Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
99/14.2YRFLS
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
IMAGEM GLOBAL DO FACTO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
DOLO
CONFISSÃO
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
CULPA
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - TRÁFICO E CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES.
Doutrina:
- CESARE BECARIA, Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38.
- EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16.
- FIGUEIREDO DIAS, Direito Penal Português - As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §55, § 56, p. 109 e ss., § 278, p. 211; Direito Penal – Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996, p. 118; in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, pp. 84, 117, 121.
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 40.ºN.ºS 1 E 2, 71.º, N.ºS 1 E 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 18.º, N.º2.
D.L. N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, 25.º,
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 15-11-2006, PROC. N.º 3135/06 E PROC. N.º 2555/06 - 3.ª SECÇÃO.
Sumário :

I - O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93, do mesmo diploma legal.
II - Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
III -Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo o STJ, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo.
IV -No caso em apreço, operando a valoração global do facto, tendo em conta as circunstâncias da acção, bem como a natureza das drogas transaccionadas, e a grande quantidade de vezes em que ocorreram as transacções, geradoras globalmente de elevado provento pecuniário, e o período em que o recorrente actuou – cerca de 3 meses – não se revela que a ilicitude do facto seja consideravelmente diminuída, pelo que o tipo de crime a considerar é o do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01.
V - Tendo em conta a elevada gravidade do facto ilícito, face à natureza e qualidade dos produtos estupefacientes e quantidade assinalável das transacções havidas, o modo de execução e tempo que perdurou, a forte intensidade do dolo, os fins preponderantemente determinantes (obtenção de compensação pecuniária com as vendas), a confissão integral dos factos, as necessidades de prevenção geral intensas, as acutilantes exigências de prevenção especial (carecendo o arguido de socialização, nomeadamente na prevenção da reincidência, pois não é consumidor de estupefacientes) e a manifesta intensidade da culpa, a pena aplicada de 5 anos e 10 meses de prisão não se revela desproporcional ou desadequada.
Decisão Texto Integral:

                             
           Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

             -

Nos autos de processo comum com o nº 99/14.2YFLSB do 1º juízo criminal da comarca de Portimão: foi submetido a julgamento em tribunal colectivo, o arguido AA, ...., actualmente preso no Estabelecimento Prisional de ..., na sequência de acusação contra ele formulada pelo Ministério Público, que lhe imputava a prática, como autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

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Realizado o julgamento, o Tribunal Colectivo deliberou por acórdão de 27 de Fevereiro de 2014:

“a-        Condenar o arguido AA pela prática, como autora material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de cinco anos e dez meses de prisão.

b-         Condenar o arguido no pagamento de 4 UC de taxa de justiça, e nas custas do processo, fixando-se a procuradoria em ¼ da taxa de justiça.

c-         Declarar perdida a favor do Estado a droga apreendida nos autos, bem como os demais objectos e quantias apreendidos ao arguido (cfr. art. 109º do Código Penal e art. 35º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro).

d-         Ordenar a destruição da droga apreendida, nos termos do disposto no nº 6 do art. 62º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

e-         Determinar que, em conformidade com o disposto no art. 8º da Lei 5/2008, de 12 de Fevereiro, oportunamente, se proceda à recolha de amostras de ADN do arguido AA.


*

            O arguido AA aguardará o trânsito em julgado desta decisão na situação processual em que se encontra, já que integralmente se mantêm os pressupostos de facto e de direito que justificaram a sua sujeição a prisão preventiva – agora reforçados com a condenação de que foi alvo.

            Deixa-se consignado que o arguido se encontra em prisão preventiva, à ordem dos presentes autos, desde 20.09.2013 (tendo sido detido em 19.09.2013).


*

Notifique.

Boletins à DSIC.

Comunique – art. 64º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.


*

            Procede-se a depósito, nos termos legais.”

-

            Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, concluindo assim a motivação de recurso:

1.         O arguido confessou integralmente e sem reservas o teor da acusação que contra si havia sido deduzida;

2.         Como consequência dessa confissão integral e sem reservas, o Ministério Publico prescindiu de 15 (quinze) das 16 (dezasseis) testemunhas por si arroladas na acusação.

3.         Como decorrência das declarações do arguido e da sua colaboração com o Tribunal e a justiça a audiência de julgamento teve Inicio às 10 horas e 16 minutos e encerramento às 11 horas e 12 minutos, ou seja, demorou menos de 1 (um) hora.

4.         Ainda como consequência da sua colaboração o tribunal “a quo” deu como provado todos os factos constantes do libelo acusatório, designadamente, que:

A – (…);

B – (…)

C – (…)

D – (…)

E – (…)

F – (…)

G – (…)

H – (…)

I – (…)

J – (…)

K - O arguido AA, de ... anos de idade é natural de ..., onde cresceu inserido numa família numerosa, alargada, sem a presença do pai, que se encontrava emigrado. Foi o primeiro de uma fratria de sete, entre germanos e consanguíneos. Concluiu o ensino secundário no país de origem. Aos 20 anos veio para Portugal continuar os estudos como bolseiro, na Universidade ..., em ..., mas interrompeu passados dois anos e juntou-se ao pai, na zona da Grande Lisboa. Aos 22 anos casou com a actual mulher, organizando uma vida juntos na linha de Sintra, próximos às famílias de ambos.

L - Foi em Portugal que registou os primeiros contactos com o mundo do trabalho, através dos familiares, como ajudante num café ou na construção civil. Mas foram experiências pontuais, sem vinculo laboral,

M - Pese embota o passado aparentemente ajustado e o apoio familiar encontrado no país de acolhimento, incluindo o casamento com uma conterrânea, o arguido regista um estilo de vida muito permeável a factores de risco criminógeneo, designadamente: inconsistência de referências estruturadas, tendo desistido dos estudos e não tendo conseguido manter uma actividade laboral continuada; confronto com significativas dificuldades económicas; fácil associação a relacionamentos prócriminais, com significativa mobilidade fora do seu meio familiar

N - Em meio prisional tem tido um comportamento ajustado, discreto, sem registo de ocorrências disciplinares. A família do arguido afirma-se disposta a continuar a apoiá-lo. Em termos de futuro, os projectos do arguido são de reatar a vida familiar junto da sua mulher. Mostra-se desapontado com as oportunidades que idealizou encontrar no país de acolhimento, mas, ainda assim, não pretende regressar a ...e.

