Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01P3433
Nº Convencional: JSTJ00042469
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: PARTICIPAÇÃO EM RIXA
HOMICÍDIO
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: SJ200112130034335
Data do Acordão: 12/13/2001
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIAL.
Área Temática: DIR CRIM - CRIM C/PESSOAS.
Legislação Nacional: CP95 ARTIGO 351.
Sumário : Se, após discussão, a vítima munida de uma faca, se envolveu em confronto físico com o arguido, durante o qual aquela sofreu dois golpes - um, no polegar direito e, outro, na coxa direita - e perdeu a posse da faca para o arguido que, sempre envolvido em luta com a vítima, acabou por espetar-lha no peito, matando-a, deve entender-se que, além do homicídio, o arguido também cometeu (embora em concurso aparente) um crime de participação em rixa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Arguido/recorrente: A

1. OS FACTOS (1)

No dia 29Jan99, pelas 21:30, o arguido encontrava-se no parque de estacionamento do Hipermercado ..., sito na Rua ..., na cidade de ..., juntamente com B, com quem vivia maritalmente, e C. Os três estavam naquele local desde cerca as 19:00 e tinham-se feito transportar no veículo automóvel Renault HQ, por este conduzido. O arguido e C decidiram aguardar naquele local no propósito de ali virem a assaltar uma qualquer mulher que ali passasse para se apropriarem de objectos e valores alheios e, assim, obterem dinheiro para adquirirem estupefacientes, que, depois, todos consumiriam. Enquanto aguardavam a oportunidade para consumarem os seus desígnios, gerou-se discussão entre a companheira do arguido e C, que a invectivou por querer abandonar o local. Tendo-se o arguido intrometido na discussão, em defesa da companheira, C pegou numa faca, que se encontrava no interior do veículo, e, dela munido, envolveu-se em confronto físico com o arguido. No decurso da luta, C sofreu um golpe no polegar da mão direita e um outro na coxa da perna direita, altura em que o arguido logrou apoderar-se da faca. De posse dessa faca, e continuando envolvido em luta com C, o arguido espetou-lhe a faca no peito, atingindo-o a nível do tórax, num trajecto de frente para trás e ligeiramente de baixo para cima e da esquerda para a direita, ao nível do 4.º espaço intercostal esquerdo, junto ao esterno, com atravessamento e corte da cartilagem condocostal da 5.ª costela esquerda até ao músculo intercostal a nível do espaço intercostal esquerdo e trajecto penetrante na caixa torácica. A faca atingiu o coração da vítima, provocando uma solução de continuidade na parede anterior do ventrículo esquerdo, que seccionou toda a espessura da parede ventricular esquerda e algumas cordas tendinosas. As lesões traumáticas torácicas descritas foram causa directa e necessária da morte de C. Consumada a agressão, o arguido abandonou o local, juntamente com a companheira, levando consigo a faca utilizada que esta atirou para uma lixeira no Bairro do Balteiro. O arguido actuou da forma descrita, atingindo C em zona vital do seu corpo, o coração, bem sabendo que a utilização de uma faca naquelas circunstâncias, dada a zona do corpo atingida e a força empregue, era susceptível de lhe causar a morte. O arguido, ao atingir a vítima naquela zona do corpo, representou a morte da vítima como consequência possível do seu comportamento, tendo-se conformado com tal resultado. Agiu de forma consciente e voluntária, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. O arguido ajudava o pai na actividade de vendedor de automóveis, é solteiro, vivia com a companheira e possui como habilitações o 7.º ano. Por acórdão de 23.9.2000, já transitado, foi condenado, pela prática em 14.9.1999 de um crime de roubo p.p. pelo art. 210.1 e 2.b, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão (comum colectivo 237/99 da 4.ª Vara Criminal do Porto).

