Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
075347
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARDONA FERREIRA
Descritores: REGISTO PREDIAL
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ1993092900075347
Data do Acordão: 09/29/1993
Votação: UNANIMIDADE COM * DEC VOT
Referência de Publicação: DR IS 1993/11/23, PÁG. 6484 A 6489
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário :
A Caixa Geral de Depósitos não está isenta de emolumentos por actos de registo predial, nem dos respectivos preparos no âmbito do Código do Registo Predial de 1984.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em sessão plenária, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
A Caixa Geral de Depósitos recorre, com base no artigo 763.º do Código de Processo Civil, do Acórdão deste Supremo de 18 de Fevereiro de 1988, proferido nos autos de agravo n.º 75850, da 1.ª Secção, certificado a fls. 6 e seguintes.

Baseia-se a recorrente em que, no domínio da mesma legislação, esse acórdão optou por uma solução jurídica, acerca de questão fundamental, diferente daquela por que optara o Acórdão deste mesmo Supremo de 14 de Outubro de 1987 no agravo n.º 75060, da 2.ª Secção: saber se a Caixa Geral de Depósitos deve, ou não, emolumentos por actos de registo predial e se, portanto, não está, ou está, sujeita aos respectivos preparos.
Relativamente ao acórdão recorrido, foi agravante o Exmo. Conservador da 3.ª Secção da 2.ª Conservatória do Registo Predial do Porto.
O teor do acórdão fundamento é o de fls. 13 e seguintes.
Decidindo a questão preliminar a que alude o artigo 766.º do Código de Processo Civil, a 1.ª Secção pronunciou-se, sem qualquer divergência, pela existência da alegada oposição de julgados.

Prosseguindo o recurso, a recorrente alegou, concluindo (fls. 32 e seguintes):
1) O acórdão recorrido acha-se em oposição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão proferido, em 14 de Outubro de 1987, no processo n.º 75060, da 2.ª Secção;

2) A doutrina expendida e consignada no acórdão de 1987 deve ser a prevalecente, uma vez que se afigura mais correcta e harmónica em sede interpretativa;
3) O artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, que aprovou o novo Código do Registo Predial, revogou, apenas, os artigos 22.º do Decreto-Lei n.º 693/70 e 167.º do Decreto n.º 694/70;
4) Consequentemente, o citado diploma deixou intocados os artigos 58.º da Lei Orgânica e 155.º do Regulamento da Caixa Geral de Depósitos, os quais se mantiveram em vigor;
5) E, estando assente que os emolumentos são considerados, juridicamente, taxas, é de destacar que os ditos artigos 58.º e 155.º referem, impressivamente, que «a Caixa e as suas instituições anexas gozam de isenção de todas as taxas [...] nos mesmos termos que o Estado»;
6) Assim sendo, nos actos de registo predial requeridos a seu favor e pedidos, exclusivamente, no seu interesse, a Caixa Geral de Depósitos está isenta de emolumentos, ao menos de jure constituto;
7) Decidindo em contrário, o acórdão recorrido violou o consignado nos referidos artigos 58.º e 155.º;
8) Deve, por isso, ser tirado assento no seguinte sentido: o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84 não revogou os artigos 58.º do Decreto-Lei n.º 48953 e 155.º do Decreto n.º 694/70, pelo que, estando em vigor, a Caixa Geral de Depósitos e as suas instituições gozam de isenção emolumentar relativamente aos registos a seu favor e pedidos, exclusivamente, no seu interesse.
Finalizando, a recorrente pede a revogação do acórdão recorrido.
Não houve contra-alegações.
O Ministério Público proferiu douto parecer, concluindo em sentido contrário à recorrente, e entendendo que o assento a formular deve dizer que a Caixa Geral de Depósitos não está isenta de emolumentos por actos do registo predial requeridos no seu interesse.

Foram colhidos os vistos legais.
Entretanto, este recurso foi redistribuído.

II
Visto o disposto no artigo 766.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, ao tribunal pleno compete reapreciar, oficiosamente, a questão prévia da oposição de acórdãos.

