Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P270
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PIRES SALPICO
Descritores: ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS
INDEMNIZAÇÃO
ABSOLVIÇÃO CRIME
Nº do Documento: SJ20060329002703
Data do Acordão: 03/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: JULGAMENTO SUSP. E ADIADO PARA PUB. AC.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
Se no pedido de indemnização civil, no tocante ao crime de abuso sexual de criança do art. 172.º, n.º 1, do CP, a demandante somente pediu que lhe fosse atribuída a indemnização, por danos não patrimoniais, de € 3.500, o tribunal a quo não poderia ter condenado o demandado a pagar-lhe quantia superior àquela, designadamente adicionando-lhe a quantia de € 10.500, peticionada a título de indemnização pela prática do crime de violação de domicílio p. e p. pelo art. 190.º, n.º 1, do CP, da qual o arguido foi absolvido, tendo incorrido, ao fazê-lo, na violação do disposto no art. 661.º, n.º 1, do CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

No ...º Juízo da Comarca de Albufeira, perante o respectivo Tribunal Colectivo, foi o arguido AA identificado nos autos, condenado, como autor material, em concurso real, de:
— um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo art.º 172º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão;
— de um crime de violação de domicílio do art.º 190º n.º 11, do Cód. Penal, na pena de 6 meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das referidas penas parcelares, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos.
Ainda, em procedência do pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido, demandado, foi este condenado a pagar: à demandante BB, por danos materiais por ela sofridos, a quantia que venha a ser liquidada em execução de sentença, acrescida de juros legais devidos desde a data da liquidação; e à demandante CC, a quantia de 15.500 euros, a título de danos não patrimoniais, acrescida dos juros legais.

Inconformado com tal decisão dela interpôs recurso, o arguido, demandado, para o Supremo Tribunal de Justiça.
Como se alcança das conclusões da sua motivação, discorda do montante da indemnização fixada a favor da demandante CC, sustentando que tal indemnização não poderá exercer os 2.500 euros; de igual sorte discorda da data fixada a partir da qual são devidos juros de mora pelos danos não patrimoniais; finalmente, pretende que a quantia que vier a ser fixada a título de indeterminação por danos não patrimoniais seja paga em prestações semestrais de 600 euros.
Não houve resposta à motivação.
Neste Supremo Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais e, agora, cumpre decidir.

Tudo visto e considerado:

Os factos que vêm dados como provados são os seguintes:
«1) O arguido residia em ..., Ferreiras, Albufeira, ao lado de uma residência onde desde o dia 2 de Fevereiro de 2002 até ao dia 3 de Novembro de 2002 BB ocupou um quarto, juntamente com a sua filha CC, esta nascida no dia 12 de Julho de 1992.
2) Desde o início da estadia de BB e CC na sua residência que o arguido, por várias vezes, ofereceu à menor dinheiro e prendas, deslocava-se à escola que a menor frequentava e acedia ao quarto que aquelas ocupavam.
3) Em Agosto de 2002, o arguido, convencido de que BB se encontrava ausente, entrou no quarto e sentou-se na cama ao lado de CC.
4) Disse então para a menor: "Ó meu amor, como é que estás? Estás zangada comigo? Ainda continuas zangada comigo?" - e como a menor não respondesse, levantou-se e disse "eu não gosto de pessoas que não falam comigo".
5) Em ocasião posterior, mas antes do dia 3 de Novembro de 2002, de manhã, o arguido entrou no quarto de CC, que se encontrava sozinha a dormir, e despiu as calças e as cuecas.
6) Deitou-se então em cima da CC e despiu o pijama e as cuecas que a menor usava.
7) Seguidamente, abriu as pernas da menor CC e tocou com o seu pénis na vagina daquela.
8) De tal acto não resultou desfloramento.
9) Em seguida, o arguido levantou-se, vestiu-se e abandonou o quarto.
10) O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, querendo penetrar no quarto pertencente a BB e a CC, sem que para tanto estivesse autorizado, e querendo ter com esta última relações de sexo, apesar da sua tenra idade.
11) O arguido sabia que a CC tinha à data dos factos dez anos de idade e que, ao tocar com o seu pénis na vagina daquela, estava a procurar manter relações de cópula com aquela, tal como sabia que praticava um facto punido por lei como crime, não obstante o que não se coibiu de fazê-lo.
12) De igual modo, o arguido sabia que, ao penetrar no quarto sem que ninguém o autorizasse, e sabendo que não estava autorizado a fazê-lo naquelas circunstâncias, cometia um facto punível como crime, ainda assim não se coibindo de praticá-lo.
13) O arguido é isento de passado criminal, nunca frequentou a escola e apenas sabe fazer o seu nome, vivendo, pelo menos, duma pensão de reforma de 250 Euros mensais, bem como do salário de sua esposa, que monta a 350 Euros mensais.
14) A conduta do arguido causou às demandantes incómodos, perdas de tempo e despesas nas várias deslocações que tiveram de fazer junto das autoridades policiais e judiciais para denúncia e investigação dos factos, declarações e exames médicos, bem como junto das entidades médicas para verificação do seu estado de saúde física e psíquica.
15) A demandante BB faltou ao trabalho, com redução de horas que não foram pagas.
16) A menor, acompanhada de sua mãe, esteve presente no Gabinete de Apoio à Vítima de Albufeira nos dias 27 de Dezembro de 2002, e 15 e 22 de Janeiro de 2003, e esteve presente no Instituto de Reinserção Social de Portimão nos dias 1, 7 e 11 de Julho de 2003, com vista a procedimentos de avaliação psicológica.
17) A demandante BB mudou-se, com sua filha, para outro local de residência.»