2. A CONDENAÇÃO
Com base nestes factos, a 1.ª Vara Mista de Gaia (2), em 10Jul00, condenou A, como autor de um crime de homicídio simples, na pena de 10 anos de prisão:
Vinha imputada ao arguido a prática de um crime de homicídio qualificado. Porém, a sua conduta consubstancia apenas a prática de um crime de homicídio simples. Dispõe o artigo 132.1 do CP que «se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de 12 a 25 anos». E, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, são susceptíveis de revelar aquela especial censurabilidade ou perversidade, entre outras, as seguintes circunstâncias: a) «ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil» e b) «utilizar veneno ou qualquer outro meio insidioso». A morte da vítima não foi causada em circunstâncias que revelem em especial censurabilidade ou perversidade do agente. Para que tal se verificasse necessário seria estarmos perante um caso em que a negação do valor vida fosse acompanhada de circunstâncias que a sociedade reputa de especialmente ofensivas da consciência ético-social. Não nos parece que tenha sido o caso dos presentes autos. O homicídio, a morte da vítima ocorreu durante uma luta entre a vítima e o arguido sendo certo que fora vítima que apareceu com a faca. O arguido não matou por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, nem por excitação ou prazer sexual. Igualmente o arguido não agiu por motivo torpe ou fútil. A morte da vítima ocorreu na sequência de uma luta entre ela e o arguido, sendo que essa luta surgiu do facto de a vítima ter iniciado uma discussão com a companheira do arguido que pretendia abandonar e não levar a efeito o crime que todos haviam projectado. A facada, só por si, não é suficiente para "revelar especial censurabilidade ou perversidade". Esse facto, que deu origem à morte da vítima, ocorreu no desenrolar da luta entre ambos. Quanto à outra qualificativa, é manifesto que se não verifica. Não foi utilizado veneno nem o meio utilizado é insidioso. É certo que "meio insidioso" é um conceito amplo e que abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e os desleais. Mas o meio utilizado - a faca - não revelou a perversidade exigida. A conduta do arguido consubstancia apenas o crime de homicídio simples p. p. pelo artigo 131.º do CP. Resta, assim, determinar a pena concreta. São determinantes da medida da pena os graus de culpa e de ilicitude, a intensidade dolosa, as consequências do facto, a situação pessoal do agente bem como as necessidades de prevenção do crime. Deve igualmente atender-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, deponham a favor ou contra o agente. O artigo 71.º do Código Penal é um afloramento do princípio geral de que toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Mesmo para aqueles que defendem dar o novo Código Penal uma maior relevância à prevenção geral, a "culpa" do agente constitui o limite da pena. O Código Penal, em sede de medida concreta da pena , adoptou a "teoria da margem de liberdade, nos termos da qual a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas". Se a "culpa" é a pedra basilar de toda e qualquer pena, não podem ser esquecidas as exigências de prevenção de futuros crimes. Prevenção que significa não só prevenção geral - dirigida a toda a sociedade - como também prevenção especial - dirigida ao próprio arguido. Sem esquecer a função da ressocialização do agente: "A função de socialização constitui hoje em dia - e deve continuar a constituir no futuro - o vector mais relevante da prevenção especial". Enquanto que a prevenção geral aspira a prevenir o delito na sociedade, a prevenção especial ou individual dirige-se ao próprio condenado, que, através da lição que recebe com a pena, deve ser afastado de erros futuros e educado para que se adapte às ideias dominantes da sociedade. Estes os princípios que devem nortear a determinação da medida da pena, sem esquecer que esta deve ser sempre uma pena justa, ou seja uma pena que seja aceite e compreendida quer pelo arguido - a quem é em primeira linha dirigida - quer pela generalidade dos cidadãos - titulares originários do direito de punir. De todos as condutas que a sociedade condena e anatemiza, o homicídio é, sem dúvida, o que é objecto de maior repulsa. Sendo a culpa do agente o elemento determinante da pena, impõe-se analisar a culpa do arguido. Como se referiu, a morte ocorreu no meio da luta que o arguido travou com a vítima, que foi a vítima quem puxou da faca e foi desarmado pelo arguido. Muitas vezes é curto o espaço que medeia entre o estado da vítima e o papel de delinquente. Não pretendemos aplicar ao caso o conceito do "victim precipitated crime", aplicado aos casos de homicídio violento em que a própria vítima concorre ou desencadeia o processo que conduz ao homicídio. Mas a verdade é que foi a vítima quem foi buscar a faca e que a estava a usar contra o arguido. Psicologicamente, o arguido, após ter ficado de posse da faca, reagiu da pior forma, utilizando-a para agredir a vítima. A culpa do arguido mostra-se assim de intensidade média, sendo certo que agiu apenas com dolo eventual, isto é na sua forma mais suave. A ilicitude do acto é grande, dado estar em jogo o valor "vida". As necessidades de prevenção geral são elevadas, sendo as de prevenção especial de médio grau. As exigências de repressão e reprovação social são elevadas. Não deixaremos de ter em atenção a situação pessoal do arguido, o modo como o facto ocorreu bem como o comportamento do arguido após o facto. Ponderando todas as determinantes da medida da pena, bem como os limites abstractos da pena aplicável, entendemos como inteiramente justo e adequado cominar ao arguido a pena de 10 anos de prisão.

3. O RECURSO PARA A RELAÇÃO
3.1. Inconformado, o arguido (3) recorreu em 25Jul00 e em 31Out00 à Relação do Porto e ao STJ, pedindo a) ou a anulação do acórdão recorrido e do correspondente julgamento; b) ou a condenação do arguido por homicídio involuntário, c) ou a condenação, com as circunstâncias da legítima defesa ou de ofensas corporais com dolo de perigo, em pena não superior a 3 anos de prisão:
Os factos são insuficientes para credibilizar a tese da intenção de matar. As contradições de facto confirmam apenas a tese de um miúdo de sete anos, vagabundo, dado como tendo visto apenas a facada mortal. Com a descredibilização do arguido e da companheira, a aceitação apenas da tese do miúdo (com visão parcial dos factos e com firmeza apenas quanto à facada final) e a falta da testemunha reclamada pelo MP na audiência, o tribunal cometeu omissão de testemunhas, omissão do depoimento de D (que devia ser ouvido sobre a posse da faca e os momentos dos ferimentos e da facada fatal). O tribunal transpôs para a sua tese factos insuficientes aludidos. Foi agravada na decisão a formulação acusatória. O tribunal teria de explicitar a versão do arguido. Apenas se apurou a versão de um miúdo de sete anos, vagabundo, arrumador de carros, para contrariar a versão de arguido. Sendo amigo, não poderia desejar a morte da vítima, muito menos como toxicodependente, drogado no acto da agressão. Essas circunstâncias, conjuntamente com o facto de ter sido impedido de abandonar o local pela vítima, que empunhava uma faca, fazem concluir pela inexistência de intenção de matar e, até, de homicídio involuntário. No mínimo, legítima defesa. A pena nunca poderia ser superior a 3 anos por ofensa com dolo de perigo ou por excesso de legítima defesa.

