Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
106/07.5TBODM.LL.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
REPARAÇÃO DOS DEFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / FALTA DE CUMPRIMENTO E MORA IMPUTÁVEIS AO DEVEDOR / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA.
Doutrina:
- Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, p. 71.
- Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. III, p. 127.
- Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, p. 390.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 798.º, 914.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-2-04 (WWW.DGSI.PT) E O MAIS RECENTE AC. DE 22-11-12 (NO PROC. 3687/03.9TVPRT.P1.S1).
Sumário :

Na venda de coisa defeituosa, a par do direito de obter do vendedor a reparação dos defeitos, nos termos do art. 914º do CC, é reconhecido ainda ao comprador o direito de indemnização, nos termos gerais, fundado no incumprimento da obrigação de entrega de um bem sem defeitos.

A.G.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I - AA, UNIPESSOAL, Ldª,

instaurou acção declarativa sob a forma de processo ordinário contra

BB, Ldª,

pedindo a condenação na reparação dos defeitos de uma máquina giratória de rastos que adquiriu à R. ou, não sendo tecnicamente viável a reparação ou eliminação dos vícios, a sua condenação na substituição da máquina vendida por outra do mesmo tipo e características e com qualidades idênticas às que foram asseguradas, apta para o fim a que se destina.

Pediu ainda a condenação no pagamento de uma indemnização no montante de € 33.946,50 para ressarcimento dos danos patrimoniais emergentes do cumprimento defeituoso do contrato verificados até à instauração da acção, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo pagamento, e a condenação no pagamento de indemnização que vier a ser apurada para ressarcimento dos danos patrimoniais emergentes do cumprimento defeituoso, desde a data da instauração da acção até à reparação dos defeitos ou à substituição da máquina em causa.

A R. contestou alegando que a máquina vendida foi reparada e ficou a funcionar na perfeição, sendo que os eventuais problemas devem-se ao seu deficiente manuseamento. Impugnou ainda os prejuízos invocados.

Foi proferida sentença que condenou a R. a proceder à reparação da máquina de molde a eliminar a anomalia que a impede de se deslocar com normalidade em superfície plana e a torna totalmente inapta se o terreno se apresentar irregular, a eliminar as fugas de óleo hidráulico na máquina, a substituir ou reparar os roletos do lado esquerdo que estão gripados, a eliminar as batidas e funcionamento irregular da giratória a fim de assegurar o movimento de rotação e na vertical, a eliminar as deficiências no motor diesel e alternador, a eliminar os defeitos do joystick para manobrar a máquina e a proceder à reparação das fugas de óleo dos pedais da máquina enquanto em andamento e reparar o conta-horas. Condenou ainda a R. a pagar à A. a quantia de € 30.127,05 acrescida de juros moratórios à taxa legal desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

Contra este último segmento da sentença insurgiu-se a R. no recurso de apelação, mas a Relação confirmou a sentença.

Inconformada, a R. interpôs então recurso de revista no qual suscitou duas questões que delimitam o respectivo objecto:

– No regime da venda de coisa defeituosa, a indemnização pelos danos ocorridos durante o período de paralisação para reparação dos defeitos apenas pode ser reclamada quando o comprador pretender a anulação do contrato de compra e venda?

2ª – A matéria de facto apurada nos autos não permite a fixação da indemnização pelos danos, devendo esta ser relegada para liquidação da sentença?

Cumpre decidir.

II – Factos apurados:

1. A A. tem por actividade principal o comércio por grosso de madeiras e produtos derivados e a R. dedica-se ao comércio de venda de máquinas e equipamentos para a actividade florestal – A) e B);

2. No decurso do mês de Abril de 2006 iniciaram-se negociações entre a A. e R. com vista à transacção, por compra e venda, de uma máquina florestal para corte de madeira, sendo que a A. pretendia adquirir para o exercício da sua actividade uma máquina florestal com giratória de rastos, com aptidão para se movimentar e deslocar sobre rastos em matas, apta para o corte de madeira, designadamente de eucaliptos e com medidor de corte, incorporado na cabeça processadora, programável (medida do corte da madeira) por computador – C) e D);

3. A R. informou a A. que uma máquina em estado de nova custaria cerca de € 230.000,00, mas a A. preferia adquirir uma máquina em estado usado – 37º;

4. A R. informou a A. que não possuía uma máquina usada com as características referidas em 41. em stock e teria de a encomendar e mostrou à A. fotografias da máquina publicadas no site oficial da "CC AB", uma vez que também nunca tinha estado ao pé da máquina ou visto a trabalhar – 38º, 39º e 40º;

