Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
41/20.1YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO CONTENCIOSO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: RECLAMAÇÃO
MAGISTRADOS JUDICIAIS
ISENÇÃO DE CUSTAS
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 02/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AÇÃO ADMINISTRATIVA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- A parte “magistrado” só fica isenta quando se conclua que os actos que motivam intervenção em juízo, sendo parte do lado activo ou do lado passivo, foram praticados em virtude do exercício das suas funções jurisdicionais decisórias em qualquer processo; ao invés, fica obrigado enquanto parte ao pagamento das custas processuais (nas suas diversas modalidades: art. 529º do CPC) nos casos que exorbitam da sua função primordial de julgamento e decisão.

II- Estão, por isso, abrangidas nestes casos de não isenção as situações em que o magistrado age na defesa de direitos de natureza pessoal ou profissional-deontológica, traduzidas em acções em que não há nexo de causalidade (directo e imediato) entre o seu objecto e o exercício das referidas funções na administração da justiça.

Decisão Texto Integral:


Processo 41/20.1YFLSB

78/23

Relator: Ramalho Pinto

Autor: AA

Réu: Conselho Superior da Magistratura

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça:

I.

Notificado do despacho da (anterior) Relatora de 03/03/2022, veio o Autor, actualmente Juiz Desembargador, apresentar reclamação para a Conferência.

Alega, em suma, que com a entrada em vigor da norma contida no art. 179.º do EMJ, na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, os magistrados judiciais passaram a beneficiar de isenção de taxa de justiça nos meios de reacção jurisdicional às deliberações do CSM (I).

Mais alega, em síntese, que o despacho reclamado padece de omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a aplicação da tabela I-B do RCP à tributação em causa (II).

Concluiu requerendo:

a) Que seja submetida à conferência a questão mencionada em I), por forma a que sobre a matéria do referido douto despacho recaia um acórdão desse Supremo Tribunal, no sentido de estar o Autor isento de taxa de justiça;

ou, caso se entenda não ser admissível a submissão à conferência,

b) Que seja reapreciada tal questão e reformado o douto despacho nos termos e em conformidade com o exposto, decidindo-se que o Autor está isento de taxa de justiça; ou ainda, caso não obtenham procedência tais pretensões,

c) Que seja suprida a nulidade invocada em II), proferindo-se decisão sobre a mencionada questão, relativamente à qual o douto despacho é omisso, nos termos e sentido peticionados.”.

*

II.

Apreciando:

Por decisão sumária de 05/12/2021 da Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Relatora (anterior) foi declarada extinta a instância por desistência do pedido, nos termos que se transcrevem:

Pelo exposto, não existindo qualquer efeito útil a obter com a prossecução dos autos e dada a perda de interesse do autor, decide-se, ao abrigo do disposto no art. 27.º, n.º 1, alínea e), do CPTA, ex vi artigos 166.º, n.º 2, 169.º e 173.º, todos do EMJ, declarar extinta a instância por desistência do pedido.

Valor da ação: € 30 000,01 (cf. artigos 34.º, n.os 1 e 2, do CPTA, conjugado com o artigo 6.º, n.º 4, do ETAF e, por remissão deste, também no artigo 44.º, n.º 1, da LOSJ).

Custas pelo autor (537.º, n.º 1, do CPC), fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta, de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, e Tabela I-A, ambos do Regulamento das Custas Processuais.

Notificado, o Autor dirigiu requerimento aos autos, alegando que apesar de no despacho de 03/03/2021 se ter feito constar que “relativamente à devolução da taxa de justiça paga, tal requerimento será apreciado a final”, veio a ser condenado em custas, sem que nada tenha sido dito a respeito da questão por si suscitada inicialmente.

