Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
026674
Nº Convencional: JSTJ00008407
Relator: TAVARES DA COSTA
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PRAZO
PROCESSO DE TRANSGRESSÃO
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
REVELIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194807090266743
Data do Acordão: 07/09/1948
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IªS 29-07-1948; BMJ N8,160
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1948
Área Temática: DIR PROC PENAL.
Legislação Nacional: CPP29 ARTIGO 9 ARTIGO 83 N7 ARTIGO 98 N5 PAR6 ARTIGO 99 PAR2 ARTIGO 546 ARTIGO 547 ARTIGO 548 ARTIGO 647 N1 ARTIGO 669.
CPC39 ARTIGO 195 PARUNICO A ARTIGO 203.
D 35007 DE 1945/10/13 ARTIGO 47.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1947/07/16.
ACÓRDÃO RL DE 1947/07/23.
Sumário :
Nos processos de transgressão julgados a revelia, quando a comparencia do reu não for obrigatoria, a nulidade resultante da falta de notificação, prevista no n. 5 do artigo 98 do Codigo de Processo Penal, pode ser arguida em qualquer estado da causa, mesmo pelo Ministerio Publico.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

A foi julgada a revelia, em 19 de Março de 1947, num processo de transgressão e condenada em multa, por infringir o Regulamento do Governo Civil de Lisboa, de 28 de Agosto de 1900.
O oficial havia passado a certidão de notificação para julgamento, sem cobrar a assinatura da notificada, nem mencionar testemunhas dessa diligencia.
Posteriormente, em 22 de Abril do mesmo ano, o agente do Ministerio Publico invocando o disposto no n. 5 do artigo 98 e n. 7 do artigo 83 do Codigo de Processo Penal, e alinea a) do paragrafo unico do artigo 195 do Codigo de Processo Civil, arguiu a nulidade proveniente da falta de indicação de testemunhas na referida certidão, e requereu a anulação dos actos respectivos.


Mas o Juiz indeferiu.


E sendo interposto recurso, a Relação, ponderando haver falta de notificação, e que, não comparecendo o reu no julgamento e não sendo obrigatoria a sua comparencia a nulidade resultante da falta (n. 5 do artigo 98) podia ser arguida em qualquer estado da causa, considerou procedente a reclamação do Ministerio Publico e anulou o julgamento da transgressão, para se repetir com as formalidades devidas.


No mesmo Tribunal, porem, e alguns dias antes, foi proferido um acordão por juizes diferentes, negando provimento a recurso identico num processo de transgressão contra Irene da B, com o fundamento da arguição de nulidade por falta de notificação so ser admissivel ate ao momento em que teria lugar o interrogatorio do reu, se ele estivesse presente.
Em face da oposição entre estes dois acordãos sobre o mesmo ponto de direito - a oportunidade da arguição -, e no sentido de ser resolvida por assento a divergencia existente, o Excelentissimo Procurador da Republica junto da Relação interpos o presente recurso extraordinario, ao abrigo do artigo 669 do Codigo de Processo Penal.


O representante do Ministerio publico junto da secção criminal deste Supremo Tribunal emitiu parecer favoravel a orientação do primeiro dos acordãos referidos.


Cumpre decidir:


Segundo o disposto no paragrafo 6 do artigo 98 do citado Codigo, a nulidade por falta de notificação fica sanada, se o reu tiver recorrido do despacho a que respeita ou se lhe for notificado o recurso interposto pelo Ministerio Publico ou pela parte acusadora.


Compreende-se o alcance da disposição.


Nessa altura passou o reu a ter conhecimento da acusação, como teria se não existisse a falta.


E a tempo de organizar a sua defesa.


Mas, se o reu não teve conhecimento, a falta subsiste ainda, e pode ser arguida em qualquer estado da causa, e ate conhecida oficiosamente (artigo 99).


Salvo se comparecer na audiencia de julgamento, pois, nesse caso, so podera ser arguida ate ao interrogatorio (paragrafo 2).
Este paragrafo, pela forma como esta redigida a ultima parte do citado artigo 99, contem uma excepção a regra do mesmo artigo, e como tal deve ser entendida nos seus precisos termos.


Não e licito amplia-la aos casos em que o reu poderia ser interrogado, se estivesse presente.


E, consequentemente, não tem aplicação tambem, quando o reu não tiver conhecimento da acusação, nem comparecer, como se admite nalguns processos de transgressão (artigos 547 e 548 do Codigo de Processo Penal), e quando a falta se deva considerar sanada, nos termos do ja referido paragrafo 6 do artigo 98.


O interrogatorio pressupõe a comparencia efectiva do reu.
E uma oportunidade-limite para a reclamação, nos casos de comparencia e conhecimento.
Simplesmente:
Se o reu não comparece, nem tem conhecimento da acusação, a arguição não e possivel nessa altura.


Tem aplicação a regra do corpo do artigo.


Doutra forma se fraudaria a propria finalidade da notificação (artigo 546 do Codigo de Processo Penal e artigo 47 do Decreto n. 35007).
E doutra maneira poderia o reu ser privado da possibilidade de organizar a sua defesa, como permitem a Constituição e varios passos do Codigo de Processo.
Não basta a nomeação oficiosa dum defensor para assegurar esse direito.
A defesa, na realidade, não se organiza no campo dos factos, sem a intervenção do transgressor.


Sob outro aspecto, e de considerar ainda que a faculdade de arguir a nulidade em qualquer estado da causa, segundo a regra do artigo 99, deve ser reconhecida não so ao reu, como ao Ministerio Publico.
Não foi o Ministerio Publico que contribuiu para a falta (artigo 203 do Codigo de Processo Civil).


E cumprindo-lhe colaborar no descobrimento da verdade (artigo 9 do Codigo de Processo Penal), a sua actuação não se confina em mero interesse da acusação.


Pode mesmo recorrer no exclusivo interesse da defesa
(n. 1 do artigo 647).


De resto, em casos como o vertente, mais se justifica o exercicio daquela faculdade por parte do Ministerio Publico, se atendermos a que, em vista do referido artigo 47 do Decreto n. 35007, não e de considerar obrigatoria a sua assistencia a estes julgamentos.


Em conformidade com o exposto, negam provimento ao recurso, e estabelecem o seguinte assento:


"Nos processos de transgressão, julgados a revelia, quando a comparencia do reu não for obrigatoria, a nulidade resultante da falta de notificação prevista no n. 5 do artigo 98 do Codigo de Processo Penal, pode ser arguida em qualquer estado da causa, mesmo pelo Ministerio Publico".
Sem imposto.


Lisboa, 09 de Julho de 1948


Tavares da Costa (Relator) - Azevedo e Castro - Artur A.
Ribeiro - Roberto Martins - Jose de Abreu Coutinho - Rocha Ferreira - Raul Duque - Jaime Almeida Ribeiro - Arnaldo Bartolo - Campelo de Andrade - Pedro de Albuquerque - Antonio de Magalhães Barros - Alvaro Ponces - A. Cruz Alvura (com a designação de que entendi dever definir qual o momento do termo da causa).