Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
12721/18.7T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
FACTO ILÍCITO
ADVOGADO
MANDATO FORENSE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PERDA DE CHANCE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REQUERIMENTO
TEMPESTIVIDADE
CONCLUSÕES
ÓNUS DE CONCLUIR
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE
Data do Acordão: 02/17/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Apresentadas as alegações e conclusões de recurso sem que o recorrente tenha apresentado o requerimento da respetiva interposição, a rejeição do recurso não é adequada, proporcionada ou razoável o que decorre de o art. 641.º, n.º 2, al. b), do CPC cominar com a rejeição a apresentação do requerimento que não contenha a alegação ou quando esta não tenha conclusões, mas não o contrário.

II - A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios provados em cada caso concreto. 

III - Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento,  averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida,  importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atendendo ao que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal  da causa.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

AA e BB instauraram a presente ação declarativa de condenação com processo comum contra CC e Seguradora XL Insurance Company, SE, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento aos Autores da quantia de 50.978,00€, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, a que acrescem juros de mora à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento.

Alegaram que contrataram com o réu a prestação de serviços forenses tendo este interposto tardia e negligentemente uma ação no tribunal administrativo nos termos da qual pretendiam ser ressarcidos da expropriação de um imóvel no qual teriam um direito de arrendamento.

Os RR contestaram excecionando e impugnando os factos alegados, tendo sido requerida e admitida a intervenção principal provocada da Seguradora “Mapfre- Seguros Gerais S.A.

Instruídos os autos veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, condenado os Réus a pagar aos Autores a quantia de € 19 483,50, acrescida dos juros que se vencerem desde a citação, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-se os Réus e Interveniente do demais peticionado, tendo a interveniente Mapfre sido absolvida de todos os pedidos.

Autores e Rés interpuseram recurso da sentença tendo a apelação dos Autores sido julgada improcedente, e a apelação dos réus procedente, determinado a revogação da decisão recorrida e absolvendo os Réus do pedido contra si formulado, mantendo-se no mais o aí decidido (absolvição da interveniente).

Desta decisão interpuseram os autores recurso de revista concluindo que:

“A. O presente recurso vem interposto da decisão de absolvição dos Recorridos/Réus, CC e Seguradora XL Insurance Company, SE, do pagamento aos Recorrentes/Autores da quantia de 19.483,50€, acrescida de juros que se vencerem desde a citação, até efetivo e integral pagamento, proferida pelo Tribunal da Relação com fundamento no dano da “perda de chance”.

B. Porém, é entendimento dos Recorrentes/Autores que face aos factos provados, salvo o devido respeito, não podem os Recorridos/Réus ser absolvidos de pagamento de uma indemnização, porquanto ficou provado que os Recorrentes/Autores sofreram danos com a atuação do Recorrido/Réu;

C. No entender dos Recorrentes/Autores estes alegaram e provaram, além do facto ilícito e a culpa do infrator, a verificação do dano final e uma considerável probabilidade de ter sido evitado um prejuízo não fora a falta cometida pelo responsável da indemnização;

D. Os Recorrentes/Autores constituíram seu mandatário o Recorrido/Réu, CC, para intentar uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Município de ..., no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., por procuração datada de 28 de setembro de 2012;

E. Estamos, pois, perante uma situação de responsabilidade civil contratual, visto que entre os Recorrentes/Autores e Recorrido/Réu, este na qualidade de advogado, foi estabelecido um contrato de mandato – artigos 1157.º, 1158.º, n.º 1, e 1178.º do Código Civil;

F. No âmbito da responsabilidade contratual, compete ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua;

G. A lei estabelece uma presunção de culpa neste tipo de responsabilidade (art.º 799.º, n.º 1, do CC);

H. Ao lesado bastará provar que a obrigação não foi cumprida ou que foi cumprida defeituosamente (facto ilícito contratual), não tendo, porém, de provar a culpa do devedor, já que é a ele que pertence o ónus de provar que o não cumprimento ou cumprimento defeituoso não procedeu de culpa sua;

I. Uma vez provado pelo lesado que o meio exigível não foi empregue pelo profissional ou que a diligência exigível de acordo com as regras da arte foi omitida, competirá ao lesado provar que não foi por sua culpa que não utilizou o meio devido, ou omitiu a diligência exigível;

J. O Recorrido/Réu, advogado e no exercício da sua atividade profissional aceitou patrocinar os Recorrentes/Autores numa ação judicial contra a Câmara Municipal ..., fundada em responsabilidade civil extracontratual, tendo-lhe sido conferida pelos Recorrentes/Autores a competente procuração forense e dadas todas as condições para o fazer;

K. No exercício da profissão de advogado, constitui dever profissional deste estudar com cuidado e tratar com zelo a questão de que seja incumbido, utilizando para o efeito, todos os recursos da sua experiência, saber e atividade;

L. O advogado deve atuar de forma mais conveniente para a defesa dos interesses do cliente, aconselhando-o, defendendo-o com prontidão, consciência e diligência, assumindo responsabilidade pessoal pelo desempenho da missão que lhe foi confiada (cf. Artigo 97.º, n.º 1, e 100.º, n.º 2, da Lei n° 145/2015, de 09/09, com as alterações decorrentes da Lei n.º 23/2020, de 6 de julho, e da Lei n.º 79/2021, de 24 de novembro);

M. O patrocínio jurídico dos Recorrentes/Autores, com vista à propositura da ação contra o Município de ... passava, necessariamente, pela interposição daquela até ao dia 24 de janeiro de 2014, prazo após o qual o Recorrido/Réu sabia prescrever o direito de indemnização dos lesados;

N. O cumprimento do prazo de prescrição era condição para os Recorrentes/Autores reclamarem o direito à justa indemnização.

O. O Recorrido/Réu apenas deu entrada da ação no Tribunal Administrativo e Fiscal ... no dia 22 de abril de 2014;

P. No seguimento, a Câmara Municipal ..., na sua Contestação, não deixou de suscitar a exceção de prescrição.

Q. Está, pois, demonstrado nos autos, tal como alegaram os Recorrentes/Autores, na ação de responsabilidade civil contra o Recorrido/Réu, que este apresentou a ação de indemnização em juízo fora do prazo legal, e não há dúvidas de que essa era uma diligência essencial a que estava obrigado por força do mandato forense que assumiu para com aqueles.

R. O Recorrido/Réu, enquanto mandatário dos Recorrentes/Autores, não cumpriu o mandato ou cumpriu-o defeituosamente, sendo-lhe imputável tal incumprimento, face à presunção referida, que não ilidiu, a título de negligência;

S. A omissão, que se traduziu na falta de apresentação da ação contra o Município de ..., é imputável ao Recorrido/Réu a título de culpa;

T. Face à lei, esta omissão determinou que o direito que Recorrentes/Autores pretendiam fazer valer com aquela ação fosse considerado prescrito e em consequência o Município de ... absolvido dos pedidos contra si formulados.

U. Neste sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (456/14.4TVLSB.L1. S1):

II - Permite a figura do instituto da perda de chance, e em sede de verificação do pressuposto da responsabilidade civil atinente ao nexo de causalidade entre facto e dano, como que uma diminuição e/ou decréscimo das exigências no âmbito da prova, mas, ainda assim, e como é compreensível, imprescindível é sempre (art. 483.º do CC) que alegue e prove o lesado, além do facto ilícito, a culpa do infrator, a verificação do dano final e uma considerável probabilidade de ter sido evitado um prejuízo não fora a falta cometida pelo responsável pela indemnização.

V. Concluída a ilicitude contratual, será que o Recorrido/Réu não incorre em responsabilidade civil para com os Recorrentes/Autores, ou seja, se para além dos referidos pressupostos não existe ainda dano e nexo de causalidade, entre a conduta omissiva e o dano?

