Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4910/08.9TDLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
DESPACHO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
NON BIS IDEM
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 10/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam em Conferência na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I

Nestes Autos de recurso, foi proferido Despacho, a 02.09.2021, no qual se decidiu indeferir o pedido de extinção do presente procedimento criminal, por prescrição de “todos os crimes pelos quais vem condenado”.

II

Inconformado, o recorrente AA veio reclamar para a Conferência, reiterando a argumentação já apresentada nesse seu requerimento bem como no requerimento, apresentado a 03.09.2021, em que argui a nulidade, por omissão de pronúncia, do Acórdão de 14.07.2021, no tocante á invocada prescrição do procedimento criminal e invocando violar o disposto nos artigos 97º nº1 al. b) e 5 do CPP e 205º da CRP.

III

Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

Sem prejuízo da decisão reclamada não constituir formalmente uma Decisão Sumária, considera-se que substancialmente o Despacho ora em apreço, porque proferido singularmente e se reportar a uma matéria relativa a uma causa extintiva do procedimento – artigo 417 nº 6 al. c) do CPP -, pode ser equiparado a Decisão Sumária para efeitos do disposto no artigo 417º nº 8 do CPP.

Pelo que se admite a reclamação para a Conferência apresentada pelo recorrente AA.

Como se indica no Despacho em questão o requerimento do ora recorrente relativo ao pedido de declaração de prescrição do presente procedimento criminal foi indeferido “nos termos e com os fundamentos da Douta Promoção de 15.02.21, que aqui se dá por reproduzida.”

Tais termos e fundamentos são os seguintes: “(…) O requerente pretende a extinção do procedimento criminal instaurado contra ele por todos os crimes pelos quais vem condenado nos termos do art.º 79.º n.º 2 do RGCO e na proibição dos art.ºs 29.º n.º 5 CRP, 50.º da CDFUE, 4.º do Protocolo 7 adicional à CEDH e 14.º n.º 7 do PIDCP peticionando a instrução dos autos com certidão do processo de contraordenação findo por decisão transitada em julgado e reenvio Prejudicial ao TJ.

Considera que não estando transitada a decisão condenatória proferida nos autos é tempestiva a invocação de qualquer causa de extinção do procedimento criminal designadamente daquele que seja emergente da ocorrência de julgamento definitivo de natureza contraordenacional pela prática dos mesmos factos. E mais refere que o art.º 79.º n.º 2 do RGCO interpretado no sentido de não ser tempestivo o referido requerimento de extinção criminal apresentado antes do trânsito em julgado da decisão condenatória fundado no trânsito em julgado da decisão que aprecie os mesmos factos, ou factos indissociáveis enquanto contraordenação é materialmente inconstitucional por violação do princípio da necessidade ou proibição do excesso (art.º 18.º n.º 2 da CRP) e das garantias de defesa do arguido (art.º 32.º n.º 1 da CRP). Mais considera que o conceito de “infracção penal” a que Portugal se acha efectivamente obrigado para efeitos de cumprimento do art.º 4.º do 7.º Protocolo Adicional à CEDH é aquele que resulta da Convenção e não aquele que advém da qualificação interna e que o princípio “ne bis in idem” previsto no art.º 50.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia” consagra que ninguém pode ser julgado ou punido penalmente mais do que uma vez pelo mesmo delito, que tal princípio não proíbe apenas a dupla condenação mas também o duplo julgamento, que atento o objecto do processo n.º 41/12... (em que se discutiu a realização de negócios e o seu financiamento pelo Banco Insular), com este processo se está perante novo julgamento judicial da mesma realidade fáctica e/ou materialmente indissolúvel porque praticada sob a mesma estratégia e que não foram ponderadas conjuntamente pelo Tribunal da Relação as sanções aplicadas ao arguido no processo de contraordenação, cujos factos aí apreciados são idênticos e indissociáveis daqueles que são objecto dos presentes autos.

Verifica-se que no processo 41-12... respeitante a contraordenação, foi proferido acórdão a 10/3/2016 que julgou improcedente o recurso interposto pelo ora requerente, confirmando a decisão da 1.ª instância e, quanto à suscitada violação do princípio “ne bis in idem” (o arguido suscitara inconstitucionalidade das normas do art.º 211.º al. g) e 208.º do RGICSF quando interpretadas no sentido de permitir à autoridade administrativa fazer prosseguir os autos de CO e aplicar sanções com fundamento nos mesmos factos que sustentam a imputação ao arguido do crime de falsificação de documento) concluiu o dito acórdão pela não violação do princípio constitucionalmente consagrado, porquanto para além do mais, considerou serem diferentes os bens jurídicos que protegem os tipos legais de crime imputados ao arguido no P. 4910/08.9TDLSB e a sua falta de equivalência aos bens jurídicos que presidem à Contraordenação pela quais foi condenado no processo 41-12....