3.2. Mas, em 30Mai01, a Relação do Porto (4) julgou o recurso improcedente:
Não ficou provado que o arguido estivesse sob a dependência de drogas ou sequer que fosse toxicodependente. O facto de ser amigo da vítima (que também não se provou) nunca seria circunstância para atenuar a sua responsabilidade ou para concluir que não quis a sua morte. E, fora do texto da decisão recorrida, nada mais se pode sindicar. Por último, dir-se-á que o tribunal colectivo subsumiu correctamente os factos dados como provados, dos quais resulta, sem margem para dúvida, que o arguido cometeu o crime de homicídio simples p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, agindo com dolo eventual, inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa do agente. De harmonia com os princípios consagrados no artigo 40.º e com os critérios do artigo 71.º do Código Penal, a medida concreta da pena fixada para o crime em causa mostra-se ajustada e equilibrada quer na vertente da culpa do agente quer na das exigências da prevenção geral e especial. Pelo que se deixa expendido, nenhum reparo há a fazer ao acórdão impugnado. O presente recurso, pretendendo, essencialmente, sobrepor uma valoração da prova diferente da efectuada pelos juízes do tribunal colectivo, sem ter havido sequer documentação das declarações orais produzidas na audiência de julgamento, deve ser julgado totalmente improcedente quanto aos alegados, mas inexistentes, vícios e nulidades.

4. O RECURSO PARA O STJ
4.1. Mais uma vez irresignado, o arguido (5), em 18Jun01, recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a absolvição por legítima defesa ou, subsidiariamente, a atenuação especial da pena:
A matéria de facto provada configura uma situação de legitima defesa, impondo-se por isso a absolvição do recorrente. Subsidiariamente, essa mesma matéria de facto configurará, pelo menos, uma situação de excesso de legítima defesa, caso em que a pena aplicada ao arguido deverá ser especialmente atenuada. Subsidiariamente ainda, entendendo-se que não existe qualquer situação de legítima defesa, essa mesma matéria de facto impõe, na mesma, uma atenuação especial da pena. LEGÍTIMA DEFESA. O arguido reagiu a uma agressão actual e ilícita por parte da agora chamada vitima, agressão essa com uma faca e, por isso, de consequências imprevisíveis. Excluída, assim, a ilicitude do facto, este não é punível (art. 31.1 e 2.a do CP). EXCESSO DE LEGITIMA DEFESA. Porque um dos pressupostos da legitima defesa é o meio necessário para repelir a agressão e porque o arguido usou a dita faca na referida luta, faca que logrou retirar da posse da vítima na mesma luta, ficando a mesma vítima sem o domínio da faca, poder-se-á dizer que, quedando-se a vitima desarmada (da faca primeiramente empunhou), o uso da faca pelo arguido foi desproporcionado e excessivo para repelir a agressão actual e ilícita do seu opositor. E, nesse sentido, estaríamos perante um excesso de legitima defesa (art. 33º do CP). A ser assim, em função das circunstâncias apuradas e dadas como assentes, a pena deve ser especialmente atenuada. Na verdade, o arguido foi abordado pela vítima, que, para o efeito e previamente, se muniu de uma faca; envolveram-se em luta, sendo que a vítima continuava empunhando a faca; o arguido só espetou a faca uma única vez no corpo do seu opositor, o que demonstra bem que não persistiu na intenção de matar e que foi a intenção de se defender que o moveu. Ora, o homicídio simples é punido coma pena de 8 a 16 anos (art. 131.º do CP). A atenuação especial reduz de 1/3 o limite máximo da pena e a 1/5 o limite mínimo. A pena terá, pois, de se situar entre um mínimo de um ano e sete meses e um máximo de dez anos e oito meses de prisão. Atendendo à moldura penal abstracta do tipo legal de crime em causa, à gravidade da infracção, à intensidade do dolo (dolo eventual), às circunstâncias e aos motivos determinantes legítima defesa com excesso, às condições pessoais do arguido, às demais circunstâncias provadas, às exigências de prevenção especial e geral, no caso atenuadas pela configurada situação de legitima defesa, será de entender como adequada a pena de três anos de prisão. ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA. Entendendo-se que a matéria de facto assente não configura qualquer situação de legitima defesa ou de excesso de legitima defesa, sempre se justificará no caso a atenuação especial da pena por efeito do preceituado no art. 72.1 e 2.a do CP. Resulta da experiência comum que quem pega numa faca, e se envolve em confronto físico em luta com outrem, pretende usar essa faca contra o seu opositor e que, perante essa situação, o opositor (aqui, o arguido) pensará legitimamente que aquele pretende atingi-lo fisicamente com a faca. Não podem, assim, restar dúvidas de que o arguido agiu sob a influência de ameaça grave, uma vez que está perante alguém que, munido de uma faca, se envolve em confronto físico consigo. A culpa do arguido aparece aqui acentuadamente diminuída, porque o carácter censurável de uma tal conduta se revela aqui fortemente esbatido. Porque é confrontado por alguém que se muniu previamente de uma faca; porque não tem qualquer arma consigo; porque pensa, legitimamente, que poderá ser gravemente atingido com aquela faca; porque se envolve em luta com alguém que usa uma faca. E própria necessidade da pena se mostra acentuadamente diminuída. Porque não fora a ameaça grave e tudo o indica o arguido não teria agido como agiu. Atendendo à moldura penal abstracta do tipo legal de crime em causa, à gravidade da infracção, à intensidade do dolo (dolo eventual), às circunstâncias e aos motivos determinantes, às condições pessoais do arguido, às circunstancias dadas como provadas e não provadas, às exigências de prevenção especial e geral, no caso atenuadas pelas circunstâncias que determinaram o agente, será adequada a pena de quatro anos de prisão.