Mais alegou:

Entende o Requerente, salvo melhor opinião, que tal questão deverá ser apreciada por esse mais Alto Tribunal, pois que o Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) estabelece expressamente que são direitos especiais dos juízes a “isenção de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura ou de Inspetor Judicial” (art. 7.º, n.º 1, alínea f)), além de estabelecer que “os meios de reação jurisdicional [às deliberações do CSM] são isentos de taxa de justiça” (art. 179.º, n.º 1).

Julga o Requerente que o procedimento que utilizou é um meio de reação jurisdicional a deliberações do CSM, pelo que, salvo melhor opinião, estará isento de taxa de justiça e custas.

Por outro lado, ainda que o mesmo siga a tramitação da ação administrativa comum (art. 169.º do EMJ), trata-se, na verdade, de um recurso, cuja competência para o seu julgamento cabe à Secção de Contencioso do STJ (art. 47.º, n.º 2, da LOSJ).

Nessa medida, estando em causa um recurso (meio de reação jurisdicional), considera o Requerente, respeitando melhor entendimento, que a sua tributação sempre seria feita ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do RCP ou, eventualmente, do n.º 2 do seu artigo 6.º (recursos), com referência à Tabela I-B, sendo que no quadro da Tabela I-A não é feita qualquer referência ao artigo 7.º, n.º 1, do mesmo RCP, ambos invocados na decisão final para fixar a taxa de justiça em 6 UC.”.

Concluiu peticionando o seguinte:

Pelo exposto, requer a V.ª Ex.ª que, levando em conta o referido, determine que o meio de reação jurisdicional utilizado pelo Requerente está isento de taxa de justiça e custas ou, se essa não for a interpretação das normas legais invocadas, a sua tributação é feita nos termos da Tabela I-B do RCP.”.

Por despacho de 03/03/2022, a Ex.ma Senhora Juíza Conselheira Relatora indeferiu a pretensão do Autor, nos seguintes termos:

Preliminarmente, deixamos estabelecido que, também tendo em conta uma interpretação holística e sistemática do ordenamento jurídico, importa compaginar a previsão do artigo 179.º do EMJ com as previsões do art. 17.º, n.º 1, al. f), do mesmo Estatuto, e 4.º, n.º 1, al. c), do RCP.

Ora, seja pela redação do próprio enunciado gramatical do art. 17.º, n.º 1, al. f), do EMJ, seja pela redação do art. 4.º, n.º 1, al. c), conjugado com o n.º 3, estes do Regulamento das Custas Processuais, temos que a parte isenta fica obrigada ao pagamento de custas quando se conclua que os atos não foram praticados em virtude do exercício das suas funções. Trata-se, pois, da limitação da isenção de custas nas ações em que sejam parte, “por causa do exercício das suas funções”, os juízes (e os vogais do Conselho Superior da Magistratura que não sejam magistrados).

Neste conspecto, tal como destaca a doutrina da especialidade, «atentos a letra e o escopo do normativo em análise, a expressão ações deve ser interpretada no sentido de abranger, em relação aos juízes, a ação cível e a penal intentada por ele ou contra ele por virtude do exercício das suas funções, ou seja, as ações em que demandou ou foi demandado por causa de alguma decisão sua em qualquer processo» (SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado, 4.ª edição, 2012, Almedina, anotação 4 ao artigo 4.º, p. 182 — sublinhados nossos). Estamos, portanto, perante «[…] um normativo que limita a eficácia da isenção concedida às referidas pessoas, […]» (idem, ibidem, anotação 28 ao artigo 4.º, p. 215).

Por conseguinte, à luz destes preceitos, tem sido interpretado por uniforme jurisprudência dos órgãos de cúpula, quer desta jurisdição, quer da jurisdição administrativa, que a referida isenção deste abrange apenas as ações em que haja nexo de causalidade (direto e imediato) entre o seu objeto e o exercício das referidas funções.

(...)

