Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
418/07.8PSBCL-A.S1
Nº Convencional: 5ª SECÇÃO
Relator: SANTOS CARVALHO
Descritores: DECISÃO CONTRA JURISPRUDÊNCIA FIXADA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
CONSUMO DE ESTUPEFACIENTES
CONSUMO MÉDIO INDIVIDUAL
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA TIPICIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/05/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - A lei indica com suficiente clareza que os Acórdãos para fixação de jurisprudência têm um peso próprio, que lhes é dado pelo facto de provirem do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Há, pois, que lhes conceder o benefício, para não dizer a presunção, de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existentes sobre o assunto.

II - Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, já que o STJ não “faz lei”, parece estultice tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada.

III - Ora, no caso dos autos, o tribunal recorrido violou expressamente o Ac. do STJ n.º 8/2008, de 25-06-2008, in D.R. I-A, n.º 146, de 05-08-2008, que fixou jurisprudência no sentido de que «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só «quanto ao cultivo» como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

IV - Em tal acórdão uniformizador foi ponderada a questão de se poder entender que a orientação uniformizadora iria violar o princípio constitucional da legalidade. E o STJ expressamente refutou essa ideia.

V - O STJ também refutou a tese dos que defendem – como em dado passo se sustenta na sentença recorrida - que a detenção ou aquisição de estupefacientes, para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias configura apenas e tão-só um ilícito de natureza contra-ordenacional, previsto e punido pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.

VI - E o STJ considerou ser uma interpretação inconstitucional a que sustenta que não é punida por lei a detenção ou aquisição de estupefacientes, para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias. Interpretação inconstitucional essa que, ao fim e ao cabo, foi a adoptada na sentença recorrida.

VII - Deste modo, se tal fosse o caso – mas não o é, como veremos - haveria que conformar a qualificação jurídica dos factos provados com a jurisprudência uniformizadora deste STJ, a qual, de todo, não se mostra desactualizada. Por um lado, por ser tão recente. Por outro, por ter respondido directamente aos «velhos» argumentos que a sentença recorrida utilizou, já na altura amplamente discutidos pelo Pleno das Secções Criminais, como se vê pelo texto do Acórdão e pelas declarações de voto a ele anexas.

VIII - Mas, chegados aqui, verifica-se que o tribunal recorrido qualificou incorrectamente os factos provados, de tal modo que impede que agora se conforme tal qualificação com a orientação uniformizadora do Supremo.

IX - Com efeito, na sentença recorrida considera-se provada a detenção do produto estupefaciente por parte do arguido, tal como se considera que o mesmo é consumidor de estupefacientes e está a fazer tratamento de desintoxicação.

X - Todavia, não se mostra provado que o produto estupefaciente se destinava, total ou parcialmente, ao consumo do arguido. E neste campo não há presunção possível, ou o tribunal dá os factos por assentes ou não os dá como provados.

XI - Ora, a mera detenção de produto considerado estupefaciente pelas tabelas I a III anexas ao DL 15/93, de 22 de Janeiro, se não autorizada ou destinada a consumo próprio, é considerada crime de tráfico.

XII - Ao contrário do que se diz na sentença recorrida, não é necessário que se prove a venda ou a cedência a outrem para haver crime de tráfico.

XIII - É o que consta dos elementos típicos previstos no art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».

XIV - A sentença recorrida, ao não considerar provado que a substância estupefaciente detida pelo arguido (e por outra) era para seu consumo exclusivo, mas apenas que este é consumidor, devia ter integrado a conduta no crime que lhe era imputado na acusação, o de tráfico de menor gravidade, p. e p. no art.º 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Ao não fazê-lo, errou manifestamente na aplicação do Direito aos factos.