4.2. O MP (6), na sua resposta de 21Set01, sustentou que «a pena concreta, confirmada pela Relação, não merece qualquer censura»:
Em sede da matéria de facto, várias questões se colocam. A primeira prende-se com a factualidade da agressão, que assume dois momentos diversos. Aquele em que o que viria a ser a vítima empunhava uma faca. E aquele em que a vítima não empunhava faca nenhuma e o arguido, após ter-lhe retirado a faca, lhe desferiu um golpe. O homem que detinha a faca após se haver apoderado da mesma, não só não foi ferido por aquele que viria a ser a vítima como até conseguiu dominar o primeiro homem, tirando-lhe a faca. O uso da faca não surge neste contexto como necessária a qualquer defesa, mas antes necessário e imprescindível para que o mesmo retaliasse, retirando-lhe a vida. Quando o arguido passa a ter o domínio da faca, cessa necessariamente o estado de legítima defesa, porque se desvanecera o ataque, e aparece o crime de homicídio. É importante considerar que o fundamento da legítima defesa deve metodologicamente buscar-se na discussão do pressuposto e requisito da legítima defesa, sendo a solução correcta desses problemas pontuais, de acordo com a natureza das questões abordadas (como as da actualidade da agressão e da necessidade da defesa), o que esclarece a ratio da legítima defesa. A discussão tradicional sobre a actualidade da agressão resolve-se, no âmbito penal, pela vinculação desta aos actos executivos (tal com são definidos no art. 22º do CP), devido a razões de segurança e igualdade na protecção jurídica, condicionantes da delimitação dos direitos entre agressor e defendente. A valorização absoluta da defesa contra uma agressão ilícita, excluindo qualquer proporcionalidade entre o bem defendido e o lesado, é inadequada à configuração constitucional do direito de defesa, em que se verifica a precedência do princípio da ponderação de interesses relativamente ao que fundamenta a legítima defesa, e à compatibilização de uma certa proporcionalidade da defesa ou do direito de resistência. Nesta óptica sucinta de encarar a questão posta, constatamos que o momento da agressão do segundo homem sobre a vítima, dá-se num momento em que o factor excludente da ilicitude da sua actividade não se achava presente. Estamos, pois, perante uma agressão não adjectivada, pois aquele cessara. Não estava o segundo homem face a uma situação de legítima defesa. Não o estando, não se pode falar em excesso, aquando do exercício da legítima defesa. No que toca à exposição que fizemos, o domínio do acto punível do agente, que transforma o primeiro homem em vítima, e que é o momento em que desaparecera já a ameaça da faca empunhada pelo primeiro homem, pelo que seria falacioso falar-se em atenuação especial da pena. A pena concreta não merece qualquer censura. A moldura penal abstracta da pena, atenta a subsunção jurídico-penal efectuada nas instâncias, correspondente ao crime praticado pelo arguido. A lei confia ao juízo do julgador a concretização da pena nos limites da moldura penal abstracta. No CPP, como na generalidade dos códigos penais, surgem a este propósito formulações como "A aplicação das penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração dos agentes na sociedade" e "O tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime". Não se pense, porem, que a determinação da medida da pena ocorre num espaço livre de legislação e de racionalidade, em que tudo seria atribuído à arte e à subjectividade do julgador. O que acontece é que não é possível preencher o programa do legislador sem o contributo dos concorrentes "programas" do julgador, dos seus "second codes" que prestam homenagem a estereótipos, ideologias e teorias. Nesta óptica, a determinação da medida da pena assume-se como um acto de cultura, no seu concreto "que fazer", e , por ele ou através dele, no seu fazer, a sociedade reflecte-se no seu projecto colectivo consagrado, nomeadamente, através, do travejamento constitucional. Definido o campo/âmbito de apreciação pessoal do juiz. na determinação da medida da pena, cumpre articular tal componente pessoal do juiz com os princípios basilares do CP, atenta a revisão de 1995, na determinação da medida da pena. No CP actual, entende-se que residem na culpa e nas exigências de prevenção, dando aquela não o sentido restrito de elemento constitutivo do infracção mas o sentido amplo já contido no art. 84.º do CP de 1896 - fornecendo, deste modo, uma moldura penal relativamente ampla, dentro da qual podem ser considerados os fins de prevenção geral e especial. Com Roxin, podemos dizer que o juiz não pode impor uma pena que na sua grandeza ou natureza seja tão grave que já não se sinta como adequada à culpabilidade. Porém o juiz pode decidir, isso sim, até onde pode chegar (Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal, Reus, 961). Importa agora precisar se, in casu o julgador, ao determinar a medida da pena, se ateve ou não às vertentes dessa determinação ou se in casu, a determinação da medida da pena ocorreu num espaço redutor do sistema. Como deixámos referido supra, o acto de determinar a medida da pena é um acto de cultura, ético/socialmente empenhado, que arranca, nomeadamente, dos valores que a sociedade erigiu em valores base, e que consagrou no texto constitucional, inserindo-se a actividade de julgar no projecto individual/próprio da condução de vida do delinquente, na perspectiva/âmbito globalizante do todo social, jurídico/politicamente organizado. No caso presente, pela análise da matéria de facto fixada nas instâncias, constata-se que o comportamento do arguido/recorrente se revelou ético-socialmente muito censurável, quanto ao seu "que fazer" concreto, o seu comportamento revelou-se subversor de valores básicos da sociedade portuguesa, na sua vertente social, na vertente solidária do viver colectivo O arguido, com o seu comportamento, tanto mais reprovável ético-socialmente, quanto maior era a danosidade e perigosidade do resultado do seu comportamento, tirar a vida a outrem, definitivamente. O distanciamento do comportamento do arguido com os valores ético-sociais dominantes é, deste modo, elevado. Por outro lado, é grande a ilicitude, atendendo à natureza do bem jurídico violado. E muito intenso o dolo. O arguido, no caso concreto, agiu com espírito de vingança, como aliás se revelou no modo de escamotear os objectos do crime e de se afastar do lugar da prática do mesmo. Tudo isto demonstra uma censurável falta de preparação para manter uma conduta normativa. Tudo isto, junto, é bem demonstrativo de uma medida da culpa elevada, a permitir, sem margem para dúvidas, que a pena de prisão aplicada possa cumprir os ingentes fins de prevenção geral, sentidos relativamente aos crimes contra a vida humana, que tendem a banalizar-se na sociedade portuguesa.