5. A A. colocou como condição da compra e venda o exame da máquina – 41º;

6. A R. comprou a máquina à empresa sueca "CC AB", pelo preço de € 26.500,00 e informou a A. que foi construída em 1990, sendo que a A. aceitou a garantia prestada pela R. – 43º e 48º;

7. Antes da conclusão do negócio, a R., nas suas instalações, exibiu à A., a máquina, pondo o motor a diesel a trabalhar, mas não movimentou a máquina nem a deslocou sobre os rastos, sendo que apenas em plena situação de trabalho e utilização da máquina no corte de madeira na mata se pode examinar e conferir o funcionamento efectivo dos componentes referidos em 17. - E), 1º e 8º;

8. A R. fez questão que a A. confirmasse o número de horas marcado no conta-horas, sendo marcava 11.290 horas, tendo a R. assegurado que não tinha sido utilizada mais de 8.000 horas no corte de madeira – F) e G);

9. A R. garantiu que a máquina estava em plenas condições para o fim referido em 2. pretendido pela A. – 2º;

10. O computador e a cabeça processadora da máquina foram adaptados à mesma, tendo a máquina sido assim importada – 34º e 35º;

11. Para a execução de trabalhos de corte de madeira em matas é indispensável que a máquina esteja em condições de se movimentar e deslocar, quer em superfície plana, quer acidentada, e ser do tipo giratória de rastos pressupõe a aptidão da máquina para se movimentar e girar sobre rastos que devem estar em condições de ser accionados – 3º e 4º;

12. A máquina florestal referida em 40. veio a ser entregue à A. em 26-6-06 na Herdade ..., Odemira, local onde estava previsto começar a ser utilizada de imediato no corte de madeira (eucaliptos), mas com a entrega da máquina à A. não foi posto à sua disposição pela R. qualquer outro documento ou informação, não tendo sido entregue nenhum certificado de qualidade, nem o manual de operação e manutenção da máquina – K) e L);

13. A R. enviou depois da entrega da máquina à A., via correio, um contrato escrito denominado “contrato de compra e venda”, em duplicado, datado de 20-6-06, assinado pela vendedora do qual consta que a R. garante por 90 dias motor, hidrostáctico ou torque e bombas hidráulicas e que dá garantia, salvo situação em que qualquer dos componentes abaixo referidos se danifique por negligência do comprador e/ou actos de vandalismo, de que o equipamento acima referido, sairá em perfeitas condições de funcionamento, no momento da entrega ao comprador – O) e P);

14. É necessário o funcionamento da máquina para se dar a acamação do motor – 54º;

15. Após a entrega, durante as horas em que a máquina foi utilizada, o maquinista manobrador passou a maior parte do tempo com a máquina imobilizada por sobreaquecimento do motor, perdas constantes de óleo, desequilíbrio dos rastos, deficiências nos roletos, inoperacionalidade da giratória, do computador e do medidor de corte – 5º;

16. O painel de instrumentos que regulava o medidor de corte e o computador com vista à prévia definição da medida do corte da madeira, estavam numa língua escandinava que a A. ou os seus empregados não dominavam e a R. não ensinou a A. a proceder à programação necessária ao funcionamento do computador e medidor de corte – 6º, 13º e 14º;

17. Decorridos cerca de 6/7 dias após a entrega da máquina, a adquirente apresentou à vendedora, por telefone, reclamação dos defeitos e anomalias referidos em 15. e 16. e no dia 15-7-06 a vendedora, através do Eng. DD e de um mecânico que o acompanhou, deslocaram-se ao local onde estava a máquina e nessa data, pelas pessoas referidas, foi reconhecido a existência dos defeitos denunciados e prontificaram-se a repará­-los – Q), R) e 7º;

18. Nesse mesmo dia foi desmontado por um técnico da vendedora o motor hidráulico a diesel e removeram-no para as instalações da R. com vista à reparação, o que também sucedeu com os motores para alimentação e accionamento dos rastos que foram desmontados e entregues para reparação ao assistente de máquinas da vendedora sedeado em Vila Nova de Mil Fontes e na 1ª semana de Setembro de 2006, a R. providenciou pela instalação do motor hidráulico e os motores para o accionamento dos rastos – S), T) e U);

19. Após a reparação referida, subsistia uma anomalia que impedia a máquina de se deslocar com normalidade em superfície plana e totalmente inapta se o terreno se apresentasse irregular e existiam persistentes fugas de óleo hidráulico na máquina, os roletos do lado esquerdo estavam deficientes (gripados) e inaptos para o funcionamento da máquina e a giratória que se destina a assegurar o movimento de rotação e na vertical (para cima e para baixo) apresentava batidas e funcionamento irregular que impediam o equilíbrio e movimentação nas manobras com vista ao corte da madeira – 9º, 10º, 11º e 12º;