XV - Não tendo, também, o M.º P.º junto do tribunal de Barcelos interposto recurso para o Tribunal da Relação – como podia e devia – não pode agora o STJ ordenar que o tribunal recorrido condene o arguido pelo art.º 40.º, n.º 2, do mesmo diploma, pois não está provado que a substância detida pelo arguido era “para o seu consumo” e esse é um dos elementos típicos desse crime.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

1. No 2º Juízo Criminal de Barcelos, no âmbito do processo 418/07.8PSBCL, o arguido A foi julgado e absolvido, por sentença de 24-03-2009, da acusação que lhe era feita, da prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art.º 25.º, al. a). do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

2. Ficaram aí provados, na parte que interessa a tal arguido, os seguintes factos:
1. No dia 13 de Julho de 2007, em A..., Barcelos, os arguidos tinham consigo 3,30 gramas de heroína.
2. Os arguidos conheciam a natureza e características da aludida substância e quiseram detê-la nas descritas circunstâncias.
3. Sabiam que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4. Os arguidos não possuíam nem possuem qualquer permissão legal para levar a cabo condutas como a descrita.
Mais se provou que:
5. O arguido A era consumidor de estupefacientes.
Factos relativos à personalidade e condições pessoais do arguido.
6. A está a fazer tratamento de desintoxicação, tendo tomado o antagonista subtex.
7. Vive em casa na irmã.
8. Tem suporte familiar.
9. Mostra-se com vontade de superar o vício adicto.
10. Mostrou-se arrependido.
11. Foi condenado no processo n.º 1288/05.6TABCL do 1.° juízo criminal do Tribunal de Barcelos, por sentença de 23.11.2006, transitada em julgado a 11.12.2006, pela prática, em 31.10.2005, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, p. e p. no art.º 359.° do C. Penal, na pena de 175 dias de multa, à taxa diária de € 3,00, extinta pelo cumprimento.
(…)
OS FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou, com relevância para a decisão a proferir, que:
18. Os arguidos destinavam o produto estupefaciente, pelo menos parcialmente, à cedência a terceiros.
19. Agiram de comum acordo, em conjugação de esforços e segundo um plano previamente traçado entre ambos.