W. O Acórdão recorrido responde pela negativa, afirmando que “a procedência final da pretensão dos Recorrentes/Autores não é sólida, nem séria, e por isso não podemos afirmar que iriam com toda a probabilidade obter ganho de causa não fora a omissão do Autor” (sublinhado nosso);

X. Certo é que, por falta da interposição da ação de indemnização fundada em responsabilidade civil extracontratual dentro do prazo, a ação falhada foi decidida no Despacho Saneador;

Y. Sendo a prescrição da ação da responsabilidade do Recorrido/Réu imputada a título de culpa, o facto de existir uma impossibilidade de determinar o nexo causal, em termos de causalidade adequada, não significa que isto deixe de conduzir à responsabilização do profissional que violou ilicitamente e com culpa, os seus deveres para com o cliente;

Z. Ora, se o Recorrido/Réu, por negligência sua, não apresentou a ação contra a Câmara Municipal ... dentro do prazo da prescrição, retirou aos Recorrentes/Autores a possibilidade de verem apreciados os seus argumentos, as suas razões e as provas que as suportariam;

AA. O que independentemente do sucesso da ação constitui por si só um dano ou prejuízo autónomo independente do seu resultado (perda de chance de ver a ação julgada);

BB. Considerando o direito dos Recorrentes/Autores, como um bem tutelado, pela lei processual e pelo contrato de mandato estabelecido entre estes e o Recorrido/Réu a impossibilidade de demandar o Município de ... por responsabilidade civil extracontratual por omissão culposa daquele, tem de ser visto como um prejuízo ou dano em si mesmo considerado (isto é, como um dano autónomo);

CC. E, este dano é indemnizável!

DD. Também, quanto ao nexo de causalidade adequada existente entre a conduta omissiva e o dano ou prejuízo sofrido pelos Recorrentes/Autores em consequência da dita omissão, nenhuma dúvida existirá.

EE. No entanto, entende, o douto Acórdão recorrido que a omissão do Recorrido /Réu não causou qualquer dano aos Recorrentes;

FF. E consequentemente, a obrigação de indemnizar;

GG. Ora, com o devido respeito, que é todo, pelo aresto proferido, entendem os Recorrentes/Autores que o Acórdão proferido não tem razão!

HH. Vejamos então o que diz o douto Acórdão recorrido, para fundamentar a afirmação que “a pretensão dos Recorrentes/Autores não é sólida, nem séria e por isso, não podemos afirmar que iriam com toda a probabilidade obter um ganho de causa não fora a omissão do Recorrido/Réu”;

II. Para tanto, o Acórdão de que se recorre baseia-se em dois aspetos:

- A prescrição;

- A existência de contrato de arrendamento;

JJ. A prescrição que ali se fala não é a prescrição do direito de intentar uma ação baseada em responsabilidade civil contra a Camara Municipal ..., com início em 25 de janeiro de 2011;

KK. Mas sim, uma alegada, prescrição baseada no facto dos Recorrentes/Autores, tendo tido conhecimento dos seus direitos em 2008 e não terem agido contra o Município de ..., pelo que, quando outorgaram a procuração forense a favor do Recorrido/Réu, já o seu direito estaria prescrito;

LL. Ora, se é verdade que o Recorrente/Autor teve conhecimento em 2008 dos seus direitos enquanto pessoa singular e titular do direito ao arrendamento;

MM. Não é menos verdade que, “A Câmara Municipal ... não ignorava mesmo antes do despacho de 2 de julho de 2008, que declarou a utilidade publica para efeitos de expropriação, entre outras, da parcela nº 107, que um dos interessados não era a sociedade J..., Limitada, dissolvida em 2004, mas AA.”;

NN. E que, em 2009, a Câmara Municipal ... deu entrada na DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais, a 2 de julho, de um pedido de retificação da declaração de utilidade

OO. publica relativo à identificação do arrendatário da parcela ... que submeteu ao Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local para retificação da DUP. 26º do

Factos Provados;

PP. Que não foi aceite por extemporâneo. 27º dos Factos Provados;

QQ. Razão pela qual, não causa estranheza, bem pelo contrário, que, “Foi acordado entre a Câmara Municipal ... e o Autor o montante indemnizatório de 24.750,00€;

RR. Para além destes factos extrajudiciais, no próprio processo de expropriação, que correu termos no Tribunal Judicial ..., ... Juízo Cível, sob o nº 2039/09..., a Câmara Municipal ... comunicou por ofício que” … estes serviços tiveram conhecimento da dissolução da sociedade, bem como, o interessado era o sr. AA;

SS. Os atos praticados pela Câmara Municipal ... sempre levaram o Autor a concluir que o município sabia ser ele o interessado no processo expropriativo e seria a si que iria ser paga a indemnização;

TT. Donde resulta, que existe apenas um prazo, aquele que começou a correr no dia 25 de janeiro de 2011, data em que foi proferida a sentença no citado processo de expropriação, nº 2039/09... que decorreu no Tribunal Judicial ... e que o Recorrido/Réu CC deixou prescrever ao propor a ação apenas a 22 de abril de 2014 (artigo 498º, nº 1 do Código Civil);

UU. E como se não bastassem os factos supra alegados para a pretensão dos Recorrentes/Autores ser considerada real e séria, atentemos na sentença do Administrativo e Fiscal ... e confirmado pelo Tribunal Central Administrativo ...;

VV. Pode ler-se na referida sentença que “O Réu (R) em sede de Contestação, suscitou a exceção perentória de prescrição do direito que os Autores pretendem fazer valer em juízo, uma vez que os factos remontam a 16.07.2007 e a presente ação deu entrada nesse TAF em 25.01.2011.” (Esta última data está errada, naturalmente por lapso, na medida em que a ação deu entrada em22 abril de 2014);

WW. Portanto, sabemos que a Câmara Municipal ..., na sua Contestação quando arguiu a prescrição, alegou que o prazo para os Autores, virem demandar o Município começou a correr em 2007;

XX. Ora, apesar da doutrina do dano da “perda de chance”, entender que o juiz do processo competir fazer aquilo a que chama um “julgamento dentro do julgamento”;

YY. No caso, “sub judice”, e no que à prescrição diz respeito, tal não seria necessário, uma vez que no processo que correu termos no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., o Município de ..., exerceu o seu direito ao contraditório e arguiu a prescrição, considerando o seu início em 2007 e não como fazem os Recorrentes/Autores em 25.01.2011;

ZZ. Pelo que, a prescrição apreciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., não foi, ao contrário do que vem dito no Acórdão recorrido, a prescrição cujo prazo se iniciou em 25 de janeiro de 2011, mas a que o Município de ... arguiu naquele processo e que se reporta a 2007;

AAA. Para tal, o Tribunal Administrativo e Fiscal ..., deu como provados os factos “que resultaram do acordo das partes onde o mesmo foi possível e do exame dos documentos juntos aos autos, em especial com a P.I.

Factos (com interesse para apreciação da exceção aventada)

1. O Autor marido foi arrendatário de um terreno sito na Avenida..., ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs ...83, …61 e parte do ...82, todos da Freguesia de ... e nas respetivas matrizes rústicas sob os nºs ...79, ...80 e parte do ...77;

2. Desde 19 de outubro de 2001 até final de 2014, esse espaço esteve arrendado a uma sociedade designada por “J..., Lda.”, sociedade essa da qual o Autor era sócio-gerente;

3. O Autor teve conhecimento que o terreno em causa estava integrado em zona de intervenção do Programa Pólis, Troço ..., terreno esse designado por parcela ... e enviou carta, datada de 19 de outubro de 2006, no sentido da Câmara Municipal esclarecer qual era a sua posição (Autor) no processo expropriativo em curso;

4. Na sequência da proposta datada de 27 de junho de 2007 e sequente deliberação camarária datada de 5 de julho de 2007, a Câmara Municipal ... aprovou a resolução de expropriação de diversas parcelas terreno necessárias à execução do projeto de Requalificação da Margem Ribeirinha ..., parcelas essas onde se incluía a aqui identificada em 1;

5. Pela declaração da Presidência do Concelho de Ministros 2017-A/2008, publicada no Diário da República 28, Série – Nº 117 de 19 de julho de 2008 (…) declarou a utilidade publica e atribui carater de urgência à expropriação da dita parcela de terreno.

6. O Autor, por via de carta registada co a viso de receção datada de 7 de novembro de 2008, informou o município que o interessado no processo de expropriação era ele próprio e não a sociedade.