5. A PARTICIPAÇÃO EM RIXA
5.1. Para uma correcta apreciação jurídico-penal do caso (jurídico) concreto, haverá - antes de mais - que contextuar a agressão (do arguido) de que resultou a morte de C. Ora, tudo se passou - afinal - no contexto de um «confronto físico» entre ambos. Tendo este censurado à companheira do arguido o seu projectado abandono de um (ou mais) assalto(s) em perspectiva, o arguido colocou-se - na discussão então surgida - ao lado da companheira e, com tal veemência (o terá feito), que C, munido de uma faca, se «envolveu» (com ele) «em confronto físico». No decurso dessa luta, C «sofreu um golpe no polegar direito e outro na coxa direita» e perdeu, a favor do outro, a posse da faca, tendo sido «de posse dessa faca e continuando envolvido em luta com a vítima» que o arguido veio a «desferir um golpe, espetando a faca de que estava munido, no peito da vítima», matando-a.
5.2. A esse «envolvimento» se poderia chamar, no âmbito do art. 151.º do CP (7), «participação em rixa». Com efeito, «também a rixa entre duas pessoas constitui um crime de perigo, pois que uma tal rixa não deixa de constituir uma tal situação de perigo para os referidos bens jurídicos (vida e integridade física substancial). Deve entender-se, pois, «que uma rixa entre duas pessoas se integra no conceito de participação em rixa no art. 151.º-1» (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, anotações 3 e ss. ao art. 151.º; Frederico Isasca, Da Participação em Rixa, 1994, ps. 70 e ss.; Américo Taipa de Carvalho, Comentário Conimbricense, I-321). É certo (8) que a rixa «pressupõe um acordo expresso ou tácito (p. ex., a aceitação fáctica do desafio, ou o espontâneo envolvimento físico de duas ou mais pessoas na sequência de uma azeda troca de palavras ou de injúrias) nas ofensas corporais recíprocas» (9). Mas no caso, se bem que tenha sido C que («munido de uma faca») «se envolveu em confronto físico com o arguido» («na sequência», aliás, «de uma azeda troca de palavras» entre ambos), a verdade é que este, mesmo depois de se apoderar da faca do adversário, «continuou envolvido em luta» com ele. O que pressupõe, entre ambos, um prévio ou contemporâneo «espontâneo envolvimento físico» e, de algum modo, a aceitação tácita de uma «dinâmica de escalada de ofensas corporais recíprocas». Donde que - contendo o art. 151.2 «um tipo legal de crime concreto para a vida ou integridade física» e apesar de «só uma rixa grave (10) poder constituir perigo concreto de morte ou ofensa corporal» e de «também só a participação nesta rixa preencher o tipo legal objectivo respectivo» (Comentário, I-319/320) - não se possa negar o designativo jurídico-penal típico de «participação em rixa» ao «confronto físico» e à «luta» em que arguido e vítima estiveram envolvidos.
5.3. E se «a única causa de justificação pensável em relação à participação em rixa é a legítima defesa, própria ou alheia», já, «em relação à legítima defesa própria, uma vez que cada um dos participantes é, simultaneamente, agressor e agredido, nunca poderá um participante na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto não abandonar, manifestamente, a rixa» (Comentário, I-324).
5.4. É certo que isto é assim relativamente (apenas) à «justificação (ou não) da acção típica de participação em rixa», pois que «diferente seria já o caso da justificação de uma acção mortal praticada por um dos participante sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais mesmo que graves, se decide e prepara para matar o outro». Pois que, nesse caso, «poderia considerar-se justificado o homicídio (11) com base, não na legítima defesa (12), mas no direito de necessidade defensiva» (Comentário, I-324).
5.5. Não é esse, porém, o caso. Pois que, uma vez desarmado um dos contendores pelo outro, no contexto da rixa em que ambos estavam «espontaneamente» envolvidos e cujas ofensas corporais recíprocas ambos tacitamente haviam aceite, nunca o contendor que passou a dominar a arma entretanto retirada ao outro - tal o ascendente que assim alcançou e que, «sem degradação da sua personalidade moral» (13), lhe permitiria abandonar a rixa - poderia (salvo se o outro se tivesse entretanto decidido e se, na sequência dessa decisão, se preparasse para o matar) invocar um estado de «necessidade defensiva». Ora, no caso, não consta - nem resulta, minimamente, dos factos provados - que o arguido, ao «espetar a faca de que estava munido no peito da vítima», o tivesse feito no pressuposto (mesmo que errado) de que o adversário (14) estava decidido e se preparava (15) para o matar...