3. Na referida sentença do 2º Juízo Criminal de Barcelos, o arguido em questão foi absolvido do crime que lhe era imputado “porquanto a detenção por ele levada a cabo foi justificada com o consumo”.
Aí também foi excluída a condenação do mesmo pelo crime p. e p. no art.º 40.º do DL 15/93, com argumentação que seria despiciendo reproduzir integralmente, mas que se pode sintetizar com a seguinte transcrição:
«De tudo o que acabamos de dizer, facilmente se constata que entendemos que com a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de justiça neste Acórdão Uniformizador, viola o princípio da legalidade estabelecido no artigo 29.° da Constituição Política da República Portuguesa.
Como vimos, o legislador revogou expressamente o artigo 40.º (excepto quanto ao cultivo) do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro com a Lei n.º 30/2000, de 29.11.
O legislador, ao revogar expressamente tal norma, esta deixa de existir como tal no ordenamento jurídico, não podendo produzir qualquer efeito a partir de tal momento. Assim, como não pode haver crime sem lei e como ninguém pode ser punido com uma pena criminal sem que exista uma lei anterior (em vigor) que puna tal conduta, não poderemos aceitar que quem detêm droga para seu consumo, em quantidade superior às 10 doses diárias, possa ser punido pelo já morto artigo 40.° do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
É certo que percebemos a dificuldade que existe em conjugar tal revogação do artigo 40.° do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com a simples detenção que é punida como crime nos artigos 21.° e 25.° do mesmo diploma legal.
Parece, de facto, que existe um vazio legal e que tal omissão deveria ser preenchida interpretando que tal detenção deveria ser punida como crime de tráfico de estupefacientes.
Mas tal como já referimos, não podemos nunca olvidar que é exigível para o preenchimento do tipo que tal detenção tem subjacente a intenção de traficar e não de consumir!
Também compreendemos que por vezes a prova de tal facto, isto é, a prova de que se detêm droga para consumir ou para traficar é muito difícil. Contudo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não podemos colmatar tais dificuldades de prova com a integração indistinta dessas condutas num tipo e, muito menos num tipo criminal!
Não se pode sujeitar ninguém a julgamento, nem condenar, sem que estejam preenchidos todos os elementos típicos, objectivos e subjectivos, de determinado tipo criminal. E se alguém detém droga, em quantidade superior às dez doses diárias, mas consegue-se reunir prova de que tal detenção é apenas para consumo de tal cidadão. Basta pensar na situação de um cidadão que se encontra preso num estabelecimento prisional e que, por se encontrar intra muros tem dificuldade em obter o produto estupefaciente que satisfaça as necessidades do seu consumo. Assim, entendemos que será natural que o mesmo, sempre que tenha essa oportunidade, tente obter, de uma vez só, a maior quantidade possível de tal produto. Por outro lado, pense-se no caso de um pescador, que vai trabalhar por 3 meses para o alto mar sem qualquer contacto com terra e que sendo este toxicodependente, desde logo, leva consigo droga suficiente para satisfazer a sua necessidade de tal produto durante tal período - não cometeu, de todo, o crime de tráfico de estupefacientes pois falta a intenção de vender ou ceder a qualquer titulo exigidos pelo tipo criminal em causa.
Mas mais do que estas interpretações que acabamos de fazer, o que nunca pode acontecer, salvo o devido respeito por opinião em contrário, é dizer que um cidadão comete um crime ao adquirir ou deter droga, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, ao abrigo de uma norma jurídica que não existe.
Assim sendo, ao fazerem renascer tal norma, estariam os tribunais, salvo melhor opinião, a criar (novamente) um tipo penal, isto é, a fazer de legislador. Quase que somos tentados a lembrar o já inexistente artigo 2.° do Código Civil. Dizia o antigo artigo 2.° do CC que "Nos casos declarados na lei podem os tribunais fixar, por meio de assentos, doutrina com fora obrigatória geral”. Como é sabido, o Tribunal Constitucional, no Acórdão 743/96, declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória, do art. 2.° do CC na parte em que este atribuía força aos tribunais para emitir leis (doutrina que tinha força obrigatória geral), competência que os tribunais não podiam ter, uma vez que tal competência cabe ao poder legislativo. Havia assim uma inconstitucionalidade por violação do princípio da separação dos poderes. No entanto, este acórdão apenas declarou a inconstitucionalidade da existência de doutrina emitida pelos tribunais com força obrigatória geral, pelo que à data a força obrigatória foi mantida mas perdeu o seu carácter geral.
O CPC na reforma de 1995/96, instituída pelo DL 329-A/95, resolveu definitivamente este problema revogando o art. 2.° do CC. Ao mesmo tempo, tal diploma, acrescentou ao CPC os art.ºs 732.°-A e 732.°-B, onde se instituiu o julgamento Ampliado de Revista. Este tipo de julgamento, destina-se a permitir a uniformização de jurisprudência. Assim, o STJ actualmente não produz assentos mas produz acórdãos (em que intervém toda a secção) e a decisão obtida neste julgamento destina-se a uniformizar jurisprudência, mas sem força obrigatória geral, não se impondo aos cidadãos, mas apenas aos tribunais. Simultaneamente, a reforma do CPC, no seu art. 17.°, estabeleceu que os assentos (anteriores a 1996) passam a ter a natureza de acórdãos de fixação (uniformização) de jurisprudência.
Qual a diferença entre uns e outros? A jurisprudência uniformizada, em princípio, não é vinculativa para nenhum tribunal (para além de estar sempre sujeita a revisão pelo STJ). Isto é, os tribunais inferiores não têm que acatar estas decisões uniformizadoras (princípio da independência). Não obstante, qualquer decisão, ainda que sem recurso, se violar a jurisprudência uniformizada é susceptível de recurso - art. 678.° n.º 6 do CPC.
Ora, sem querer quebrar o respeito por opinião em contrário, parece, embora que admitamos que seja apenas aparentemente, que o Supremo Tribunal com este Acórdão Uniformizador de Jurisprudência não quer fazer renascer os Assentos, mas, parece que quer criar uma norma que já não existe no ordenamento jurídico. Ao ser assim, tal decisão do Supremo Tribunal deste País estaria a violar de forma clara o princípio da separação de poderes estabelecido na Lei fundamental e fazer as vezes do legislador.
Contudo, apesar de não ser essa a intenção do Supremo Tribunal de justiça, o que é certo, é que faz a aplicação do artigo 40.°, n.º 2, do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro que foi expressamente revogado pelo legislador, fazendo deste modo uma interpretação contrária à Constituição da República Portuguesa, violando claramente o principio da legalidade previsto no artigo 29.° da Lei Fundamental.