Em suma: quando um magistrado judicial impugna uma deliberação do CSM, não está a exercer o direito de ação diretamente relacionado com a função de julgar, que lhe confere a isenção a que se reportam os preceitos enunciados. Ao invés, exerce o direito legítimo de impugnação contenciosa de uma deliberação administrativa, pugnando pelo reconhecimento de um direito que estima ter sido denegado, ou deficientemente avaliado, num procedimento promovido pelo órgão de controlo e disciplina. Como tal, constitui-se como uma parte em processo administrativo, sujeita às obrigações tributárias a que estão sujeitos todos aqueles que pretendam impugnar um ato administrativo junto de um órgão jurisdicional.

Logo, e tendo presente a expressa revogação de todos os preceitos que consagrassem isenções de custas previstas em qualquer lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas, não previstas no diploma que aprovou o cogente Regulamento das Custas Processuais e “ainda” os diplomas enumerados no seu n.º 2 (devendo incluir-se nessa revogação os correspondentes preceitos do EMJ), e lendo a previsão do art. 179.º na sua redação atual à luz daqueloutros preceitos normativos aplicáveis e da aplicação sucessivamente efetuada pelos tribunais superiores das duas jurisdições dos mesmos com referência a esta matéria, que os Srs. Magistrados se encontram sujeitos a custas: não só o seu impulso processual inicial depende do efetivo comprovativo de autoliquidação da taxa de justiça, como, caso fiquem vencidos, são condenados em custas a final.

Pelo exposto indefere-se o requerido pelo Autor”.

Notificado, o Autor reclamou para a conferência, oferecendo, em síntese, os seguintes fundamentos:

Com a introdução do art. 179.º do EMJ, “claramente que o legislador quis beneficiar os magistrados judiciais com a isenção de taxa de justiça nos meios de reação jurisdicional às deliberações do CSM, estando esta isenção, como não pode deixar de ser, salvaguarda do efeito daquela anterior norma revogatória do dito artigo 25.°, n.° 1, da Lei n.° 34/2008.

E nem sequer pode dizer-se que se tenha tratado de qualquer lapso legislativo, deixando-se ficar, inadvertidamente, a anterior norma, que havia sido revogada, pois que até a redação do preceito é nova, bem diferente da original do artigo 179.° do primitivo EMJ, sendo agora conforme aos conceitos utilizados no RCP, sabendo-se que os anteriores "preparos" nem sequer correspondem à atual "taxa de justiça".

Efetivamente, o legislador até teve a preocupação de adaptar o nóvel preceito correspondente ao artigo 179.° do EMJ ao próprio RCP, quer quanto à "taxa de justiça" (n.° 1), onde antes constava "preparos" (terminologia que o RCP aboliu), quer quanto à remissão expressa para o então vigente e atual compêndio da tributação processual (n.° 2).

Além disso, o anterior artigo 179.° encontrava-se inserido na Secção IV, do capítulo XI, com o título "Custas e preparos", estando agora o artigo 179.° inserido na Secção V, do capítulo X, com o título "Custas".

Concorde-se ou não com tal benefício concedido aos magistrados judiciais, a verdade é que o mesmo lhes assiste, de pleno direito, desde a entrada em vigor da dita Lei n.° 67/2019, não carecendo este entendimento, a nosso ver, de qualquer esforço de análise interpretativa da lei, nos termos do artigo 9.° do Código Civil.

Acolhendo-se o entendimento sustentado nos acórdão dos Tribunais Superiores citados no douto despacho, sendo que apenas o último se refere ao artigo 179.° do EMJ (Ac. do STJ de 28-06-2017), a verdade é que todos eles foram publicados antes da entrada em vigor do novo EMJ (Lei n.° 67/2019), ou seja, num período em que, efetivamente, não existia qualquer isenção de "preparos" ou custas nos recursos de deliberações do CSM, em face da mencionada norma revogatória constante do artigo 25.°, n.° 1, da Lei n.° 34/2008.

Mas tal entendimento já não tem, salvo o devido respeito, qualquer sustentação à luz da atual redação do artigo 179.°, n.° 1, do EMJ, como se refere na parte final do douto despacho, afigurando-se essa interpretação manifestamente contrária a lei vigente expressa.

Ademais, não se vislumbra qualquer incongruência ou incompatibilidade entre aqueles artigos 4.°, n.° 1, alínea c), do RCP e 17.°, n.° 1, alínea f), do atual EMJ, por um lado, e o citado artigo 179.°, n.° 1, do mesmo Estatuto, por outro, pois que este último, até pela sua inserção sistemática, tem somente a ver com os "Meios impugnatórios administrativos e contenciosos" (Capítulo X), integrando a respetiva Secção V (Custas).

Na verdade, tal benefício, ao contrário do que sucede com o estabelecido nos artigos 4.°, n.° 1, alínea c), do RCP e 17.°, n.° 1, alínea f), do EMJ, não exige, nem sequer pressupõe, que a causa tenha relação com o exercício das funções jurisdicionais, bastando que se trate de meio de reação jurisdicional a deliberações do CSM, órgão de gestão e disciplina dos magistrados judiciais.

Perante o que vem dito, não tendo o douto despacho feito uma correta interpretação e aplicação do regime legal vigente quanto à questão nele apreciada e decidida e não sendo o mesmo de mero expediente, considerando-se o Autor por ele prejudicado, deverá sobre tal matéria recair um acórdão desse Supremo Tribunal.

De todo o modo, caso V.ª Ex.ª entenda que não é admissível reclamação para a conferência (no que não se concede), requer-se que reaprecie tal questão, reformando o douto despacho em conformidade com o exposto, por ter ocorrido erro na determinação da norma aplicável, nos termos permitidos pelos artigos 613.°, n.° 3, e 616.°, n.° 2), alínea a), do CPC, ex vi artigo 1.° do CPTA. (…).”.

Nos termos do art. 27.º, n.º 2, do CPTA, “Dos despachos do relator cabe reclamação para a conferência, com exceção dos de mero expediente.

A propósito da reclamação, afirmou-se na fundamentação do acórdão do STJ, de 10/10/2022, prolatado no processo n.º 24/22.7YFLSB.S11:

Quanto à solicitação de decisão colegial sobre o requerimento de interposição da providência, temos presente que o art. 169 do EMJ dispõe que “os meios de impugnação jurisdicional de normas ou atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, ou de reação jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da ação administrativa prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativo” acrescentando o art. 170 que “ é competente para o conhecimento das ações referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.”. Isto é, a secção do contencioso do Supremo Tribunal de Justiça é a instância jurisdicional única de decisão dos recursos interpostos de atos administrativos, praticados pelo Conselho Superior da Magistratura, o que já foi objeto de apreciação pelo TC no ac. 345/15 que julgou não inconstitucional a existência dessa instância única. Nestes termos, a remissão que o EMJ faz para o CPTA deve contar com esta expressão normativa.

Assim, poder-se-ia questionar se a decisão singular tirada sobre a rejeição liminar de um procedimento cautelar poderia ser objeto ou não de reclamação para a conferência (já que de recurso não poderia ser uma vez que este contencioso é a instância jurisdicional única de decisão). Contudo, cremos que a leitura que deve realizar-se do art. 27 nº 2 do CPTA , embora com previsão nos “Poderes do relator nos processos em primeiro grau de jurisdição em tribunais superiores”, deve aplicar-se aos casos em que não se está em primeiro grau de jurisdição, mas sim no último, e isto para que a decisão possa ter um escrutínio de maior certeza, transparência e segurança.

Admitida nestes termos a reclamação para a conferência, importa esclarecer igualmente que ela não se constitui como um recurso sobre a decisão singular, antes sim uma solicitação para que o coletivo aprecie e se pronuncie sobre a mesma matéria que o relator decidiu e em face dos mesmos elementos, isto é, no caso, do requerimento inicial. Podendo os requerentes apresentar argumentos de interpretação do que antes alegaram, é o que antes se encontra alegado que define o objeto de análise e decisão do coletivo como antes o foi para o relator.”.

Segundo o art. 17.º, n.º 1, al. f), do EMJ, na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, são direitos especiais dos juízes “A isenção de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura ou de inspetor judicial”.

O art. 179.º do EMJ, na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, estabelece:

1 - Os meios de reação jurisdicional são isentos de taxa de justiça.

2 - É subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações, o Regulamento das Custas Processuais.

Nos termos do art. 4.º, n.º 1, al. c), do RCP, estão isentos de custas “Os magistrados e os vogais do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público ou do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que não sejam magistrados, em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções”.

Em anotação àquela al. c), do n.º 1, do art. 4.º, pronunciou-se Salvador da Costa2:

Decorre deste preceito a isenção de custas dos magistrados e dos vogais não magistrados dos conselhos superiores da área da justiça, nas ações em que sejam parte por virtude do exercício das suas funções, de interesse público e de âmbito potencialmente limitado, nos termos do n.º 3 deste artigo.

O conceito de ação abrange a cível e a penal intentadas por eles ou contra eles, por virtude do exercício das respetivas funções, ou seja, naquelas em que demandem ou sejam demandados, como parte principal ou acessória, por causa de alguma decisão por eles proferida em qualquer processo.

Não releva para o referido efeito a mera qualidade de magistrado ou de vogal, nem abrange, por exemplo, os recursos das deliberações dos conselhos superiores que servem sobre a retribuição, classificação de serviço ou impugnação de sanções disciplinares”.

Sobre esta questão pronunciou-se o acórdão do STJ, secção do contencioso de 24/11/2022, processo n.º 49/20.7YFLSB3:

V) REQUERIMENTO INCIDENTAL DE ISENÇÃO DE TAXA DE JUSTIÇA

A Autora veio na sua petição inicial requerer o reconhecimento da isenção do pagamento da taxa de justiça inicial, sem prejuízo de ter feito a respectiva autoliquidação e junto o seu comprovativo de pagamento.

Alega para esse efeito a aplicação do art. 179º do EMJ.

Preceito este que, ocupando a Secção V «Custas» do Capítulo X («Meios impugnatórios administrativos e contenciosos»), reza assim:

«1 – Os meios de reação jurisdicional são isentos de taxa de justiça.

2 – É subsidiariamente aplicável, com as necessárias adaptações, o Regulamento das Custas Processuais.»

Tal normativo terá que ser interpretado de forma sistemática e racional, na sua conjugação externa com o art. 4º, 1, c), e 3 do Regulamento das Custas Processuais (aprovado pelo DL 34/2008, de 26 de Fevereiro) – aplicável em função do art. 179º, 2, do EMJ – e na sua conjugação interna com o art. 17º, 1, f), do mesmo EMJ.

Assim prescrevem:

Artigo 4.º

Isenções

1 – Estão isentos de custas:

(…)

c) Os magistrados e os vogais do Conselho Superior da Magistratura, do Conselho Superior do Ministério Público ou do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que não sejam magistrados, em quaisquer acções em que sejam parte por via do exercício das suas funções;

(…)

3 – Nos casos previstos nas alíneas c) e d) do n.º 1, a parte isenta fica obrigada ao pagamento de custas quando se conclua que os actos não foram praticados em virtude do exercício das suas funções ou quando tenha actuado dolosamente ou com culpa grave.

Artigo 17º

Direitos especiais

1 – São direitos especiais dos juízes:

(…)

f) A isenção de custas em qualquer ação em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções, incluindo as de membro do Conselho Superior da Magistratura ou de inspetor judicial;

(…).

Do enunciado gramatical de tais normas, bem como da sua razão de ser, resulta que a parte “magistrado” só fica isenta quando se conclua que os actos que motivam intervenção em juízo, sendo parte do lado activo ou do lado passivo, foram praticados em virtude do exercício das suas funções jurisdicionais decisórias em qualquer processo; ao invés, fica obrigado enquanto parte ao pagamento das custas processuais (nas suas diversas modalidades: art. 529º do CPC) nos casos que exorbitam da sua função primordial de julgamento e decisão. Estão, por isso, abrangidas nestes casos de não isenção as situações em que o magistrado age na defesa de direitos de natureza pessoal ou profissional-deontológica, traduzidas em acções em que não há nexo de causalidade (directo e imediato) entre o seu objecto e o exercício das referidas funções na administração da justiça.

Assim, as acções em que o magistrado exerce a impugnação contenciosa, relativamente ao cumprimento ou incumprimento do estatuto de deveres inerentes e próprios da sua carreira profissional (por ex., aqueles que respeitam a processos atinentes à sua avaliação e progressão ou do foro disciplinar), pugnando pelo reconhecimento de um direito que entende ser denegado, ou deficientemente avaliado, ou pela improcedência de uma sanção disciplinar que estima ser ilegal, no âmbito de um procedimento desencadeado pelo respectivo órgão de controlo, gestão e disciplina, não estão incluídas na órbita da isenção de custas.

Razão pela qual, nessas acções de impugnação – como a dos presentes autos – o magistrado constitui-se como “parte” em processo administrativo, sujeito às obrigações tributárias em sede de custas a que estão sujeitos todos aqueles que pretendam impugnar um acto administrativo junto de um órgão jurisdicional e não beneficiam de qualquer isenção para qualquer das modalidades de custas processuais atendidas na lei.

Sendo os arts. 4º, 1, c), e 3, do RCP e 17º, 1, f), do EMJ consentâneos entre si enquanto normas limitadoras da eficácia da isenção concedida, não pode deixar o art. 179º, 1, do EMJ, em conformidade com essa interpretação sistemático-racional, também legitimada pela aplicação expressa e remissiva do RCP, de ser assim interpretado e aplicado.

Assim decidiram e julgaram, nesta Secção de Contencioso, os Acs. do STJ de 22/2/2017[27] e 28/6/2017[28], com razões que merecem ser aqui validadas e confirmadas para conduzir ao falecimento da pretensão da Autora Demandante.”.

Ainda que não unânime, tem sido esta a jurisprudência maioritária do STJ.

*

III- Da omissão de pronúncia:

Defende, ainda, o Autor que o despacho reclamado padece de omissão de pronúncia, por não se ter pronunciado sobre a aplicação da tabela I-B do RCP à tributação em causa (questão II).

Concretizando, sustenta:

Sucede que, através do mesmo requerimento, foi também suscitada a questão dos normativos e tabela do RCP aplicáveis à tributação da causa, nos termos que se transcrevem:

(...)

Ora, esta parte do requerimento não foi objeto de apreciação e decisão por aquele douto despacho, o que configura omissão de pronúncia, geradora de nulidade, que agora se invoca, solicitando, caso a questão suscitada em I) não obtenha provimento, que a mesma seja suprida, proferindo-se decisão sobre tal questão, no sentido requerido, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 195.°, n.°s 1 e 2 [2.ª parte], 197°, n.° 1, 199.°, n.° 1 [2.ª parte], 200.°, n.° 3, 613.°, n.° 3, 615.°, n.°s 1, al. d), e 4, e 617.°, n.° 6 [1.ª parte], do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.”.

Sob a epígrafe “princípio da decisão”, determina o art. 13.º, n.º 1, do CPA:

Os órgãos da Administração Pública têm o dever de se pronunciar sobre todos os assuntos da sua competência que lhes sejam apresentados e, nomeadamente, sobre os assuntos que aos interessados digam diretamente respeito, bem como sobre quaisquer petições, representações, reclamações ou queixas formuladas em defesa da Constituição, das leis ou do interesse público.”.

Nos termos do n.º 1, do art. 94.º do mesmo Código, “Na decisão final, o órgão competente deve resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior”.

Assim, à Administração pública impõe-se o dever de decisão nos termos conjugados dos mencionados artigos 13.º e 94.º.

A propósito daquele art. 94.º, consta da fundamentação do Acórdão do STJ, Secção do Contencioso, de 16/05/2018, processo n.º 92/17.3YFLSB4:

A omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal (mutatis mutandis – autoridade administrativa) deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, seja esta questão suscitada, no recurso, pelos sujeitos processuais, seja a mesma de conhecimento oficioso.

A jurisprudência do STJ é unânime no sentido de que “Só existe omissão de pronúncia quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões cujo conhecimento lhe era imposto por lei apreciar ou que lhe tenham sido submetidas pelos sujeitos processuais, sendo que, quanto à matéria submetida pelos sujeitos processuais, a nulidade só ocorre quando não há pronúncia sobre as questões, e já não sobre os motivos ou razões que os sujeitos processuais alegam em sustentação das questões que submetem à apreciação do tribunal, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte em defesa da sua pretensão[25];”(cfr., ainda, o acórdão do STJ, de 22/2/17, Secção do Contencioso, Proc. nº59/16.9YFLSB, e os acórdãos do STA, de 16/6/11 e de 2/2/05, estes últimos disponíveis in www.dgsi.pt).

O vício de omissão de pronúncia, é o corolário da violação do dever de, na decisão final expressa, o órgão competente resolver todas as questões pertinentes suscitadas durante o procedimento e que não hajam sido decididas em momento anterior, que é imposto pelos arts.13.º e 94.º do NCPA (veja-se, neste sentido, o acórdão do STA, de 16-06-2011, proferido no Proc. n.º 01106/09)”.

Sobre a omissão de pronúncia, refira-se também o acórdão do STA, de 11/05/2016 (processo nº 01668/15), publicado em www.dgsi.pt5, em cujo sumário pode ler-se:

Há nulidade da decisão, por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões. E há nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, quando o tribunal se ocupa de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso”.

E, consta, ainda, do sumário do Acórdão do STA de 20/04/2020, processo n.º 0151/07.0BECTB 0602/186:

I - Verifica-se a omissão de pronúncia (cfr. art. 125.º, n.º 1, do CPPT) se o tribunal deixa por conhecer questões que foram suscitadas pelas partes sem indicar razões para justificar essa abstenção de conhecimento e se da decisão jurisdicional também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento ficou prejudicado.”.

Conforme referido, na decorrência da notificado da decisão de 05/12/2021, o Autor formulou requerimento, destacando-se aqui o seguinte:

Julga o Requerente que o procedimento que utilizou é um meio de reação jurisdicional a deliberações do CSM, pelo que, salvo melhor opinião, estará isento de taxa de justiça e custas.

Por outro lado, ainda que o mesmo siga a tramitação da ação administrativa comum (art. 169.º do EMJ), trata-se, na verdade, de um recurso, cuja competência para o seu julgamento cabe à Secção de Contencioso do STJ (art. 47.º, n.º 2, da LOSJ).

Nessa medida, estando em causa um recurso (meio de reação jurisdicional), considera o Requerente, respeitando melhor entendimento, que a sua tributação sempre seria feita ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 7.º do RCP ou, eventualmente, do n.º 2 do seu artigo 6.º (recursos), com referência à Tabela I-B, sendo que no quadro da Tabela I-A não é feita qualquer referência ao artigo 7.º, n.º 1, do mesmo RCP, ambos invocados na decisão final para fixar a taxa de justiça em 6 UC.

Pelo exposto, requer a V.ª Ex.ª que, levando em conta o referido, determine que o meio de reação jurisdicional utilizado pelo Requerente está isento de taxa de justiça e custas ou, se essa não for a interpretação das normas legais invocadas, a sua tributação é feita nos termos da Tabela I-B do RCP.”.

A presente ação deu entrada em juízo em 02/12/2020, ou seja, na pendência do EMJ na redação introduzida pela Lei n.º 67/2019, de 27 de agosto.

Nos termos do art. 169.º do EMJ, “Os meios de impugnação jurisdicional de normas ou atos administrativos do Conselho Superior da Magistratura, ou de reação jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da ação administrativa prevista no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”.

Dispõe o art. 170.º, n.º 1, do EMJ, que “É competente para o conhecimento das ações referidas no presente capítulo a secção de contencioso do Supremo Tribunal de Justiça.”.

O art. 171.º do EMJ dispõe sobre o prazo de propositura da “ação administrativa”.

Sobre os efeitos da propositura da “ação administrativa” rege o art. 172.º do EMJ, estabelecendo, ainda, o art. 173.º que “À ação administrativa regulada neste capítulo aplicam-se subsidiariamente as regras previstas no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”.

Segundo o art. 6.º, n.ºs 1 e 2, do RCP:

1 - A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela i-A, que faz parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é sempre fixada nos termos da tabela i-B, que faz parte integrante do presente Regulamento.”.

Nos termos do art. 7.º, n.ºs 1 e 2, do RCP:

1 - A taxa de justiça nos processos especiais fixa-se nos termos da tabela i, salvo os casos expressamente referidos na tabela ii, que fazem parte integrante do presente Regulamento.

2 - Nos recursos, a taxa de justiça é fixada nos termos da tabela i-B e é paga pelo recorrente com as alegações e pelo recorrido que contra-alegue, com a apresentação das contra-alegações.”.

Compulsado o despacho reclamado, verifica-se que ainda que não tenha sido expressamente infirmada a alegação de que os autos em causa configuram, na verdade, um recurso, a mesma não deixou de ser implicitamente apreciada e contrariada.

Com efeito, na decisão reclamada afirmou-se que se está perante uma “ação administrativa” em que o Autor “constitui-se como uma parte em processo administrativo, sujeita às obrigações tributárias a que estão sujeitos todos aqueles que pretendam impugnar um ato administrativo junto de um órgão jurisdicional.”.

Por outro lado, compulsados os artigos 169.º a 173.º do EMJ, inexistem dúvidas de que após a entrada em vigor da Lei n.º 67/2019, os meios de impugnação jurisdicional de normas ou actos administrativos do CSM, ou de reacção jurisdicional contra a omissão ilegal dos mesmos, seguem a forma da acção administrativa prevista no CPTA.

E note-se que a própria tramitação dos presentes autos é reveladora de que estamos inequivocamente perante uma acção administrativa.

Nesta conformidade, afirmada que está a pendência de uma acção administrativa, inútil se torna a apreciação da tributação devida em caso de recurso, designadamente dos invocados n.ºs 2 dos artigos 6.º e 7.º do RCP e da Tabela I-B.

Assim, tudo ponderado, não ocorre a invocada omissão de pronúncia.

Face a tudo o exposto, deve improceder a reclamação.

x

Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se o despacho reclamado.

Custas pelo Autor.

Lisboa, 28/02/2023

Ramalho Pinto (Relator)

António Gama

António Barateiro Martins

Manuel Capelo

António Magalhães

João Cura Mariano

Paulo Ferreira da Cunha

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

(Presidente da Secção)

Sumário (da responsabilidade do Relator)

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1. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/8d06b25d71413d43802588d80032bf36↩︎

2. “As Custas Processuais - Análise e Comentário”, 8.ª edição, Almedina, 2022, pág. 79.↩︎

3. http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/676bd954bc47d12a80258908003d292b↩︎

4. https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2018:92.17.3YFLSB.96/↩︎

5. http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/0/6dcbd30d7bb8e8fd80257fb70048b666↩︎

6. http://www.gde.mj.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/2f3c27761f7d51fc8025855c0036d317↩︎