6. O CONCURSO CRIMINOSO
6.1. Se presente (como, decerto, estaria) o respectivo tipo subjectivo (o dolo do perigo concreto consubstanciado na «representação e conformação com a perigosidade da rixa») (16), a conduta do arguido/recorrente integraria - para além de um crime de homicídio p. p. art. 131.º do CP - o ilícito tipificado no art. 151.1 do CP («Participação em rixa»).
6.2. O que levantaria, pois que identificado o homicida, a questão do concurso dos crimes de rixa e de homicídio.
6.3. Tratar-se-ia, porém, de «um concurso aparente, pois que entre a participação em rixa tipificação de condutas perigosas para a vida e o crime de homicídio tipificação de condutas mortais existe uma relação de consunção» (Comentário, I-327, §§ 43 e 45), «devendo aplicar-se, naturalmente, o art. 131.º» (ou seja, «a pena estabelecida para o crime homicídio, que é mais elevada»).

7. A ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA
Só que «esta moldura penal deveria sofrer uma atenuação especial (art. 72.1) (17), com fundamento na contribuição causal que a vítima deu à criação da situação de perigo (a rixa) (18). de que resultou a lesão corporal mortal» (Comentário, I-327, § 45).

8. A PENA CONCRETA
8.1. Caberá agora, enfim, determinar - no âmbito da pena, especialmente atenuada (art. 72.1 e 73.º do CP), decorrente do art. 131.º do CP: prisão de 1,6 (19) a 10,66 (20) anos - a medida concreta da pena.
8.2. «Só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido à suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação de delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, na expressão de Jakobs, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida» (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, § 55).
8.3. «Um outro princípio de relevo político-criminal incontestável é o princípio da culpa: o princípio segundo o qual em caso algum pode haver pena sem culpa ou a medida da pena ultrapassar a medida da culpa. O princípio da culpa não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização» (§ 56).
8.4. Se, por um lado, as exigências (art. 40.1 do CP) de «reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida» sugerem uma pena minimamente significativa, já o «princípio da culpa» (ou seja, de «inviolabilidade da dignidade pessoal» do próprio criminoso) - que obsta a que a medida da pena ultrapasse a medida da culpa (art. 40.2) - contra-indica uma pena que vá além de 2/3 (sete anos) da amplitude da pena especialmente atenuada. Pois que, por um lado, foi a vítima quem iniciou a discussão que precedeu a «rixa», que deu início a esta e que nela fez intervir a faca que, no seu decurso, viria a matá-lo. Pois que, por outro, a agressão (mortal) se limitou a uma única facada (ainda que violenta e certeira). Pois que, em terceiro lugar, o arguido, com a sua facada, não quis (dolo directo) matar, mas, representando a eventualidade da morte do adversário, se conformou, ao golpeá-lo, com esse (possível) resultado da sua conduta. Pois que, em quarto lugar, o arguido, sendo «consumidor de droga» (ele e o «corrixante» preparavam-se para, por meio de «roubo», «obterem dinheiro para adquirirem produto estupefaciente quem, depois, todos consumiriam») (21), terá provavelmente agido em estado de «carência» (22) e, por isso (23), sem pleno domínio das suas capacidades de avaliação da ilicitude do facto e de autodeterminação de acordo com essa avaliação. E pois que, enfim, o arguido - então com apenas 23 anos de idade, culturalmente pouco apetrechado e intelectualmente pouco dotado (tendo-se ficado pelo 7.º ano de escolaridade) - não tinha antecedentes criminais (se bem que, meses depois, viesse a cometer um crime de roubo por que viria, mais tarde, a ser condenado, na pena de três anos e meio de prisão) e conta(rá) com o apoio do pai, vendedor de automóveis, a quem, antes de preso, «ajudava».
8.5. Daí que, entre a pena sugerida pelas exigências de prevenção geral (oito ou nove anos de prisão) e o limite imposto pela medida da culpa (sete anos de prisão), não sobre espaço para a «incidência» - que haveria de funcionar entre esses dois limites mínimo e máximo e de, ao cabo e ao resto, individualizar/concretizar a pena) da «ideia de prevenção especial positiva ou de socialização».