20. O referido causou imobilização total da máquina e é impeditivo do funcionamento da máquina para o corte de madeira – 15º;

21. Por carta datada de 7 mas registada em 8-9-06, a R. informou a requerente que a reparação estava concluída e a máquina em condições normais de funcionamento, que foi objecto de intervenção a reparação do motor abrangido pela garantia, assim como outros fora da mesma, que a garantia que prestaram conforme mencionado no contrato em posse de ambas abrange motor, hidrostática ou torque e bombas hidráulicas e que a intervenção em qualquer outro acessório deve ser requerido por escrito a fim de acertar data e local por forma a ser assegurada a prestação de serviço – V);

22. Foi apresentada à R. reclamação por escrito, remetida pela A., através de carta registada com aviso de recepção em 13-9-06, para a sede da vendedora e também para as novas instalações no ... – W);

23. Em resposta a tal reclamação, a vendedora, por carta de 18-9-06, registada em 21-9-06, confirmou a reparação no motor a diesel e no que respeita aos roletos, informou que os mesmos se encontram operacionais para funcionamento, assim queiram com a máquina trabalhar e caso advenha alguma anomalia causada por estes, assume a sua reposição por outros em substituição – X);

24. A A. mandou proceder a uma verificação mecânica geral da máquina em 19-9-06 a uma oficina especializada na assistência a máquinas do mesmo tipo, onde se confirmaram as deficiências e anomalias detectadas, designadamente, no sistema hidráulico, nos roletos, no accionamento dos rastos, no funcionamento da giratória, no motor diesel e no alternador, do que foi dado novamente conhecimento à vendedora por carta registada remetida pelo mandatário da compradora em 27-9-06 – 16º, 17º e 18°;

25. Com a inspecção mecânica a A. suportou a despesa de € 127,05 – 33º;

26. A vendedora realizou nova intervenção na máquina, limitando-se à reparação do alternador e da bomba injectora, que foi executada por mecânico da vendedora no dia 12-10-06 – Y);

27. No mês de Outubro de 2006, a R. deslocou-se ao local onde se encontrava a máquina e a A. disse que a máquina não funcionava correctamente, nem subia zonas de inclinação acentuada, tendo a A. apontado para uma zona de inclinação (monte) de cerca de 25%, garantindo que a máquina não a subiria – 60º, 61 e 62º;

28. A R., através de DD, colocou a máquina em funcionamento e subiu com a máquina a zona que a A. assegurava que não era possível, sendo que para o fazer o manobrador desligou a cabeça de corte assim aumentando o fluxo hidráulico para os rastos – 63º e 64º;

29. Quando em funcionamento, para a máquina se deslocar em locais de inclinação acentuada deve ser cortado o fornecimento de óleo para o sistema hidráulico da cabeça, sendo que tal só acontece por a cabeça de corte ser uma adaptação, o que é contra as recomendações do fabricante, concentrando toda a força hidráulica nos rastos da máquina e, desta forma, efectuar a normal deslocação – 66º e 67º;

30. A R. efectuou corte de madeira com a máquina – 65º;

31. Por fax de 17-10-06, enviado pelo mandatário da A. à R., designou a data de 21-10-06 para uma inspecção mecânica e verificação do estado de funcionamento da máquina no local em que se mantinha imobilizada (lugar da ..., Odemira), sugerindo-se a comparência de técnicos competentes de ambas as partes, mas a R. não esteve nem se fez representar – Z) e AA);

32. A R., além do mais, detectou que o motor a diesel trabalhava mal o que originava a emissão de fumo além do normal e que o motor de accionamento dos rastos tinha pouca força – 51º e 70º;

33. Existem outras anomalias na máquina, como acontece com o manuseamento do joystick (para manobrar a máquina), com os pedais de andamento que vertem óleo e o conta-horas avariado – 20º;

34. A máquina subsiste totalmente paralisada desde o momento referido em 17. e no estado em que actualmente se encontra não apresenta condições mínimas de funcionamento, designadamente para se movimentar ou deslocar através de rastos em matas, nem para o corte de madeira por intermédio do medidor de corte – 21º e 22º;

35. A reparação da máquina é técnica e economicamente viável, seja através de intervenção mecânica ou pela substituição de componentes e acessórios que a integram e padecem de anomalias – 34º;