O - O arguido encara o seu problema jurídico-penal com relativo conformismo, revelando juízo auto-crítico, ciente da dimensão criminal dos factos por que se encontra acusado e dos factores de risco que o conduziram a este envolvimento. Confessou na íntegra os factos.

P – (…)

Q – (…);

III – B) DO ERRO NA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DA FACTUALIDADE PROVADA

5.         Ao contrário do douto entendimento expresso no Acórdão recorrido, sempre se dirá, com o devido respeito por melhor opinião, que a matéria de facto dada como provada deveria ter sido subsumida pelo tribunal “a quo” no tipo privilegiado previsto no artigo 25º, al. a) da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro - trafico de menor gravidade - e não na disposição legal contida no artigo 21º deste diploma legal.

Vejamos porquê:

6.         Sumariando o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011, Proc. 127/09.3PEFUN.S1, in www.dgsi.pt, podemos ler que:

“(…)

IX - A diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção.

X - Mas, a avaliação de uma actividade, seja ela qual for, obriga a uma definição prévia de critérios (ou de exemplos-padrão) e, portanto, dir-se-á que o agente do crime de tráfico de menor gravidade do art.º 25.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro, deverá estar nas circunstâncias seguidamente enunciadas, tendencialmente cumulativas:

a) A actividade de tráfico é exercida por contacto directo do agente com quem consome (venda, cedência, etc.), isto é, sem recurso a intermediários ou a indivíduos contratados, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem (contacto pessoal, telefónico, internet); 

b) Há que atentar nas quantidades que esse vendedor transmitia individualmente a cada um dos consumidores, se são adequadas ao consumo individual dos mesmos, sem adicionar todas as substâncias vendidas em determinado período, e verificar ainda se a quantidade que ele detinha num determinado momento é compatível com a sua pequena venda num período de tempo razoavelmente curto;

c) O período de duração da actividade pode prolongar-se até a um período de tempo tal que não se possa considerar o agente como “abastecedor”, a quem os consumidores recorriam sistematicamente em certa área há mais de um ano, salvo tratando-se de indivíduo que utiliza os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, caso em que aquele período poderá ser mais dilatado;

d) As operações de cultivo ou de corte e embalagem do produto são pouco sofisticadas.

e) Os meios de transporte empregues na dita actividade são os que o agente usa na vida diária para outros fins lícitos;

f) Os proventos obtidos são os necessários para a subsistência própria ou dos familiares dependentes, com um nível de vida necessariamente modesto e semelhante ao das outras pessoas do meio onde vivem, ou então os necessários para serem utilizados, essencialmente, no consumo próprio de produtos estupefacientes;

g) A actividade em causa deve ser exercida em área geográfica restrita;

h) Ainda que se verifiquem as circunstâncias mencionadas anteriormente, não podem ocorrer qualquer das outras mencionadas no art.º 24.º do DL 15/93.”

7.         In casu, mostram-se cumulativamente preenchidas as circunstâncias enunciadas no douto acórdão para a qualificação do crime no tipo privilegiado do artigo 25.º do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.

8.         A tipificação do artigo 25° parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa de punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21° e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25°.

9.         «In casu», e face à factualidade provada, interpretada à luz do espírito do sistema global, tendo-se presentes as implicações do princípio da proporcionalidade e aquele entendimento jurisprudencial, sempre se dirá que se estaria perante uma actividade de tráfico de menor gravidade nos termos previstos no artigo 25° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 de Janeiro.

No entanto, à cautela,

Por dever de patrocínio,

III -       C) DA MEDIDA DA PENA

10.       Ainda que se entenda, o que apenas se admite por dever de patrocínio, que o Recorrente cometeu um crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, sempre se dirá que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

11.       Na determinação da pena, o tribunal atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência;

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena» (art.º 71º, n.ºs 1 e 2, do CP).

12.       In casu, entendemos que o grau de ilicitude dos actos praticados pelo Recorrente é pequeno, pois, no quadro de um tráfico comum, as quantidades que detinha de produto não eram elevadas, os proventos também não o eram (nesse quadro), os meios usados eram rudimentares e o recorrente fazia a venda “a retalho”.

13.       Quanto ao dolo afigura-se pouco intenso, dado o período de tempo decorrido (meados de Junho de 2013 a 19 de Setembro de 2013) (inferior a um ano).

14.       O Recorrente não tem antecedentes criminais.

15.       O Recorrente também beneficia de um conjunto de importantes circunstâncias que pouco relevaram na douta decisão de que se recorre.

16.       Desde logo a confissão integral e sem reservas que muito contribuiu para a descoberta da verdade e para a desejável celeridade processual.

17.       Com efeito, conforme ficou dito supra o Ministério Público prescindiu de quase todas as testemunhas arroladas na acusação e que, como consta da respectiva acta, a audiência de julgamento demorou apenas cinquenta e seis minutos.

18.       Depois, associada a essa confissão surge o arrependimento do arguido.

19.       A esse propósito pode ler-se na douta decisão sindicada, “a circunstância de ter revelado arrependimento, mostrando capacidade de autocrítica ante as acções praticadas – bem espelhado na confissão incondicional que apresentou na audiência de julgamento.”

20.       A pena “(…) deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto...alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...” (“A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, pág. 570).

21.       Atenta a mediana ilicitude dos factos, o dolo pouco intenso, o facto de ser primário, de ter demonstrado arrependimento e ter colaborado, entendemos que uma pena coincidente com o mínimo legal (4 (quatro) anos) seria suficiente para satisfazer as expectativas comunitárias na validade das normas.