9. A PENA ÚNICA
Considerando enfim, globalmente, a personalidade do arguido e o conjunto dos factos a ele imputados neste processo e no comum colectivo 237/99 da 4.ª Vara Criminal do Porto (onde o arguido, por factos posteriores (24), foi condenado, em 29Mar00, na pena parcelar de três anos e meio de prisão) (25), e fazendo funcionar agora as finalidades de prevenção especial de ressocialização (a que, na pena parcelar destes autos não foi possível atender - cfr., supra, 8.5, maxime as exigências de não inviabilizar, com uma pena demasiado arrastada, a futura reinserção social do condenado), fixa-se em oito anos de prisão (26) a correspondente pena única.

10. CONCLUSÕES
10.1. Contendo o art. 151.2 do CP «um tipo legal de crime concreto para a vida ou integridade física» e apesar de «só uma rixa grave (27) poder constituir perigo concreto de morte ou ofensa corporal» e de «também só a participação nesta rixa preencher o tipo legal objectivo respectivo» (Comentário, I-319/320) - não se poderá negar o designativo jurídico-penal típico de «participação em rixa» ao «confronto físico» e à «luta» em que arguido e vítima estiveram envolvidos.
10.2. E se «a única causa de justificação pensável em relação à participação em rixa é a legítima defesa, própria ou alheia», já «em relação à legítima defesa própria, uma vez que cada um dos participantes é, simultaneamente, agressor e agredido, nunca poderá um participante na rixa exercer qualquer direito de legítima defesa, enquanto não abandonar, manifestamente, a rixa» (Comentário, I-324).
10.3. Isto é assim relativamente (apenas) à «justificação (ou não) da acção típica de participação em rixa», mas «diferente seria já o caso da justificação de uma acção mortal praticada por um dos participante sobre um outro que, no decurso da rixa constituída por ofensas corporais mesmo que graves, se decide e prepara para matar o outro».
10.4. Pois que, nesse caso, «poderia considerar-se justificado o homicídio com base, não na legítima defesa, mas no direito de necessidade defensiva» (Comentário, I-324). Não é esse, porém, o caso. Pois que, uma vez desarmado um dos contendores pelo outro, no contexto da rixa em que ambos estavam «espontaneamente» envolvidos e cujas ofensas corporais recíprocas ambos tacitamente haviam aceite, nunca o contendor que passou a dominar a arma entretanto retirada ao outro - tal o ascendente que assim alcançou e que, «sem degradação da sua personalidade moral» (Bettiol), lhe permitiria abandonar a rixa - poderia (salvo se o outro se tivesse entretanto decidido e se, na sequência dessa decisão, se preparasse para o matar) invocar um estado de «necessidade defensiva».
10.5. Mas, no caso, não consta que o arguido, ao «espetar a faca de que estava munido no peito da vítima», o tivesse feito no pressuposto (mesmo que errado) de que o adversário estava decidido e se preparava para o matar.
10.6. Se presente o respectivo tipo subjectivo (o dolo do perigo concreto consubstanciado na «representação e conformação com a perigosidade da rixa»), a conduta do arguido/recorrente integraria - para além de um crime de homicídio p. p. art. 131.º do CP - o ilícito tipificado no art. 151.1 do CP («Participação em rixa»). O que levantaria, pois que identificado o homicida, a questão do concurso dos crimes de rixa e de homicídio.
10.7. Tratar-se-ia, porém, de «um concurso aparente, pois que entre a participação em rixa tipificação de condutas perigosas para a vida e o crime de homicídio tipificação de condutas mortais existe uma relação de consunção» (Comentário, I-327, §§ 43 e 45), «devendo aplicar-se, naturalmente, a pena estabelecida para o crime homicídio, que é mais elevada»).
10.8. Só que «esta moldura penal deveria sofrer uma atenuação especial (art. 72.1), com fundamento na contribuição causal que a vítima deu à criação da situação de perigo (a rixa) de que resultou a lesão corporal mortal» (Comentário, I-327, § 45).