36. A A. para adquirir a máquina celebrou acordo de locação financeira com o BCP em 3-5-06 em que o bem locado, a fornecer pela R. se identifica como uma máquina giratória de rastos, modelo JCB 820-20 Ton e respectivos acessórios – H);

37. Em 27-6-06 foi pago à R., em cumprimento do contrato referido em 36., o preço da máquina no montante de € 40.000,00 – M);

38. O contrato referido em 36. estipula como valor global da locação a importância de € 53.913,55 a que acresce IVA à taxa legal em vigor – N);

39. Na factura emitida pela R., com data de 21-6-06, remetido à entidade locadora (BCP) com vista ao pagamento do bem locado, a vendedora descreve a máquina, objecto da venda, como sendo uma máquina giratória de rastos, de marca JCB, do modelo 820-20T, com o chassis 650244, com os seguintes equipamentos computador - Motomit e cabeça processadora - Logset 650, descrição que está conforme às negociações prévias à transacção e ao acordo estabelecido sobre o objecto da venda ajustado entre A. e a R. – I) e J);

40. A A., em resultado do contrato referido em 36., suporta uma renda mensal incluindo amortização de capital, juros e IVA de cerca de € 1.500,00, tendo a 1ª renda vencida em 25-6-06 ascendido ao valor de € 12.251,25 com IVA incluído e em rendas mensais devidas consequência do contrato referido em H), incluindo amortização de capital, juros e IVA, entre Junho de 2006 e Janeiro de 2007, a A. suportou a importância global de € 22.719,75 e terá que continuar a suportar as rendas mensais subsequentes vincendas à razão de cerca de € 1.500,00 até Junho de 2009 – 30º, 31º e 32º;

41. Com a aquisição da máquina a A. contratou um maquinista, ­EE, específica e exclusivamente para a manobrar e utilizar no corte de madeira, que manteve ao serviço desde a data da entrega e durante os meses de Julho, Agosto e Setembro de 2006 – 23º;

42. Com remunerações e encargos com o referido trabalhador, durante os indicados meses, a A. despendeu a quantia global de € 3.819,00 – 24º;

43. Atenta a inoperacionalidade da máquina e a respectiva imobilização durante aquele período, a A. não alcançou qualquer rendimento ou contrapartida económica com a contratação do maquinista, o qual, ante a ausência de serviço por inexistência de máquina capaz de proceder ao corte das árvores, despediu-se – 25º e 26º;

44. A A. tem diversas matas de eucaliptos adquiridas para corte de madeira em que os serviços de corte se vêm prolongando porque a dita máquina está imobilizada – 27º;

45. Com os contratos ajustados para o corte de madeira nas diversas matas de eucaliptos que a A. tem assegurados, nomeadamente, na mata da ..., Odemira, na Herdade ..., Setúbal, nas ..., Vila Nova de Mil Fontes, na ..., Odemira e na ..., teria obtido um rendimento médio mensal com a execução das prestações de serviços, mediante a utilização normal da dita máquina, se porventura estivesse em normais condições de funcionamento, no mínimo de cerca de € 4.000,00 (€ 200,00 x 20 dias) – 29º;

46. A imobilização da máquina por estar impedida de funcionar causa à A. um prejuízo, líquido de despesas (v.g. com maquinista, combustível, manutenção), no valor mínimo de € 200,00/dia – 28º.

III – Decidindo:

1. A A. invocou na presente acção a compra à R. de uma máquina industrial de rastos para corte de árvores, a qual apresentava defeitos que não foram reparados, apesar da oportuna reclamação que apresentou, o que determinou a ocorrência de danos.

A 1ª instância reconheceu a existência dos defeitos e condenou a R. a proceder à sua reparação, condenação que foi aceite pela R. que se limitou a impugnar no recurso de apelação a condenação relativa ao pagamento de uma indemnização pelos danos derivados da paralisação da máquina.

Na 1ª instância apenas fora reconhecido à A. o direito de indemnização relativamente aos danos ocorridos até à data da propositura da acção, decisão essa que foi confirmada no recurso de apelação.

Considera agora a R. recorrente que deve ser revogada tal condenação, uma vez que o regime de compra e venda de coisa defeituosa apenas confere ao comprador o direito de indemnização quando seja associado ao pedido de anulação do contrato, nos termos dos arts. 913º e segs. do CC.

2. A pretensão da recorrente não procede, devendo confirmar-se o que as instâncias decidiram a respeito da referida indemnização por lucros cessantes.

A máquina foi negociada, sabendo as partes que se tratava de um equipamento já usado. Mas apresentava defeitos que, embora cobertos pela garantia que foi concedida pela R., não foram por esta reparados ou não foram reparados com sucesso, tendo a A. ficado impedida de fazer uso da mesma e de extrair os lucros que proporcionaria.