22.       E essa pena deveria ter sido suspensa na sua execução nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal que dispõe que "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".

23.       Este preceito consagra agora um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos (Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191).

O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização (em liberdade) do arguido.

24.       Entendemos que um arguido com 25 (vinte e cinco) anos de idade que confessa integralmente os factos, mostra arrependimento, tem espírito de autocrítica, bom enquadramento familiar, hábitos de estudo e de trabalho, tem condições para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão.

25.       Uma suspensão, prolongada por vários anos, pode constituir um incentivo à recuperação do arguido.

26.       E a sociedade não perde o controlo sobre o arguido durante o período da eventual suspensão: a suspensão constitui como que uma espada pendente sobre a cabeça daquele.

27.       Assim, pela errada interpretação e aplicação que deles faz, o douto acórdão recorrido para além de outras normas e princípios, violou os artigos 14.º, 40.º, 50.º, 53.º, 64.º e 71.º todos do Código Penal, a al. a) do nº 2 do artigo 410.º do C.P.P., os artigos 21.º e 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e os artigos 18.º e 32.º da Constituição da Republica Portuguesa.

TERMOS EM QUE

Requer-se a V. Exas. que concedam provimento ao presente recurso revogando a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que altere a qualificação jurídica para o tipo privilegiado previsto no artigo 25º, al. a) da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, aplicando-se ao Recorrente uma pena suspensa na sua execução,

ou ainda, à cautela, por dever de patrocínio,

Que V. Exas. revejam a pena de prisão efectiva aplicada ao Recorrente pelo tribunal “a quo”, substituindo-a por outra, coincidente com o mínimo legal que é de 4 (quatro) anos, também suspensa na sua execução.

Todavia, V. Exas., Venerandos Desembargadores, farão a já costumada

J U S T I Ç A!


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Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso no sentido de que “a decisão recorrida deverá ser mantida, na totalidade.

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Neste Supremo, o Ministério Público emitiu douto Parecer onde, além do mais, assinala:

“Para além da natureza dos estupefacientes traficados, e do período em que tal actividade foi exercida, o número de consumidores e transacções dadas como provadas, dão nota clara de um próspero (evidenciado, também, pelo dinheiro apreendido num único dia, proveniente do tráfico) e estabilizado negócio de retalhista de drogas duras, antagónico da considerável diminuição da ilicitude caracterizadora do tipo privilegiado.

 Em suma, o quadro global da sua actividade apresenta-se, não como um pequeno tráfico de rua, mas sim como um expressivo comércio retalhista de dimensão significativa, que constituía o modo de vida do arguido.

 Assim, e em primeira conclusão, é, também para nós, manifesto que os factos provados preenchem, sem equívocos, a ilicitude do tipo normal de tráfico do artigo 21.º do Dec.-Lei n.º 15/93.

IV Da medida da pena:

No que respeita à medida da pena não se vislumbra, igualmente, qualquer violação dos critérios legais que presidem à sua fixação, mostrando-se inserida na moldura da culpa e na da prevenção.

 E adite-se que as circunstâncias atenuantes com que fundamenta o seu pedido não assumem o relevo que lhes confere.

 Sem que se despreze o valor atenuante da confissão integral e arrependimento demonstrados (em contraponto poder-se-ia referir que a prova prescindida era abundante), o passado de aparente integração coabita com «um estilo de vida muito permeável a factores de risco criminógeno, designadamente: inconsistência de referências estruturadas, tendo desistido dos estudos e não tendo conseguido manter uma actividade laboral continuada; confronto com sucessivas dificuldades económicas; fácil associação a relacionamentos pró-criminais, com significativa mobilidade fora do seu meio familiar».

 (Refira-se, de resto, que esta pena poderá vir a ter uma existência autónoma efémera, no caos da confirmação das duas condenações anteriores, por tráfico.)

 Assim, situando-se a pena de 5 anos e 10 meses de prisão dentro dos parâmetros legais, a intervenção correctiva do STJ só se justificará em casos muito limitados, nomeadamente em que aquela, não obstante, se mostre desproporcionada ou desconforme às regras da experiência e da vida (Ac STJ de 29.04.04, proc. n.º 1394.04 5ª ), o que não acontece no caso.

V Da suspensão:

Finalmente, e no que respeita à pretendida pena de substituição, anota-se que mesmo que se considerasse que pena ligeiramente mais baixa ainda seria a adequada por ser a que se relevaria mais exacta no cumprimento fiel das finalidades das penas, não só as circunstâncias do facto e de prevenção geral constituem um óbice a tal opção (suspensão), como também a personalidade do agente levaria ao afastamento do necessário prognóstico favorável, que tem por subjacente razões exclusivas de prevenção especial de reintegração.

VI Pelo exposto entendemos que o recurso não merece provimento.”


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Cumpriu-se o disposto no artº 417º nº 2 do CPP

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Não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência, após os vistos legais,

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Consta do acórdão recorrido:

“2.1. Factos provados

Produzida a prova, consideram-se provados os seguintes factos:

A – O arguido AA é conhecido pela alcunha de “...”.

 B – O arguido dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes na cidade de ... desde meados de Junho de 2013 a 19 de Setembro de 2013, detendo e fazendo entrega dessas substâncias a consumidores e/ou vendedores das mesmas, a troco de uma compensação pecuniária.

C – Na sua actividade, o arguido utilizava como local preferencial de venda as imediações do estabelecimento de restauração conhecido por “Café ...”, “Phoenix” ou “...”, sito no....

D – O arguido tinha como actividade diária a permanência nas imediações do estabelecimento, efectuando contactos com toxicodependentes, aos quais vendia produtos estupefacientes, efectuando dezenas de vendas por dia.