11. DECISÃO
Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em audiência pública, decide-se, na parcial procedência do recurso, de 18Jun01, do cidadão A,
a) pela atenuação especial da pena abstracta correspondente ao seu crime de homicídio de 29Jan99 e, consequentemente, pela fixação da respectiva pena concreta em «sete anos de prisão»;
b) pela fixação em «oito anos de prisão» da pena única correspondente à pena destes autos e à de 3,5 anos de prisão a ele aplicada por roubo, em 29Mar00, no comum colectivo 237/99 da 4.ª Vara Criminal do Porto;
c) e pela condenação do recorrente, mercê do seu parcial decaimento, nas custas do recurso, com 3 (três) UCs de taxa de justiça, 1 (uma) UC de procuradoria.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Dezembro de 2001
Os juízes conselheiros,
Carmona da Mota
Pereira Madeira
Simas Santos (cm declaração de voto)
Abranches Martins
______________________
(1) «Não se provou: a) que foi o arguido A quem atingiu C no polegar da mão direita e outro na coxa da perna direita; b) quaisquer outros factos, nomeadamente alegados ou invocados em audiência».
(2) Juízes José Sousa Lameira, Ana Isabel Moniz e Catarina Almeida.
(3) Adv. João Miranda.
(4) Desembargadores Agostinho de Freitas, Conceição Gomes, Manso Rainho e Fonseca Guimarães.
(5) Adv. Dr. Rui da Silva Leal (Filho).
(6) P-G Adj. Dr. Pereira Bártolo.
(7) «Tomar parte em rixa de duas (...) pessoas, donde resulte morte».
(8) Taipa de Carvalho, Comentário, I-318.
(9) Frederico Isasca, ob cit. , ps. 67 e ss.; Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, 1995, ps. 453 e nota 754).
(10) «A gravidade da rixa significa apenas que a rixa no seu todo seja perigosa» (Comentário, I-320).
(11) «Mas não a acção de participação em rixa» (Comentário, I-324).
(12) Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, ps. 453 e ss.
(13) Giuseppe Bettiol, Direito Penal, Parte Geral, Tomo II, Coimbra Editora, 1970, p. 233.
(14) Ou, mais precisamente, «corrixante» (usando do neologismo avançado pelo Comentário, I-321).
(15) Com quê, se já não tinha a faca? E como, se estava, desde que a perdera, em manifesta inferioridade?
(16) Comentário, I-322.
(17) «O tribunal atenua especialmente a pena quando existirem circunstâncias (...) que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena» (ameaça grave», provocação injusta», «ofensa imerecida», etc.).
(18) E, também, da especial perigosidade da rixa (pois foi ele quem nela introduziu a arma que, paradoxalmente, lhe viria a ser fatal).
(19) 8 * 1/5.
(20) 16 - 16 * 1/3.
(21) Aliás, o arguido viria a cometer, meses depois (14Set99), um crime «roubo» e um crime de «consumo de estupefacientes» (por que viria a ser condenado, em 29Mar00, nas penas parcelares de 3,5 anos de prisão e 2 meses de prisão (comum colectivo 237/99 da 4.ª Vara Criminal do Porto).
(22) «Não é o consumo de heroína que cria delinquentes. É o sofrimento provocado pela ausência de heroína» (Eurico de Figueiredo, Notícias Magazine, 17Out99).
(23) Além da perturbatio animi decorrente da «rixa» em que vira envolvido (e se deixara envolver) e da discussão que a precedera.
(24) De 14Set99.
(25) Mas já não considerando - como tal - os factos que então integravam um crime de «consumo de droga» (e agora, apenas, um contra-ordenação: cfr. art. 2.1 da Lei 30/00).
(26) 7 + 3,5/3,5 = 8.
(27) «A gravidade da rixa significa apenas que a rixa no seu todo seja perigosa» (Comentário, I-320).
DECLARAÇÃO DE VOTO

A participação em rixa tem natureza e disposição residual em relação aos crimes de homicídio e de ofensas à integridade física que, verificando-se, no caso concreto, consumem aquele.
A previsão deste crime nasceu da necessidade de solucionar os casos em que não era possível, ou muito difícil, provar a autoria concreta das lesões corporais produzidas e engloba uma desordem entre 2 ou mais pessoas para se agredirem mutuamente, sendo esta nota de acometimento mútuo e confusão a distintiva em relação àqueles crimes.
No entanto, se for no caso possível apurar quem causou lesão corporal ou quem matou, responderá aquele pelo respectivo crime e os outros (se os houver) pela participação em rixa.
Ora, no caso sujeito, em que só intervieram duas pessoas, foi possível desenhar a conduta de cada uma delas: do arguido e da vítima, daí que não acompanhemos o recurso à figura de participação em rixa de que é tributário o douto acórdão que antecede. Posição que, aliás, não acompanhámos face ao entendimento, que defendemos noutro lugar (Código Penal, II, 3ª. Ed. págs. 294 e 5), de que a participação em rixa exige, para além do interventor, pelo menos mais 2 pessoas.
Assim não atenuaríamos especialmente a pena parcelar que aceitamos fosse fixada perto do mínimo legal para o homicídio com os reflexos na pena única.
Lisboa, 13 de Dezembro de 2001
Simas Santos