A matéria de facto deixa bem evidenciado que o interesse patrimonial da R. não se circunscreve à reparação dos referidos defeitos cuja execução nem sequer está demonstrada, apesar do período que já decorreu desde a aquisição em 2006.

3. Alega a R. que o ordenamento jurídico não reconhece ao comprador, em situações como esta, o direito a ser indemnizado dos lucros cessantes.

O acervo obrigacional do vendedor em situações de compra e venda de coisa defeituosa não está circunscrito ao que emana dos arts. 913º e segs. do CC. Tais preceitos não esgotam os meios de tutela que são reconhecidos ao comprador. Tratando-se de um contrato, é ainda possível extrair outros meios de tutela das regras gerais ligadas ao incumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações em geral.

Ora, o contrato de compra e venda implica que o vendedor, como contrapartida do recebimento do preço, forneça ao comprador o bem adquirido dotado das características e das qualidades correspondentes à sua natureza, sendo que no caso concreto resulta bem evidente que, pretendendo a A. adquirir uma máquina de rastos para usar na sua actividade de corte de eucaliptos, com as características que ficaram assinaladas nas negociações e no contrato de locação financeira, a máquina que foi entregue apresentava um rol de defeitos tal que praticamente impediu ab initio a sua utilização para o fim pretendido, sem que a R. tivesse recomposto a situação mediante a sua reparação.

4. No caso concreto, o incumprimento da obrigação de entregar uma máquina usada, mas em condições de desempenhar as tarefas a que se ajustava, remete-nos para as regras gerais sobre o cumprimento defeituoso das obrigações, de onde decorre o direito de indemnização com autonomia relativamente ao direito do comprador de obter a reparação dos defeitos (art. 798º do CC).

Esta cumulação de pretensões encontra, aliás, na jurisprudência deste Supremo vasta ilustração, servindo de exemplos os Acs. de 19-2-04 (www.dgsi.pt) e o mais recente Ac. de 22-11-12 (no proc. 3687/03.9TVPRT.P1.S1), onde expressamente se afirma a concorrência entre o direito a obter a reparação dos defeitos e o direito de indemnização pelos prejuízos emanados da paralisação do bem.

É também a solução afirmada por Romano Martinez que textualmente afirma que, “podendo os defeitos ser eliminados … nada obsta a que subsistam outros prejuízos, como, por exemplo, os resultantes de a loja estar encerrada pelo período em que se procedeu à reparação dos defeitos … Em tais situações o comprador … tem o direito a exigir duas pretensões cumulativas” (Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 390).

Outrossim por Calvão da Silva quando assevera que o comprador, juntamente com a reparação da coisa, pode pedir o ressarcimento do prejuízo que lhe tenha sido causado pela entrega da coisa viciada imputável ao vendedor, como dano moratório, visando a sua indemnização a reintegração do interesse positivo do comprador da tempestividade do adimplemento exacto do contrato (Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 71).

Já para Menezes Leitão, o direito de indemnização abarca os danos ocorridos durante o período temporal em que o vendedor incumpra a obrigação de reparação, concluindo que nada impede que também o comprador peça ao vendedor uma indemnização pelo incumprimento da obrigação de reparar ou substituir a coisa ou pela mora nesse cumprimento (em Direito das Obrigações, vol. III, pág. 127).

5. No caso concreto, não restam dúvidas nem sobre a responsabilidade da R. pelos defeitos que a máquina apresentava, nem sobre o incumprimento da obrigação de entregar uma máquina sem tais defeitos, nem tão pouco sobre a mora relativamente ao cumprimento da obrigação de reparação que, por si só, também justificaria a reclamação da indemnização.

Não estando aqui em discussão eventuais danos posteriores à data da interposição da acção, não restam dúvidas quanto à legitimidade de a A. reclamar, a par da reparação dos defeitos da máquina já reconhecida, a indemnização pelos danos que suportou desde a data da sua aquisição.

6. Questiona também a R. a imediata quantificação da indemnização, alegando que não havia elementos de facto que o permitissem.

Também nesta parte improcede a alegação.

Na verdade, tendo sido apurado o lucro diário que a utilização da máquina proporcionaria à A., a par do número de dias por cada mês que a mesma seria utilizada, estão reunidos os elementos suficientes para se liquidar de imediato a indemnização, sem necessidade de a relegar para momento ulterior.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da R.

Notifique.

Lisboa, 3-4-14


Abrantes Geraldes

Bettencourt de Faria

Pereira da Silva