7. À data os processos administrativo e posteriormente judicial correram por indicação dos serviços da ... como se o inquilino fosse a sociedade “J..., Lda.”, detida pelo Autor;

8. Por vicissitudes que se prendiam com a indemnização dos proprietários propriamente ditos, o processo seguiu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., sob o nº 2039/09....;

9. E, 9-3-2010, aquele Tribunal notificou a expropriante para esclarecer se foi necessário proceder a alteração da declaração de utilidade publica e a razão de não obstante a dissolução da sociedade não terem procedido ao pagamento do seu legal representante;

10. Em 25-1-2011, o mesmo Tribunal proferiu sentença, à data notificada ao Autor, onde absolve a sociedade “J..., Lda.” em razão de não ter personalidade jurídica à data da propositura da ação e de os seus sócios liquidatários não terem legitimidade para a prosseguir;

11. (…)

12. A presente ação deu entrada neste tribunal a 22 de abril de 2014.

BBB. E, foi com base nos factos acima descritos que a douta sentença absolveu a Câmara Municipal ...;

CCC. E, foi igualmente, com base nos factos provados que, apesar de em sede de contraditório a Câmara Municipal ... ter alegado que a ação se encontrava prescrita desde 2007, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... por sentença confirmada pelo Tribunal Central Administrativo ... deu como provado que só “… em inícios de 2011, o Autor ficou a saber que teria havido o alegado lapso e as respetivas consequências;

DDD. Dúvidas não podem, pois, restar, que o único prazo de prescrição a ser tido em conta é aquele que o Recorrido/Réu deixou prescrever e que teve início em 25.01.2011;

EEE. Mais, na sentença e no acórdão proferidos pelas instâncias suprarreferidas consta do Ponto 1 dos Factos Provados “O Autor marido foi arrendatário de um terreno sito na Avenida..., ..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs ...83, …61 e parte do ...82, todos da Freguesia de ... e nas respetivas matrizes rústicas sob os nºs ...79, …80 e parte do ...77”;

FFF. De resto, como não deixa de referir o douto Acórdão do Tribunal ... aqui recorrido, “no decurso do processo expropriativo, a entidade expropriante, por duas vezes aderiu expressamente à tese segundo a qual o arrendatário, seria o Autor”;

GGG. Considerando que, o Autor viu reconhecida na ação falhada, por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., confirmada pelo Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ... a sua qualidade de arrendatário da parcela a expropriar, nº 107, bem como o início do prazo de prescrição do seu direito de indemnização, 11 de janeiro de 2011.

HHH. Se atendermos, como não poderá deixar de ser feito, que foi a própria Câmara Municipal ... que decidiu e solicitou a alteração do DUP (Declaração de Utilidade Pública) à DGAL para retificação do arrendatário da sociedade J..., Limitada para AA;

III. Podemos concluir que foi a própria Câmara Municipal ... que reconheceu o Autor como arrendatário e requereu a retificação da DUP;

JJJ. Tudo o supra exposto demonstra à exaustão que estão preenchidos os pressupostos do dever de indemnizar dos Réus/Recorridos;

KKK. Dado que no caso em apreço existe uma probabilidade séria, consistente e atual que os Recorrentes/Autores obteriam um benefício não fora a chance processual perdida;

LLL. Pois, a sua pretensão além de séria, real e efetiva é muito mais do que uma mera hipótese, uma vez que os aspetos fundamentais em que se baseia o referida pretensão, prescrição e qualidade de arrendatário do recorrente/Autor, foram apreciados no processo falhado e decididos totalmente a seu favor, razão pela qual os Autores na ação falhada teriam apenas que provar que a conduta do Município de ... tinha sido ilícita e culposa.

MMM. COMO REFERE O AC. STJ DE 17.05.2018 Nº 8246/06.5TVLSB.L2.S1 1. A figura da “perda de chance” visa superar a tradicional dicotomia:

responsabilidade contratual versus responsabilidade extracontratual ou delitual, “summa divisio” posta em causa num tempo em que cada vez mais se acentua que a responsabilidade civil deve ter uma função sancionatória e tuteladora das expetativas e esperanças dos cidadãos na sua vida de relação que se deve pautar por padrões de moralidade e eticidade, como advogam os defensores da denominada terceira via de responsabilidade civil.

2. A perda de chance relaciona-se com a circunstância de alguém ser afetado num seu direito de conseguir uma vantagem futura, ou de impedir um dano por facto de terceiro. A dificuldade em considerar a autonomia da figura da “perda de chance” no direito português, resulta do facto de ser ligada aos requisitos da responsabilidade civil extracontratual – art. 483º, nº 1 do Código Civil – mormente ao nexo de causalidade.

Com efeito, um dos requisitos da obrigação de indemnizar, no contexto da responsabilidade civil “ex contractu” ou “ex delictu”, é que exista nexo de causalidade entre a conduta do responsável e os danos sofridos pelo lesado por essa atuação culposa.

3. Para que se considere autónoma a figura de “perda de chance” como um valor que não pode ser negado ao titular e que está contido no seu património, importa apreciar a conduta do lesante não a ligando ferreamente ao nexo de causalidade – sem que tal afirmação valha como desconsideração absoluta desse requisito de responsabilidade civil – mas, antes, introduzir, como requisito caracterizador dessa autonomia, que se possa afirmar que o lesado tinha uma “chance” (uma probabilidade, séria, real, de não fora a atuação que lesou essa “chance”, de obter uma vantagem que probabilisticamente era razoável supor que almejasse e/ou que a atuação omitida, se não o tivesse sido, poderia ter minorado a chance de ter tido um resultado não tão danoso como o que ocorreu. Há perda de chance quando se perde um proveito futuro, ou não se evita uma desvantagem por causa imputável a um terceiro.

4. No caso de perda de chance não se visa indemnizar a perda do resultado querido, mas antes a oportunidade perdida, como um direito em si mesmo, violado por uma condita que pode ser omissiva ou comissiva.

NNN. E, como observa Carneiro da Frada, referindo-se ao plano contratual “a perda de oportunidade pode desencadear responsabilidade de acordo com a vontade das partes (que criaram essa chance a bem jurídico protegido pelo contrato)”;

OOO. “Assim, sabendo-se que a obrigação do R. como advogado dos A.A. é uma obrigação de meios, o dano emergente do cumprimento defeituoso do mandato corresponderá à prestação devida, que o advogado não efetuou, com o que fez perder aos A.A. a oportunidade de evitar um prejuízo, no caso, de evitar a improcedência da oposição - Cf. Jaime Augusto de Gouveia — Da Responsabilidade Contratual;

PPP. Chegados aqui, entendem os Recorrentes/Autores que há que quantificar o dano;

QQQ. Na douta sentença recorrida a MM Juiz entendeu que o dano de perda de chance se computaria em 75% do pedido formulado pelos Recorrentes/Autores na sua ação de indemnização por responsabilidade civil extracontratual;

RRR. Admitimos que a determinação da medida do dano da perda de chance suscita as maiores dificuldades face à ausência de uma norma que regule esta situação;

SSS. De facto, nunca se poderá saber com certeza absoluta qual seria o desfecho da ação falhada, desconhecendo-se como seria a realização da prova, incluindo o juízo valorativo que o julgador faça da mesma, passando pela interpretação e aplicação do direito;

TTT. O que “permite” que se passe de uma avaliação que considera que o dano da perda de chance lesou os Recorrentes/Autores em 75% do seu pedido, para uma decisão que considera que a perda de chance não causou qualquer prejuízo aos Recorrentes passível de ser indemnizado;

UUU. Entendem os Recorrentes/Autores, que atendendo à matéria de facto dada como provada consideram adequada, tal como o faz a douta sentença proferida em primeira instância, um grau de probabilidade de, pelo menos, 75% do resultado pretendido, e que fixou em 19.483,50€ a indemnização correspondente ao dano perda de chance;

VVV. Mas mesmo que assim se não entenda, o que só por mera hipótese académica se admite sem, contudo, se aceitar;

WWW. A questão do quantum do dano se de outro modo não poder ser quantificado, deverá ser respondida com recurso à equidade, que deve ser apreciada em função a conduta culposa do Recorrido/Réu e o conceito do dano correspondente à “perda de chance” - Cfr. art.º 566.º, n.º 3, Código Civil;

XXX. Assim, em termos de equidade, tendo em conta o grau de possibilidade de ocorrer uma ou outra situação - procedência, improcedência (total ou parcial), não poderá o tribunal deixar de fixa uma indemnização no mínimo correspondente a 50% para cada uma das partes;

YYY. O Acórdão da Relação ao ter decidido que a pretensão dos Recorrentes/Autores não era séria e, em consequência, não haver lugar a indemnização, cometeu um erro de julgamento de direito - art.º 674.º, n.º 1, al. a), do CPC;

ZZZ. À luz da jurisprudência do STJ, da doutrina e da lei substantiva acima indicada, a decisão proferida é injusta por se verificar erro de julgamento de direito; a decisão é errada por padecer de "error in iudicando", por terem sido violadas normas de direito substantivo, por se ter procedido a uma interpretação e aplicação incorreta das normas reguladoras do caso “sub judice”;

AAAA. O acórdão recorrido violou o artigo 483.º; 486.º e 566.º, n.º 3, todos do Código Civil e a jurisprudência e a doutrina acima referidas;

BBBB. Considerando os Recorrentes/Autores que se encontra provada obrigação de indemnizar por parte do Recorrido/Réu e sendo certo que esta mesma responsabilidade foi transferida para a Recorrida Ré, Seguradora XL Insurance Company, SE, pelo contrato de seguro titulado pela Apólice nº ...8A e consequentemente que o comportamento do Recorrido/Réu se encontra abrangido pela cobertura do mencionado seguro de grupo;

CCCC. Compete à Recorrida/Ré pagar aos Recorrentes/Autores a indemnização fixada a título de perda de chance, o montante de 19.483,50€, acrescida de juros que se vencerem desde a citação, até efetivo e integral pagamento;

DDDD. Face ao exposto deverá a Apelação formulada pelos Recorridos/Réus, CC e Seguradora XN Insurance Company, SE ser revogada, sendo estes condenados no pagamento de uma indemnização ao Recorrentes/Autores, fixando-se o valor da indemnização em 19.483,50€, acrescida de juros que se vencerem desde a citação, até efetivo e integral pagamento.”