Contudo, sobre esta problemática não se justificam delongas que seriam inúteis, porque é incontroversa a razão do acórdão da 1.ª Secção deste Supremo que reconheceu a existência da alegada oposição.
Com efeito, quer no acórdão recorrido, quer no acórdão fundamento, o problema determinante para o desfecho das causas consistia em saber se a Caixa Geral de Depósitos está, ou não, sujeita ao pagamento de emolumentos aos serviços de registo predial e, portanto, à efectivação dos correspondentes preparos.
E, no domínio da mesma legislação, mais concretamente a propósito da interpretação dos mesmos normativos - máxime, artigos 150.º, 151.º e 152.º do Código do Registo Predial de 1984, 58.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969 (Lei Orgânica da Caixa Geral de Depósitos), e 155.º do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70, de 31 de Dezembro (Regulamento da Caixa Geral de Depósitos) -, o acórdão recorrido (processo n.º 75850, de 18 de Fevereiro de 1988) e o acórdão fundamento (processo n.º 75060, de 14 de Outubro de 1987) basearam-se em entendimentos opostos e, consequentemente, chegaram a conclusões divergentes.
Assim, no acórdão recorrido, entendeu-se que a Caixa Geral de Depósitos deve emolumentos e, portanto, preparos por actos de registo predial, e, no acórdão fundamento, concluiu-se exactamente o contrário.
Há, consequentemente, que prosseguir e que fixar jurisprudência.
O que está em causa é uma controversa situação de manifesto interesse prático, evidenciando-se a vantagem e, mais, a necessidade dos assentos, em ordem a obviar às dificuldades e aos interesses decorrentes da pouca clareza da lei, dispersão e aparente contraditoriedade.

Vejamos, pois.

III
Sobre a questão em apreço, a jurisprudência dividiu-se, conforme até flui do que já se expôs.

Contudo, os tribunais superiores têm-se inclinado mais para a não isenção de emolumentos e de preparos, em registo predial, relativamente à Caixa Geral de Depósitos. Assim, v. g.: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 1988 (Tribuna de Justiça, n.º 41/42, p. 28) e de 30 de Junho de 1987 (Tribuna de Justiça, n.º 35, p. 22); Acórdãos da Relacção de Lisboa de 25 de Junho de 1987 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 368, p. 603, e Colectânea de Jurisprudência, XII-3, p. 125) e de 1 de Março de 1988 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p. 435); Acórdão da Relação do Porto de 12 de Fevereiro de 1987 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 364, p. 940, e Colectânea de Jurisprudência, XII-2, p. 203); Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Junho de 1987 (Colectânea de Jurisprudência, XII-3, p. 35); Acórdão da Relação de Évora de 12 de Junho de 1986 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 360, p. 677).
E esta é a solução mais adequada à lei vigente e a mais acertada, face às regras da hermenêutica jurídica preconizadas pelo artigo 9.º do Código Civil.
Naturalmente, o actual relator segue a linha lógica que o norteou no Acórdão da Relação de Évora de 11 de Junho de 1987 (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 368, p. 631) e que, de seguida, se reflectirá, em sintonia com o acórdão recorrido.

IV
Segundo o artigo 69.º, n.º 1, alínea f), do Código do Registo Predial de 1984, ora vigente, o registo deve ser recusado quando não tiver sido feito o respectivo preparo.

Por sua vez, determina o artigo 151.º, n.º 1, do mesmo Código que, no acto da apresentação, deve ser cobrada, a título de preparo, a quantia provável do total da conta.
A regra fundamental, nesta matéria, encontra-se no artigo 150.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, a saber:
Pelos actos praticados nos serviços de registo predial são cobrados emolumentos constantes da respectiva tabela e o imposto do selo devido, salvo nos casos de isenção previstos na lei.
E foi nesta linha de orientação que o artigo 152.º, n.º 1, do mesmo Código acrescentou:
São isentos de emolumentos os registos a favor do Estado, pedidos exclusivamente no seu interesse.
Será que o Estado e a Caixa Geral de Depósitos se confundem para efeitos da norma do artigo 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial?
Seguramente, não.

V
Significativamente, são as próprias normas citadas pela recorrente, atinentes ao estatuto pessoal da Caixa Geral de Depósitos, que evidenciam, à saciedade, que Estado e Caixa Geral de Depósitos não se confundem.

