. e 726 e ss.)
«Para além dos factos já referidos que:
«60 – A vítima EE sofreu fisicamente e teve dores antes de falecer, tendo sofrido a angústia da morte, dado que o arguido disparou primeiro para a face dorsal da falange proximal do primeiro dedo da mão direita e só depois disparou o tiro que lhe foi fatal.
«61 – A vítima esteve consciente de que iria morrer, entre o período que mediou entre o tiro que a feriu no dedo da mão direita, até ao momento em que foi atingida na cabeça, tendo sido forte a sua angústia.
«62 – Os ofendidos sofreram com a perda da mãe, aliás seu "porto de abrigo" no seio de uma família desestruturada, pelo próprio arguido.
«63 – Os ofendidos perante os maus tratos do pai sempre procuraram a ajuda, compreensão e carinho da mãe, perante o calvário que era o seu dia-a-dia.
«64 – Perante a forte ligação que unia a vítima e os ofendidos, bem como o enorme amor e afeição existente entre eles, a morte da vítima, da forma abrupta como aconteceu e nas circunstâncias em que se efectivou, gerou nos ofendidos desgosto e trauma psicológico.
«65 – Após a morte da mãe os ofendidos ficaram, de uma só vez, desprovidos de progenitores que os orientassem na vida.
«66 – Era a vítima EE quem vestia, alimentava e providenciava pelo pagamento de todas as despesas inerentes à educação e fazer dos ofendidos.
«67 – Com a morte da mãe o ofendido BB ficou desprovido de qualquer sustento.
«68 – A vítima despendia, mensalmente, valor não concretamente apurado, a título de alimentos com o ofendido BB.
«69 – A ofendida CC encontra-se neste momento a frequentar um curso do ensino superior, curso este que era financiado pela falecida EE, a qual tinha muito gosto e estima por tal facto.
«70 – A vítima era o único sustento da casa de morada de família, pelo que a ofendida CC dependia financeiramente da mãe.
«71 – O curso que frequenta a ofendida decorre na cidade da Maia, pelo que a vítima resolveu arrendar um quarto nesta cidade, a fim de a ofendida CC puder aproveitar melhor tal curso.
«72 – Até à conclusão do referido curso seria a falecida EE quem sustentaria a ofendida CC, provendo pela sua alimentação, vestuário e educação.
«73 – Despendendo mensalmente um valor não concretamente apurado, a título de alimentos com a ofendida CC.»
3.2. Dos factos dados por não provados, releva especialmente considerar a matéria constante das alíneas z) e aa) e independentemente da introdução, na alínea aa), de um conceito de direito (“frieza de ânimo”).
Não se provou que:
«z) O arguido AA chamou a vítima aquele local, nos moldes relatados, com o único propósito de lhe retirar a vida, persistindo nessa intenção por um período superior a vinte e quatro horas.
«aa) O arguido agiu não só com benefício da situação frágil em que a vítima se encontrava, revelando crueldade e egoísmo, como agiu com frieza de ânimo.»
4. Passamos a pronunciar-nos sobre as questões postas no recurso de que devemos conhecer e que são, como, antes definimos, a da medida da pena pelo homicídio e a da medida da pena pelo concurso de crimes.
4.1. Quer a 1.ª instância quer a relação tiveram por preenchido, pelo recorrente, um crime de homicídio qualificado, em função da verificação exclusiva da circunstância da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP.
A 1.ª instância fundamentou por que, no caso, não considerava verificadas as circunstâncias das alíneas d) e j) do n.º 2 do mesmo artigo, pelas quais o recorrente também tinha sido acusado.
Nos seguintes termos:
«A al d) do n.º 2 do art.º 132º respeita aos casos em que o homicida emprega tortura ou acto de crueldade para aumentar o sofrimento da vítima, isto é, quando são usados meios de provocação da dor cuja intensidade ou duração ultrapasse a necessária para causar a morte. "Com a precisão", segundo anota Figueiredo Dias (op.cit, pág. 31), "que o acto de crueldade tem de ter lugar para aumentar o sofrimento da vítima: relação meio/fim." Ou seja, o agente pretende, desse modo, agravar o sofrimento da vítima, comprazendo-se com a ver sofrer até sobrevir a morte.
«O emprego de tortura ou actos de crueldade constava já das circunstâncias que agravavam especialmente o homicídio no Código Penal de 1852, referindo Luís Osório (Notas ao Código de Penal Português, vol. 3, pág. 70) que "esses actos ... não devem ser necessários para a prática do crime, mas devem ser destinados ... a aumentar o sofrimento do ofendido. Não é preciso que entre os actos de crueldade e a morte haja uma relação de causa para feito, basta uma relação de simultaneidade".
«Por isso, conforme refere Maia Gonçalves (Código Penal Português - Anotado e Comentado, pág. 514) não integram este exemplo padrão "uma simples repetição de golpes, os actos, embora cruéis para abreviar a morte nem tão pouco os actos praticados post mortem sobre o cadáver ou para impedir ou dificultar a prova do crime".
«No caso em apreço, não há sinais de tortura ou de crueldade, pois não resulta dos factos provados que o arguido tenha querido aumentar o sofrimento da vítima para além do que já é próprio de qualquer acto homicida.
«O arguido terá atacado a vítima usando de surpresa, pois quando o arguido chegou ao local onde se encontrava a vítima apontou na direcção do corpo da mesma e, de imediato, efectuando três disparos.
«Daí que se deva ter por não verificada a circunstância da al. d) do nº 2 do art. 132º do Código Penal.