E – O arguido tinha como procedimento habitual ir buscar o produto debaixo de moitas e pedras existentes no ..., guardar o produto estupefaciente no interior da sua boca até o entregar aos consumidores, com quem se encontrava na rua e de quem recebia uma contrapartida monetária.

            F – Designadamente, o arguido procedeu às seguintes transacções de estupefacientes:

a) No dia 21 de Agosto de 2013, entre as 21h45 e as 01h20 do dia seguinte, nas imediações do supra referido estabelecimento comercial o arguido vendeu uma quantidade não determinada de estupefacientes a cinco indivíduos toxicodependentes, entre eles um indivíduo conhecido por “Chuganov”;

b) Nesse dia, o arguido vendeu a ...uma mucha de cocaína, pelo valor de € 5,00, e uma mucha de heroína, pelo valor de € 20,00;

c) Nesse mesmo dia, vendeu a ... uma mucha de cocaína, com o peso líquido de 0,099 g, pelo valor de € 5,00;

d) No dia 26 de Agosto de 2013, pelas 22h12, nas imediações do ..., o arguido vendeu a ... e a ..., duas saquetas de cocaína em cristal, com o peso líquido de 0,132 g, pelo preço de € 15,00;

e) No dia 18 de Setembro de 2013, nas imediações do estabelecimento de restauração “...”, vendeu uma quantidade não apurada de estupefaciente a um casal conhecido como “...” e marido, a uma prostituta conhecida por “Raquel” e a indivíduos de origem cigana;

f) No dia 19 de Setembro de 2013, entre as 18h15 e as 19h30, o arguido vendeu estupefaciente a um indivíduo que não foi possível identificar e vendeu ainda a ... uma mucha de cocaína em cristal, com o peso líquido de 0,081 g, pelo preço de € 7,00.

            G – No dia 19 de Setembro de 2013, o arguido tinha na sua pessoa um telemóvel e a quantia monetária de € 350,60, em notas de € 5,00, € 10,00 e € 20,00, e moedas de diversos valores, proveniente da venda de produtos estupefacientes.

            H – O arguido vendia a mucha/embalagem de cocaína a um preço que variava entre os € 5,00 e os € 10,00, e a mucha/embalagem de heroína a um preço que variava entre os € 20,00 e os € 25,00.

I – Para além das supra referidas situações, no período compreendido entre Junho de 19 de Setembro de 2013, o arguido vendeu substâncias estupefacientes às seguintes pessoas:

a) A ... vendeu cocaína e heroína um número de vezes não determinado, superior a 50;

b) A ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes;

c) A ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, superior a 100;

d) A ... vendeu cocaína 2 a 3 vezes;

e) A ... vendeu cocaína e heroína um número não determinado de vezes;

f) A ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, que se situa nas 200;

g) A ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes;

h) A ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, superior a 100;

i) A ... vendeu heroína um número não determinado de vezes, que se situa nas dezenas;

j) A ... vendeu cocaína cerca de 10 vezes;

k) A ... vendeu heroína um número não determinado de vezes, situado nas dezenas, e vendeu ocasionalmente cocaína.

J – O arguido conhecia a natureza e as características dos referidos produtos, e agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de deter, transportar e comercializar as referidas substâncias, a troco de uma compensação pecuniária, bem sabendo que a compra, detenção, uso, distribuição, cedência, oferta e venda dos mesmos são actividades proibidas por lei.

Mais se apurou que:

K – O arguido AA, de... de idade, é natural de ..., onde cresceu inserido numa família numerosa, alargada, sem a presença do pai, que se encontrava emigrado. Foi o primeiro de uma fratria de sete, entre germanos e consanguíneos. Concluiu o ensino secundário no país de origem. Aos 20 anos veio para Portugal continuar os estudos como bolseiro, na Universidade ..., em ..., mas interrompeu passados dois anos e juntou-se ao pai, na zona da Grande Lisboa. Aos 22 anos casou com a actual mulher, organizando uma vida juntos na linha de ..., próximos às famílias de ambos. 

            L – Foi em Portugal que registou os primeiros contactos com o mundo do trabalho, através dos familiares, como ajudante num café ou na construção civil, mas foram experiências pontuais, sem vínculo laboral.

            M – Pese embora o passado aparentemente ajustado e o apoio familiar encontrado no país de acolhimento, incluindo o casamento com uma conterrânea, o arguido regista um estilo de vida muito permeável a factores de risco criminógeno, designadamente: inconsistência de referências estruturadas, tendo desistido dos estudos e não tendo conseguido manter uma actividade laboral continuada; confronto com significativas dificuldades económicas; fácil associação a relacionamentos pró-criminais, com significativa mobilidade fora do seu meio familiar

            N – Em meio prisional tem tido um comportamento ajustado, discreto, sem registo de ocorrências disciplinares. A família do arguido afirma-se disposta a continuar a apoiá-lo. Em termos de futuro, os projectos do arguido são de reatar a vida familiar junto da sua mulher. Mostra-se desapontado com as oportunidades que idealizou encontrar no país de acolhimento, mas, ainda assim, não pretende regressar a ....

            O – O arguido encara o seu problema jurídico-penal com relativo conformismo, revelando juízo auto-crítico, ciente da dimensão criminal dos factos por que se encontra acusado e dos factores de risco que o conduziram a este envolvimento. Confessou na íntegra os factos.

            P – O arguido não é consumidor de produtos estupefacientes.

Q – Do seu certificado de registo criminal “nada consta”; foi julgado nos processos nºs 27/12.0PBPTM e 60/11.9PBPTM, ambos do 2º juízo criminal de Portimão, sendo-lhe imputada a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, no entanto, as decisões proferidas nesses processos, em 29.10.2013 e 30.09.2013, ainda não se mostram transitadas em julgado.


*

2.2. Factos não provados

E nada mais se provou, com interesse para a decisão, designadamente, não se provaram quaisquer outros factos que com os provados estejam em contradição.