Por um lado, temos que a Caixa Geral de Depósitos é uma pessoa colectiva dotada de autonomia administrativa e financeira, com património próprio (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969). O que vale por dizer que, sendo «uma pessoa», não é, juridicamente, a pessoa Estado.
Por outro lado e mais concretamente, se o caso fosse de confusão, seriam vazias de justificação e, portanto, absurdas as normas que, nesse Decreto-Lei n.º 48953 (artigo 58.º) e no Regulamento da Caixa Geral de Depósitos (artigo 155.º do regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70, de 31 de Dezembro), prescreviam que a Caixa Geral de Depósitos e as suas instituições anexas gozavam de isenção de todas as contribuições, impostos, taxas, licenças administrativas e mais contribuições, gerais ou especiais, «nos mesmos termos que o Estado».
Obviamente, estas normas justificavam-se exactamente porque Estado, no sentido em causa, e Caixa Geral de Depósitos são pessoas jurídicas diferentes.
Tudo parte, naturalmente, do conceito de Estado.
Este, numa acepção ampla, é uma comunidade politicamente organizada, com uma determinada base territorial e independência, prosseguindo, através de órgãos próprios, os seus ideais e os seus interesses, à luz da sua vontade, assumindo a postura de pessoa colectiva de direito internacional.

Mas, numa acepção restrita, virada para o plano interno, o Estado é a pessoa colectiva de direito público que, no seio da correspondente comunidade, prossegue os respectivos fins tendo o Governo por órgão representativo, obviamente sem prejuízo das funções próprias dos outros órgãos de soberania.
No âmbito da comunidade e face à multiplicidade dos fins que lhe são próprios, surgem outras pessoas colectivas, a que se poderia chamar institutos públicos ou, identicamente, pessoas colectivas de direito público, com fins específicos que, sendo algo como administração indirecta do Estado, deste se distinguem e se autonomizam, desde logo pela via da personalidade jurídica (cf., sobre a matéria, v. g., Prof. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, 10.ª ed., pp. 185 e seguintes).

VI
Ora, face aos textos equacionados no processo, à Lei Orgânica (Decreto-Lei n.º 48953) e ao Regulamento (Decreto n.º 694/70) da Caixa Geral de Depósitos e ao contexto do artigo 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial é patente que a isenção de emolumentos e, portanto, de preparos registrais só se reporta, neste normativo, ao Estado na sua acepção interna e restrita (cf. parecer da Procuradoria-Geral da República de 13 de Novembro de 1986 - Boletim do Ministério da Justiça, n.º 358, p. 183).

Desde logo e conforme já se disse e ora se frisa, se assim não fosse, ficariam sem necessidade e, portanto, sem justificação, os alegados artigos 58.º do Decreto-Lei n.º 48953 e 155.º do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70.
Por outro lado, a norma do artigo 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial (de 1984) constitui, ela própria, uma restrição relativamente ao direito anterior, sendo certo que o artigo 277.º do Código do Registo Predial de 1967 era mais abrangente, estendendo a isenção à generalidade dos «corpos administrativos» (n.º 2 deste artigo 277.º), na linha que era a do n.º 2 do artigo 274.º do Código do Registo Predial de 1959. E, significativamente, o n.º 1 do artigo 160.º do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 305/83, de 29 de Junho, que não chegou a vigorar, ainda estenderia a isenção de emolumentos ao «Estado» e às «autarquias locais»; o actual Código do Registo Predial (1984) foi tão mais restritivo que nem às autarquias locais concedeu, comparativamente, tal isenção, vindo a ser necessária uma lei excepcional para o efeito (Lei n.º 16/85, de 12 de Julho); como foram necessárias normas legais próprias para fins específicos, v. g., artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 218/82, na redacção do Decreto-Lei n.º 129/85, de 26 de Abril, artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 110/85, de 17 de Abril, e artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 76/85, de 25 de Março.
Naturalmente, houve perspectivas sociais que explicam estas isenções.
Para o efeito de entendimento do artigo 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial (de 1984), ora em causa, releva, especialmente, a referenciada história dessa normatividade, antes e depois. E também tem, hoje, interesse saber que o Código do Registo Predial de 1984 já foi alterado, inclusive nos seus artigos 151.º e 152.º, mas não nos determinantes números 1 (Decreto-Lei n.º 60/90, de 14 de Fevereiro).