«Relativamente à al. j) - agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas - é circunstância que também não se verifica, pois não obstante o arguido se ter encontrado com a vítima num local previamente combinado de véspera, já munido da arma que iria usar na prática do crime, trazendo no bolso sete munições - não se provou que quando o arguido combinou o encontro já tinha a intenção de matar a vítima EE até porque o arguido AA manifestara o propósito de se reunir com o seu sogro, GG, e o seu cunhado, HH para além da vítima, com o fim declarado de resolverem as questões decorrentes da separação do casal e das dificuldades económicas do arguido ( cfr. ponto 38).
«Assim, não obstante o arguido entrar no escritório da serração sabendo o que lá ia fazer, pois não é explicável de outro modo o facto de já levar consigo a dita arma e respectivas munições, não se provou que tal premeditação já existia há mais de vinte e quatro horas.
«O arguido reflectiu, pois, com alguma antecedência, sobre o acto que queria cometer e escolheu para matar um objecto especialmente vocacionado para tal finalidade. Ainda que sentisse ciúme, o mesmo era "desmotivado", isto é, sem fundamento plausível, pelo que não havia nenhum motivo próximo ou remoto que o impulsionasse irreflectidamente ao assassínio. A sua escolha foi, pois, pensada e não obra de momento, mas não sabemos se a premeditação durou mais de vinte e quatro horas.
«Atento o supra exposto, considera-se que não se encontra verificada a circunstância da al. j) do nº 2 do art. 132º do C.Penal.»
 Não obstante, a 1.ª instância considerou, na fundamentação da medida da pena, pelo homicídio, que:
«São circunstâncias agravantes para o efeito da graduação da pena, dentro da moldura já de si especialmente agravada do crime, a premeditação do crime, já que o arguido entra na serração munido de uma arma municiada e passado cerca de 30 segundos efectua três disparos em direcção da vítima, a forma rápida com que o arguido agiu perante a vítima, aproveitando-se de a mesma se encontrar sozinha num espaço fechado, o que diminuiu a sua possibilidade de defesa, a sua superioridade física, o meio de agressão utilizado - revólver, o concreto sofrimento da vítima; o facto de ambos terem dois filhos, sendo um de menor de idade; o dolo intenso (directo, dada a definição do art 14.º, n.º 1 do C. Penal e a matéria fáctica provada);»
Vindo a decidir-se pela pena de 20 anos de prisão, pelo homicídio.
A relação, sobre o aspecto da qualificação jurídica do crime de homicídio – questão que, em boa verdade, não lhe fora colocada –, limitou-se a uma breve referência de concordância com a decisão da 1.ª instância, assinalando o «correcto enquadramento jurídico».
No aspecto da fundamentação da medida da pena, depois de transcrever a fundamentação da decisão da 1.ª instância, concluiu pela sua correcção, na apreciação dos parâmetros relevantes embora, concretamente quanto ao crime de homicídio, tenha dado um outro relevo à doença do recorrente e, assim, concluiu a relação «que a referenciada doença justifica que se abrande ligeiramente a pena a aplicar», tendo como ajustado fixá-la em 18 anos de prisão.
E, em razão da redução da pena pelo homicídio, a relação reduziu também a pena pelo concurso de crimes, fixando-a em 21 anos de prisão.      
    4.2. A primeira questão com que nos confrontamos é a da qualificação jurídica do crime de homicídio.
4.2.1. O homicídio qualificado do artigo 132.º do CP é um caso especial de homicídio doloso, punido com uma moldura penal agravada, construído de acordo com o método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.
O homicídio qualificado resulta de a morte ter sido produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade (artigo 132.º, n.º 1 – tipo de culpa, constituído por uma cláusula geral), fornecendo o legislador um enunciado, meramente exemplificativo, de circunstâncias, cuja verificação nem sempre se revela qualificadora (artigo 132.º, n.º 2 – enumeração não taxativa de circunstâncias susceptíveis de revelarem especial censurabilidade ou perversidade). O método de qualificação combina um critério generalizador, determinante de um especial tipo de culpa, com a técnica dos exemplos-padrão. A qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral, descrito com conceitos indeterminados (n.º 1), cuja verificação é indiciada por circunstâncias, umas relativas ao facto, outras ao autor, elencadas no n.º 2, a título exemplificativo[6].
 Apenas o preenchimento da circunstância da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º foi considerado pelas instâncias.
O legislador, com a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, introduziu o novo exemplo-padrão de o homicídio ser praticado «contra cônjuge, ex-cônjuge, pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação, ou contra progenitor de descendente comum em 1.º grau”.
Nessas relações, matrimoniais e análogas ou não matrimoniais nem análogas mas meramente parentais, com ou sem coabitação, presentes ou pretéritas, alicerça o legislador um juízo de censura especial, nelas assentando a construção de um novo exemplo-padrão.
Se, antes, já alguns dirigiam críticas ao exemplo-padrão da alínea a), fundado nos laços básicos de parentesco[7], originando, até, uma proposta de revogação dessa alínea no seio da Comissão de Revisão do Código Penal[8], não parece que esta nova alínea esteja, pelo menos completamente, a coberto da polémica. Pela amplitude com que foi construída, nem sempre será fácil encontrar nas relações previstas entre agente e vítima o verdadeiro fundamento de um tipo de culpa especialmente agravado, aparecendo, mais imediatamente, essas relações como indicadoras de que a agravação do homicídio tem mais a ver com um maior desvalor do tipo de ilícito do que com a verificação de um tipo de culpa especialmente agravado.