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O que tudo visto, cumpre apreciar e decidir

Inexistem vícios, e nulidades, de que cumpra conhecer, nos termos do artº 410º nºs 2 e 3 do CPP.

I. O arguido questiona a qualificação do crime por que foi condenado, entendendo que o deveria ter sido pelo crime de trafico de menor gravidade p e p no artº 25º, do Dec-Lei nº 15/93.

Analisando:


1. A matriz típica do crime de tráfico encontra-se prevista no artº 21º, n.º1, do Dec. Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, que dispõe:

«Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar fabricar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º, plantas ou substâncias, ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos»

Porém, nos termos do artigo 25º do DL 15/93 de 22 de Janeiro, “Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de:

            a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V a VI

            b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV”

Por sua vez, o artigo 26º do Dec- Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, dispõe no seu nº 1: Quando pela prática de algum dos factos referidos no artigo 21º, o agente tiver por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal, a pena é de prisão até três anos ou multa, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, ou de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV

            Da hermenêutica do art. 26.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, resulta ser elemento ou requisito essencial do crime de traficante-consumidor que o agente, ao praticar qualquer dos factos referidos no art. 21.º, tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal

            Desde logo, sempre que não venha provado que o agente tenha por finalidade exclusiva conseguir plantas, substâncias ou preparações para uso pessoal afastada fica imediatamente a incriminação pelo crime p. e p. pelo artº 26º do Dec-Lei nº 15/93,


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            2. O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do mesmo diploma, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do art. 21.º do DL 15/93, de 22-01.

Trata-se de um facto típico cujo elemento distintivo do crime-tipo reside, apenas, na diminuição da ilicitude, redução que o legislador impõe seja considerável, indicando como factores aferidores de menorização da ilicitude, a título meramente exemplificativo, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

 A aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade do ilícito.

Assim, e para além das circunstâncias atinentes aos factores de aferição da ilicitude indicados no texto do art. 25.º do DL 15/93, já atrás citados, há que ter em conta todas as demais susceptíveis de interferir na graduação da gravidade do facto, designadamente as que traduzam uma menor perigosidade da acção e/ou desvalor do resultado, em que a ofensa ou o perigo de ofensa aos bens jurídicos protegidos se mostre significativamente atenuado, sendo certo que para a subsunção de um comportamento delituoso (tráfico) àquele tipo privilegiado, como vem defendendo este Supremo Tribunal, torna-se necessária a valorização global do facto, tendo presente que o legislador quis aqui incluir os casos de menor gravidade, ou seja, aqueles casos que ficam aquém da gravidade do ilícito justificativa do crime-tipo, o que tanto pode decorrer da verificação de circunstâncias que, global e conjugadamente sopesadas, se tenham por consideravelmente diminuidoras da ilicitude do facto, como da não ocorrência (ausência) daquelas circunstâncias que o legislador pressupôs se verificarem habitualmente nos comportamentos e actividades contemplados no crime-tipo, isto é, que aumentam a quantidade do ilícito colocando-o ao nível ou grau exigível para integração da norma que prevê e pune o crime-tipo. - Ac- do STJ  de 20-12-2006, Proc. n.º 3059/06 – 3ª

O tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura, assim, dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.

A gravidade à escala assim delineada encontra tradução na conformação da acção típica, enquanto não prescinde de a ilicitude, ou seja o demérito da acção típica, na sua expressão de contrariedade à lei, ser consideravelmente reduzida, um acto de repercussão ética de menor gravidade, em função da consideração, além do mais, dos meios utilizados, da modalidade ou circunstância da acção, da qualidade ou quantidade das substâncias ou preparações – al. a) daquele art. 25.º.

Essa ponderação, tal como este STJ tem repetidamente afirmado, não prescinde, antes exige, uma valoração global do evento, sem fazer avultar um seu elemento em detrimento do outro. Ac. deste Supremo de 24-01-2007, Proc. n.º 3112/06 - 3.ª Secção

          3.  Refere a decisão recorrida:
“Desta feita, no que se refere à apurada actividade do arguido AA, é manifesto que o mesmo cometeu o crime de tráfico de estupefacientes tal como este vem descrito no art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, já que ficou demonstrado que procedeu, em bem mais de uma ocasião, à cedência/venda a terceiros de diversas quantidades de cocaína e heroína, tendo recebido a respectiva contrapartida monetária – e sendo certo que daí retirou proventos – para além de que as quantidades de produto estupefaciente transaccionadas pelo arguido se mostram absolutamente incompatíveis com situações de mero consumo – apurou-se, aliás, que o arguido não é consumidor de tais substâncias.

Encontram-se, pois, as condutas apuradas do arguido inequivocamente abrangidas pela incriminação constante do citado art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro.”

4. Será algo irrelevante para a definição do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. no artº 25,º dizer-se “que as quantidades de produto estupefaciente transaccionadas pelo arguido se mostram absolutamente incompatíveis com situações de mero consumo – apurou-se, aliás, que o arguido não é consumidor de tais substâncias.” se tal asserção se reputasse a finalidade exclusiva de consumo,  uma vez que apenas com referência ao artº 26º do mesmo diploma tal fundamentação poderia ter efeito. Mas o artº 25º não supõe essa situação prevista no artº 26º

A solução definidora encontra-se na matéria fáctica provada, e dela resulta - negritos nossos - que:

O arguido AA, conhecido pela alcunha de “Carlitos”. dedicou-se à venda e distribuição de produtos estupefacientes – heroína e cocaína .- na cidade de ... desde meados de Junho de 2013 a 19 de Setembro de 2013, detendo e fazendo entrega dessas substâncias a consumidores e/ou vendedores das mesmas, a troco de uma compensação pecuniária, e utilizava como local preferencial de venda as imediações do estabelecimento de restauração conhecido por “Café da ...”, “...” ou “...”, sito no ..., em ....