A restrição de isenções sintoniza-se quer com preocupações constitucionais portuguesas de igualdade (artigo 13.º da Constituição de 1976), quer com orientação da CEE, cuja inserção foi prosseguida e alcançada por Portugal (cf. Directiva do Conselho, de 12 de Dezembro de 1977, n.º 77/780/CEE, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, de 17 de Dezembro de 1977).

VII
Quanto à isenção do Estado (stricto sensu), ela é de fácil entendimento, já que não teria sentido que o Estado, enquanto tal, pagasse emolumentos a si próprio, na circunstância, através dos seus serviços de registo predial. Já situação igual não ocorreria, neste particular, com a pessoa colectiva própria que é a Caixa Geral de Depósitos e que, nos termos legais, cobraria, do Estado, os serviços que ela, Caixa Geral de Depósitos, lhe prestasse como a entidades a ela ligadas: artigos 47.º-49.º do Decreto-Lei n.º 694/70, rectius, do Regulamento aprovado pelo Decreto-Lei n.º 694/70.

Onde existe, efectivamente, paralelismo relativamente ao caso dos emolumentos em registo predial, é no que concerne a custas judiciais. Também estas correspondem, em termos de princípio básico, ao serviço (judicial) prestado pelo Estado. E, seguramente, a Caixa Geral de Depósitos não está, hoje, isenta de custas, ao contrário do que acontece com o próprio Estado, sem que o Decreto-Lei n.º 118/85, de 19 de Abril, tivesse tido necessidade de se referir, explicitamente, à Caixa Geral de Depósitos (cf. respectivo artigo 5.º); e até acontece que as custas judiciais envolvem taxa de justiça e podem abranger emolumentos: artigos 1.º, n.º 2, 3.º e 69.º do Código das Custas Judiciais.

VIII
A propósito, vem de caminho referir que o problema não se resolve por uma linha de orientação de tipo conceptualista, baseada na noção de taxa.

O que importa é saber se, face aos termos como o devir histórico explica a normatividade vigente, esta tributa, ou não, os actos registrais desencadeados pela Caixa Geral de Depósitos.
Decerto, genericamente, os chamados emolumentos são, conceptualisticamente, taxas, por isso que significam contrapartida por serviço ou utilidade (v. g., Teixeira Ribeiro, Revista de Legislação e Jurisprudência, 117.º, p. 294).
Mas, se isto é assim genericamente, não é menos exacto que os emolumentos constituem uma espécie, adentro do género taxas, tradicionalmente objecto de um tratamento específico - no direito registral como, aliás, no de custas, tendo a ver com a remuneração de certas categorias profissionais, v. g.: Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 397/83, de 2 de Novembro; artigo 204.º, n.º 1, do Código do Notariado (Decreto-Lei n.º 47619, de 30 de Março de 1967); artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 42644, de 14 de Novembro de 1959 (registo comercial), aliás, hoje, artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 403/86, de 3 de Dezembro; artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro; artigo 272.º, n.º 1, do Código do Registo Predial de 1959; artigo 275.º, n.º 1, do Código do Registo Predial de 1967; artigo 3.º da Lei n.º 16/85, de 12 de Julho.
Daqui, deve concluir-se que, embora um conceptualismo dogmático leve a inserir emolumentos em taxas, o tratamento legislativo efectivo de uns e de outras não tem de ser necessariamente igual. Ou seja e afinal, os emolumentos acabam por ser uma espécie do género taxas.

IX
Outrossim, mesmo no âmbito da plena vigência dos citados Lei Orgânica e Regulamento da Caixa Geral de Depósitos, não se pode dizer líquido que a Caixa Geral de Depósitos não devesse emolumentos, tendo, da normatividade, uma visão de conjunto.