Conclui pedindo a revogação do acórdão recorrido e que seja mantida a sentença.

Os réus contra-alegaram defendendo a inadmissibilidade do recurso e a confirmação da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

 Fundamentação

Foi julgada provada a seguinte matéria de facto:

1º No ano de 2001 o Autor marido era sócio e gerente da sociedade comercial por quotas denominada “J..., Limitada”, que tinha por objeto social o comércio de veículos automóveis, comércio a retalho de eletrodomésticos e aparelhos de rádio, televisão e vídeo.

2º No dia 19 de outubro desse mesmo ano, o Autor em representação da referida sociedade celebrou com DD e marido EE, um contrato, nos termos do qual aqueles arrendaram uma parcela de terreno, com a área de 600m2, a fim da sociedade “J..., Limitada” expor e comercializar veículos automóveis.

3º Sita no Lugar ..., Freguesia de ..., concelho de ..., melhor identificada por Avenida..., ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob os nºs ...83, …61 e parte do ...82, todos da Freguesia de ... e nas respetivas matrizes rústicas sob os nºs ...79, ...80 e parte do ....77.

4º Contrato, esse, com início no dia 1 de novembro de 2001 e prorrogável por iguais períodos.

5º Mais contrataram que, a renda mensal a pagar pela sociedade era de 748,20 €, tendo este valor sido reduzido por acordo entre os contratantes para 500,00 € mensais a partir de dezembro de 2005.

6º Em 17.1.2005, a supra identificada sociedade foi dissolvida.

7º O aqui Autor, AA, continuou a exercer a atividade desenvolvida pela sociedade.

8º A ocupação da parcela de terreno pelo Autor era conhecida pela Câmara Municipal ..., que lhe moveu dois processos de contraordenação, a que corresponderam os nºs 811658/… e 004/… por alegadas obras clandestinas no local, conforme se pode verificar pelas notificações enviadas ao Autor e outra correspondência trocada, sendo a última carta enviada datada de 16 de fevereiro de 2006.

9º Em 2005.03.17, os AA. remeteram uma comunicação dirigida aos órgãos e serviços do Município de ... com o seguinte teor: “Em relação à notificação supra referenciada, venho esclarecer V. Exa., os seguintes factos 1º - O signatário não efetuou quaisquer obras no local. 2º - O terreno em causa não é sua propriedade 3º - Ao que julga saber, no local mencionado apenas existe um stand de vendas provisório, pré-fabricado, em madeira, desmontável, que não carece de projeto”.

10º A 5 de Julho de 2007, a Câmara Municipal ..., aprovou uma resolução de expropriação de diversas parcelas de terreno necessárias à execução do Projeto de Requalificação da Margem Ribeirinha ..., Troço ..., no âmbito do Programa Pólis, parcelas essas onde se incluía aquela que tinha sido ocupada pelo STAND, e que no processo expropriativo foi designada por “Parcela nº ...”.

11º Esta expropriação foi declarada de utilidade pública e carácter urgente, por despacho de 2 de junho de 2008 do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local a pedido da Câmara Municipal ..., tornado público pela Declaração da Presidência do Conselho de Ministros nº 217-A/2008, publicada no Diário da República, 2ª Série – Nº 117 – de 19 de Junho de 2008.

12º Já no ano de 2006 o Autor tinha tido conhecimento que o terreno ocupado pelo STAND estava integrado em zona de intervenção do Programa Pólis, razão pela qual, em seu nome pessoal, envia uma carta, datada de 19 de outubro de 2006 e dirigida à Câmara Municipal ..., para o município, vir esclarecer qual a posição do Autor no processo expropriativo em curso.

13º Por ofício 012953, de 2007.07.26, os órgãos e serviços do Município de ... informaram os AA., na qualidade de representantes de F..., Lda., do seguinte: “A fim de ser executada a obra de Requalificação da Margem Ribeirinha ... – ... – Troço ..., levo ao conhecimento de V. Exas. que a Câmara Municipal (…) deliberou requerer (…) a resolução de expropriação, declaração de utilidade pública e autorização de posse administrativa do seguinte prédio: - Parcela de Terreno nº ..., com a área de 44.156,20 m2, sita no Lugar ..., Freguesia de ..., descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...80, …79 e parte do ...77, inscrito na matriz sob os artigos rústicos ...83, ...16 e parte do ...82 (…). Em cumprimento (…) na qualidade de interessados, ficam V. Exas., por estes meio notificados, do conteúdo da referida deliberação, que se anexa por fotocópia”

14º À qual o Autor respondeu, em 7 de novembro de 2008, por carta registada com aviso de receção, na qual informou, expressamente, a Câmara Municipal ... que o interessado no processo de expropriação, era ele próprio e não a sociedade pelos motivos já alegados.

15º Seguidamente enviou o Autor nova carta, em seu nome pessoal e dirigida à Câmara Municipal ..., na qual informa que não aceita o valor indemnizatório de 17.478,40 €, proposto na carta de 23 de junho de 2008 e entretanto, depositado na Caixa Geral de Depósitos pela CM.. à ordem da sociedade.

16º Contrapropondo o montante indemnizatório de 24.750,00€, atendendo às melhorias que efetuou no terreno e aos prejuízos que sofreu por ser obrigado a mudar o seu negócio de local.

17º (…)

18º - A Câmara Municipal ... em 19 de junho de 2009 e 2 de julho de 2009, procurou retificar a Declaração de Utilidade Pública, conforme consta do facto nº 26, passando a constar como interessado/arrendatário o autor ao invés da sociedade J..., Limitada, conforme documento nº 1, fls. 45 a 51 cujo restante teor se dá por reproduzido.

19º Por carta datada de 2008.01.14, DD comunicou junto dos órgãos e serviços do Município de ... o seguinte: “Venho por este meio dar resposta ao ofício em referência, informar V. Exa. que a entidade responsável pelo Stand de Automóveis é a firma J..., Lda. (…) (tendo já abandonado este local). Informo também que o principal representante da firma acima mencionada é o Sr. AA (…).”

20º Por despacho de 2010.12.08 proferido no âmbito do processo expropriativo que, sob o nº 2039/09...., correram termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., o Tribunal decidiu o seguinte: “Compulsada a certidão de fls. 826 e ss, constata-se que a interessada J..., Lda foi extinta em 17 de janeiro de 2005, tendo sido cancelada a respetiva inscrição. Todavia, sendo plausível que tenha ocorrido cessão da posição contratual relativamente à posição do arrendatário no contrato de arrendamento celebrado com o proprietário, caso em que eventualmente poderá ter lugar o incidente de habilitação de cessionário, notifique o requerente a fim de informar se aquele acordo de cessão foi efetivamente celebrado”.

21º Em 2011.01.05, DD apresentou um requerimento nos referidos autos de expropriação em causa, com o seguinte teor: “À ora requerente, enquanto proprietária e senhoria do espaço arrendado, nunca foi comunicada, nem esta autorizou, a cessão do arrendamento celebrado com a sociedade F..., Lda. Sempre foi aquela sociedade a sua arrendatária e foi contra ela que interpôs execução para pagamento das rendas em dívida. Nada há, pois, a alterar ou a ordenar a este propósito nos presentes autos”

22º Por notificação de 2010.05.17 proferida no âmbito do processo de execução que, sob o nº 2811/09...., correu termos no ... Juízo Cível do Tribunal Judicial ..., foi “penhorado o crédito que o executado J..., Lda. (…) det(inha) em consequência do processo de expropriação n.º 2039/09.... (…) até ao montante de 22.200,00 euros”.