4. De tal sentença foi interposto recurso em 26.3.2009 para o Tribunal Constitucional, que proferiu decisão sumária em 24.6.2009 a não tomar conhecimento do recurso interposto. Dessa decisão foi o Ministério Público junto do Tribunal Constitucional notificado em 25.6.2009 e os restantes sujeitos processuais, na pessoa dos seus mandatários, por via postal registada expedida em 25.6.2009.
Da mesma sentença o M.º P.º interpôs, em 21-07-2009, recurso extraordinário obrigatório para o STJ, nos termos do art.º 446.º do CPP, e concluiu do seguinte modo:
1 - No presente recurso, o Ministério Público insurge-se, tão só, contra a absolvição do arguido A.
2 - Compulsada a decisão colocada ora em crise de fls. 102 e ss, constata-se que na decisão da matéria de facto foram dados como provados os factos imputados ao arguido A no libelo acusatório, mormente que o arguido (bem como a arguida Maria Isabel) no dia 13 de Julho de 2007 tinha consigo 3,30 gramas de heroína, e não obstante conhecer a natureza e características da aludida substância, quis detê-la nas circunstâncias descritas, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
3 - Mais se deu como provado na douta sentença que " o arguido A era consumidor de produto estupefaciente".
4 - Todavia não se provou que "os arguidos destinavam o produto estupefaciente, pelo menos parcialmente, à cedência de terceiros e que (os arguidos) agiram de comum acordo, em conjugação de esforços segundo plano previamente delineado entre ambos".
5 - Ora, o Mm.º Juiz a quo no enquadramento jurídico da matéria de facto entendeu que o arguido deveria ser absolvido do crime de tráfico de menor gravidade, porquanto a posse pelo arguido do produto estupefaciente se encontrava justificada pelo consumo (o que não nos repugna nesta parte).
6 - Discorrendo de seguida, longamente, pelas razões pelas quais não se condenava nos termos artigo 40.°, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e manifestando expressamente a sua discordância, e por conseguinte a não aplicação, da jurisprudência fixada pelo acórdão n.º 8/2008, in DR de 05/08/2008.
7 - A questão que se coloca é então a de saber se o artigo 40.°, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22 de Janeiro, se mantém em vigor, não só quanto ao cultivo, como também relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a IV anexas aquele Decreto-Lei, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias.
8 - Ora, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 8/2008 veio precisamente uniformizar a jurisprudência no sentido de que " Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.° da Lei n.º 3012000, de 29 de Novembro, o artigo 40.°, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15193, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só quanto ao cultivo como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a IV anexas aquele Decreto-lei, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias".
9 - Entende o Mm.º Juiz a quo que este Acórdão Uniformizador de Jurisprudência viola, nomeadamente, o disposto no artigo 29.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
10° - Todavia, ao invés do aduzido pelo Mm.º Juiz a quo, entendemos que o Acórdão não põe em crise o princípio da legalidade previsto na Constituição, mas antes clarifica os objectivos que se pretendeu alcançar com a Lei n.º 3012000.
11° - A sentença recorrida viola assim o decidido e fixado pelo Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 812008, in DR de 0510812008 e as disposições conjugadas dos artigos 28.° e 2.°, n.º 2 da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro e 40.°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 15193, de 22 de Janeiro.
Em suma e ante todo o exposto, deverá a presente sentença ser revogada na parte em que absolveu o arguido A, e ser substituída por outra que o condene pela prática do aludido crime p. e p. pelo art. 40.°, n.º 1 e 2 da Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, em pena que V.a Ex.a mais doutamente determinarão,