O arguido tinha como procedimento habitual ir buscar o produto debaixo de moitas e pedras existentes no Largo ..., guardar o produto estupefaciente no interior da sua boca até o entregar aos consumidores, com quem se encontrava na rua e de quem recebia uma contrapartida monetária.

 Foi dado como provado que nos dias a seguir indicados, o arguido procedeu às seguintes transacções de estupefacientes:

No dia 21 de Agosto de 2013, entre as 21h45 e as 01h20 do dia seguinte, nas imediações do supra referido estabelecimento comercial o arguido vendeu uma quantidade não determinada de estupefacientes a cinco indivíduos toxicodependentes, entre eles um indivíduo conhecido por “Chuganov”;Nesse dia, o arguido vendeu a ... uma mucha de cocaína, pelo valor de € 5,00, e uma mucha de heroína, pelo valor de € 20,00 e, vendeu a ... uma mucha de cocaína, com o peso líquido de 0,099 g, pelo valor de € 5,00;

No dia 26 de Agosto de 2013, pelas 22h12, nas imediações do Largo ..., o arguido vendeu a ... e a ..., duas saquetas de cocaína em cristal, com o peso líquido de 0,132 g, pelo preço de € 15,00;

No dia 18 de Setembro de 2013, nas imediações do estabelecimento de restauração “O ...”, vendeu uma quantidade não apurada de estupefaciente a um casal conhecido como “Rosa ...” e marido, a uma prostituta conhecida por “Raquel” e a indivíduos de origem cigana;

No dia 19 de Setembro de 2013, entre as 18h15 e as 19h30, o arguido vendeu estupefaciente a um indivíduo que não foi possível identificar e vendeu ainda a ... uma mucha de cocaína em cristal, com o peso líquido de 0,081 g, pelo preço de € 7,00.

            No dia 19 de Setembro de 2013, o arguido tinha na sua pessoa um telemóvel e a quantia monetária de € 350,60, em notas de € 5,00, € 10,00 e € 20,00, e moedas de diversos valores, proveniente da venda de produtos estupefacientes.

            Este desiderato concreto localizado no tempo (reduzido) e no espaço (espaçado), poderia inculcar estar-se perante um crime de tráfico de pequena gravidade.

            Porém, há ainda a considerar que:

 O arguido tinha como actividade diária a permanência nas imediações do estabelecimento, efectuando contactos com toxicodependentes, aos quais vendia produtos estupefacientes, efectuando dezenas de vendas por dia.

Mas, para além das supra referidas situações, no período compreendido entre Junho de 19 de Setembro de 2013, o arguido vendeu substâncias estupefacientes às seguintes pessoas: a ... vendeu cocaína e heroína um número de vezes não determinado, superior a 50; a ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes; a ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, superior a 100; a ...vendeu cocaína 2 a 3 vezes; a ... vendeu cocaína e heroína um número não determinado de vezes; a ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, que se situa nas 200; a ...vendeu cocaína um número não determinado de vezes; a ... vendeu cocaína um número não determinado de vezes, superior a 100; a ... vendeu heroína um número não determinado de vezes, que se situa nas dezenas; a ... vendeu cocaína cerca de 10 vezes; a ... vendeu heroína um número não determinado de vezes, situado nas dezenas, e vendeu ocasionalmente cocaína.

O arguido vendia a mucha/embalagem de cocaína a um preço que variava entre os € 5,00 e os € 10,00, e a mucha/embalagem de heroína a um preço que variava entre os € 20,00 e os € 25,00.

O arguido conhecia a natureza e as características dos referidos produtos, e agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de deter, transportar e comercializar as referidas substâncias, a troco de uma compensação pecuniária, bem sabendo que a compra, detenção, uso, distribuição, cedência, oferta e venda dos mesmos são actividades proibidas por lei.

5. Na valoração global do facto, tendo em conta as circunstâncias da acção, bem como a natureza das drogas transaccionadas, e a grande quantidade de vezes em que ocorreram as transacções, geradoras globalmente de elevado provento pecuniário, e o período em que actuou – cerca de 3 meses - não revelam que a ilicitude do facto seja consideravelmente diminuída.

Como bem observou o Ministério Público na resposta à motivação do recurso:

“A conduta do aqui recorrente, o espaço de tempo em que atuou, o tipo de drogas que vendeu, o número de pessoas e o número de vezes em que procedeu a vendas, o facto de não ser consumidor, de proceder às vendas de droga como modo de vida, afasta a possibilidade de entender como consideravelmente diminuída a ilicitude e, como tal, de aplicação ao caso do artº 25º do Dec-Lei nº 15/93 (tráfico de menor gravidade).”

Em suma, pela matéria fáctica apurada, pode considerar-se o arguido como “abastecedor”,de produtos estupefacientes na área em que actuava com permanência, a quem os consumidores recorriam sistematicamente há cerca de três meses, não se tratando de indivíduo que utilizava os proventos assim obtidos, essencialmente, para satisfazer o seu próprio consumo, tanto mais que como vem provado, o arguido não era consumidor de produtos estupefacientes.

Ou, de outro modo, como pertinentemente refere o Ministério Público junto deste Supremo, em seu douto Parecer:, “o quadro global da sua actividade apresenta-se, não como um pequeno tráfico de rua, mas sim como um expressivo comércio retalhista de dimensão significativa, que constituía o modo de vida da arguido.”

Não procede pois o crime de tráfico de menor gravidade.

II- Sobre a medida da pena

Entende o recorrente pelo resumo consubstanciado nas conclusões 12 e segs, que “uma pena coincidente com o mínimo legal (4 (quatro) anos) seria suficiente para satisfazer as expectativas comunitárias na validade das normas. E essa pena deveria ter sido suspensa na sua execução nos termos do disposto no artigo 50.º do Código Penal “.pois, como aduz na conclusão 24“um arguido com 25 (vinte e cinco) anos de idade que confessa integralmente os factos, mostra arrependimento, tem espírito de autocrítica, bom enquadramento familiar, hábitos de estudo e de trabalho, tem condições para beneficiar da suspensão da execução da pena de prisão”

Analisando:

1. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 40º nº 1 do C.Penal.

Escrevia CESARE BECARIA –Dos delitos e das Penas, tradução de JOSÉ DE FARIA COSTA, Serviço de Educação, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 38, sobre a necessidade da pena que “Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade – diz o grande Montesquieu – é tirânica.”  (II); - embora as penas produzam um bem, elas nem sempre são justas, porque, para isso, devem ser necessárias, e uma injustiça útil não pode ser tolerada pelo legislador que quer fechar todas as portas à vigilante tirania...” (XXV)

Mas, como ensinava EDUARDO CORREIA, Para Uma Nova Justiça Penal, Ciclo de Conferências no Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, Livraria Almedina, Coimbra, p. 16, “Ao contrário do que pretendia Beccaria, uma violação ou perigo de violação de bens jurídicos não pode desprender-se das duas formas de imputação subjectiva, da responsabilidade, culpa ou censura, que lhe correspondem.

E neste domínio tem-se verificado uma evolução que seguramente não nos cabe aqui, nem é possível, desenvolver.

Essa solução está, de resto, ligada ao quadro que se vem tendo do homem, às necessidades da sociedade que o integra, aos fins das penas a que se adira e à solidariedade que se deve a todos, ainda que criminosos.”

As penas como instrumentos de prevenção geral são “instrumentos político-criminais destinados a actuar (psiquicamente) sobre a globalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através das ameaças penais estatuídas pela lei, da realidade da aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução”, surgindo então a prevenção geral positiva ou de integração “como forma de que o Estado se serve para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal; como instrumento por excelência destinado a revelar perante a comunidade a inquebrantabilidade da ordem jurídica, pese todas as suas violações que tenham tido lugar (,v. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001,p. 84)

Ensina o mesmo Ilustre Professor  –As Consequências Jurídicas do Crime, §55 - que “Só finalidades relativas de prevenção geral e especial, e não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. A prevenção geral assume, com isto, o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida: em suma, como estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma ‘infringida’”

Por outro lado, a pena também tem uma função de prevenção geral negativa ou de intimidação, como forma estadualmente acolhida de intimidação das outras pessoas pelo mal que com ela se faz sofrer ao delinquente e que, ao fim, as conduzirá a não cometerem factos criminais. Porém, “não constitui todavia por si mesma uma finalidade autónoma de pena apenas podendo” surgir como um efeito lateral (porventura desejável) da necessidade de tutela dos bens jurídicos.” (Figueiredo Dias, Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime - Universidade de Coimbra – Faculdade de Direito, 1996,, p. 118)

“1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

A moldura de prevenção, comporta ainda abaixo do ponto óptimo ideal outros em que a pressuposta tutela dos bens jurídicos “é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena pode ainda situar-se sem que perca a sua função primordial de tutela de bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico – abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.” (idem, Temas Básicos…, p. 117,  121):

Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo artº 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º  do Código Penal, estabelecendo contudo, o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospectivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.

O ponto de chegada está nas exigências de prevenção especial, nomeadamente da prevenção especial positiva ou de socialização, ou, porventura a prevenção negativa  relevando de advertência individual ou de segurança ou inocuização, sendo que a função negativa da prevenção especial, se assume por excelência no âmbito das medidas de segurança.

Todavia em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa  (ultrapassar a medida da culpa), pois que o princípio da culpa, como salienta o mesmo Insigne Professor – in ob. cit. § 56 -, “não vai buscar o seu fundamento axiológico a uma qualquer concepção retributiva da pena, antes sim ao princípio da inviolabilidade da dignidade pessoal. A culpa é condição necessária, mas não suficiente, da aplicação da pena; e é precisamente esta circunstância que permite uma correcta incidência da ideia de prevenção especial positiva ou de socialização.”

Ou, em síntese: A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento de pena, mas constitui o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações ou exigências preventivas – sejam de prevenção geral positiva de integração ou antes negativa de intimidação, sejam de prevenção especial positiva de socialização ou antes negativa de segurança ou de neutralização. A função da culpa, deste modo inscrita na vertente liberal do Estado de Direito, é por outras palavras, a de estabelecer o máximo de pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.”- idem, ibidem p. 109 e ss.

2. É no âmbito do exposto, que este Supremo Tribunal vem interpretando sobre as finalidades e limites da pena de harmonia com a actual dogmática legal.

Como resulta, v. g. do Ac. deste Supremo de  15-11-2006, Proc. n.º 3135/06 - 3.ª Secção,  o modelo de prevenção acolhido pelo CP - porque de protecção de bens jurídicos - determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

3. O artigo 71° do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

O n ° 2 do artigo 71º do Código Penal, estabelece, que:

Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou, contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

b) A intensidade do dolo ou da negligência:

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

d) As condições pessoais do agente e a sua situação

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena

As circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

4. A decisão recorrida considerou:

“Importa, pois, determinar a pena concreta a aplicar.

Assim, quanto ao arguido AA, há a considerar:

-           o grau de ilicitude da sua conduta, obviamente assinalável, dado o nível de actividade desenvolvido, bem como o número não despiciendo de transacções realizadas;

-           o dolo intenso com que agiu, nomeadamente tendo em conta os actos de venda que praticou ou pelos quais foi responsável;

-           o grau de culpa do arguido que revelou com o seu comportamento um grau de irresponsabilidade social  muito elevado.