Por outro lado, na introdução dessa nova alínea, poderá detectar-se que o legislador foi receptivo à, relativamente recente, tomada de consciência pela comunidade dos fenómenos de violência de género, especialmente na sua vertente de violência doméstica, e aos sentimentos de repúdio que geram. Não se podendo negar, a ser assim, como pensamos que é, que o legislador não foi alheio ao alcance social deste novo exemplo-padrão no plano das exigências de prevenção geral.
Seja como for, exacto é que as relações agente/vítima previstas na alínea b) constituem indícios de uma especial censurabilidade, que não se verifica automaticamente em função delas, como é próprio do método exemplificador ou técnica dos exemplos-padrão.
Aliás, na exposição de motivos da Proposta de Lei que procedeu à 21.ª alteração ao Código Penal, aprovada em Conselho de Ministros, reunido a 27/04/2006[9], insistiu-se, a propósito de serem acrescentadas novas circunstâncias ao homicídio qualificado, «assim a relação conjugal (presente ou passada) ou análoga (incluindo entre pessoas do mesmo sexo)» que passavam «a constar do elenco de circunstâncias susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade», em recordar que «a técnica utilizada na tipificação do crime mantém-se inalterada. As circunstâncias não são definidas de forma taxativa, correspondendo antes a exemplos padrão, e não são de funcionamento automático, estando sujeitas a apreciação em concreto».   
 Com efeito, a presença de uma das circunstâncias do n.º 2 do artigo 132.º indicia a existência de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente que fundamenta a aplicação de uma moldura penal agravada. Com a realização do tipo fundamental desencadeia-se o chamado efeito padrão que fornece o indício de uma especial censurabilidade ou perversidade do agente mas a ponderação global do facto e do autor pode revelar circunstâncias especiais susceptíveis de atenuar substancialmente o conteúdo da culpa de tal modo que se imponha a revogação do efeito de indício. A revogação desse efeito resultará sempre da comprovação de circunstâncias que consigam atribuir ao facto uma imagem global insusceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente[10].    
4.2.2. No caso, temos que o recorrente casou com a vítima EE em 1988 e que o divórcio, em 2002, mais não visou do que criar “um efeito legal” (facto provado n.º 3), uma vez que o casal continuou a vida em comum. Com uma interrupção da coabitação – que os factos provados permitem situar quanto ao início (2002/2003) mas já não quanto ao termo, embora se possa inferir que, pelo menos, não ultrapassou o ano de 2007 (factos provados n.os 4 e 14, por um lado, mas factos provados n.os 18 a 29 e 33, por outro – o recorrente e a vítima partilharam cama, mesa e habitação até ao início de Abril de 2009, altura em que a vítima decidiu abandonar o domicílio conjugal por não aguentar mais a violência a que, por parte do recorrente, era sujeita
A vítima EE era a mãe dos dois filhos do recorrente e sempre foi ela quem suportou todas as despesas do casal bem como todas as despesas decorrentes da educação dos filhos do casal (factos provados n.os 12, 66, 67, 68, 69, 70).
Nesta relação de vida entre o recorrente e a vítima EE funda-se, justamente, a especial censurabilidade do facto de o recorrente ter posto termo à vida de sua mulher, em 21 de Abril de 2009, com o que aquele demonstrou ter vencido as contra-motivações éticas pressupostas naquela relação.
4.2.3. Sabe-se que, no dia 20 de Abril, o recorrente combinou um encontro, a realizar-se no dia seguinte, com a vítima e o pai e o irmão dela, com o fim de serem resolvidas questões decorrentes da separação e das dificuldades económicas do recorrente (facto provado n.º 38).
O recorrente chegou ao local combinado, a serração “DD” levando consigo um revólver de calibre .32, carregado com seis munições, e mais sete munições (factos provados n.os 40 e 41).
E, dirigindo-se ao escritório, onde o aguardava a vítima EE apontou a arma na direcção do corpo da vítima e, de imediato, efectuou três disparos na direcção do corpo da vítima EE, visando a cabeça da mesma (factos provados n.os 42, 43 e 44).
Em face destes factos, a fundamentação da 1.ª instância quanto à questão de não se verificar a circunstância da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º («agir com frieza de ânimo, com reflexão sobre os meios empregados ou ter persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas») é imprecisa e, em si mesma, contraditória. Com o beneplácito da relação.
Da fundamentação, antes transcrita, quanto à não verificação de um circunstancialismo adequado a preencher o exemplo-padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º resulta que ele foi liminarmente afastado por não se comprovar que a “premeditação tenha durado mais de 24 horas”. Mas, no entanto, afirma-se que o recorrente «entrou no escritório da serração sabendo o que lá ia fazer, pois não é explicável de outro modo o facto de já levar consigo a dita arma e respectivas munições» e que «reflectiu, pois, com alguma antecedência, sobre o acto que queria cometer e escolheu para matar um objecto especialmente vocacionado para tal finalidade».
Na base desta fundamentação parece estar uma compreensão redutora a um único critério do conteúdo da alínea j).  
Ora, na alínea j) reúnem-se alguns dos entendimentos que diferentes ordenamentos jurídicos conferem ao conceito de premeditação. Para além da premeditação, propriamente dita (desígnio de matar formado pelo menos vinte e quatro horas antes), a frieza de ânimo, a traduzir um processo frio, lento, cauteloso na preparação do crime, e a reflexão sobre os meios empregados, na manifestação da escolha, por parte do agente, dos meios de actuação que facilitem a execução do crime (que tenham mais probabilidade de êxito).
Na estrutura valorativa do exemplo padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do CP encontra-se uma linha condutora que engloba, afinal, diversas manifestações de uma especial intensidade da vontade criminosa.