Nos autos em epígrafe o arguido/requerente vem condenado por crimes de abuso de confiança p, e p. pelo art.º 205.º n.ºs 1 e 4 b) do C. Penal, burla qualificada com referência ao conjunto da sua actuação quanto à indução em erro ou engano das entidades que lhe competida administrar directa ou indirectamente p. e p. pelo art.º 217.º, 218.º n.º 1 e 2 a) do C. Penal e falsificação de documento qualificada com referência ao conjunto da sua actuação no que se refere ao forjar de documento e de registo de movimentos bancários e contabilidade p. e p. pelo art.º 256.º n.º 1 al. a) e e) e n.º 3 do C. Penal.

A propósito da invocada (pelo arguido) violação do princípio constitucional ne bis in idem pronunciou-se nos autos em epígrafe o Ministério Público junto do Tribunal da Relação (na sua contra- motivação) sobre o recurso interposto pelo arguido para este Supremo Tribunal do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a 16/10/2019, salientando o decidido no acórdão recorrido no que respeita à condenação por um único crime de falsificação que tem subjacente a sua conduta relativamente” à escritura pública de mútuo da B...... à P...... tendo havido lugar à consumpção” e também porque “a factualidade relativa à escritura pública não foi alvo da matéria apreciada no processo de contra- ordenação”. E mais referiu que “a prática dos factos que integram a falsificação de contabilidade não foi julgada e sancionada no processo de contra-ordenação” e que a proibição de ne bis in idem respeita apenas à lei penal e não contende com outros segmentos de ordem jurídica, e ainda que conforme foi referido no Acórdão da Relação “os bens jurídicos protegidos pelas normas administrativas e pelas normas penais são claramente distintos… e que a conduta dos arguidos… preenche normas que protegem bens jurídicos autónomos, não existindo entre elas qualquer relação de subordinação ou de hierarquia de especialidade de consumpção, subsidiariedade ou subsunção impura”.

– Refere ainda o Requerente que a reserva formulada por Portugal se deve considerar inválida, peticionando o reenvio prejudicial pelo STJ ao TJUE para determinação da interpretação normativa a dar ao art.º 50.º da carta relativa à possibilidade de sobreposição das diversas acções punitivas de natureza formal/administrativa e criminal considerando o seu objecto, os tipos em causa, as sanções aplicáveis e aplicadas, a forma concreta e a cronologia com que foram instauradas, tramitadas e decididas, o estado dos mesmos e o teor das decisões aí tomadas nos termos do art.º 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE). Também neste segmento a referida contra- motivação do Ministério Público no Tribunal da Relação, se pronunciou sobre tal questão (embora em sede de resposta ao recurso do arguido BB que como o ora requerente, suscitou o reenvio prejudicial de questão de violação do “ne bis in idem” para o TJUE relativamente à possibilidade de sobreposição de diversas acções punitivas de natureza administrativa e criminal para determinação da interpretação a dar ao art.º 50.º da Carta dos Direitos fundamentais da União Europeia) tendo inclusivamente feito referência ao Acórdão da Relação ...... publicado em 2/7/2013.

II - A factualidade exposta é reveladora de que o Requerente com o seu requerimento, no que respeita ao referido e peticionado em I, na realidade o que pretende é reeditar nesta fase e pendência do recurso que interpôs do Acórdão do Tribunal da Relação, o que por ele já foi alegado na motivação do referido recurso.

Por conseguinte impõe-se concluir salvo melhor opinião que tal matéria que agora suscita no requerimento está abrangida pelo mérito do recurso.

Quanto ao referido em II, o Requerente no recurso que interpôs do Acórdão da Relação teve oportunidade de suscitar as questões alvo da sua discordância, não se vislumbrando fundamento legal para na pendência do recurso vir aos autos suscitar questões novas.”

Subscrevendo-se inteiramente o acima reproduzido, considera-se não haver qualquer violação das normas invocadas pelo recorrente na medida em que se mostram suficiente ponderados e explicitados os motivos de facto e de Direito da decisão em apreço, o que demonstra sua não discricionariedade e consequentemente se mostra percetível para o diretamente interessado, bem como para a generalidade das pessoas, a sua lógica interna e conformidade com a lei.

Acresce que não se mostrando afetado de forma alguma o controlo da legalidade dessa decisão pela forma utilizada se entende não ter ocorrido qualquer violação das normas invocadas, designadamente do disposto no artigo 205º da CRP.

Reapreciando-se, agora, em sede de Conferência a mesma questão impõe-se reiterar todo o já expendido na Douta Promoção acima transcrita, que, repete-se se subscreve e se dá como reproduzida, bem como ainda, frisar que as questões constantes do requerimento em apreço – datado de 05.01.2021 – foram oportunamente examinadas e decididas no Acórdão proferido a 14.07.2021, bem como ainda no Acórdão proferido nesta mesma dada que se ocupa das nulidades arguidas pelo ora reclamante.

Pelo que inexiste qualquer fundamento legal para a sua apreciação na presente sede.

IV

Termos em que se acorda em confirmar o Despacho reclamado..


Custas pelo recorrente, fixando-se em 3 Ucs a taxa de justiça nos termos da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Feito em Lisboa, aos 27 de outubro de 2021

Maria Teresa Féria de Almeida (Relatora)

Sénio dos Reis Alves (Adjunto)