Com efeito, já então o n.º 3 do artigo 167.º do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70 referenciava a «nota de emolumentos e despesas» que as conservatórias do registo predial remeteriam à Caixa Geral de Depósitos, sem qualquer distinção entre tipos de interesse da Caixa Geral de Depósitos nos correspondentes registos.
Que, já então, a Caixa Geral de Depósitos devia emolumentos foi concluído no Acórdão deste Supremo de 16 de Abril de 1985, publicado no Boletim dos Registos e do Notariado, 1.ª série, n.º 5, p. 32.
Do que a Caixa Geral de Depósitos estava, seguramente, isenta era de preparo: artigos 22.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro, e 167.º, n.º 2, do Regulamento da Caixa Geral de Depósitos, aprovado pelo Decreto n.º 694/70, da mesma data.
Isto explicará a explicitação respectiva contida no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho.

X
De todo o modo e decisivamente, fosse qual fosse o alcance da isenção da Caixa Geral de Depósitos anterior ao Código do Registo Predial de 1984, o artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84, que aprovou este Código do Registo Predial, na linha lógica da orientação político-legislativa já referenciada, revogou toda a legislação anterior referente às matérias abrangidas por este Código do Registo Predial.

Esta norma do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84, em sintonia com o n.º 2 do artigo 7.º do Código Civil, só pode significar que, a partir de então, a problemática de emolumentos e de respectivos preparados, no registo predial, passou a não depender de normas como as da Lei Orgânica e do Regulamento da Caixa Geral de Depósitos mas, sim, das próprias do Código do Registo Predial de 1984, mormente artigos 150.º, 151.º e 152.º, sem qualquer isenção da Caixa Geral de Depósitos, como de outras entidades, fosse de emolumentos, fosse dos respectivos preparos.
E foi assim que as próprias autarquias locais - e outras entidades - vieram a necessitar de normas legais subsequentes que as excepcionassem da geral obrigatoriedade.

XI
Acresce que, para o efeito sub judice, é inócua a distinção entre actos pretendidos pela Caixa Geral de Depósitos no seu interesse e actos sem ser no seu interesse.

E, isto, porque, nesta última hipótese, nem sequer a dúvida sobre débito de emolumentos seria admissível, por isso que, mesmo relativamente ao Estado, só os actos de seu exclusivo interesse não motivam emolumentos (n.º 1 do artigo 152.º do Código do Registo Predial).
A situação concreta em apreço não sofre alteração com o recente Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto, que aprovou os novos Estatutos da Caixa Geral de Depósitos (S. A.), até porque o n.º 3 do artigo 2.º daquele decreto-lei tem carácter marcadamente excepcional.

XII
Razão tem, pois, o acórdão recorrido, cuja opção vai subsistir.
E, assim, resumindo, para concluir:
1) Na medida em que fosse de entender que, por força do artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 48953 e do artigo 155.º do Regulamento aprovado pelo Decreto n.º 694/70, a Caixa Geral de Depósitos estava isenta de emolumentos em registo predial, tal normatividade foi revogada pelo artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 224/84, de 6 de Julho, cujo artigo 1.º aprovou o vigente Código do Registo Predial;

2) Do Código do Registo Predial de 1984, mormente artigos 150.º, 151.º e 152.º, resulta que a Caixa Geral de Depósitos deve emolumentos e respectivos preparos por actos de registo predial.

XIII
Donde, concluindo:
Nega-se provimento ao recurso.
Formula-se o seguinte assento:
A Caixa Geral de Depósitos não está isenta de emolumentos por actos de registo predial, nem dos respectivos preparos no âmbito do Código do Registo Predial de 1984.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 29 de Setembro de 1993

Cardona Ferreira - Pais de Sousa - Araújo Ribeiro - Raul Mateus - Sá Couto - Costa Pereira - Dias Simão - Sousa Guedes - José Magalhães - Mora do Vale - Santos Monteiro - Coelho Ventura - Ramos dos Santos - Dionísio de Pinho - Guerra Pires - Alves Ribeiro - Ferreira da Silva - Zeferino Faria - Carlos Caldas - Eduardo Martins - Faria de Sousa - Chichorro Rodrigues - Sá Ferreira - Silva Cancela - Teixeira do Carmo - Calixto Pires - Folque Gouveia - Amado Gomes - Machado Soares -Correia de Sousa - Cura Mariano - Sousa Macedo - Lopes de Melo - Ferreira Vidigal - Ferreira Dias - Pinto Bastos - Miguel Montenegro - Figueiredo de Sousa - Martins da Fonseca - Mário Noronha - Fernando Fabião - César Marques - Sá Nogueira - Roger Lopes - Ramiro Vidigal - Silva Reis - Sampaio da Silva - Pereira Cardigos - Martins da Costa - Miranda Gusmão.