Qualquer das aludidas manifestações – agir com frieza de ânimo, agir com reflexão sobre os meios empregados, persistir na intenção de matar por mais de 24 horas – e outras estruturalmente análogas, v.g., num exemplo de escola, em certos casos, a persistência da intenção de matar por 23 horas, é, por si mesma, susceptível de indiciar um tipo de culpa agravado[11].
A fundamentação realça a reflexão que precedeu a execução. E, nessa perspectiva, o circunstancialismo considerado poderia ser susceptível de preencher o exemplo-padrão da alínea j) do n.º 2 do artigo 132.º do CP na medida em que seria revelador de que o recorrente foi determinado e cauteloso na preparação do crime, agindo com reflexão sobre os meios empregados, por aí se manifestando uma particular intensidade da vontade criminosa, capaz de revelar a especial censurabilidade da conduta do recorrente.
 E o mesmo é evidenciado no âmbito da fundamentação da pena pelo homicídio, onde, mais uma vez com o beneplácito da relação, se destacou, a dado passo:
«São circunstâncias agravantes para o efeito da graduação da pena, dentro da moldura já de si especialmente agravada do crime, a premeditação do crime, já que o arguido entra na serração munido de uma arma municiada e passado cerca de 30 segundos efectua três disparos em direcção da vítima (…)».
Só que, todas as considerações feitas a respeito da manifestação da “premeditação”, no sentido da firmeza da decisão e da reflexão que precedeu e acompanhou a execução são inferências extraídas de o recorrente ter comparecido no local do combinado encontro levando consigo a arma e ter, de imediato, disparado contra a vítima. Porque, bem vistas as coisas, os factos provados, na sua estrita objectividade, só informam que o recorrente chegou ao local do encontro com a arma e, de imediato, disparou, mas já nada dizem sobre o recorrente ter formulado, anteriormente, o desígnio de matar e, por isso, ter-se previamente munido da arma, com essa finalidade. E, por outro lado, houve ademais a preocupação de dar como não provado que o recorrente tivesse agido com frieza de ânimo, conceito que compreende, precisamente, um propósito de matar firme formulado com anterioridade à acção e que poderia ser revelado no facto de o recorrente se ter previamente munido da arma e levado, ainda, munições.
Com o que se quer dizer, em resumo, que a fundamentação da exclusão da verificação da alínea j) não se mostra fundada, enquanto radica na compreensão de ela se verificar (se verificar, apenas) com a “premeditação propriamente dita” ignorando outras circunstâncias nela englobadas, mas que, ao destacar um circunstancialismo que já seria possivelmente apto a dar-se por preenchido esse exemplo-padrão, excede os factos provados que, na forma como foram fixados, não comportam, mesmo por inferência, a frieza de ânimo (dada por não provada) e a reflexão sobre os meios empregados.
E isto porque, sabido que o recorrente iria comparecer a um encontro não só com a vítima mas ainda com o pai e o irmão dela (que, afinal, não se encontravam presentes, por razões que a fundamentação de facto não esclarece) e que a finalidade desse encontro era o acerto de questões económicas, sempre aptas a criar tensões, não é destituída de plausibilidade a hipótese de o recorrente se ter munido previamente da arma, para prevenir a possibilidade de se sentir em posição desvantajosa, nesse encontro.
Claro que há, ainda, a considerar que o recorrente, mal chegou ao local do encontro, disparou para matar. Mas desse facto não se pode extrair que a decisão de matar a vítima, nesse momento e local, já tivesse sido formulada, anteriormente, pelo recorrente. Tanto mais quanto o que o recorrente esperaria, segundo o que fora combinado, era que, no local do encontro, estivessem também presentes o pai e o irmão da vítima. Por isso, não se pode necessariamente ver na imediação da acção a concretização de uma decisão anterior.
4.2.4. Aliás, numa outra perspectiva, a imediação da acção poderia ser adequada a conformar uma actuação traiçoeira capaz de eliminar qualquer possibilidade de defesa por parte da vítima, reconduzindo-se, portanto, à estrutura valorativa que preside ao exemplo-padrão da alínea i) do artigo 132.º
A alínea i) subordina-se a uma ideia condutora de uma execução do facto especialmente censurável porque reduz as possibilidades de defesa da vítima. Para efeitos da alínea i), meio insidioso será todo aquele que assuma um carácter enganador, dissimulado, oculto, subreptício. Em suma, meios traiçoeiros que eliminam qualquer possibilidade razoável de defesa por parte da vítima[12].
Recorde-se que o recorrente iria ter um encontro com a vítima em que esta estaria acompanhada do pai e do irmão e que se realizaria em “terreno neutro”, isto é, fora do domicílio do casal, sendo que este sempre constituiu para o recorrente “um tecto protector” para a expressão da sua agressividade em relação à mulher.
Naturalmente, a vítima não teria motivos para encarar com desconfiança e receio esse encontro com o recorrente, na medida em que iria decorrer na presença de testemunhas, seus familiares próximos, e em local fora do âmbito da dominação do recorrente.
 A vítima compareceu ao encontro combinado mas, no local, acaba por se encontrar sozinha (sem que se explique a razão disso, como já notámos). Chegado ao local, ao recorrente, deparando-se-lhe a vítima no espaço do escritório, só, sem qualquer possibilidade de se defender ou de ser defendida por terceiro, num espaço fechado, sem possibilidade de fugir (cfr., nomeadamente, ponto 53 dos factos provados), efectuou três disparos visando a cabeça da mesma.
O que tudo sugere um ataque súbito e inesperado, uma actuação de surpresa, achando-se a vítima desprevenida e sem ter qualquer hipótese de fuga ou de se defender, por qualquer meio, e nem mesmo lhe foi dado “tempo de reacção”.
De referir que a imediação da acção está bem concretizada na motivação da decisão de facto onde, a certa altura, se escreveu: «Todos os funcionários [as testemunhas, empregados da serração] referiram que o arguido, logo após ter estacionado o veículo, saiu da viatura em passo acelerado e entrou no escritório da serração. Logo após o arguido ter entrado no escritório da serração ouviram 4 tiros seguidos.
«Referiram que entre a entrada do arguido na serração e os tiros não decorreu mais de 30 segundos e que durante aquele período não ouviram qualquer discussão, qualquer palavra ou ruído proveniente do interior da serração.»
Todavia, sem um melhor esclarecimento que decorresse dos factos dados por provados, não se poderá inquestionavelmente afirmar, na prática do facto, uma actuação traiçoeira adequada a integrar a circunstância da alínea i) do artigo 132.º e capaz, por isso, também ela, de conferir ao homicídio uma imagem global agravada fundada na especial censurabilidade do recorrente.
            4.3. O recorrente, na prossecução da finalidade de obter a redução das penas pelos crimes – e, portanto, da pena pelo crime a que se circunscreve o nosso conhecimento –, dá especial ênfase aos factos (facto provado n.º 59) relativos às alterações da personalidade que apresenta, como sequela do acidente sofrido quando tinha 19/20 anos, adequadas, na sua perspectiva, a diminuir a sua culpa, e à inexistência de necessidades de prevenção especial por sempre, fora do meio conjugal, ter demonstrado ser pessoa pacífica e, agora, encontrando-se na condição de paraplégico, impedido de se tornar perigoso seja para quem for.
            Concretamente quanto à pena pelo homicídio, censura, ainda, o recorrente – na motivação, embora não tenha levado a matéria às conclusões – as instâncias por, na determinação da medida da pena terem valorado a “premeditação”, não comprovada, não nos factos, o uso da arma, quando ele se revelou meio necessário para cometer o crime, e a circunstância de se estar em presença de um “crime passional”, como decorre da tentativa de suicídio do recorrente, se, assim, se interpretar o facto de o recorrente ter sido encontrado, também ele, com um tiro na cabeça, ao lado da vítima.
            4.3.1. As finalidades das penas são, como paradigmaticamente declara o artigo 40.º, n.º 1, do CP, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Com este texto, introduzido na revisão de 95 do CP[13], o legislador instituiu no ordenamento jurídico-penal português a natureza exclusivamente preventiva das finalidades das penas[14].
Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial. «Umas e outras devem coexistir e combinar-se da melhor forma e até ao limite possíveis, porque umas e outras se encontram no propósito comum de prevenir a prática de crimes futuros.»[15]
Com a finalidade da prevenção geral positiva ou de integração do que se trata é de alcançar a tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto. No sentido da tutela da confiança das expectativas de todos os cidadãos na validade das normas jurídicas e no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.
A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos é um «acto de valoração in concreto, de conformação social da valoração legislativa, a levar a cabo pelo aplicador à luz das circunstâncias do caso. Factores, por isso, da mais diversa natureza e procedência – e, na verdade, não só factores do “ambiente”, mas também factores directamente atinentes ao facto e ao agente concreto – podem fazer variar a medida da tutela dos bens jurídicos»[16]. Do que se trata – e uma tal tarefa só pode competir ao juiz - «é de determinar as referidas exigências que ressaltam do caso sub iudice, no complexo da sua forma concreta de execução, da sua específica motivação, das consequências que dele resultaram, da situação da vítima, da conduta do agente antes e depois do facto, etc.»[17].
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva, devem actuar as exigências de prevenção especial. A medida da necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo do ponto de vista da prevenção especial.
Se a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, n.º 2, do CP), a culpa tem a função de estabelecer «uma proibição de excesso»[18], constituindo o limite inultrapassável de todas as considerações preventivas.
 A aplicação da pena não pode ter lugar numa medida superior à suposta pela culpa, fundada num juízo autónomo de censura ético-jurídica. E o que se censura em direito penal é a circunstância de o agente ter documentado no facto – no facto que é expressão da personalidade – uma atitude de contrariedade ou de indiferença (no tipo-de-culpa doloso) ou de descuido ou leviandade (no tipo-de-culpa negligente) perante a violação do bem jurídico protegido. O agente responde, na base desta atitude interior, pelas qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da sua personalidade que se exprimem no facto e o fundamentam[19].
Os concretos factores de medida da pena, constantes do elenco, não exaustivo, do n.º 2 do artigo 71.º do CP, relevam tanto pela via da culpa como pela via da prevenção.
4.3.2. Nos crimes de homicídio, as exigências de prevenção geral positiva são sempre especialmente intensas porque a violação do bem jurídico fundamental ou primeiro – a vida – é, em geral, fortemente repudiada pela comunidade. Mas quando o homicídio, como acontece no caso, é o culminar de um longo processo de violência exercida contra a mulher, no contexto de uma relação matrimonial, as exigências de prevenção geral são, ainda, acrescidas. Em virtude, como já referimos, da consciencialização comunitária dos fenómenos de violência de género, particularmente de violência doméstica, e da ressonância fortemente negativa que adquiriram. E, por isso, a estabilização contra-fáctica das expectativas comunitárias na afirmação do direito reclama uma reacção forte do sistema formal de administração da justiça, traduzida na aplicação de uma pena capaz de restabelecer a paz jurídica abalada pelo crime e de assegurar a confiança da comunidade na prevalência do direito.