-           o facto de, à data dos factos, não registar antecedentes criminais;

-           o facto de dispor de apoio familiar consistente, muito embora não demonstre possuir adequado enquadramento profissional, que lhe permita angariar o seu sustento e da sua família, sem recorrer a expedientes de natureza ilícita;

-           a circunstância de ter revelado arrependimento, mostrando capacidade de auto-crítica ante as acções praticadas – bem espelhado na confissão incondicional que apresentou na audiência de julgamento;

Assim, considerada a penalidade abstractamente aplicável ao crime de tráfico de estupefacientes cometido pelo arguido AA, cujo ponto médio se situa nos oito anos de prisão, entende este Tribunal que a pena a impor-lhe terá de situar-se, necessariamente, abaixo desse ponto médio da moldura penal, não se mostrando curial que se eleve muito acima do respectivo patamar inferior (pese embora a notícia de outros processos por factos de idêntica natureza, a verdade é que o arguido tem de considerar-se, para todos os efeitos, primário), sem no entanto descurar a censura reclamada pelo grau de culpa do arguido, de modo a que o significado da condenação não passe despercebido, pelo que se afigura justo fixar tal pena em cinco anos e dez meses de prisão.”

5. Tendo em conta:

A elevada gravidade do facto ilícito, face à natureza e qualidade dos produtos estupefacientes e quantidade assinalável das transacções havidas, o modo de execução e tempo que perdurou, a forte intensidade do dolo, e os fins preponderantemente determinantes (obtenção de compensação pecuniária com as vendas);

Tendo ainda em conta que:

O arguido AA, de ... anos de idade, é natural de ..., onde cresceu inserido numa família numerosa, alargada, sem a presença do pai, que se encontrava emigrado. Foi o primeiro de uma fratria de sete, entre germanos e consanguíneos. Concluiu o ensino secundário no país de origem. Aos 20 anos veio para Portugal continuar os estudos como bolseiro, na Universidade ..., em ..., mas interrompeu passados dois anos e juntou-se ao pai, na zona da Grande Lisboa. Aos 22 anos casou com a actual mulher, organizando uma vida juntos na linha de ..., próximos às famílias de ambos. 

            Foi em Portugal que registou os primeiros contactos com o mundo do trabalho, através dos familiares, como ajudante num café ou na construção civil, mas foram experiências pontuais, sem vínculo laboral.

            Pese embora o passado aparentemente ajustado e o apoio familiar encontrado no país de acolhimento, incluindo o casamento com uma conterrânea, o arguido regista um estilo de vida muito permeável a factores de risco criminógeno, designadamente: inconsistência de referências estruturadas, tendo desistido dos estudos e não tendo conseguido manter uma actividade laboral continuada; confronto com significativas dificuldades económicas; fácil associação a relacionamentos pró-criminais, com significativa mobilidade fora do seu meio familiar

            Em meio prisional tem tido um comportamento ajustado, discreto, sem registo de ocorrências disciplinares. A família do arguido afirma-se disposta a continuar a apoiá-lo. Em termos de futuro, os projectos do arguido são de reatar a vida familiar junto da sua mulher. Mostra-se desapontado com as oportunidades que idealizou encontrar no país de acolhimento, mas, ainda assim, não pretende regressar a ....

            O arguido encara o seu problema jurídico-penal com relativo conformismo, revelando juízo auto-crítico, ciente da dimensão criminal dos factos por que se encontra acusado e dos factores de risco que o conduziram a este envolvimento. Confessou na íntegra os factos.

            O arguido não é consumidor de produtos estupefacientes.

As necessidades de prevenção geral são intensas, pela repercussão potencial na prática de outros comportamentos criminais, na degradação social  e de saúde pública.

As exigências de prevenção especial são acutilantes, carecendo o arguido ora recorrentes de socialização, nomeadamente na prevenção da reincidência, atenta a inexistência de toxicodependência, pois nem é consumidor de produtos estupefacientes e, por outro lado, embora do seu certificado de registo criminal “nada consta”; já foi julgado nos processos nºs 27/12.0PBPTM e 60/11.9PBPTM, ambos do 2º juízo criminal de Portimão, sendo-lhe imputada a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, no entanto, as decisões proferidas nesses processos, em 29.10.2013 e 30.09.2013, ainda não se mostram transitadas em julgado.

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A intensidade da culpa é manifesta, explicitada na vontade assumida e querida na acção desvaliosa, pois que o arguido tinha como actividade diária a permanência nas imediações do estabelecimento, de restauração conhecido por “Café ...”, “...” ou “...”, sito no ... efectuando contactos com toxicodependentes, aos quais vendia produtos estupefacientes, efectuando dezenas de vendas por dia, conhecia a natureza e as características dos referidos produtos, e agiu de forma livre, voluntária e consciente, com intenção de deter, transportar e comercializar as referidas substâncias, a troco de uma compensação pecuniária, bem sabendo que a compra, detenção, uso, distribuição, cedência, oferta e venda dos mesmos são actividades proibidas por lei.

Todos estão hoje de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Não falta, todavia, quem sustente que a valoração judicial das questões de justiça ou de oportunidade estariam subtraídas ao controlo do tribunal de revista, enquanto outros distinguem: a questão do limite ou da moldura da culpa estaria plenamente sujeita a revista, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, para controlo do qual o recurso de revista seria inadequado. Só não será assim, e aquela medida será controlável mesmo em revista, se, v.g., tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. ( Figueiredo Dias in Direito Penal Português -As consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 278, p. 211, e Ac. de 15-11-2006 deste Supremo Tribunal e desta 3ª Secção, , Proc. n.º 2555/06)

Tendo em conta que: o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artº 21º do Dec Lei nº 15/93  é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos , o disposto nos artigos 40º,  e 71º nº 1 e 2 do C.Penal; a pena aplicada não se revela desproporcional ou desadequada, sendo, por isso, de manter.

Face à pena aplicada, prejudicada fica a apreciação da questão da suspensão da sua execução, por impossibilidade legal.

            Conclui-se assim que o recurso não merece provimento.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -. em negar provimento ao recurso e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.

Tributam o recorrente em 6 Ucs de taxa de justiça

            Supremo Tribunal de Justiça, 5 de Setembro de 2014

                                                Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça (Relator)

                                               Raul Borges