23º Por despacho de 2010.05.26 proferido no âmbito do processo expropriativo em causa, o Tribunal decidiu que “para efeitos do solicitado a fls. 746 e, encontrando-se depositada quantia suficiente, consigna-se que o montante de € 22.200,00 depositado a favor da interessada J..., Lda. fica à ordem da execução n.º 2811/09.... (…)”

24º Por ofício de 2012.10.12, os órgãos e serviços do Município de ... informaram os AA. do seguinte: “Relativamente ao assunto indicado por V. Exa., informamos que de acordo com o artigo 9º do Código das Expropriações, considera-se interessados, além do expropriado, os titulares de qualquer direito real ou ónus sobre o bem a expropriar e os arrendatários dos prédios rústicos ou urbanos. Estão assim compreendidos no conceito de interessados, não só os credores da indemnização por expropriação, mas também os que podem fazer valer algum direito sobre a indemnização atribuída ao expropriado. Porém, necessário se torna, que a qualidade de interessado, seja aferida e comprovada à data da instauração do processo de expropriação. As relações que forem, extintas antes do processo de expropriações já não poderão ser tomadas em consideração. Pelo que, quanto ao direito do constituinte de V. Exa., em receber o valor relativo à justa indemnização, inexistem no processo, elementos que comprovem que à data da instauração do processo expropriativo o Sr. AA, era considerado interessado”.

25º Por despacho de 2011.01.25, proferido no âmbito do referido processo expropriativo, o Tribunal decidiu o seguinte: “Face ao teor da resposta apresentada pela expropriada DD, deverá o processo prosseguir para conhecimento da exceção dilatória de falta de personalidade jurídica e judiciária da interessada J..., Lda. (…) No caso em apreço, e conforme consta a fls. 829 dos autos, em 17 de Janeiro de 2005 foi efetuado o registo do encerramento da liquidação da interessada arrendatária. (…) À data da instauração do processo de expropriação ou data da resolução de expropriar, já a sociedade não era titular do contrato, uma vez que este havia caducado por extinção do arrendatário. Assim, é manifesto que, nem a sociedade J..., Lda., nem dispõe de personalidade jurídica para pleitear na presente ação, nem os sócios liquidatários terão legitimidade para prosseguir os seus termos (e mesmo nesse caso, teria a ação de se encontrar pendente à data da extinção da sociedade, o que não sucedia no caso concreto). Assim sendo, é manifesto que ocorrem no caso concreto, relativamente a esta interessada, falta de personalidade jurídica e de legitimidade prosseguir os termos da ação. Nestes termos, e sem necessidade de outras considerações, decido absolver da instância a sociedade J..., Lda.

26º A Câmara Municipal ... deu entrada na DGAL – Direção Geral das Autarquias Locais, em 2 de julho de 2009, de um pedido de retificação da declaração de utilidade pública, relativamente à identificação do arrendatário da parcela nº ..., e submeter o processo ao Secretário de Estado Adjunto e da Administração Local para retificação da DUP.

27º O mesmo foi indeferido por extemporâneo.

28º O Autor não recebeu a quantia de € 25.978,00 arbitrada a título de indemnização.

29º De tudo isto foi o Autor foi informado pela sua Mandatária no referido processo, que lhe comunicou, ainda, que no processo de expropriação nada mais havia a fazer, uma vez que a empresa havia sido dissolvida e em sua opinião não existiam fundamentos para recurso.

30º Os Autores, à data já tinham graves problemas económicos e financeiros.

31º O Autor contou a situação ao, ora, Réu e seu mandatário noutros processos que nada tinham a ver com o processo de expropriação acima relatado, que o informou que podia mover uma ação contra a Câmara Municipal ... para obter a indemnização a que tinha direito, decorrente do erro por aquela cometido.

32º Os Autores constituíram seu mandatário o Réu, Dr. CC, para intentar a ação por responsabilidade civil extracontratual contra a Câmara Municipal ..., no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., por procuração datada de 28 de setembro de 2012.

33º Acordaram, ainda, os Autores e o Réu, seu mandatário que aqueles iriam requerer o apoio judicial, atenta a situação económica.

34º Com vista à propositura da referida ação, no dia 27 de julho de 2012, o Autor requereu à Segurança Social o apoio judicial na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais ónus do processo.

35º Com a finalidade de propor a referida ação judicial de natureza administrativa contra a Câmara Municipal ....

36º O que lhe foi concedido por despacho notificado a 28 de março de 2013.

37º O ora R., tal como acordado com os AA., e porque a ação em causa iria ser proposta em nome dos dois AA., esperou pelo comprovativo de concessão relativo à A. mulher, sendo que, apesar das suas insistências, o mesmo não lhe chegou a ser fornecido.

36º Neste intervalo de tempo o Réu, escreveu duas cartas à Câmara Municipal ... com o objetivo de resolver extrajudicialmente o problema.

36º Ao que o Município respondeu negativamente.

38º O Autor forneceu ao Réu as informações que aquele lhe pediu como se pode verificar pelos vários e-mails que lhe dirigiu com informações destinadas a instruir a Petição Inicial, o primeiro dos quais com data de 20 de setembro de 2013.

39º Novos e-mails do Autor para o Réu em 14 e 15 de outubro de 2013, desta feita com indicação das testemunhas a arrolar.

40º Do despacho de 2011.01.25 foi dado conhecimento aos autores.

41º O Réu só interpôs a ação no dia 22 de abril de 2014.

42º O Município de ... na sua Contestação arguiu a prescrição.

43º Por sentença proferida no processo 949/14...., em 15 de dezembro de 2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ..., a Câmara Municipal ... foi absolvida, porque se encontrava prescrito o direito dos Autores.

45º O Réu recorreu para o Tribunal Central Administrativo ... que por Acórdão proferido em 05 de fevereiro de 2016 negou provimento ao recurso jurisdicional e manteve a decisão recorrida.

46º Os Autores vivem uma vida de pobreza “envergonhada”.

47º Os Autores experimentam nervosismo, mal-estar, ansiedade, desalento, passando muitas noites sem dormir.

48º Em particular a Autora que é uma pessoa doente viu agravada a depressão de que sofria desde 2008 e o seu estado de saúde em geral.

49º Em 5 de Janeiro de 2018, a Mandatária dos Autores enviou ao Réu uma carta em que informa nos termos do artigo 96º do Estatuto da Ordem dos Advogados.

50º O Réu não recebeu a carta atrás aludida.

51º O Conselho Geral da OA para o ano de 2018, a Ordem dos Advogados, na qualidade de Tomador do Seguro, contratou com a Seguradora XL INSURANCE COMPANY SE, Sucursal em Espanha, o Seguro de Grupo de Responsabilidade Civil Profissional dos Advogados, figurando a Corretora de Seguros AON PORTUGAL –Corretores de Seguros, S.A. como Mediador.

52º A que corresponde a Apólice nº ...18A.

53º Em consequência, todos os Advogados, com inscrição em vigor, estão abrangidos pelo Seguro contratado pela Ordem dos Advogados, beneficiando automaticamente de um Seguro Base de Responsabilidade Civil Profissional, com o limite de indemnização de 150.000,00 €, sem necessidade de qualquer tipo de adesão.

54º O Réu é beneficiário da daquela apólice, enquanto advogado inscrito na Ordem dos Advogados – cédula profissional 7964p.

55º Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares da apólice em causa, sob a epígrafe PERÍODO DE COBERTURA, a apólice em causa vigora pelo período de 12 meses, com data de início de 01.01.2018 às 00h e vencimento às 00h de 01.01.2019.

56º O Exmº. Senhor Dr. CC apenas comunicou, à Ré Seguradora, em 02.07.2018 os factos e circunstâncias em causa bem como a responsabilidade dos mesmos poderem dar origem a uma “Reclamação” e a possível responsabilização, decorrente do exercício da sua profissão de Advogado, nos termos em que se encontrava obrigado pelo contrato de Seguro.

57º Entre a Chamada e a Ordem dos Advogados foi celebrado um contrato de seguro de grupo, temporário, anual, do ramo de responsabilidade civil, titulado pela Apólice n.º ...58, cujas respetivas Condições Particulares, Especiais e Gerais.

58º O Contrato de Seguro em causa foi celebrado pelo prazo de 12 meses, com início às 00:00 horas do dia 01.01.2014 e termo às 00:00 horas do dia 01.01.2015, tendo sido renovado para os períodos de seguro correspondentes às anuidades de 2015, 2016 e 2017.

59º Com termo no dia 01.01.2018, às 00:00 horas.