Na prática do crime manifestam-se qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente que conformam, para além do preenchimento do exemplo-padrão da alínea b) do n.º 2 do artigo 132.º do CP – este já não ponderado para efeitos da determinação da medida da pena pelo crime, como é imposto pela proibição da dupla valoração –, um muito elevado grau de culpa, no quadro da especial censurabilidade própria do tipo qualificado.
O facto não é um acto único, concretamente motivado, de expressão extrema de violência, mas o culminar de um processo longo de exercício continuado de dominação da vítima, pela humilhação e pelo uso da violência.
 Ao longo da sua vida de casal, o recorrente desrespeitou gravemente a dignidade de pessoa da vítima, tornando-a o “objecto” eleito do exercício, por variadas formas, do seu domínio. Através da violência física e psicológica, o recorrente sujeitou a vítima ao seu “poder” e controlo e até mesmo à exploração económica, uma vez que era a vítima quem suportava todas as despesas do agregado, nomeadamente as decorrentes da educação dos filhos e, ainda assim, o recorrente ia-lhe exigindo a entrega do dinheiro que ela auferia com a sua actividade de comerciante (facto provado n.º 12).
Na prática do facto, escassos dias após a vítima abandonar o domicílio conjugal, com o propósito da separação, manifesta-se a incapacidade de o recorrente “aceitar” que a vítima recupere a sua dignidade de pessoa, libertando-se da sua dominação. Mas não estarão em jogo exclusivamente fenómenos de frustração do recorrente parecendo subjazer, ainda, preocupações do recorrente com a sua própria subsistência económica. Para o que as exigências de “pagamentos” (factos provados n.os 29, 30 e 31) e a finalidade do tal encontro passar pela resolução das dificuldades económicas do recorrente (facto provado n.º 38) apontam.
Temos, assim, na prática do crime e no seu comportamento anterior a manifestação de qualidades muito desvaliosas da personalidade do recorrente, caracterizada por impulsividade, irritabilidade, explosividade e traços paranóicos (factos provados no n.º 59).
Ao contrário do que o recorrente pretende, não se comprova que as características da sua personalidade sejam uma consequência necessária do acidente que sofreu aos 19/20 anos (o que se diz no facto provado n.º 59 é que o traumatismo “muito provavelmente poderá ter provocado alterações da personalidade”) como, principalmente, não se demonstra a incapacidade de o recorrente as poder controlar, de modo a adequar normativamente a sua conduta, ainda que com recurso a apoio médico e terapêutico adequados.  
Se é certo que a imagem social do recorrente “sempre esteve associada ao reduzido auto-controlo perante situações adversas, motivo pelo qual eram evitadas as interacções pessoais com o mesmo” (facto provado n.º 59), não há conhecimento de outros comportamentos anti-sociais do recorrente, sendo sintomática a ausência de antecedentes criminais e a limitação dos comportamentos ilícitos ao meio familiar. E, mesmo neste âmbito, não pode ser desconsiderada a discriminação positiva de que gozava o filho. Este foi poupado às agressões físicas e ameaças e não porque, da parte dele, houvesse qualquer complacência com a conduta do recorrente. Poderá, por isso, afirmar-se a capacidade de o recorrente controlar os seus impulsos agressivos e de deixar, ou não, operar os mecanismos inibitórios e de auto-censura.    
Tudo a significar que as características da personalidade do recorrente não são de molde a diminuir a sua culpa pelo facto.
Ao matar a mulher o recorrente não manifestou apenas insensibilidade pela vida dela mas demonstrou também indiferença pelos filhos. Não só em virtude do desgosto que lhes iria causar a perda da mãe mas ainda porque os deixaria desprotegidos, privando-os de quem lhes proporcionava o sustento e a educação. Também por aqui, é elevada a culpa do recorrente e são agravadas as consequências do facto.
Poderá conceder-se que as exigências de prevenção especial de socialização não são especialmente significativas. Mas também não constituem elas, normalmente, nos casos de homicídio, um factor com relevo significativo na medida da pena porque, quando é posto em causa o bem jurídico vida sobreleva, decisivamente, a necessidade e a medida da sua tutela.
Por isso, a situação em que o recorrente actualmente se encontra, “acamado” e “aparentemente na total dependência de terceiros”, conforme foi dado por provado (facto provado n.º 59), e que não tem, nos factos provados, a dimensão que o recorrente lhe atribui, porque não se comprova nem a paraplegia nem a irreversibilidade da situação, apenas poderá relevar enquanto factor de penosidade acrescida que o cumprimento da pena de prisão acarretará para o recorrente.  
Neste ponto, convirá esclarecer que os factos provados não informam que o recorrente, após o crime, tenha falhado uma tentativa de suicídio. O que resulta, porém, da motivação da decisão de facto, embora essencialmente no âmbito da explicitação das razões por que o tribunal não se convenceu de que a morte da vítima e os ferimentos na cabeça que o recorrente apresentava tivessem sido causados por terceiro. Talvez se outra tivesse sido a estratégia da defesa do recorrente se pudesse ter provado essa tentativa de suicídio e, por via dela, alcançar uma mais perfeita compreensão do estado do recorrente e da sua motivação no momento do crime.
Na ponderação que fizemos, da culpa do recorrente e das exigências de prevenção geral, não se encontrarão razões que validamente sustentem uma redução da pena pelo homicídio.
Todavia, não podemos deixar de reflectir na consideração de circunstâncias a que as instâncias, infundadamente, conferiram relevância agravativa da pena.