Declaração de voto de vencido
Conforme decisão proferida em acórdão da Relação do Porto, de que fui relator, continuo a entender que a Caixa Geral de Depósitos gozava de isenção de emolumentos pelos actos de registo predial pedidos no seu exclusivo interesse, com base, em resumo, nos seguintes fundamentos: dos artigos 150.º, n.º 1, e 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial resulta que a isenção não se reporta apenas ao Estado e que os «casos de isenção previstos na lei» não são só os desse Código mas os de qualquer outra norma legal, anterior ou posterior ao mesmo Código; a expressão «taxas», consignada no artigo 58.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969, é um conceito genérico, que inclui os referidos emolumentos; o n.º 3 do artigo 167.º do Decreto n.º 694/70, de 31 de Dezembro, que aprovou o Regulamento da Caixa, deve ser interpretado, restritivamente, no sentido de exclusão dos casos de isenção da entidade a favor da qual seja solicitado o acto de registo.

Por outro lado, considero que o artigo 2.º do Código Civil, na medida em que atribui aos assentos a fixação de «doutrina com força obrigatória geral», ou seja, a natureza de actos de interpretação autêntica da lei e, consequentemente, de leis interpretativas, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 115.º, n.º 5, da Constituição: o mesmo artigo 2.º deve, aliás, ter-se como parcialmente revogado, em matéria criminal, pelo disposto nos artigos 445.º, n.º 1, e 447.º, n.º 2, do Código de Processo Penal. - José Martins da Costa.

Declaração de voto
Salvo o devido respeito pela opinião que fez vencimento, da conjugação dos artigos 58.º do Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969, 155.º do Regulamento aprovado pelo Decreto 694/70, de 31 de Dezembro, e 152.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, aprovado pelo Decreto-Lei 224/84, de 6 de Julho, resultava (os dois primeiros foram revogados pelo Decreto-Lei n.º 287/93, de 20 de Agosto) que a Caixa Geral de Depósitos estava isenta do pagamento de emolumentos - e, portanto, dos respectivos preparos - por actos de registo predial no seu exclusivo interesse. Os citados artigos 58.º e 155.º conferiam à Caixa Geral de Depósitos o mesmo regime de isenção estabelecido a favor do Estado, que, por sua vez, gozava da isenção em causa nos termos do também citado artigo 152.º, n.º 1, sendo certo que o diploma legal que aprovou o Código de que este preceito faz parte não incluiu aqueles artigos 58.º e 155.º nas normas revogadas, apesar de especificar na respectiva norma revogatória um dos artigos do aludido Regulamento. O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 118/85, de 19 de Abril, citado neste douto acórdão, revogou as disposições legais que estabeleciam isenções não previstas no Código das Custas Judiciais. Ora, se é certo que o artigo 9.º do citado Decreto-Lei n.º 224/84 revogou toda a legislação anterior referente às matérias abrangidas pelo novo Código do Registo Predial, certo é também que este não excluiu a existência de isenções para além da que nele se encontra prevista, ao contrário da redacção dada ao artigo 3.º do Código das Custas Judiciais por aquele Decreto-Lei n.º 118/85.

Aliás, o processo de isenção por equiparação ao regime de que goza o Estado continua a ser usado pelo legislador, como resulta, actualmente, do artigo 27.º, n.º 3, da Lei n.º 1/87, de 5 de Janeiro, quanto às autarquias locais. Afigura-se-me, pois, seguro que, do mesmo modo que não obsta à isenção a favor das autarquias por equiparação ao Estado, também não excluiu a isenção, por idêntico processo, quanto à Caixa Geral de Depósitos.
Lisboa, 29 de Setembro de 1993. - José Maria Sampaio da Silva.