60º O réu não comunicou à Mapfre Seguros Gerais, diretamente ou através da sua corretora, os factos ou circunstâncias alegadas na p. i. e a possibilidade de tais factos poderem dar origem a uma “Reclamação”

61º A Chamada apenas teve conhecimento dos factos alegados na p. i. aquando da sua citação para a presente ação judicial, no dia 5 de fevereiro de 2019.”

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das Recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver na presente Revista importa na apreciação de saber se é devida indemnização aos autores decorrente da conduta profissional do réu CC.

… …

Sobre a admissibilidade do recurso por falta de requerimento tempestivo.

Nas contra-alegações os recorridos concluem que a revista não deve ser recebida porque os recorrentes não apresentaram o requerimento de interposição.

Apreciando esta questão convocamos o art. 637 nº 1 do CPC que estabelece que os recursos se interpõem por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida na qual indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto. Acrescentando o nº 2 o requerimento de recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.

Decorre deste normativo que o ato de requerer a interposição de recurso e de apresentar as alegações/conclusões é um e único. O requerimento de interposição é a peça processual em que a parte enuncia a pretensão de impugnar a decisão para o tribunal superior perante o próprio tribunal que proferiu a decisão. O seu conteúdo resume-se a afirmar essa pretensão de recorrer e a indicar a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso, sendo que todas estas menções não vinculam o tribunal recorrido nem o tribunal para que se recorre (art. 641 nº 5 do CPC). Assim, a indicação da espécie de recurso, porque o nosso sistema em matéria de recursos ordinários comporta apenas a apelação e a revista, apenas terá algum sentido quando o recurso a interpor seja extraordinário ou per saltum e mesmo nestes casos, juntamente com aqueles que constituem exceções à irrecorribilidade (art. 629 nº 2, 630, 671 nº 2, 672  e 688 do CPC) é nas alegações/conclusões e não já no requerimento de interposição que que deverão ser indicados os motivos específicos que devem o tribunal a admitir o recurso - vd. Abrantes Geraldes – Recursos em processo civil, 6ª ed. p. 154 e 155.

Explicado o sentido útil do requerimento de interposição e sublinhado que todos os elementos que dele constam ou são subentendíveis (no que respeita à espécie de recurso) ou são de apreciação oficiosa e modificação pelo tribunal (o efeitos e modo de subida) o que de mais importante comporta o art, 637 é determinar o seu nº 2 que o requerimento de interposição de recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente e as suas conclusões.

  No caso, os recorrentes apresentaram em 30-11-2021 as suas alegações de recurso nas quais, desde logo e no início, declaram não se conformar com a decisão da apelação que absolveu os réus e que interpõe recurso de revista nos termos e para os efeitos artigo 671 nº 1 do CPC.

Em 16-12 de 2021 os recorrentes vieram aos autos declarar que por lapso quando no dia 30 de novembro de 2021, interpôs recurso de Revista do Acórdão proferido nos presentes autos, juntou as Alegações, sem o competente requerimento de interposição do Recurso requerendo que fosse relevado o lapso e juntando o requerimento que contém como dizeres “Não se conformando com o douto Acórdão proferido nos presentes autos, dele pretendem interpor recurso para o Supremo tribunal de Justiça que é de revista nos termos do artigo 671.º, nº 1, do Código de Processo Civil,

Porque têm legitimidade e estão em tempo.”

É perante estas circunstâncias que o recorrido sustenta que o recurso não deve ser admitido por falta de interposição em tempo.

Analisando a questão temos por um lado que presentando os recorrentes as suas alegações e conclusões de recurso nas quais expressamente evidencia a sua vontade de através delas recorrer indicando a espécie de recurso e o preceito aplicável, a verdade é que não entregou em simultâneo o requerimento de interposição, o que só veio a fazer mais tarde. Na economia do art. 637 do CPC que deixámos enunciado obtemos que num único ato a lei pretendeu que os recorrentes declarassem a sua vontade de recorrer e apresentassem as suas alegações e conclusões não permitindo que entre o requerimento e as alegações se interponha qualquer prazo o que convoca uma diligência maior porquanto quando se apresentar o requerimento de interposição já a motivação do recurso com as respetivas alegações e conclusões tem de estar elaboradas, sabendo-se que são estas últimas e não o requerimento de interposição que implica o trabalho de recorrer. Por outro lado, o ato formal em que se traduz o requerimento de interposição, não contém nenhuma menção que possa dizer-se que vinculativa para o recorrente uma vez que coimo vimos, quanto à espécie, nos recursos ordinários, ela é única (apelação ou revista) e quanto aos efeitos e modo de subida a sua indicação não releva perante a obrigação do tribunal ter de os fixar, independentemente do que tenha ou não tenha sido referido no requerimento. Aliás o próprio art. 641 nº 2 al. b) do CPC fere com a rejeição a apresentação do requerimento que não contenha a alegação ou quando esta não tenha conclusões mas não o inverso isto é, quando se apresente a alegação com conclusões e se tenha omitido o requerimento.

Na apreciação equilibrada do que se exige para a interposição de recurso nos termos do art. 637 do CPC e no peso relativo que nesse equilíbrio desempenha o requerimento de interposição e as alegações/conclusões, o critério relevante para apreciar a sua observância ou inobservância há de ser conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. A apresentação tempestiva das alegações/conclusões em que o recorrente deixa evidenciada a sua pretensão de recorrer e a espécie de recurso embora tenha esquecido de juntar o requerimento de interposição determina que, em tais circunstâncias, a rejeição do recurso por não ter apresentado em tempo o requerimento de interposição (embora tenha juntos as alegações) não seria adequada, proporcionada ou razoável.

Por esta razão deve ser admitido, como o foi o recurso interposto.

 Num segundo momento a recorrida sustenta que o recurso deveria ser rejeitado por os recorrentes não formulado conclusões e isto porque, embora destacadas como tal constem diversas alíneas, as mesmas não satisfazem os requisitos do art. 639 do CPC.

A este propósito diremos que o art. 641 nº 2 al. b) do CPC alude à falta de conclusões na alegação do recorrente determinando que essa falta seja causa de rejeição do recurso. Porém, o art. 639 nº 3 distinguindo a falta das conclusões das que sejam deficientes, obscuras, complexas ou sem as especificações necessárias, estabelece que o relator nestes casos deve convidar o recorrente a completá-las, esclarece-las sintetizá-las sob pena de não conhecer do recurso.

A análise da conformidade das conclusões cabe ao relator e no caso, embora com uma extensão que poderia caber em síntese mais contida em menos números/alíneas (matéria não compreendida no art. 639 nº 3) a verdade é que das conclusões em causa constam as indicações prescritas no nº 2 deste preceito e, como assim, não se rejeita o recurso porque foram apresentadas conclusões e, por outro lado, não vê qualquer necessidade em convidar a recorrente a corrigi-las.

… …

Sobre o objeto do recurso que trata de saber quais as consequências jurídicas decorrentes de o réu, advogado constituído pelos autores, ter proposto contra a Câmara Municipal ... ação que veio a ser julgada improcedente com base na prescrição, ação que tinha por finalidade obter da autarquia indemnização por esta não ter identificado os autores como interessados/arrendatários em processo de expropriação e desse modo não terem recebido a indemnização a que dizem ter tido direito.

Foi por ter considerado que entre a conduta do réu CC e a absolvição da ré Câmara Municipal ... se verificavam os pressupostos da obrigação de indemnizar, v.g. que existia nexo de causalidade adequada entre a conduta e os danos alegados e que deu como provados, que a sentença condenou o réu advogado e a seguradora a indemnizar os autores.

Já o Acórdão recorrido abordando a questão na mesma perspetiva normativa (a da perda de chance), depois de ter procedido à alteração da matéria de facto, deliberou a absolvição dos réus por não verificação de danos, isto é, por ausência por parte dos autores de uma perda atual e efetiva ou que existisse uma possibilidade favorável, real e séria de procedência da ação proposta pelo réu.

No sentido da perceção da realidade envolvida nos presentes autos observamos que na sua génese se encontra um processo de expropriação referente a um espaço/ parcela de terreno com a área de 600 m2 que a sociedade “J..., Lda.” - de que o autor marido era sócio-gerente - arrendou em outubro de 2001 a DD e marido EE. Porém, em 17.1.2005 a sociedade referida foi dissolvida e o autor continuou ali a exercer a atividade desenvolvida por aquela.