A “premeditação do crime” que, sem qualquer suporte nos factos provados, como antes demonstrámos, foi tida em conta.
Também, “o meio de agressão utilizado”. Ora, se a intenção é causar a morte, a utilização, pelo agente, de uma arma de fogo mais não representa do que o uso de um meio apto e adequado a, de forma eficaz e rápida, causar a morte. Ou seja, se o agente para matar, e não querendo causar uma morte cruel, aumentando o sofrimento da vítima, servindo-se de meios atrozes, usa uma arma de fogo não se pode ver, em tal uso, uma circunstância que agrava o crime.
Também a “superioridade física”. A qual [a superioridade física do recorrente], no caso, não só não se prova como, ainda, que se comprovasse, seria anódina pois do que se tratou não foi de um confronto físico entre a vítima e o recorrente, em que a superioridade física deste poderia, então sim, relevar, mas, antes, de um acto homicida em que a “superioridade” do homicida e a correlativa “inferioridade” da vítima é resultado de aquele dispor do meio apto a causar o resultado que visa.
Esta discordância significa que não temos por verificados factores que foram considerados pelas instâncias para a determinação da pena. Assim sendo, a confirmação da medida da pena implicaria, em bom rigor, um prejuízo objectivo para o recorrente.
Ponderando-se, por um lado, que não temos por verificadas circunstâncias agravativas que foram consideradas pelas instâncias na determinação da medida da pena e, por outro, que a situação de doença do recorrente constituirá factor de penosidade acrescida do cumprimento da pena, entendemos ajustado fixar em 16 anos a pena pelo crime de homicídio qualificado.      
4.4. Resta abordar a questão da medida da pena pelo concurso de crimes.
4.4.1. Estabelece o n.º 2 do artigo 77.º do CP, que a moldura penal abstracta do concurso de crimes é encontrada em função das penas concretamente aplicadas aos vários crimes em concurso, correspondendo o limite mínimo à pena mais elevada das penas concretamente aplicadas e o limite máximo à soma de todas as penas concretamente aplicadas (não podendo ultrapassar, porém, 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e 900 dias, tratando-se de pena de multa).
A medida concreta da pena do concurso determinar-se-á, no quadro da moldura abstracta, segundo o critério do artigo 77.º, n.º 1, segundo parte, do CP, para o qual o artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma, remete – na determinação da pena do concurso são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente.
No nosso sistema, a pena conjunta pretende ajustar a sanção – dentro da moldura formada a partir de concretas penas singulares – à unidade relacional de ilícito e de culpa, fundada na conexão auctoris causa própria do concurso de crimes.
            Como destaca Cristina Líbano Monteiro[20]:
            «(...) quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que está na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Adverte que o todo não equivale à mera soma das partes e repara, além disso, que os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete de caso para caso. A esse novo ilícito corresponderá uma nova culpa. Que continua a ser culpa pelos factos em relação. Afinal, a avaliação conjunta dos factos e da personalidade de que fala o CP.»
            O que significa que o nosso sistema rejeita uma visão atomística da pluralidade dos crimes e obriga a ponderar o seu conjunto, a possível conexão dos factos entre si, e a relação da personalidade do agente com o conjunto de factos.
            E obriga a uma especial fundamentação, «só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da “arte” do juiz uma vez mais – ou puramente mecânico e, portanto, arbitrário»[21].
            Por conseguinte, no sistema da pena conjunta, a fundamentação deve passar pela avaliação da conexão e do tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifica e pela avaliação da personalidade unitária do agente. Particularizando este segundo juízo – e para além dos aspectos habitualmente sublinhados, como a detecção de uma eventual tendência criminosa do agente[22] ou de uma mera pluriocasionalidade que não radica em qualidades desvaliosas da personalidade – o tribunal deverá atender a considerações de exigibilidade relativa e à análise da concreta necessidade de pena resultante da inter-relação dos vários ilícitos típicos[23].
            4.4.2. No caso, há a considerar as seguintes penas: 16 anos de prisão, pelo homicídio, 3 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de violência doméstica, 2 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de maus tratos, na pessoa da filha CC, 18 meses de prisão, pelo crime de maus tratos, na pessoa do filho AA, 13 meses de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida.
            Assim, a moldura penal abstracta do concurso tem como limite mínimo 16 anos de prisão e o limite máximo de 24 anos e 7 meses de prisão.
            Na ponderação global dos crimes predomina serem eles expressão de uma atitude do recorrente de dominação, no âmbito familiar, primeiro sobre a mulher depois também sobre os filhos, imposta pela violência física e psicológica, exercida com constância ao longo de duas décadas. Na prática dos crimes o recorrente revelou o desrespeito e a indiferença pelos laços familiares e pela dignidade das pessoas da mulher e filhos, dando livre expressão às qualidades desvaliosas da sua personalidade, a culminar no acto de matar a mulher, sem que, na relação conjugal e na paternidade, encontrasse fundamentos para adoptar mecanismos inibitórios e de auto-controlo.
            Manifesta-se, portanto, na prática dos crimes, uma verdadeira tendência criminosa do recorrente, não obstante a mesma se concretizar exclusivamente no meio familiar mas também por isso mesmo, quer dizer, justamente por o recorrente demonstrar, na prática dos factos, uma defeituosa compreensão de valores essenciais de convivência humana, no âmbito das relações conjugais e parentais.
            Na consideração global dos factos e do tipo de conexão que entre eles se pode estabelecer e da personalidade do recorrente neles manifestada, mas, ainda aqui, conferindo relevo ao actual estado de saúde do recorrente, adequado a implicar sacrifícios pessoais acrescidos no cumprimento da pena, concluímos ser ajustada a pena conjunta de 18 anos de prisão.