Quanto aos pedidos de indemnização civil deduzidos pelas demandantes BB e CC:

Sustenta o recorrente que a demandante CC pediu a indemnização de 3.500 euros pela prática do crime do art.º 172º, n.º 1, do Cód. Penal, pelo qual o recorrente, veio a ser condenado, e a indemnização de 10.500 euros respeitante ao crime do art.º 172º, n.º 2 do citado Código, que não resultou provado, e relativamente ao qual o arguido foi absolvido, pelo que o Tribunal “a quo”, ao condenar o recorrente no pagamento, à demandante CC, da indemnização, por danos não patrimoniais, de 15.500 euros, infringiu o disposto no art.º 661º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Entendemos que, neste ponto, assiste razão ao recorrente, sendo manifesto que, na decisão recorrida, certamente por lapso, adicionou as quantias pedidas a fls. 224, a título de indemnização por danos não patrimoniais, reclamadas pela legal representante da demandante CC, no montante global de 15.500 euros.
Na verdade, como se alcança do pedido de indemnização civil deduzido a fls. 223 a 225, no tocante ao crime de abuso sexual de criança do art.º 172º, n.º 1, do Código Penal, a demandante CC, legalmente representada por sua mãe BB, somente pediu que lhe fosse atribuída a indemnização, por danos não patrimoniais, de 3.500 euros, pelo que na decisão recorrida, o Tribunal “a quo” não poderia ter condenado o arguido, demandado, a pagar à CC quantia superior à pedida quantia de 3.500 euros, tendo sido, efectivamente, violado o disposto no art.º 661º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil.
Com efeito, o arguido, demandado, foi absolvido quanto ao crime do art.º 172º, n.º 2, do Cód. Penal, pelo qual fora pedida a indemnização de 10.500 euros.
E relativamente ao crime de violação de domicílio (art.º 190º, n.º 1, do Cód. Penal), em que foi ofendida a demandante BB, o recorrente foi condenado no pagamento da indemnização que se venha a liquidar em execução de sentença, e atendendo aos factos provados não vemos razão para alterar esta parte da decisão recorrida.
Quanto a pretensão do recorrente, de ver reduzida para 2.500 euros a indemnização, por danos não patrimoniais, devida à menor CC, entendemos que não lhe assiste razão, ponderadas as circunstâncias do caso.
De igual sorte, não se nos afigura pertinente o pretendido pagamento da indemnização à menor CC, em prestações semestrais de 600 euros.
No que concerne à questão do momento a partir do qual são devidos juros, igualmente suscitada pelo recorrente, relativamente ao montante da indemnização, juros legais, uma vez que a demandante CC é credora de uma indemnização fundada em responsabilidade por facto ilícito tais juros legais são devidos desde a data da notificação ao arguido, ou seja desde 7 de Março de 2005 (art.º 805º, n.º 3, “in fine”, do Cód. Civil), pelo que quanto a este ponto não tem razão o recorrente.

Em suma: o recurso merece provimento parcial, nos termos que ficaram apontados.

Nestes termos e concluindo:

Acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento parcial ao recurso, condenando o arguido, demandado, AA a pagar à demandante CC a quantia de 3.500 euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros legais a partir de 7 de Março de 2005, absolvendo-o da restante parte do pedido deduzido por essa demandante, assim se alterando o douto acórdão recorrido, que vai confirmado em tudo o mais.
O recorrente vai condenado no pagamento de 6 UC’s de taxa de justiça.

Supremo Tribunal de Justiça, 29 de Março de 2006

Pires Salpico (relator)
Henriques Gaspar
Silva Flor
Soreto de Barros