Em sequência cronológica, a parcela arrendada veio a ser expropriada por despacho de 2 de junho de 2008 e nessa data já os autores na qualidade de representantes de F..., Lda., tinham sido informados pela Câmara Municipal ... (por ofício de 26-7-2007) que havia deliberado requerer a resolução de expropriação, declaração de utilidade pública e autorização de posse administrativa do prédio arrendado. E é em resposta a esta informação que o autor comunica à Câmara Municipal que o interessado é ele e não a sociedade.

Perante esta informação, na tentativa de retificar a indicação do interessado/arrendatário no processo de expropriação, a Câmara diligenciou no sentido de ser substituída a sociedade pelo autor o que foi indeferido porque, depois de no processo ter sido certificada a extinção e obtida informação de não ter havido  cessão da posição contratual relativamente à posição do arrendatário no contrato de arrendamento celebrado com o proprietário, foi decidido que a interessada sociedade não tinha personalidade jurídica nem legitimidade para prosseguir os termos da ação por ter sido extinta antes de iniciado o processo de expropriação e que, quanto aos autores, não tinham também legitimidade para prosseguir os seus termos.

Neste descrito contexto a prova informa que tendo o autor comunicado ao réu CC a situação obteve deste informação de que poderia instaurar contra a Câmara Municipal ... ação para obter indemnização tendo como causa o erro que esta teria cometido na identificação do locatário interessado na expropriação, razão para que (os autores) tenham constituído em 28 de setembro de 2012 seu advogado o referido réu para que propusesse a ação, o que veio a acontecer em 22 de abril de 2014. E nesta ação foi proferida sentença em 15 de dezembro de 2014, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal ... absolvendo a Câmara Municipal ... com fundamento na prescrição do direito dos autores, decisão que foi confirmada em recurso, pelo Tribunal Central Administrativo ....

Partindo desta realidade relevante, o acórdão agora em revista conclui que: se a ação instaurada pelo réu CC improcedeu por ter sido procedente uma exceção de prescrição; se para tal não ocorrer a ação teria de ter sido instaurada até janeiro de 2013 quando o foi no dia 22 de abril de 2014, a omissão do réu é relevante e causalmente adequada à produção de dano porque configura violação elementar do seu dever profissional de diligência. No entanto, decide não ser devida qualquer indemnização por não se ter demonstrado, quanto aos danos, que os autores tiveram uma perda atual e efetiva ou que existisse uma possibilidade favorável, real e séria de procedência da ação proposta pelo réu.

Incidindo o objeto do recurso na discussão da existência destes requisitos que a decisão recorrida considera não estarem verificados e os recorrentes afirmam estar demonstrados, tornamos presente que como decorre do art. 563 do Código Civil, provindo a lesão de um facto ilícito (contratual ou extracontratual), acolhe-se que o facto que atuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação do dano. Todavia, “Não devem assimilar-se os planos do dano e da causalidade com implicação na perspetiva de excluir como dano autónomo a perda de chance nem esta figura deve ser aplicada, subsidiariamente, quando se não provou a existência de nexo de causalidade adequada entre a conduta lesiva por ação ou omissão, e o dano sofrido, já que existe sempre uma álea, seja quando se divisa uma vantagem que se quer alcançar, ou um risco de não conseguir o resultado desejado.” - ac. STJ de 1-7-2014 no proc. 824/06.5TVLSB.L2.S1, in dgsi.pt.

Como refere Paulo Mota Pinto, além da verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil, incluindo a existência do dano e de nexo de causalidade entre o facto lesivo e o dano exige-se, designadamente, para que possa ser arbitrada indemnização nos casos como o descrito nos autos, que a possibilidade, “a chance, a indemnizar seja real e séria. Não basta a constatação da prévia existência, numa qualquer medida, de uma oportunidade ou possibilidade de obtenção de um resultado favorável de uma vantagem pelo lesado, que tenham sido destruídas. É ainda necessário que a concretização da chance se apresente com um grau de probabilidade ou verosimilhança razoável e não com carácter meramente hipotético [...].” - Perda de Chance Processual, Direito Civil, Estudos, pág.799/802. O ganho hipotético (na formulação positiva da perda de oportunidade) comprometido pelo comportamento negligente do agente, configurado pela incerteza da sujeição a um processo, impõe um juízo de probabilidade que contenha mínimos de segurança exigíveis em termos de nexo de causalidade pelo qual a expetativa se revele de todo razoável. Se em razão do comportamento indevido dum mandatário, como referido no caso em decisão, o escrutínio do direito a realizar num processo não se realiza, por não se poder realizar, impõe-se e justifica-se que a análise passe a situar-se no domínio das probabilidades sérias do que não chegou a verificar-se, mas poderia ter-se verificado. Trata-se de comparar a situação real, atual, e uma situação hipotética, igualmente atual, sendo a prognose sobre a evolução hipotética do processo comprometido que irá permitir determinar a certeza relativa do dano.

Em sintonia com Antunes Varela - Obrigações em Geral, Vol. I, 10.ª ed., pág. 894 – “Desde que o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, compreende-se a inversão do sentido normal dos acontecimentos. Já se justifica que o prejuízo recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano. Esta inversão só deixa de ser razoável a partir do momento em que o facto ilícito se pode considerar de todo em todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano registado. Só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excecionais (…) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao agente como causa adequada do dano”

A verificação dos pressupostos gerais da responsabilidade civil que inclui a existência do dano e de um nexo causal entre o facto lesivo e o dano fornece indicações normativas para que a oportunidade comprometida pelo comportamento lesivo (no caso do mandatário forense) só possa ser indemnizável se for consistente e séria apresentando a sua concretização um grau de probabilidade suficientemente seguro a fim de que ao lesante apenas possa ser imposto que responda pelos danos que causou. Porque a verificação do ilícito não contém em si o dano a indemnizar, a possibilidade de indemnização decorrente do dano da perda da probabilidade de discutir com êxito determinado direito depende de ficar demonstrada essa probabilidade, o que remete para  o designado “julgamento dentro do julgamento” que se realizará no processo onde é pedida a indemnização pelo dano de perda oportunidade de forma a apreciar qual seria a decisão hipotética do processo em que foi cometido o ato lesivo (a falta do mandatário). Esta indagação permitirá concluir se a ação comprometida tinha uma suficiente probabilidade de sucesso, se há dano e nexo causal entre o facto ilícito do mandatário e tal dano, adotando a perspetiva do tribunal que teria que decidir o processo e não exatamente o seu prisma de decisão – vd. o ac. STJ de 30/04/2015, rel. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, num caso em que se sinaliza questão jurídica em que, entre o processo e a ação de indemnização houve uma inversão da corrente jurisprudencial dominante .

Sabendo-se que a violação de deveres específicos - voluntária e contratualmente assumidos - dos mandatários forenses, com o argumento da intrínseca incerteza relativa do desfecho dum processo judicial, não pode passar sempre incólume, mas a sua responsabilização tem que respeitar, sem voluntarismos, a segurança jurídica e ser rodeada dos necessários cuidados, não podendo prescindir, como se referiu, da imposição ao lesado do ónus de provar - seja fácil ou difícil - a verificação do dano (a consistência e seriedade da concreta chance processual comprometida), a suficiente probabilidade (no referido limiar mínimo) de obtenção de ganho de causa no processo em que foi cometida a falta pelo mandatário forense, tal determina como se deliberou no STJ  no Acórdão uniformizador n.º 2/2022 - publicado no Diário da República n.º 18/2022, Série I de 2022-01-26 - “O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e seriedade”

No caso em revista, a decisão recorrida, para afastar a existência de danos indemnizáveis decorrentes da probabilidade de obterem ganho de causa, sustenta-se em duas razões que são as contestadas nas conclusões pelos recorrentes:

 - que seria simples e seguro à ré demonstrar na ação intentada pelo autor que, afinal, este teve conhecimento do facto ilícito e dos seus direitos em 2008, pelo que quando foi outorgada a procuração (2013) já há muito tinha decorrido o prazo de prescrição;

- que não tinha garantia de sucesso a demonstração de serem os autores os arrendatários (e sem a existência de um contrato de arrendamento válido não poderiam ser ressarcidos pela expropriação do terreno).

Quanto à primeira razão, a causa de pedir na ação proposta pelo réu, patrocinando os autores, consistia na alegação de a Câmara Municipal ... ter errado na indicação do interessado/arrendatário no processo de expropriação e com tal erro ter impedido o recebimento da indemnização devida no processo de expropriação. 