   
III
            Termos em que, acorda-se, em conferência, na 5.ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:
– Em rejeitar o recurso, na parte em que o recorrente convoca a apreciação da questão das medidas das penas pelos crimes de violência doméstica, previsto e punível pelo artigo 152.°, n.os 1, alínea a), e 2, do Código Penal, de maus tratos praticados na pessoa dos seus filhos BB e CC, previstos e puníveis pelo artigo pelo artigo 152.°–A, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e de detenção de arma de proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, por inadmissibilidade, nos termos dos artigos 432.º, n.º 1, alínea b), 400.º, n.º 1, alínea f), e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP;
– Em conceder provimento ao recurso, nas questões da medida da pena pelo homicídio e da medida da pena pelo concurso de crimes, condenando-se o recorrente, pelo crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea b), do Código Penal, na pena de 16 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico de todas as penas cominadas, na pena única de 18 anos de prisão.
Por o recurso ter obtido parcial provimento, não são devidas custas pelo recorrente (artigo 513.º, n.º 1, do CPP, na redacção do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro).

Supremo Tribunal de Justiça, 16 de Junho de 2011

     

Isabel Pais Martins (Relatora)
Manuel Braz      

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[1] Daqui em diante abreviadamente designado pelas iniciais CPP.
[2] Cfr., acórdão de 15/12/2009 (processo n.º 846/09).
[3] Neste sentido, v. g., dentre os mais recentes, o acórdão deste Tribunal, de 12/05/2011, no processo n.º 7761/05.9TDPRT.P1.S1 (5.º secção) e o acórdão de 09/06/2011, no processo n.º 4095/07.8TPPRT.P1.S1, relatado pela, agora, relatora.
[4] Comentário do Código de Processo Penal, 4.ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 11 ao artigo 400.º, p. 1046.

[5] Foi este o ponto da matéria de facto alterado pela relação. A redacção da 1.ª instância era a seguinte: «40 – Por sua vez, cerca das 13 horas e 30 minutos, o arguido AA chegou à Rua de ....., em ....., Paços de Ferreira, mais concretamente às instalações da "Serração DD", levando consigo o seu revólver, de "calibre .32", com o número de serie 000000000, de marca Harrington & Richardson Magnum, devidamente carregado com seis munições.» Vê-se, portanto, que a alteração introduzida pela relação se limitou à eliminação do pronome possessivo “seu”, o que, como antes tínhamos afirmado, é, na perspectiva do elemento objectivo do tipo de detenção de arma proibida, indiferente.

[6] Cfr., v. g., Acta da 2.ª Sessão da Comissão Revisora do Código Penal, de 17 de Março de 1966, Acta n.º 20, de 13 de Dezembro de 1989, da Comissão de Revisão, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, p. 188 e ss., Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense ao Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo I, p. 25 e ss., Teresa Serra, Homicídio Qualificado, Tipo de Culpa e Medida da Pena, Livraria Almedina, Coimbra, 1990, p. 58 e ss. Numa perspectiva dogmática crítica, João Curado Neves, «Indícios de Culpa ou Tipos de Ilícito? A difícil relação entre o n.º 1 e o n.º 2 do artigo 132.º do CP», Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 721 e ss.
[7] Neste ponto, cfr.,Figueiredo Dias, Comentário cit., pp. 29 e 30, merecendo-lhe destaque as posições de Fernanda Palma e Teresa Serra.
[8] O Conselheiro Sousa Brito expressou, então, o seu total desacordo com a solução obtida para a alínea a) por, no seu ponto de vista, se tratar de uma solução anacrónica, não justificável político-criminalmente e recebida no Código por mero efeito da tradição portuguesa na matéria. No entanto, outros Membros da Comissão sustentaram a manutenção dessa alínea e, na ocasião, o Professor Figueiredo Dias, pronunciando-se pela manutenção, não deixou de relevar que a «a eliminação teria efeitos negativos em termos de prevenção geral e de alcance social (Cfr. Acta n.º 20, de 13/12/89, Actas e Projecto da Comissão de Revisão, Rei dos Livros, pp. 190-192).  
[9] Disponível em http://www.mj.gov.pt
[10] Assim, Teresa Serra, ob. cit., pp. 66-70.
[11] Cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 40.
[12] Neste ponto, cfr., v. g., a resenha da jurisprudência deste Tribunal, a propósito, por Paulo Pinto de Albuquerque,  Comentário do Código Penal, 2.ª edição, Universidade Católica Editora, anotação 23. ao artigo 132.º, pp. 404-405.
[13] Inexistente na versão primitiva do CP, foi introduzido com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março.
[14] Sobre a evolução, em Portugal, do problema dos fins das penas e a doutrina do Estado, cfr. Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, p. 88 e ss.
[15] Ibidem, p. 105.
[16] Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 228.
[17] Ibidem, p. 241.
[18] Figueiredo Dias, Temas, cit., p. 109.
[19] Figueiredo Dias, «Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime» Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 2, Fasc.1, Janeiro-Março de 1992, Aequitas, Editorial Notícias,p. 14.
[20] «A pena “unitária” do concurso de crimes», Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 16.º, n.º 1, Janeiro-Março 2006, Coimbra Editora, p. 151 e ss.
[21] Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, p. 291.
[22] E só neste caso será adequado atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal.
[23] Neste sentido, cfr. autores e ob. cit, respectivamente, p. 164 (Revista cit.) e p. 291 (Consequências ... cit.).