5. O M. P.º no STJ pronunciou-se do seguinte modo (transcrição parcial):
Estando em causa a desaplicação de jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, importa averiguar se será caso de reexame da jurisprudência em causa, por a mesma se mostrar ultrapassada - artigo 446° n.º 3 do C. P. Penal.
Sobre esta matéria se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3-06-2009, Processo 21/08.5GAGDL.S1-5, tendo-se concluído que "tendo passada em revista a argumentação aduzida, na decisão recorrida, para se desrespeitar o Acórdão deste STJ n.º 8/2008, não vemos que algo de novo e especialmente relevante possa levar a rever a posição adoptada no Acórdão referido".
No mesmo sentido concluiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1­10-2009, Processo 459/08.8PABCL-A.S1-3:
"Entendemos que a jurisprudência fixada no Acórdão n.º 812008 não pode ser considerada “ultrapassada”, pois que se trata de uma decisão recente, tomada por larga maioria, estando quase inalterado o colégio de juízes que nele intervieram, e não tendo sido apresentado nenhum argumento novo sobre a questão controvertida nele decidida".
Esse entendimento uniforme é integralmente aplicável ao caso em apreço.
6. Termos em que se emite parecer no sentido de que:
a. A jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2008 não se mostra ultrapassada, estando, pois prejudicada a possibilidade do seu reexame - artigo 446° n.º 3 do C. P. Penal;
b. Deverá revogar-se a sentença recorrida, na parte respeitante ao arguido A, e ordenar a sua substituição por outra que aplique a jurisprudência fixada pelo Acórdão de o Supremo Tribunal de Justiça nº 812008, publicado no D.R., I, n.º 150, de 5-08-2008.


6. Colhidos os vistos, foi realizada a conferência com o formalismo legal.

Cumpre decidir.

Sabido é que os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça lavrados para fixação de jurisprudência não são obrigatórios para os tribunais judiciais, mas estes devem fundamentar as divergências relativas à jurisprudência fixada naquela decisão (cfr. art.º 445.º, n.º 3, do CPP).
Todavia, é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida, sendo que o recurso obrigatório para o Ministério Público (art.º 446.º, n.ºs 1 e 2).
O recurso assim movido segue os trâmites próprios dos recursos para fixação de jurisprudência, mas o Supremo Tribunal de Justiça pode limitar-se a aplicar a jurisprudência fixada, apenas devendo proceder ao seu reexame se entender que está ultrapassada (n.º 3).
A lei indica com suficiente clareza, assim, que os Acórdãos para fixação de jurisprudência têm um peso próprio, que lhes é dado pelo facto de provirem do Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça. Há, pois, que lhes conceder o benefício, para não dizer a presunção, de que foram lavrados após ponderação exaustiva, face à legislação, à doutrina e à jurisprudência existentes sobre o assunto.
Deste modo, embora os tribunais sejam livres de seguirem a jurisprudência que julgam mais adequada, já que o STJ não “faz lei”, parece estultice tomar outro caminho que não o acolhido no Pleno do STJ, a não ser que se invoquem argumentos novos, não considerados na decisão que fixa a jurisprudência, ou que, considerando a legislação no seu todo, a jurisprudência fixada se mostre já ultrapassada.
Ora, no caso dos autos, o tribunal recorrido violou expressamente o Ac. do STJ n.º 8/2008, de 25-06-2008, in D.R. I-A, n.º 146, de 05-08-2008, que fixou jurisprudência no sentido de que «Não obstante a derrogação operada pelo artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, o artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, manteve-se em vigor não só «quanto ao cultivo» como relativamente à aquisição ou detenção, para consumo próprio, de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a IV, em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias».

Em tal acórdão uniformizador foi ponderada a questão de se poder entender que a orientação uniformizadora iria violar o princípio constitucional da legalidade. E o STJ expressamente refutou essa ideia.
Disse o STJ então, nomeadamente o seguinte:
«(…) refutar que, experimentando o legislador necessidade de introduzir uma disposição sobre a revogação do artigo 40.º por forma a salvaguardar a vigência deste quanto ao cultivo, acabou por utilizar uma fórmula ambígua que o levou a dizer mais do que queria e que era tão-só que ficava revogado o artigo 40.º para os casos abrangidos pela nova contra-ordenação. Interpretação (restritiva) esta que, ao invés do que sustentam os que defendem que integra uma mera contra-ordenação a situação prefigurada na questão de direito que se suscita, não acarreta uma ampliação incriminatória, com afectação do princípio da legalidade. Mas isto ver-se-á mais em pormenor já a seguir. Assim, crê-se que a solução da questão controvertida passa por interpretar a norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, com o sentido restritivo de que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi por ele efectivamente revogado, excepto quanto ao cultivo e bem assim na parte em que vai além do estatuído no artigo 2.º da lei (o que vale dizer na parte em que a aquisição ou a detenção, para consumo próprio, exceda o limite definido no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, como condição para que a conduta seja sancionada como contra-ordenação, logo nos termos do n.º 1 do mesmo dispositivo), caso em que a punição do comportamento do agente se fará de acordo com o preceituado no n.º 2 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Na verdade, recuperando tudo quanto mais para trás ficou referido e seguindo muito de perto a posição defendida por Cristina Líbano Monteiro e bem assim o entendimento sufragado nos paradigmáticos arestos deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2003, de 7 de Abril de 2005 e de 16 de Fevereiro de 2006, crê-se que a solução que se vem buscando para suprir a aparente lacuna (pois disto apenas se trata na medida em que, parecendo embora que não foi regulada pela lei, efectivamente foi, como a interpretação que dela se faça, de acordo com os critérios gerais previstos no artigo 9.º do Código Civil, facilmente o demonstrará) que a situação plasmada na questão controvertida prefigura, só pode passar por aí, de sorte que, no citado dispositivo do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, onde as palavras parecem apontar no sentido de um total desaparecimento do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro (excepto no que diz respeito ao cultivo, salvaguardado expressa e inequivocamente na mesma norma revogatória), deve entender-se que ele continua a aplicar-se aos casos da detenção ou aquisição para consumo próprio, não transmutados em ilícito de mera ordenação social, visto ter sido intenção do legislador manter incólume tal segmento previsivo de que decorre que a norma existe, de facto. Interpretação restritiva que, ao invés do que dizem os que para o caso a criticam, conducente à manutenção da situação anterior (a existente no artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro), não consubstancia uma ampliação incriminatória, mediante recurso à analogia e, como assim, não acarreta violação dos princípios da legalidade e da tipicidade, com assento constitucional (artigo 29.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa). De resto, e como com inteira oportunidade, citando Simas Santos e Leal Henriques, se refere nos arestos deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2003, de 7 de Abril de 2005 ou de 16 de Fevereiro de 2006, proferidos nos processos n.ºs 1799/03, 446/05 e 111/06, todos da 5.ª Secção, a interpretação extensiva ou restritiva da lei penal é admitida no nosso direito. E, como defendem os referidos autores na citada obra e se sufraga naqueles arestos do Supremo Tribunal de Justiça, sendo o 'sentido literal possível' dos termos linguísticos utilizados na redacção do texto legal o limite máximo de interpretação da lei penal, e não havendo qualquer espaço a percorrer, por via interpretativa, entre o 'sentido literal possível' e o 'mínimo de correspondência verbal' a que se refere o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, tem-se igualmente de partilhar do entendimento de que, no caso aqui em análise, esse 'mínimo de correspondência verbal' pode ser surpreendido no facto de o legislador não ter revogado totalmente o aludido artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na medida em que, tendo posto a recato da revogação o cultivo para consumo próprio, 'deixou a porta aberta para uma vigência parcial dessa norma'. [...] Daí que - nada obstando a que se proceda a uma interpretação restritiva da norma revogatória do artigo 28.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, no sentido de que o artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi apenas revogado na parte relativa às situações ora previstas no artigo 2.º daquela Lei n.º 30/2000, mantendo-se no mais em vigor - se entenda que a detenção ou a aquisição de estupefaciente, para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias, excluída que está da previsão da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, integra o crime previsto e punido pelo artigo 40.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro» (sublinhados nossos).

O STJ também refutou a tese dos que defendem – como em dado passo se sustenta na sentença recorrida - que a detenção ou aquisição de estupefacientes, para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias configura apenas e tão-só um ilícito de natureza contra-ordenacional, previsto e punido pelo artigo 2.º, n.º 1, da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro.
Com efeito, disse-se então:
«E isto porque começando por uma interpretação puramente literal que se faça do texto da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, maxime do artigo 2.º, com particular enfoque para o seu n.º 2, de constatar impõe-se que a ideia directa e imediatamente apreensível é que o legislador não quis punir como contra-ordenação o agente que detivesse ou adquirisse, para consumo próprio, produto estupefaciente em quantidade que excedesse a necessária para consumo médio individual durante 10 dias. É que se não fosse este o pensamento do legislador então inexplicável, incompreensível, carecida de qualquer sentido sempre resultaria a limitação que no n.º 2 do citado artigo 2.º fez à quantidade que, no seu entender, relevava para efeitos de integração da conduta como ilícito contra-ordenacional. Depois, não deixando certo que em sede de interpretação da lei, não devendo o interprete cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento do legislador, tendo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições em que é aplicada (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), privilegiando a interpretação teleológica de cariz objectivo, não perdendo de vista que, na fixação do sentido e alcance da lei, o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir em termos adequados o seu pensamento que, na letra da lei, há-de ter em mínimo de correspondência verbal, ainda que de forma imperfeita, por irrazoável tem-se que ao fazer aquela limitação ao consumo dos 10 dias pretendesse o legislador dizer coisa diametralmente oposta, isto é, que excedesse não aquele limite a quantidade de estupefaciente detida ou adquirida para consumo próprio, a conduta do agente sempre enquadraria mero ilícito contra-ordenacional. Ao invés, porém, numa interpretação, quer literal quer teleológica de cariz lógico-racional que se faça do referenciado texto legal, tudo parece indicar que este não teria sido necessariamente o pensamento do legislador, pois se assim não fosse não teria procedido à indicação de qualquer limite, relegando para o intérprete o encargo de optar e decidir se estava na presença de um mero ilícito contra-ordenacional ou de um crime. E, contra esta perspectiva de ver as coisas, não se oporão a intenção do legislador e os fins da política criminal que o teriam levado a conceber um novo regime legal para o consumo. É que, como antes anotado, se a intenção do legislador não foi obviamente a de legalizar o consumo (como bem o demonstra o próprio texto legal), também não foi descriminalizá-lo integralmente, mas apenas naquelas situações que, considerando revestir-se de menor gravidade [tais sejam, as consistentes no consumo, na detenção ou aquisição, para consumo próprio, de estupefaciente em quantidade que não excedesse o limite que fixou no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro], transmudou de crime para ilícito de mera ordenação social.

E o STJ considerou ser uma interpretação inconstitucional a que sustenta que não é punida por lei a detenção ou aquisição de estupefacientes, para consumo próprio, em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias. Interpretação inconstitucional essa que, ao fim e ao cabo, foi a adoptada na sentença recorrida.
Com efeito, disse o STJ no Acórdão uniformizador:

«(…) seria carecido de qualquer sentido lógico que o legislador punisse (n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro) a conduta menos grave (o consumo, a aquisição e detenção para consumo próprio de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas em quantidade que não excedesse a necessária para consumo médio individual durante 10 dias) e despenalizasse o comportamento mais desvalioso. De facto, e como com inteira razão argumentam os que recusam uma solução do género, resultaria de todo ininteligível que a detenção de doses para 10 dias constituísse contra-ordenação e para 11 dias não integrasse qualquer infracção, quando é certo que quem detém 11 doses também detém 10 (11 engloba 10 e sobra 1). É que uma solução deste tipo, além de consubstanciar um absurdo jurídico e configurar uma situação de manifesta e flagrante injustiça, sempre representaria uma traição ao espírito do legislador e aos fins de política criminal que, tendo estado na génese da criação de um novo regime jurídico para o consumo, não visou de todo em todo legalizá-lo mas tão-só descriminalizar as condutas que se revestissem de menor gravidade. E, a ser assim, como indefensável há-de ter-se a solução que, sufragada pelos (poucos) que, considerando tratar-se de uma verdadeira e pura lacuna sancionatória (insusceptível de integração por proibição do recurso à analogia - n.º 3 do artigo 1.º do Código Penal - ) a falta de directa previsão na Lei n.º 30/2000, de 29 de Novembro, da conduta de quem detenha ou adquira, para consumo próprio, estupefaciente em quantidade superior à necessária para consumo médio individual durante 10 dias, pugnam pela sua descriminalização.

(…)

Enfim, o eventual reconhecimento de «um vazio sancionatório» poderia levar a que se «julgasse inconstitucional, por razões de igualdade e proporcionalidade, o [próprio] regime sancionatório previsto na Lei n.º 30/2000»: «Na verdade, se não forem sancionados o consumo, a aquisição e a detenção para consumo de droga em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante o período de 10 dias, também o não deverão ser as condutas menos graves e censuráveis em que estejam em causa quantidades inferiores de droga, à luz do n.º 1 do artigo 13.º da Constituição».

Deste modo, se tal fosse o caso – mas não o é, como veremos - haveria que conformar a qualificação jurídica dos factos provados com a jurisprudência uniformizadora deste STJ, a qual, de todo, não se mostra desactualizada. Por um lado, por ser tão recente. Por outro, por ter respondido directamente aos «velhos» argumentos que a sentença recorrida utilizou, já na altura amplamente discutidos pelo Pleno das Secções Criminais, como se vê pelo texto do Acórdão e pelas declarações de voto a ele anexas.

Mas, chegados aqui, verifica-se que o tribunal recorrido qualificou incorrectamente os factos provados, de tal modo que impede que agora se conforme tal qualificação com a orientação uniformizadora do Supremo.
Com efeito, na sentença recorrida considera-se provada a detenção do produto estupefaciente por parte do arguido, tal como se considera que o mesmo é consumidor de estupefacientes e está a fazer tratamento de desintoxicação.
Todavia, não se mostra provado que o produto estupefaciente se destinava, total ou parcialmente, ao consumo do arguido. E neste campo não há presunção possível, ou o tribunal dá os factos por assentes ou não os dá como provados.
Ora, a mera detenção de produto considerado estupefaciente pelas tabelas I a III anexas ao DL 15/93, de 22 de Janeiro, se não autorizada ou destinada a consumo próprio, é considerada crime de tráfico.
Ao contrário do que se diz na sentença recorrida, não é necessário que se prove a venda ou a cedência a outrem para haver crime de tráfico.
É o que consta dos elementos típicos previstos no art.º 21.º do DL 15/93, de 22 de Janeiro: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
A sentença recorrida, ao não considerar provado que a substância estupefaciente detida pelo arguido (e por outra) era para seu consumo exclusivo, mas apenas que este é consumidor, devia ter integrado a conduta no crime que lhe era imputado na acusação, o de tráfico de menor gravidade, p. e p. no art.º 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22 de Janeiro. Ao não fazê-lo, errou manifestamente na aplicação do Direito aos factos.
Não tendo, também, o M.º P.º junto do tribunal de Barcelos interposto recurso para o Tribunal da Relação – como podia e devia – não pode agora o STJ ordenar que o tribunal recorrido condene o arguido pelo art.º 40.º, n.º 2, do mesmo diploma, pois não está provado que a substância detida pelo arguido era “para o seu consumo” e esse é um dos elementos típicos desse crime.
Termos em que o recurso procede, mas apenas parcialmente.
5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não considerar ultrapassada a jurisprudência uniformizadora em causa, mas em não revogar o acórdão recorrido, pois os factos provados não se integram em tal jurisprudência.
Não há lugar a tributação.
Notifique.

Supremo Tribunal de Justiça, 5 Novembro de 2009

Santos Carvalho (Relator)
Rodrigues da Costa