Resultou provado com interesse a esta questão que quem celebrou o contrato de arrendamento da parcela que veio a ser expropriada foi a sociedade de que o autor era sócio-gerente e não o próprio autor, sociedade que veio a ser dissolvida em 17.1.2005. E se o autor continuou a exercer no local a atividade desenvolvida pela sociedade não resulta de tal circunstância que fique demonstrado (nem sequer tal foi alegado) que o arrendamento se tenha transferido para ele, sabendo-se pelo contrário que de acordo com a lei aplicável à data, o contrato caducou com a extinção da sociedade (não havendo convenção escrita em contrário) - art. 1051 al. d) do CCivil.

É certo que ficou provado que o Município de ... informou os autores em 26-7-2008 na qualidade de representantes de F..., Lda., da resolução de expropriação, da declaração de utilidade pública e da autorização de posse administrativa da parcela arrendada e que o autor respondeu, em 7-11-2008, comunicando que o interessado no processo de expropriação era ele próprio e não a sociedade; e também que com base nesta comunicação a Câmara Municipal foi ao processo de expropriação requerer a retificação do interessado de forma a figurar o autor ao invés da sociedade J..., Limitada. No entanto está provado que tal retificação foi indeferida por o tribunal ter considerado a sociedade sem personalidade jurídica (por estar extinta) e os autores como partes ilegítimas no processo de expropriação por não haverem demonstrado a qualidade de arrendatários (não terem demonstrado ter havido cessão da posição contratual relativamente à posição do arrendatário).

Em regresso à questão de saber se na ação proposta pelo réu em patrocínio dos autores contra o Município de ... esta poderia invocar a prescrição do direito referente à expropriação (para lá da prescrição do direito da ação decidida), julgamos que sendo esse direito distinto do que se pretendia fazer valer na ação que se diz comprometida pela conduta do réu, nenhuma relação entre ambos nesta ação pode ser suscitada. Os autores agem contra o Município de ... alegando ter sido afastados da indemnização a que tinham direito por erro desta, mas o que está em causa na ação é este erro e quanto a ele pode aceitar-se que a alegação dos autores é a de terem aguardado que o Município resolvesse a retificação do indicado arrendatário e só quando tiveram conhecimento de que essa entidade não tinha procedido (conseguido proceder) à retificação, quando lhes foi dado conhecimento do despacho de 25-1-2011, é que podiam imputar-lhe o erro gerador da obrigação de indemnizar. E neste erro e só nele que se consubstancia o direito invocado e só quanto a ele é que se pode reportar a prescrição relevante.

Com este enquadramento não tem fundamento invocar-se que na prognose do êxito do julgamento que seria realizado no âmbito da ação, caso o direito de a propor não tivesse sido julgado prescrito, teria algum sentido para a eventual procedência discutir se os autores tinham direito a indemnização pela expropriação ou não já que o único direito a discutir seria o decorrente do erro apontado ao Município.

Quanto à segunda razão invocada na decisão recorrida, a difícil probabilidade de demonstração de existência de contrato de arrendamento por parte dos autores, como anteriormente notámos, com a dissolução da sociedade o contrato de arrendamento caducou (art. 1051 do al. d) CC) e tal só não aconteceria se resultasse do contrato de arrendamento o contrário ou se ficasse provada a celebração de um novo contrato com os autores. Todavia, não só estes não invocaram que o contrato de arrendamento com a sociedade se transferiu para si com a dissolução porque as cláusulas acordadas com a locadora o permitiam, como nunca alegaram ter sido celebrado um novo contrato de arrendamento com esta, devendo sublinhar-se, por ser bastante significativo, que quando os autores receberam, na qualidade de representantes da sociedade, a informação enviada pela ... da deliberação de ir requerer a resolução de expropriação, o autor respondeu que o interessado era ele próprio e não a sociedade, sem que no entanto tivesse informado que a sociedade estava dissolvida e as razões pelas quais era interessado, sequer declarando que era interessado na qualidade de arrendatário por ter título para isso e apresentando-o. Em contrário o que obteve prova foi que: a senhoria em 14-1-2008 comunicou ao Município de ... que era a firma J..., Lda. a arrendatária, que nessa data já abandonara o local; que em 5-1-2011 a mesma senhoria no processo de expropriação apresentou requerimento declarando que “enquanto proprietária e senhoria do espaço arrendado, nunca foi comunicada, nem esta autorizou, a cessão do arrendamento celebrado com a sociedade F..., Lda, e que sempre foi esta a sua arrendatária tendo sido contra ela que interpôs execução para pagamento das rendas em dívida. Nada há, pois, a alterar ou a ordenar a este propósito nos presentes autos”.

Perante estes elementos, concluindo-se a dificuldade muito maior que teria o autor em demonstrar na ação ser ele o arrendatário do local discutido que a de ter êxito nessa demonstração, devemos ainda acrescentar a análise da alegação dos recorrentes quando afirmam, desconsiderando tudo o que antes se afirmou, que o autor viu reconhecida a sua qualidade de arrendatário da parcela expropriada.

Desde logo, dos factos provados não resulta que sentença alguma tenha decidido ser o autor o arrendatário ou que alguma ação tenha sido proposta e decidida tendo por pretensão que fosse o autor arrendatário da parcela expropriada. Aliás, o que se extrai dos factos provados é que por ser essa questão fundamental à expropriação, o Tribunal Administrativo e Fiscal ... entendeu não ter a sociedade de que o autor tinha sido sócio-gerente, personalidade jurídica e não terem os autores legitimidade para prosseguir os termos da ação, razão pela qual os absolveu da instância. Acresce que o reconhecimento dos autores como arrendatários não é matéria que pudesse ser ou tivesse sido realizada pela Câmara Municipal dependendo antes das vontades do locador e do pretenso locatário, uma vez que a sociedade arrendatária tinha sido extinta. Isto é, não pode pretender-se, como os recorrentes o pretendem, que a qualidade de arrendatário que opõem ao Município de ... possa ser certificado com o reconhecimento desta entidade quando ela é de todo alheia a tal arrendamento por não ser locadora. Os recorrentes confundem o ónus que tinham em alegar e provar o arrendamento com a sua declaração avulsa e sem qualquer suporte ou título de ser ele o locatário, dirigida a quem era estranho ao contrato. E nem mesmo o ter a ... requerido a retificação da indicação do interessado na expropriação com base nessa informação sem ter solicitado qualquer prova, pode aceitar-se como demostração da qualidade de arrendatário até porque redundaria no absurdo de, não sendo ou ter sido o autor alguma vez arrendatário da parcela expropriada e sendo-lhe recusada indemnização no processo de expropriação por o tribunal não ter reconhecido essa qualidade de arrendatário, pudesse pretender vir a obter indemnização da Câmara Municipal e para tal, em vez de alegar que era arrendatário, reclamar que Município por ter acreditado que ele o era, (arrendatário) mesmo não o sendo, lhe deveria pagar indemnização.

Nesta conformidade, tem-se por evidente que os termos sobre a discussão da titularidade do autor sobre o contrato de arrendamento fazem concluir como remota e altamente improvável a demonstração dessa qualidade de arrendatário e como reduzida a possibilidade de que viesse a ser decidida essa existência que era elemento essencial ao sucesso da ação. Assim, confirma-se que os autores não lograram demonstrar a existência de uma possibilidade séria, real e efetiva de virem a obter uma indemnização e, como assim, improcedem na totalidade as conclusões de recurso.

… …

 Síntese conclusiva

-   Apresentadas as alegações e conclusões de recurso sem que o recorrente tenha apresentado o requerimento da respetiva interposição, a rejeição do recurso não é adequada, proporcionada ou razoável o que decorre de o art. 641 nº 2 al. b) do CPC cominar com a rejeição a apresentação do requerimento que não contenha a alegação ou quando esta não tenha conclusões, mas não o contrário;

- A perda de oportunidade ou “perda de chance” de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, traduz-se num dano autónomo desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade tido por suficiente, independente do resultado final frustrado, e aferido, casuisticamente, em função dos indícios provados em cada caso concreto.

- Para fazer operar a responsabilidade civil contratual por perda de chance processual, impõe-se, perante cada hipótese concreta, num primeiro momento, averiguar, da existência, ou não, de uma probabilidade, consistente e séria (ou seja, com elevado índice de probabilidade), de obtenção de uma vantagem ou benefício (o sucesso da ação ou do recurso) não fora a chance perdida, importando, para tanto, fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, atendendo ao que poderia ser considerado como altamente provável pelo tribunal da causa.

… …

  Decisão

Pelo exposto acordam os juízes que compõem este tribunal e, julgar improcedente a revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 17 de fevereiro de 2022

Relator: Cons. Manuel Capelo

1º adjunto: Sr. Juiz Conselheiro Tibério Silva

2º adjunto: Sr.ª Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza