Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4049
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BETTENCOURT DE FARIA
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
CONTRATO INOMINADO
EFEITOS
Nº do Documento: SJ200503030040492
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 1760/04
Data: 05/06/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - O DL 375A/99, de 20.09, veio acrescentar um nº 6 ao art. 712º do C.P.Civil, aplicável a todos os processos intentados a partir de 20.10.99, o qual retirou ao STJ a apreciação das questões versadas naquele preceito, que são, assim, definitivamente julgadas em 2ª instância.
II - As partes ao acordarem num contrato atípico não podem pretender obter o mesmo efeito que obteriam pelo contrato nominado, só que desvinculando-se do regime legalmente previsto. Pelo menos enquanto não seja possível descortinar que quiseram algo de diferente do tipo legal do contrato.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A" e B moveram a presente acção ordinária contra C e D, pedindo que os réus fossem condenados a pagarem-lhes a quantia de 20.000.000$00, acrescida dos respectivos juros de mora legais, desde 31.03.98.

Os réus apresentaram contestação a que os autores replicaram.
O processo seguiu os seus trâmites e, feito o julgamento, foi proferida sentença em que a acção foi julgada improcedente.
Apelaram os autores, mas sem êxito.
Recorrem os mesmos novamente, apresentando, em síntese, nas suas alegações de recurso as seguintes conclusões:
1 - Não foi feita a análise crítica das provas, nem foram especificados os fundamentos decisivos para a convicção do julgador, não constituindo correcta fundamentação a simples enumeração das provas atendidas, nem a fundamentação em bloco.
2 - Com o que se violou o art. 653º nº 2 do C.P. Civil.
3 - O nº 2 do art. 21º do DL 231/81 não constitui norma imperativa.
4 - Assim, embora a participação nos lucros seja um elemento essencial da caracterização do contrato de associação em participação, que, a não se verificar, o descaracteriza, nem por isso tal falta implica a sua nulidade, atento o princípio da liberdade contratual do art. 405º do C. Civil.

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

II
As instâncias deram por assentes os factos constantes de fls. 291 a 292, para os quais se remete, nos termos do art. 713º nº 5 do C.P.Civil.

III
Apreciando

1- A primeira questão posta pelos recorrentes respeita à deficiência na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a qual vem prevista no art. 712º nº 5 do C.P.Civil, aí se indicando a forma como o Tribunal da Relação deve reagir a uma fundamentação que considera deficiente.
Pretendem os recorrentes que o Supremo reaprecie esta questão.
Acontece, porém, que o DL 375-A/99 de 20.09 veio introduzir um nº 6 ao referido art. 712º, que é aplicável em todos os processos que forem intentados a partir de 20.10.99. Logo, aplicável aos presentes autos.
Nesse número determina-se que das decisões da Relação previstas nos números anteriores não cabe recurso para o STJ. Donde se segue que a questão em causa não pode ser objecto de apreciação neste Tribunal, sendo definitivo o seu tratamento em 2ª instância.

2 - Pretendem os recorrentes que, embora seja elemento essencial do contrato de conta em participação, a participação nos lucros, o facto dos contraentes terem expressamente afastado essa faculdade, não importa a nulidade do negócio jurídico, mas tão só a sua atipicidade.
É certo que o art. 405º do C. Civil, ao consagrar como regra a liberdade das partes de fixação dos conteúdo dos negócios jurídicos, admite no seu nº 2 que, ao abrigo dessa liberdade seja alterado o conteúdo dos contratos típicos. No entanto, esta possibilidade não se pode traduzir na criação de um modelo contratual que fruste o aquele previsto na lei. Ou seja, as partes ao acordarem no contrato atípico não poderão pretender obter o mesmo efeito que obteriam pelo contrato nominado, só que desvinculando-se do regime legalmente previsto. Pelo menos quando não seja possível descortinar que quiseram algo de diferente do tipo legal de contrato.
E esta é a hipótese dos autos.
Nas cláusulas primeira e segunda do contrato que foi designado pelas partes de contrato de conta em participação as partes declaram que os primeiros outorgantes estão a desenvolver um projecto industrial a que associam os segundos. Estes - cláusulas terceira quarta e sexta - entram com determinada quantia e recebem como contrapartida uma outra previamente fixada.
Não se trata dum contrato de conta em participação válido, por afastar um elemento que a lei diz ser essencial - a participação nos lucros -, nem se pode considerar que as partes quiseram um mútuo, uma vez que neste tipo contratual não existe uma associação de carácter mercantil. Existe, por isso a impossibilidade de determinação válida do seu objecto, o que importa a nulidade.

Nestes termos, nada há a censurar à decisão em apreço, improcedendo as conclusões do recurso.
Pelo exposto, acordam em negar a revista e confirmam o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa 3 de Março de 2005
Bettencourt de Faria
Moitinho de Almeida
Noronha do Nascimento.