Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7129/18.7T8BRG.G1.S2
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
DOMÍNIO PÚBLICO
AUTARQUIA
MUNICÍPIO
CONCORDATA
DIREITO CANÓNICO
IGREJA CATÓLICA
USUCAPIÃO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
RELIGIÃO
COISA FORA DO COMÉRCIO
COISA DE UTILIDADE PÚBLICA
INTERESSE PÚBLICO
CAMINHO PÚBLICO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. O perfil da ação de reivindicação afere-se pela causa petendi que, em ações desta natureza, decorre do facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do demandante, e nele radicar, o domínio da coisa reivindicada, e pelas pretensões jurídicas deduzidas, quais sejam, o do reconhecimento do direito de propriedade e o da restituição da coisa por outro.

II. Na perspetiva do demandado, caberá ao mesmo invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição do bem, pois, caso não demonstre que tem sobre o prédio outro direito real que justifique a sua posse ou que a possui por virtude de direito pessoal bastante, ou ainda que o bem pertence a terceiro, nada obstará à sua restituição.

III. Sem prejuízo da presunção de propriedade a favor do beneficiário do direito registado, a prova da propriedade não se basta pela demonstração da aquisição derivada da coisa, devendo aquele que reivindica provar uma forma de aquisição originária, verbi gratia, a usucapião. Assim, conquanto a teoria da substanciação consagrada no direito adjetivo civil, a causa de pedir nas ações de reivindicação pode confinar-se ao facto base da presunção legal, donde, ao titular do registo, porque beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido.

IV. Embora não exista lei a enumerar os bens que compõem o domínio público municipal, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aquisição do caracter dominial tanto por via legal, como pela afetação de certo bem à utilidade pública, a qual importa o uso direto e imediato de determinado espaço/prédio para satisfação de interesses relevantes de utilidade pública da população, verificada desde tempos imemoriais.

V. Reconhecida a dominialidade de um prédio, o mesmo não pode ser adquirido por usucapião, outrossim, fica afastada a presunção de propriedade em nome do titular inscrito no registo.

VI. Por força da Concordata de 2004, pertencendo o prédio ao domínio público municipal, e destinando-se tais espaços ao culto católico, está o Estado e demais entidades públicas, obrigados a respeitar esse culto, não podendo demolir, ocupar, sujeitar a obras ou destinar aqueles espaços a outra qualquer finalidade, sem que exista acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e sempre por motivo de urgente necessidade pública, sendo que o exercício do culto em nada contende com a natureza pública do prédio.

Decisão Texto Integral:

   Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO


1. Arquidiocese de Braga, pessoa coletiva de direito canónico, instaurou a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Município de Braga, autarquia local de natureza territorial, pedindo que, sendo julgada procedente a ação, se declare que:
a) A Autora é a exclusiva e legítima dona do prédio denominado “Parque de S. João da Ponte”, situado no Lugar de S. João da Ponte, União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, concelho de Braga, descrito na 2.ª C.R.Predial de Braga sob o n.º 2001/2011.01.25 (anterior descrição predial n.º 19821 no Lº-B-59) e inscrito na matriz sob o art. 2214.º (anterior art. 793.º, que teve origem no pretérito art. 3064º), com a área de 24.000 m2, composto ao centro pela Capela de S. João Batista e respectivo alpendre, e ainda espalhados pelo logradouro da capela, por um cruzeiro, um edifício social, um coreto e um quiosque, alminhas e um lago;
b) É ilícita e abusiva a utilização e parcial ocupação que o Réu faz desse prédio;
c) O Réu está obrigado a abster-se de utilizar, fruir, usar e ocupar esse prédio;
d) O Réu está obrigado a abster-se de perturbar o gozo, fruição, uso e utilização que a Autora vem fazendo e continuará a fazer desse prédio;
e) O Réu está obrigado a restituir à Autora a parte do prédio que ocupou com parque de estacionamento no estado em que se encontrava, livre e devoluto de pessoas e bens.
- se condene o Réu a:
a) A restituir à Autora a identificada parte do prédio ora reivindicado, livre e devoluta de pessoas e bens.
Articulou, com utilidade, que é legítima dona e proprietária do prédio denominado “Parque de S. João da Ponte”, situado no Lugar de S. João da Ponte, União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, concelho de Braga, descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º 2001/20110125 (que corresponde à anterior descrição predial nº 19821 no Lº- B59) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo urbano 2214º (anterior art.º 793º urbano, que teve origem no pretérito art.º 3064.º).
Esse prédio tem a área de 24.000 m2 (área coberta de 729,80 m2 e área descoberta de 23.270,20 m2) e é composto, ao centro, pela Capela de São João Batista e respetivo alpendre, e ainda espalhados pelo logradouro da capela, por um cruzeiro, um edifício social, um coreto e um quiosque, alminhas e um lago.
Este prédio sempre esteve delimitado, desde o início do Estado Novo (1926) com um muro em toda a sua extensão.
O direito de propriedade deste prédio, com a área total de 24.000 m2, está inscrito em nome da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião - Arquidiocese de Braga, na Conservatória do Registo Predial de Braga, desde 7 de fevereiro de 2012.
Desde 13.01.1904 que o direito de propriedade deste prédio se encontrava inscrito na Conservatória do Registo Predial de Braga em nome de Confraria de São João da Ponte, através da apresentação n.º 3 de 1904.01.13, pessoa jurídica de direito canónico extinta por decreto do Arcebispo Primaz de Braga de 13.01.2013.
Por via desse decreto, os respetivos bens integraram-se na Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, pertencente ao Arciprestado de Braga e Arquidiocese de Braga.
Independentemente da presunção decorrente do registo, a verdade é que esse prédio sempre pertenceu e pertence à autora, desde tempos imemoriais, há mais de 30, 40, 50 e mais anos.
A Capela de S. João Batista, situada no aludido prédio foi construída em 1490, dela fazendo parte o respetivo adro circundante (o Parque de S. João da Ponte).
Desde o Séc. XV e até ao Séc. XIX a Igreja Católica foi proprietária dessa Capela de S. João Batista e Parque de S. João da Ponte (adro da capela e zona circundante), tendo os respetivos uso e fruição.
Aliás, o Parque de S. João da Ponte integrava a Quinta da Mitra, que foi no Século XIX e parte do Século XX, o espaço reservado para o Arcebispo de Braga ocupar durante o período das férias estivais.
O Parque de S. João da Ponte e sua Capela de São João esteve inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. Lázaro sob o artigo n.º 793, em nome da Confraria de S. João da Ponte desde 1904 e afeta à Fábrica da Igreja Paroquial de S. José de S. Lázaro. A área envolvente à capela - adro da capela e zona circundante, estava inscrita sob os artigos rústicos nºs 25 (área 9.900 m2) e 27 (área 18.200 m2.), com a área total de 28.100 m2.
Por força da fusão das freguesias de São José de São Lázaro e São João do Souto, foi criada a União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, a partir de 2013, da qual o Parque de S. João da Ponte faz parte integrante, ficando o prédio inscrito na matriz desta União de freguesias.
Assim, por si e por antepossuidores, mercê de válidas e sucessivas transmissões, está a autora, na qualidade de proprietária, na legítima posse e detenção do referido prédio, ininterruptamente e há 10, 15, 20, 30 e mais anos.
Fruindo, administrando e transformando, à vista de todas as pessoas, como se fosse coisa sua, na certeza e convicção de que não lesa direito alheio, e sem oposição ou restrição por parte de quem quer que seja.
A Autora vem pagando taxas e impostos relativamente ao mencionado prédio, e requereu isenção de IMI à Autoridade Tributária, invocando a Concordata.
A demandante paga a energia elétrica e a água que consome no aludido prédio, e para lá requisitou os contadores de água e energia elétrica.
Desde tempos imemoriais a Capela de São Batista e sua zona envolvente vem sendo utilizada pela Igreja Católica, para o culto religioso designadamente para o culto católico. O que sucedia semanalmente, ano após ano e nas festas católicas.
Desde então e até hoje, os sacerdotes e os fiéis católicos continuam a utilizar essa Capela de São João, o adro e zona envolvente do parque para o culto religioso católico.
Desde há décadas, designadamente desde 1943, a autora vem efetuando obras de manutenção e conservação do prédio, suportando os inerentes encargos.
Além disso, a autora efetuou o pagamento de remoção de árvores, recebeu o produto proveniente da venda da madeira resultante do abate das árvores ali existentes. E procedeu a cortes e à poda de árvores circundantes à capela.
Há alguns anos, a autora chegou a determinar o encerramento da feira à volta da Capela e colocou um funcionário a vigiar o local.
Em 2001 o pároco de Santo Adrião, na qualidade de proprietário do prédio, solicitou à Câmara Municipal de Braga a colaboração a título gratuito no arranjo da parte exterior do Parque de S. João da Ponte e que procedesse à poda da copa de algumas árvores (tílias) implantadas na zona envolvente da capela (adro).
A Câmara Municipal de Braga encarregou uma equipa de técnicos para proceder à poda dessas árvores, a pedido desse pároco da paróquia de Santo Adrião.
No entanto, como esses técnicos em vez de podarem as árvores procederam ao seu abate, o pároco de Santo Adrião apresentou queixa e protestou junto do Presidente da Câmara Municipal, o qual veio a determinar a abertura de um processo de inquérito, o qual terminou com um despacho de instauração de processo disciplinar contra o funcionário camarário responsável pelo abate das árvores.
O pároco de Santo Adrião procedeu ainda à venda, a um madeireiro, da madeira dessas árvores abatidas, e que estavam implantadas na zona envolvente da Capela de S. João Batista (adro) no prédio da autora.
Entretanto, há cerca de 10 anos, um ramo de uma árvore implantada na zona envolvente da capela caiu sobre um veículo de um transeunte, que a autora teve que indemnizar, porque o Município de Braga lhe remeteu a responsabilidade pelo pagamento de prejuízos causados pela queda dessa árvore.
Em 2016 o Arciprestre da Igreja Ortodoxa em Portugal solicitou à autora a edificação de um monumento aos mortos que veio a ser construído no Parque de S. João da Ponte, por autorização da autora.
Em 21.02.2014 a autora e a “APS – Associação Portuguesa de SNAG” celebraram contrato de comodato ou de concessão de utilização do ajuizado prédio, por dois anos, para desenvolver no prédio atividades desportivas.
Sucede que no dia 13.04.2018 o Município de Braga procedeu a ocupação de parte do prédio do Parque de S. João da Ponte, na zona envolvente à Capela de S. João Batista (adro).
E, nas traseiras do monumento ao 25 de Abril e no acesso à Capela de S. João Baptista, instalou um barracão, onde manteve durante o dia um guarda, como vigilante das viaturas que pretendem estacionar no Parque.
Aliás, o réu instalara em parte do Parque de S. João da Ponte um parque de estacionamento para o público, delimitando-o fisicamente do resto do prédio da autora. O que fez, usando e utilizando o prédio da autora, além de ter colocado uma nova rede de vedação nesse parque de estacionamento.
Já em 9.08.2011 o Município de Braga iniciou a realização de obras de requalificação, designadamente, dos pavimentos e espaços verdes, no “Parque de S. João da Ponte”. E. no dia 11.8.2011, o réu aplicara vedação em malha sol escorada por traves de madeira, de modo a cercar parte da zona do “Parque de S. João da Ponte”, limitando o seu acesso através de porta com fechadura. E colocara máquinas no local e, pelo menos, um contentor de obras no mesmo espaço.
O que obrigou a Arquidiocese de Braga a interpor uma providência cautelar de embargo de obra nova contra o Município de Braga, que correu termos sob o n.º 5393/11.1TBBRG pelo 3.º Juízo Cível de Braga em 9.08.2011.

2. Regularmente citado, o Réu apresentou contestação, alegando, em síntese, que desde pelo menos os inícios de 1800 que o Parque de S. João da Ponte (doravante apenas Parque) constituía um espaço de livre acesso ao público, sem restrições, e era mantido, conservado e cuidado exclusivamente pela Câmara Municipal de Braga.
Naquele período pelo Parque passava a estrada que ligava Braga a Guimarães, sendo que ainda existiam duas pontes que faziam a travessia do Rio Este, uma delas (a mais pequena) entretanto desaparecida.
Era a Câmara Municipal de Braga quem fazia a limpeza do local, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, a colocação de passeios, etc., tudo para o melhor usufruto possível do público, que ali acedia indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que fosse.
O Parque sempre esteve separado da Quinta da Mitra, não sendo nem nunca tendo sido sua parte integrante.
Em 24.05.1839 a ré aprovou um pedido da Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que então administrava a Capela de São João da Ponte), no qual esta solicitava autorização para criar um adro em frente à capela e aí colocar arbustos, assumindo ainda que seria sempre mantido um uso público no acesso ao local.
Em diversas deliberações camarárias, mormente as exaradas nas actas de 27.03.1840, de 19.04.1865 e de 04.07.1865, constam decisões sobre o dito parque.
Do extrato do levantamento topográfico de 1883/1884 (doc. n.º 8, desenho n.º 27, retirado do livro de análise da “Planta Topográfica da Cidade de Braga de Francisque Goullard”, da autoria de Miguel Sopas de Melo Bandeira), conjugado com a demais documentação resulta, por um lado, que o réu já se ocupava da conservação e gestão do espaço e, por outro lado, que o mesmo apresentava uma natureza pública, sem delimitação alguma e integrando vias de trânsito, passeios e pontes. E que a população acedia livremente ao espaço, por ali circulando sem pedir autorização a quem quer que fosse, designadamente à autora.
Já no século XX a situação manteve-se inalterada, continuando o Parque a ser de uso e fruição pública e o réu a geri-lo, mantê-lo e conservá-lo.
E tal resulta de diversas deliberações tomadas em reunião da Câmara Municipal, como resulta das atas de 20.10.1910, de 27.10.1910, de 09.02.1911, de 03.08.1911, de 28.09.1911, sendo que das três últimas resulta a vontade do réu em aceder à Quinta da Mitra, para implantar um horto e campos de jogos desportivos (como se veio a fazer).
Com a publicação da lei de separação do Estado da Igreja (21.04.1911) a Quinta da Mitra é declarada propriedade do Estado, nos termos de inventário de 04.12.1911 (doc. n.º 19).
A sua inclusão no referido inventário constitui a verba n.º 40, e na descrição das suas confrontações diz-se: “Confrontando pelo nascente com o parque de S. João…”
Nos anos seguintes o Parque continuou a ser de uso e fruição pública, ali se fazendo as romarias do S. João e feiras de gado, onde todos acediam.
Em agosto de 1911 foi concedido ao réu o arrendamento da Quinta da Mitra, mediante o pagamento da renda anual de 150 escudos (doc. n.º 27), sendo que por ofício de outubro de 1911 solicitou o réu a redução da renda para 100 escudos. Posteriormente, já em março de 1917, o réu requereu ao Estado a venda da Quinta da Mitra, para ali construir campos para jogos, fazer viveiros e ampliar o parque.
A Quinta da Mitra foi alienada ao Réu em 27.11.1919 e também aqui se indica como uma das suas confrontações o “Parque de S. João da Ponte”.
Nos anos seguintes a 1911 produziram-se diversas deliberações do réu relativas ao Parque, atestando a sua natureza pública e as obras ali executadas, mormente as exaradas nas atas de 11.08.1916, de 08.09.1916, de 07.01.1921, de 26.08.1921, 09.11.1921, 10.08.1923, de 30.08.1926, de 08.10.1928, de 07.07.1938, e demonstrando ainda que foi o réu quem sempre procedeu à conservação e gestão do Parque, praticando todos os atos necessários a este fim, destacando-se, entre outros, a eletrificação do Parque em 1926, paga pelo Réu.
Em 20.04.1946 retorna à Igreja uma parte significativa da Quinta da Mitra, como resulta do doc. n.º 87 junto com a petição, todavia, na listagem dos prédios devolvidos não consta o Parque, nem nenhum terreno com a sua descrição, mas antes uma bouça de mato com carvalhos e sobreiros e dois terrenos de mato.
De facto, nem a totalidade da Quinta da Mitra foi entregue à autora, pois a parte que, entretanto, fora ocupada não era devolvida, por imposição legal, e o que foi entregue à autora foram os montados da Quinta Mitra, como resulta claro de acta da reunião da Câmara Municipal de 11.04.1946.
Nos anos seguintes a 1946 e até aos dias de hoje o réu continuou a gerir, a cuidar e a conservar o Parque, que manteve a sua natureza de espaço de uso público, ao qual toda a população acedia livremente.
Na reunião da Câmara Municipal de 09.08.1951, deliberou-se sobre a expropriação de umas casas implantadas no limite do Parque com a via pública, propriedade de privados. E na reunião da Câmara Municipal de 25.04.1963, deliberou-se a adjudicação de uma obra de vedação do Parque.
E assim sempre tem atuado o réu até aos dias de hoje, procedendo à limpeza e conservação de todo o Parque, podando as árvores, executando arranjos urbanísticos, organizando a festa de S. João e nesse contexto emitindo as respetivas licenças aos comerciantes, tudo gastos suportados pelo erário municipal.
Neste enquadramento todas as pessoas, sem restrições, acedem ao Parque, nele passeando, merendando, praticando desporto, etc.
O Parque da Ponte, como assim é conhecido pelos bracarenses, constitui, por conseguinte, um espaço afeto ao público, que visa uma utilização generalizada ao serviço da coletividade, designadamente para festividades, lazer e desporto.
Em reconvenção alega ainda que o Parque de S. João da Ponte constitui domínio público do Município de Braga, por sempre ter estado acessível aos munícipes de Braga e a todos os que visitam a cidade, de forma pública, pacífica e contínua, ao longo de mais de 100 anos, por sempre ter sido mantido, cuidado, conservado e gerido pelo réu e a suas expensas, e que visa interesses exclusivamente coletivos de significativa importância.
Deve, em consequência, a Autora ser condenada a reconhecer a dominialidade pública do Parque de S. João da Ponte, com o consequente cancelamento da inscrição e da descrição constantes do art.º 1º da petição.

3. A Autora replicou alegando que o pedido reconvencional deve ser julgado improcedente, mantendo que o prédio em litígio lhe pertence através da Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, outrossim, independentemente da presunção do registo, esse prédio sempre lhe pertenceu desde tempos imemoriais.

4. Por despacho de 3 de Junho de 2019 a Mm.ª Juíza do Juízo local cível de Braga - Juiz 1, fixou o valor da ação em €109.210,00, e remeteu os autos ao Juízo central cível de Braga, por ser o competente, em razão do valor, para a preparação e para o julgamento do processo.

5. A 11 de setembro de 2019 foi proferido despacho saneador a definir o objeto do litígio, bem como a enunciar os temas da prova.

6. Calendarizada e realizada a audiência final, foi proferida sentença em cujo dispositivo se consignou: “Pelo exposto, o Tribunal decide:
- julgar improcedente a acção e, em consequência, absolve-se a ré de todos os pedidos formulados contra si;
- julgar procedente a reconvenção e, em consequência, condena-se a autora a reconhecer que o Parque de S. João da Ponte integra o domínio público do Município de Braga;
- ordenar que a Conservatória do Registo Predial de Braga proceda ao cancelamento da descrição n.º 2001/2011.01.25 e que o Serviço de Finanças de Braga 1 proceda ao cancelamento da matriz urbana inscrita como o n.º 2224 da União de Freguesias de Braga (São José de São Lázaro e São João do Souto).”

7. Inconformada com a sentença proferida, apelou a Autora/Arquidiocese de Braga, tendo a Relação conhecido do interposto recurso, proferindo acórdão em cujo dispositivo foi enunciado: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta sentença recorrida.”

8. Novamente irresignada, a Autora/Arquidiocese de Braga interpôs revista, em termos gerais, e, subsidiariamente, em termos excecionais, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil.

9. Conhecido o interposto recurso, este Tribunal ad quem concluiu no segmento decisório do respetivo acórdão: “Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar procedente a revista interposta, em termos gerais, e, consequentemente:

a) Determinar a reapreciação da matéria de facto rejeitada, concretamente, a decisão de facto atinente aos pontos 1. a 10. dos factos não provados e pontos 62. a 92. dos factos provados, pelos mesmos juízes que elaboraram o acórdão recorrido, se for possível;

b) Determinar que a Relação verifique se o resultado dessa reapreciação implica a alteração dos outros pontos do acórdão, procedendo às alterações que entender.

c) Custas a cargo da parte vencida, a final.”

10. Notificados do acórdão, o Recorrido/Réu/Município de Braga arguiu a nulidade do acórdão, sendo que este Tribunal ad quem conheceu, em Conferência, das invocadas nulidades, julgando-as improcedentes, mantendo-se, na íntegra, o acórdão proferido.

11. Remetidos os autos ao Tribunal recorrido, foi dado cumprimento ao determinado por este Tribunal ad quem, proferindo novo acórdão, em cujo dispositivo se enunciou: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negam provimento à apelação e confirmam a douta sentença recorrida.”

12. Novamente irresignada, a Autora/Arquidiocese de Braga interpôs revista, em termos excecionais, agora ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 672º do Código de Processo Civil, aduzindo as seguintes conclusões:

“1.º Tem inegável interesse do ponto de vista jurídico a apreciação da questão aqui em causa, tendo em devida conta a clarificação da vexata quaestio da titularidade do prédio referido no ponto n.º 1 da matéria dada como provada.

A ter razão a recorrente, como assim espera, torna-se claro que uma capela e a parte envolvente (adro) é um prédio urbano e ex rerum natura indivisível;

2.º Outrossim, a questão tem enorme interesse social, ou não haja inúmeras questões à espera de solução, em todo o País com situações perfeitamente iguais à aqui trazida à consideração de Vossas excelências;

3.º Deve, pois, a Formação admitir o recurso de revista a título excepcional, pois estão perfeitamente verificados os requisitos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1, do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

4.º O prédio denominado “Parque de São João da Ponte”, situado no Largo de S. João da Ponte, União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, concelho de Braga, está inscrito numa única matriz, sob o artigo urbano n.º 3064.º;

5.º Igualmente, como prédio uno e indivisível, está descrito na Conservatória do Registo Predial de Braga, onde também a aquisição a favor da A. também está inscrita a favor da A., aqui recorrente.

5.º A aquisição do mencionado prédio, composto por capela e envolventes (adro) esta inscrita na mesma Conservatório a favor da A., aqui recorrente.

6.º Prova evidente da natureza do prédio: uno e indivisível – é assim que a Autoridade Tributária o considera, é assim que está descrito na Conservatória do Registo Predial.

Se assim não fosse, certamente que tanto a inscrição matricial como a descrição predial e respectiva aquisição não o consideravam dessa forma.

O que, como se demonstrou na alegação, não pode ser de outro modo: se a capela não tivesse o adro (partes envolventes) não podia ser considerada capela: a alteração da sua substância, a diminuição do valor e/ou o prejuízo para o seu uso, requisitos estes exigidos pelo artigo 209.º do Código Civil, impõem que só se possa falar (do ponto de vista jurídico) de um único prédio.

7.º É público e notório que a capela sem adro não é capela, como verdade é que adro é um nihil jurídico sem capela.

8.º Os factos notórios não carecem de prova nem de alegação e são de conhecimento do Tribunal. De qualquer tribunal, incluindo o Supremo Tribunal de Justiça.

Di-lo de forma bem claro o ilustre processualista citado nas alegações.

9.º A A., ora recorrente, é a possuidora do mencionado prédio; como tal a lei presume que a titularidade sobre o mesmo é sua, ex vi artigo 1268.º, n.º 1, do Código Civil.

10.º Ademais, por força dessa sua qualidade de possuidora, desde tempos imemoriais e até ao presente, de forma pacífica e pública, sempre o prédio teria de pertencer à A., ora recorrente, por força do instituto da usucapião (artigos 1261.º, 1262.º, 1287.º, 1288.º e 1296.º do Código Civil.

11.º Este era o caminho certo que as instâncias deveriam ter percorrido: julgar, em primeiro lugar, o pedido principal e, só depois, apreciar o pedido reconvencional.

Mas as instâncias, ao acolherem a tese do R., recorrido, não só erraram na metodologia da apreciação dos pedidos, como, pior ainda, partiram da norma para os factos: só assim se compreende que o pedido reconvencional tenha sido reconhecido em detrimento do pedido principal.

12.º Até aqui, foi preocupação da A., recorrente, demonstrar a sua razão.

Cabe-lhe, agora, a oportunidade de desfazer, ponto por ponto, a tese que o R. apresentou.

13.º À guisa de mero obiter dictum, sempre se dirá, sem qualquer intenção de convocar o instituto da má-fé, mas apenas por mero amor à VERDADE, que o R., aqui recorrido começou por defender a tese de que as partes envolventes pertenciam ao seu património privado (procedimento cautelar), para acabar por expressar que o mesmo é de domínio público!

14.º No que tange à tese inicial, importa apenas dizer que o R., ora recorrido, nem ilidiu as presunções derivadas do animus possidendi, nem da titularidade da posse e muito menos da relativa à inscrição de aquisição no registo predial (artigo 7.º do CRP).

15.º Mas por que a A., ora recorrente tem o dever cooperação (artigo 7.º do Código de Processo Civil), passará a demonstrar a Vossas Excelências que, nunca por nunca, estamos perante um caso de dominialidade pública.

16.º Referem os pontos n.º 18, 19, 20, 21, 22 dos factos provados que, desde tempos imemoriais (desde a sua fundação em 1616), a Capela de São Baptista vem sendo utilizada pela Igreja Católica, para o culto, o que é suficiente para provar que esta é proprietária do prédio urbano composto por Capela e tudo o mais envolvente.

17.º O mero uso directo e imediato do público, ainda que exercido desde tempos imemoriais, não é suficiente para determinar o ingresso do bem no domínio público, pois seria ainda necessário demonstrar/provar no caso concreto que essa utilização corresponde a um interesse público de relevância apreciável, o que não sucedeu.

18.º Tal como seria indispensável identificar qual é esse interesse público subjacente e demonstrar a relevância do mesmo. A ausência de tal prova impede a qualificação do bem como de domínio público.

19.º O prédio reivindicado foi confiscado em 1910 pela Lei de Separação do Estado e da Igreja e devolvido e entregue á Autora, por via da aplicação e efeito directo do artigo 6.º da Concordata de 1940 e do artigo 44.º do Decreto-Lei nº 30.615, de 25.07.1940, sem necessidade, portanto, de qualquer formalidade ou auto de entrega.

20.º O acórdão impugnado, coonestando o julgado em 1.ª instância, violou o artigo 6.º da Concordata de 1940 e o artigo 44.º do Decreto-Lei nº 30.615, de 25.07.1940, e o artigo 8.º n.º 1 e 2, da Constituição.

21.º O R. não invocou a divisibilidade ou divisão do prédio, pelo que o direito de propriedade, por força do instituto da usucapião, e da presunção de registo, consolidou-se em relação ao todo, como já exposto.

22.º Os factos provados não demonstram que o ajuizado prédio possa integrar o domínio público e pelo contrário demonstram que é do domínio privado da Igreja Católica, Recorrente.

23.º Era impossível (do ponto de vista jurídico) que, antes de 1904, o ajuizado prédio fosse do domínio público porque, nessa data, o domínio directo e a enfiteuse incidiam sobre o prédio, como o certifica a certidão da CRP junta em audiência com inscrição dessa enfiteuse sob o número 19.821.

24.º O prédio nunca integrou nem poderia integrar o domínio público, porque constando o prédio do registo predial em 1904 e tendo como titular inscrito a Confraria de S. João, não poderia existir domínio público sobre o prédio, porque o registo predial incide apenas sobre domínio privado e publicita os direitos para efeito de comércio jurídico.

25.º Tendo o prédio sido confiscado e reingressado no património privado do Estado por via da Lei da Separação do Estado e das Igrejas, em 1910, e da Concordata de 1940, tais confisco e reingresso são incompatíveis com o domínio público.

26.º A Concordata de 2004, no seu artigo 24.º, n.º 1, dispõe que nenhum templo, edifício, dependência ou objecto afecto ao culto católico pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, a não ser mediante acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e por motivo de urgente necessidade pública, o que é contrariado pelo acórdão recorrido.

27.º A Concordata vigora na ordem interna portuguesa e, como tratado internacional, o qual tem primazia sobre o direito interno, nos termos dos artigos 8.º e 41.º, n.º 4, da Constituição da República e o Código de Direito Canónico refere nos Cânones 1214 e 1221 que as igrejas e os templos destinados ao culto são de livre e gratuito acesso aos quais os fiéis têm o direito de acesso para exercerem, sobretudo publicamente, o culto divino.

28.º O ajuizado prédio está afecto pela Igreja Católica à fruição do público que são os fiéis (comunidade dos fiéis), o que não afecta a sua dominialidade privada (cfr. Cânones 1214 e segs e 1230 e segs. do Código de Direito Canónico).

29.º Sendo certo que não só os templos, mas também o espaço adjacente aos mesmos, ao ar livre são bens imóveis destinados a culto, assim reconhecidos e protegidos pela Concordata.

30.º Ora esta fruição pelo público (comunidade de fiéis) do local de culto decorre dos factos provados pela decisão impugnada nos pontos 11, 18, 19, 20, 21, 59, 60, 61 dos factos provados pelo acórdão recorrido.

31.º Se a Capela de S. João Batista, foi construída no ano de 1616 (início da obra 1615) desde tempos imemoriais integra o património da Recorrente - factos provados 1, 2, 3, 4, 5, 6, 11, 59, 60, 61 - e faz parte do prédio descrito na 2ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º 2001/2011.01.25 (que corresponde à descrição em livro n.º 19821, no Livro n.º B59) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo urbano 3064.º (anterior art.º 793.º urbano) (facto 1 e 2 dos factos provados), consequentemente o referido prédio está na posse da Recorrente e tem que necessariamente que lhe pertencer.

32.º Uma vez que, à míngua de contrato, regulamento ou acto administrativo que determinem a afectação jurídica ou tácita do Parque de S. João da Ponte ao alegado domínio público, o acórdão recorrido decide esta questão, mediante a proclamada afectação fáctica do ajuizado prédio.

33.º Não existe previsão legal prévia que permita afirmar-se que o reivindicado prédio integre o domínio público nem tal facto vem alegado pelo Réu.

34.º Não existe provada a concreta e definida utilidade pública e satisfação de interesse colectivo que permitisse reconhecer domínio público sobre o reivindicado prédio, nem a sua satisfação para relevantes interesses comuns.

35.º Tal nem sequer foi alegado pelo R., ora recorrido, qualquer facto que permita discernir qual seja a utilidade colectiva do qual se possa permita extrair a conclusão que o reivindicado prédio seja do domínio público.

36.º Não foi alegado (e, portanto, não foi provado) pelo R. (e, consequentemente, não está provado) qualquer facto que permita discernir qual seja a qual a afectação pública do prédio nem quais os relevantes interesses comuns que visaria satisfazer esse domínio público.

37.º Não vem alegado nem provado pelo Réu qual seja a concreta utilidade colectiva que permita extrair a conclusão que o reivindicado prédio seja do domínio público.

38.º Está provado que pelo menos desde 1904 o prédio reivindicado está descrito na Conservatória do Registo Predial como prédio do domínio privado da Igreja Católica.

39.º O acórdão recorrido violou as seguintes normas: - os artigos 6.º, 24.º da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, (publicada no Diário do Governo, I.ª série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940, artigo 44.º do Decreto-Lei n.º Decreto-Lei n.º 30615, de 25 de Julho DE 1940, artigo 8.º, n.º 2.º, da Constituição, e, ainda, os artigos 204º, n.º 1 e n.º 2 e 209. º do Código Civil, e os artigos 412.º, n.º 1, e 7.º do Código de Registo Predial, e artigos 697.º, n.º 4 e 5 do Código de Processo Civil.

Nestes termos e com o Douto suprimento do omitido deve ser concedido provimento à Revista excepcional, revogando-se o acórdão recorrido, procedendo a acção e improcedendo a reconvenção, assim se fazendo JUSTIÇA!”

13. O Recorrido/Réu/Município de Braga apresentou contra-alegações, rematando com as seguintes conclusões:

“1ª Decorre do artigo 639º/nº 1 do CPC que o recurso se encontra balizado pelas conclusões, tal como a jurisprudência e a doutrina vêm reiteradamente confirmando; no entanto, nas suas alegações de recurso a Recorrente veicula, essencialmente a sua posição jurídica sobre o tema (o que não é o mesmo que atacar os putativos vícios do acórdão), e as conclusões, além de não abordarem alguns aspectos, também acabam por seguir a mesma lógica.

2ª Considera o Recorrido que não se justifica o pedido de revista excepcional, pois quanto à alegada relevância jurídica da questão a Recorrente não vai além do caso concreto e não invoca argumentos que sustentem uma melhor aplicação do Direito.

3ªA Recorrente entende que todas as questões suscitadas nos autos a propósito do “thema decidendum” são juridicamente relevantes, o que não se pode aceitar por a revista só poder ser admitida nas especiais circunstâncias legalmente definidas e para determinadas matérias.

4ª A questão de saber se o prédio pertence ou não à Recorrente é concreta e a questão da dominialidade pública de determinado terreno por uso directo e imediato pela população, desde tempos imemoriais, tem merecido uma jurisprudência reiterada e uniforme por parte dos tribunais, tendo o acórdão recorrido seguido a mesma tese e a págs. 87 a 99 a temática é bem explicada.

5ª As duas instâncias decidiram a questão jurídica como sempre se tem decidido questão semelhante (sendo certo que a Relação já se pronunciou duas vezes sobre a questão) e a existência de dupla conforme (aqui é “tripla conforme”) não pode ser destruída apenas com a exigência de regulação do caso concreto, razão pela qual não se vislumbra qualquer especialidade que justifique a revista.

6ª No que concerne ao requisito da relevância social para admissibilidade da revista a Recorrente não invoca argumentos que justifiquem a sua admissão e não se detecta, sequer, relevância social ou interesse para a população na resolução da questão dos autos.

7ª À matéria de facto fixada o acórdão recorrido aplicou correctamente o Direito (tal como a 1ª instância), motivo pelo qual não é de censurar o decidido e se remete para o acórdão recorrido, que faz uma exaustiva análise e interpretação das normas legais aplicáveis.

8ª Nas conclusões a Recorrente faz incidir a revista excepcional sobre a capela, a presunção derivada do registo, a posse do prédio e a presunção de posse, a violação do artigo 6º da Concordata de 1940, a usucapião e o domínio público e fruição pública.

9ª A alegação da Recorrente de que é facto público e notório que a capela integra o domínio privado da Igreja Católica não pode colher quer porque tal não ficou provado (cfr. factos não provados 1 a 6), quer porque a presunção de registo de propriedade que invoca em seu favor não existe (o titular inscrito é uma pessoa jurídica diversa, dotada de personalidade jurídica e judiciária – a Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião – cfr. facto provado 1).

10ª Não foi provado que a capela é propriedade da Recorrente (mas antes que é por si utilizada) e a Recorrente nem explicou nem demonstrou que a capela é sua propriedade, pois não juntou nenhum documento que comprovasse a sua propriedade (para lá do registo, naturalmente), nem nenhuma testemunha abordou este tema e mesmo no pedido de ocupação de terreno público datado de 1839 (facto provado 69) a entidade requerente não se arroga proprietária da capela (antes se assumindo como mera utilizadora da mesma) e reconhece a natureza pública do terreno e compromete-se a respeitá-la.

11ª O acórdão recorrido analisa correctamente a questão da capela e não merece censura, pelo que se remete para o escrito nas págs. 98 e 99 do acórdão.

12ª Como resulta dos factos provados 32 a 39 e 62 a 92 desde os inícios de 1800 que o Parque da Ponte constituía domínio público do Município de Braga, o que é suficiente para afastar a presunção de registo de que beneficiava a Recorrente e que apresentava as seguintes “dificuldades”:

- o registo que foi invalidado pela sentença e confirmado pelo acórdão recorrido está em nome da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião, pessoa colectiva com personalidade jurídica distinta da Recorrente;

- supostamente a Confraria de São João da Ponte acede em 1904 à propriedade de uma capela, mas o registo não menciona quaisquer áreas;

- o averbamento da área de 24.000m2 ao prédio em causa é efectuado em 06.12.2012 (cfr. facto provado 1), na pendência da providência cautelar a que se alude no facto provado 37.

13ª Como bem se explica no acórdão recorrido, o Recorrido, de forma abundante e consistente, por meio de diversa prova (documental e testemunhal), demonstrou a dominialidade pública do Parque da Ponte, sendo que a consequência lógica é o fim da presunção.

14ª Decorre cristalinamente dos factos provados 32 a 39 e 62 a 92 que a Recorrente nunca teve a posse do prédio e a sua tese é expressamente contrariada pelos seus próprios documentos e levanta ainda mais dúvidas sobre a fiabilidade do registo de propriedade lavrado (pela primeira vez) em 1904, motivo pelo qual o acórdão recorrido decidiu bem quanto à questão da posse do prédio e da presunção de posse.

15ª A Recorrente insiste na tese de que os 24.000m2 de terreno que constituem o Parque da Ponte são o adro da pequena capela que lá se encontra, tendo o acórdão recorrido explicado claramente que não se provou que alguma vez o Parque da Ponte tivesse integrado a Quinta da Mitra (cfr. factos provados 57 e 58) e que se provou que no elenco dos bens devolvidos à Igreja Católica não constava o Parque da Ponte (isto para a hipótese de integrar a Quinta da Mitra).

16ª Tendo presente a factualidade provada e o que o acórdão decidiu (o reconhecimento de que o Parque da Ponte integra o domínio público do Município de Braga), não se mostra violado o artigo 6º da Concordata de 1940.

17ª Quanto à invocação da usucapião importa recordar que no pedido formulado na sua petição inicial (alínea a) a Recorrente invocou o direito de propriedade decorrente da aquisição derivada e não da aquisição originária, pelo que não pode agora suscitar questão nova em sede de recurso (de todo o modo tratando-se de domínio público a usucapião não tem aplicação).

18ª O acórdão recorrido analisa de forma exaustiva a diferença entre fruição pública e domínio público, aplicando o Direito aos factos provados, essencialmente os 62 a 67, 69 a 74, 78, 79, 84, 87 e 90 a 92 e que atestam bem, sem margem para dúvidas, a dominialidade pública do local e a existência de um interesse público relevante no que concerne à afectação do espaço.

19ª Ao contrário do alegado nas conclusões 36ª e 37ª, o Recorrido alegou - e as instâncias deram por provado - qual o uso público do espaço, tendo o acórdão recorrido analisado, nas páginas 86 a 97, profundamente esta questão e mencionado os diversos factos provados que inquestionavelmente descrevem qual a concreta utilidade do parque para a colectividade.

20ª O acórdão recorrido não merece censura.

TERMOS EM QUE deve o recurso interposto ser julgado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido.

14. Foi ordenada a remessa dos autos à Formação, para o conhecimento dos arrogados pressupostos que justificasse, ou não, a pretendida revista excecional.

15. A Formação admitiu a revista em termos excecionais.

16. Do acórdão proferido pela Formação, foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional que não admitiu o recurso.

17. Foram remetidos os autos aos vistos.

18. Cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II. 1. A questão a resolver decorrente da revista, recortada das alegações da Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga, consiste em saber se:

(1) O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a demanda, e procedente a reconvenção, condenando-se a Autora a reconhecer que o Parque de S. João da Ponte integra o domínio público do Município de Braga, com consequentes cancelamentos da descrição predial n.º 2001/2011.01.25, por parte da Conservatória do Registo Predial de Braga, e da matriz urbana n.º 2224 da União de Freguesias de Braga (São José de São Lázaro e São João do Souto), por parte do Serviço de Finanças Braga, na medida em que, contrariamente ao sentenciado, e de acordo com a facticidade adquirida processualmente, impõe-se o reconhecimento da pretensão deduzida nestes autos, outrossim, deve ser declinado o pedido reconvencional deduzido?

II. 2. Da Matéria de Facto

Factos provados:

“1. O prédio denominado “Parque de São João da Ponte”, situado no Largo de S. João da Ponte, União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º 2001/2011.01.25 (que corresponde à descrição em livro n.º 19821, no Livro n.º B59) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo urbano 3064.º (anterior art.º 793.º urbano), dele constando como causa da aquisição partilha judicial, como sujeito ativo a Confraria de S. João da Ponte, sujeito passivo Sebastião Pinto Leite, e aquisição a favor do sujeito ativo nos termos do DL nº. 195-A/1976 de 16 de março, 4º suplemento, artº. 1º, nº. 2, passa a estar registado em nome da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião, por transmissão de posição/transferência de património desde 06/02/2012 (Ap. 1665).

2. O aludido prédio mostra-se descrito com a área de 24.000 m2 (área coberta de 281 m2 e área descoberta de 23.719 m2), e com a seguinte composição e confrontações “composto, ao centro pela Capela de São João Batista e respectivo alpendre, detendo ainda, espalhados pelo logradouro da capela, um cruzeiro, um edifício social, um coreto e um quiosque alminhas e um lago, a confrontar do norte com Av. Pires Gonçalves, do sul com EN 101, do nascente com Av. da Liberdade e do poente com Parque da Ponte/Município de Braga”.

3. Estes edifícios passaram a constar da matriz predial urbana sob o art. 2214.º, após a agregação das freguesias de São José de São Lázaro e São João do Souto, ocorrida em 2013.

4. A área do prédio constante na descrição predial e na matriz foi rectificada após medição feita a pedido da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião.

5. A anterior descrição predial n.º 19821 no L.º B-59 da 2.ª Conservatória de Registo Predial de Braga correspondia a “O Jardim de São João da Ponte, prédio rústico, situado no largo do mesmo nome, freguesia de São Lázaro e consta de jardim cercado por paredes tendo ao centro a Capela de São João Baptista e ao poente um lago com uma cascata, confronta do Norte com António Roberto de Araújo Queirós, do Sul com Luiz Martins da Costa, do Nascente com Calçada Largo São João da Ponte e Poente com Luiz Martins da Costa.””.

6. A “Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião” é uma pessoa colectiva canonicamente erecta nos termos do disposto no Código de Direito Canónico e integra a jurisdição eclesiástica da Arquiodiocese de Braga.

7. A Confraria de São João da Ponte era uma pessoa jurídica de direito canónico juridicamente erecta, que foi extinta por decreto do Arcebispo Primaz de Braga datado de 23 de Janeiro de 2012.

8. Por via desse decreto, os respectivos bens integraram-se na Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, pertencente ao Arciprestado de Braga e Arquidiocese de Braga.

9. A Paróquia de Santo Adrião foi criada e constituída canonicamente por Decreto do Arcebispo Primaz de Braga datado de 29 de Dezembro de 1983.

10. Ademais, por acta datada de 11.01.2012 dessa Confraria de São João da Ponte, o aludido prédio passou a integrar a Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, apesar de espacialmente implantado na freguesia de São José de São Lázaro.

11. A Capela de S. João Batista, situada no aludido prédio foi construída no ano de 1616 (início da obra 1615).

12. O Parque da Mitra foi no século XIX e parte do século XX o espaço reservado para o Arcebispo de Braga ocupar durante o período das férias estivais.

13. Nos anos de 2012, 2013 e 2014 a Autoridade Tributária e Aduaneira/Serviço de Finanças de Braga 1 emitiu em nome da Paróquia de Santo Adrião a liquidação do IMI do prédio correspondente ao art.º urbano 2214 (antigo art.º urbano 3064) com capela, coreto, edifício social e quiosque, isentando do pagamento de IMI a capela.

14. Após solicitação da autora, e por despacho de 2.05.2013 foi concedida a isenção de IMI quanto ao edifício social desde 2012, inclusive.

15. A 12.03.2014 a autora fez novo pedido de isenção de IMI quanto ao coreto e ao quiosque, que foi indeferido.

16. Em Dezembro de 2018 a Paróquia de Santo Adrião pagou as facturas de energia eléctrica e de água emitidas pela EDP e pela AGERE para os contadores instalados no Largo de São João da Ponte.

17. A autora requisitou a instalação dos contadores de água e energia eléctrica para o aludido prédio, aquele em 2011 e este em data não apurada.

18. Desde tempos imemoriais (desde a sua fundação) a Capela de São Batista vem sendo utilizada pela Igreja Católica, para o culto religioso.

19. O culto sucedia semanalmente, ano após ano e nas festas católicas.

20. Desde então e até hoje, os sacerdotes e os fiéis católicos continuam a utilizar essa capela e o seu adro, para o culto religioso católico.

21. Aí exercendo ofícios religiosos, aí celebrando missa, aí fazendo festas litúrgicas ao ar livre, missas campais, e outros ofícios religiosos e de culto católico.

22. Em Outubro de 1991 o pároco de Santo Adrião, na qualidade de representante do Conselho Paroquial dos Assuntos Económicos, subscreveu um pedido escrito ao presidente da Câmara Municipal de Braga a pedir a “colaboração, a título gratuito … no arranjo da parte exterior de S. João da Ponte - poda de todas as árvores …” implantadas na zona envolvente da Capela de S. João Batista.

23. A Câmara Municipal de Braga encarregou uma equipa de técnicos para proceder à poda dessas árvores.

24. Todavia, essa equipa de técnicos em vez de podar as árvores procedeu ao seu abate.

25. O que motivou queixa do pároco de Santo Adrião, que, além da queixa, protestou junto do Presidente da Câmara Municipal de Braga.

26. No que foi secundado pela freguesia de Santo Adrião e pela imprensa local e regional, que fez inúmeras reportagens sobre esse abate de árvores.

27. O Presidente da Câmara Municipal de Braga ordenou então que se levasse a cabo um processo de inquérito a esse abate, o qual correu seus termos e terminou com um despacho de instauração e processo disciplinar contra o funcionário da autarquia responsável pelo abate das árvores.

27.a A madeira das árvores abatidas foi vendida a um madeireiro, e o valor obtido entregue à paróquia de Santo Adrião como donativo.

28. Esse abate suscitou revolta e indignação da população que se manifestou contra o abate das árvores.

28.a Há cerca de 10 anos, um ramo de uma árvore implantada na zona envolvente da Capela de S. João Batista caiu sobre um veículo de um transeunte, que foi indemnizado pela autora.

29. Em 6 de Abril de 2016 o Arcipreste da Igreja Ortodoxa em Portugal, solicitou à Paróquia de Santo Adrião a “cedência de uma pequena parcela de terreno” para a implantação de um monumento em homenagem aos mortos que veio a ser construído no Parque de S. João da Ponte.

30. A autora concedeu autorização para essa construção no ajuizado prédio.

31. Em 21.02.2014 a autora e a “APS – Associação Portuguesa de SNAG assinaram um denominado “Protocolo de utilização do Parque de São João da Ponte de Braga”, para desenvolvimento de actividades desportivas desta última naquele parque, por dois anos, renovável.

32. A 13 de Abril de 2018 o Município de Braga, no parque de São João da Ponte, mais precisamente nas traseiras do monumento ao 25 de Abril e no acesso à capela, instalou um barracão, onde manteve durante o dia um guarda, como vigilante das viaturas que pretendiam estacionar no parque.

33. O réu instalara já em parte do Parque de S. João da Ponte um parque de estacionamento para o público, delimitando-o fisicamente, colocando uma nova rede de vedação.

34. Já em 9.08.2011 o réu iniciou a realização de obras de requalificação dos pavimentos e espaços verdes no “Parque de S. João da Ponte”.

35. E, no dia 11.08.2011, aplicara vedação em malha sol escorada por traves de madeira, de modo a cercar parte da zona do “Parque de S. João da Ponte”, limitando o seu acesso através de porta com fechadura.

36. E colocara máquinas no local e, pelo menos, um contentor de obras no mesmo espaço.

37. O que levou a aqui autora a interpor uma providência cautelar de embargo de obra nova contra o Município de Braga, que correu termos sob o n.º 5393/11.1TBBRG pelo 3.º Juízo Cível de Braga em 9.08.2011.

38. Na qual pedia o embargo de obra de obras de requalificação, designadamente, dos pavimentos e espaços verdes no “Parque de S. João da Ponte”.

39. Esse procedimento cautelar foi julgado improcedente por sentença proferida a 7.02.2012, aí se considerando demonstrada, ainda que indiciariamente, “a integração no domínio público do Município do terreno onde se encontravam a ser realizadas as obras …” e que era “forçoso concluir que a presunção decorrente do registo e da qual a requerente beneficiava se encontra contrariada”.

40. A aqui autora remeteu ao Município de Braga várias cartas, designadamente a 16/1/2009 e a 8/10/2009, a 19.02.2009, a 29.03.2011, a 27.07.2011, a 13.07.2011, a 15.05.2013 e a 12.03.2014;

41. Onde se arroga legítima dona e proprietária do prédio em litígio.

42. No início do século XX, a denominada “Quinta da Mitra” era propriedade da Igreja Católica.

43. Em 15 de Agosto de 1911, o Estado Português, através do então Ministro da Justiça Afonso Costa, conforme despacho publicado no Diário do Governo n.º 200, de 28 de Agosto, cedeu à Câmara Municipal de Braga, “a título precário ou provisório”, a referida “Quinta da Mitra”, destinada a “horto e parque municipal”, ficando esta com a obrigação de pagar ao Estado as rendas anuais que fossem arbitradas de acordo com a Comissão Central da execução da Lei da Separação.

44. O Decreto n.º 3.834 de 12.02.1918 determinou que essa cedência do Estado ao réu pagaria renda.

45. Em 27.11.1919, através do Decreto n.º 6251, publicado no Diário do Governo n.º 242, I Série, o Estado Português, “nos termos do art. 104.º da Lei de 20 de Abril de 1911”, cedeu à Câmara Municipal de Braga, “a título definitivo (…) 91.200 metros quadrados do terreno pertencente à Quinta da Mitra, na área compreendida entre a estrada nacional n.º 27, Parque de S. João da Ponte, lugar das Lajes e monte Dr. António Malheiro Pereira de Magalhães (…) a fim de a referida Câmara o aproveitar para Horto e Parque Municipal”.

46. Em 7.01.1922, a Câmara Municipal de Braga deu de arrendamento à “Empresa Parque da Ponte” 65.757 m2 da aludida parcela de terreno, com vista à construção de um parque de diversões temático.

47. Em 7 de Maio de 1940 foi celebrada a Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé (publicada no Diário do Governo, 1.ª série, n.º 158, de 10 de Julho de 1940) em cujo art. 6.º foi reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que anteriormente lhe pertenciam e estavam ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com seus passais, seminários com suas cercas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto e religião católica, salvo os que se encontrassem nessa data aplicados a serviços públicos ou classificados como “monumentos nacionais» ou como «imóveis de interesse público”.

48. Os bens referidos que não estivessem na posse do Estado podiam ser transferidos para a Igreja pelos seus possuidores sem qualquer encargo de carácter fiscal, desde que o acto de transferência fosse celebrado dentro do prazo de seis meses a contar da troca das ratificações dessa Concordata.

49. Poucos meses após, o art. 41.º do Decreto-Lei 30.615, de 25 de Julho (publicado no Diário do Governo n.º 171/1940, 1.º Suplemento, Série I de 1940-07-25) reconheceu à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que à data de 1 de Outubro de 1910 lhe haviam pertencido e que ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com os seus passais, seminários com suas cercas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto da religião católica, “salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos ou classificados como monumentos nacionais ou como imóveis de interesse público”.

50. O art. 43.º do referido Diploma determinou que os bens cuja propriedade era reconhecida à Igreja seriam entregues, mediante prévio requerimento, mas sem dependência de organização de processo, às associações e organizações a que se referiam os artigos III e IV da Concordata.

51. O § 1º desse artº 43º previa que a entrega seria efectuada pela secção de finanças do respectivo concelho ou bairro e dela se lavraria auto em triplicado, ficando um dos exemplares no arquivo do município, outro em poder da associação ou organização respectiva e devendo o terceiro ser remetido a Direcção Geral da Fazenda Pública, onde ficará arquivado.

52. E o § 2º acrescentava que no próprio auto ou em documento à parte seriam devidamente inventariados os bens compreendidos na entrega.

53. O art. 44.º desse Decreto-Lei n.º 30.615 referia que os bens que tivessem sido entregues em uso e administração às corporações encarregadas do culto, nos termos da legislação vigente, considerar-se-iam como entregues, em execução do disposto no artigo 43º, independentemente de qualquer formalidade.

54. O art. 45.º previa uma excepção ao sobredito regime de transferência do direito de propriedade desses bens para a Igreja, que consistia na eventualidade de os interesses do Estado aconselharem a incorporação no seu património de todos ou alguns dos bens a que se refere o artigo 43.º, poder-se-ia fazer essa incorporação de acordo com a autoridade eclesiástica, mediante justa indemnização.

55. O art. 46.º dispunha que os bens compreendidos no artigo 43.º deste Decreto-Lei que não tivessem sido arrolados poderiam ainda sê-lo, por intermédio das respectivas secções de finanças, desde que a autoridade eclesiástica o requeresse à Direcção Geral da Fazenda Pública no prazo de dois anos a contar da publicação desse diploma.

56. O Decreto n.º 33.100 de 28 de Setembro de 1943, publicado no Diário do Governo n.º 210 da mesma data, permitiu ao Ministério das Finanças, pela Direcção Geral da Fazenda Pública, “reaver para o Estado bens que foram cedidos ao abrigo do disposto no artigo 104.º do decreto com força de lei de 20 de Abril de 1911 e legislação que o alterou, uma vez verificado que se preteriram no todo ou em parte, os fins a que obedeceu a cessão ou a impossibilidade de os realizar, quer pela natureza dos bens, quer pela incapacidade financeira da entidade cessionária”, fixando as normas para se operar a reversão dos bens no caso em que ela constar do diploma que deu origem à cessão, ou do título desta.

57. Em cumprimento deste Decreto n.º 33.100 e do despacho do Ministro das Finanças datado de 7.02.1946, o Estado, através da Repartição de Finanças de Braga procedeu à entrega, em 20 de Abril de 1946, à então Arquidiocese de Braga, “os Montados” denominados “Quinta da Mitra”, descritos para desamortização na lista n.º 2496-B, sob as verbas 4, 5 e 6 que se compõem dos seguintes lotes:

Número Quatro – um Bouça de Mato com carvalhos e sobreiros, fechada em quasi toda a volta por muros e pela EN n.º 27, com a superfície de 84.930 metros quadrados, no lugar de S. João da Ponte, Monte do Picoto, freguesia de S. Lázaro, confrontando do norte com a referida estrada, do nascente e poente com o montado da Quinta da Mitra, e do sul com uma faixa de terreno pertencente à mesma bouça;

Número Quinto – um terreno de Mato com a superfície de 70.379 metros quadrados, no lugar de S. João da Ponte, Monte do Picoto, freguesia de S. Lázaro, confrontando do norte com clube de caçadores e herdeiros de Júlio António de Amorim Lima, do nascente com herdeiros de António Joaquim de Oliveira Brandão, do sul com diversos possuidores e do poente com a bouça da Quinta da Mitra;

Número Seis – um terreno de mato com a superfície de 39.036 metros quadrados, no lugar de S. João da Ponte, Monte do Picoto, freguesia de S. Lázaro, confrontando do norte com EN n.º 27, do sul e poente com herdeiros de Domingos José de Pereira Braga e do nascente com a bouça tapada da Quinta da Mitra.”.

58. No aludido auto consignou-se que “Os referidos prédios estão descritos na Conservatória do Registo Predial no libro B-92 … sob os números 32.940, 32.941 e 32.942 e na matriz predial sob os artigos 61, 63, 64 e 66.”

59. A Capela de São João Batista sempre esteve destinada a culto católico, desde a sua construção e até hoje, ininterruptamente.

60. Semanalmente a Igreja Católica celebra missa nessa capela, desde tempos imemoriais da sua construção.

61. O adro da capela e zona envolvente da capela, sempre foi utilizado pelos fiéis, semanalmente, para acesso à capela, para culto religioso, missas campais e cerimónias religiosas ao ar livre.

62. Desde pelo menos os inícios de 1800 que o Parque de S. João da Ponte constituía um espaço de livre acesso ao público, sem restrições,

63. E que era mantido, conservado e cuidado exclusivamente pela Câmara Municipal de Braga.

64. Naquele período pelo Parque passava a estrada que ligava Braga a Guimarães;

65. Sendo que ainda existiam duas pontes que faziam a travessia do Rio Este, uma delas (a mais pequena) entretanto desaparecida.

66. Era a Câmara Municipal de Braga quem fazia a limpeza do local, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, colocação de passeios, etc..

67. Tudo para o melhor usufruto possível do público, que ali acedia indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que fosse.

68. O Parque sempre esteve separado da Quinta da Mitra.

69. Em 24.05.1839 a Câmara Municipal de Braga deliberou aprovar um pedido da Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que então administrava a Capela de São João da Ponte), no qual esta solicitava autorização para criar um adro em frente à Capela e aí colocar arbustos.

70. Assumindo que seria sempre mantido um uso público no acesso ao local.

71. Na época o réu já se ocupava da conservação e gestão do espaço, que apresentava uma natureza pública, sem delimitação alguma e integrando vias de trânsito, passeios e pontes.

72. A população acedia livremente ao espaço, por ali circulando sem pedir autorização a quem quer que fosse, designadamente à autora.

73. Existia ainda um aglomerado de construções junto ao limite do que é hoje a parte final da Avenida Liberdade (logo após o rio Este), bem como existia um muro a delimitar o Parque da Quinta da Mitra.

74. Já no século XX a situação manteve-se inalterada, continuando o Parque a ser de uso e fruição pública e o réu a geri-lo, mantê-lo e conservá-lo;

75. Sendo até constituída uma Comissão dos Melhoramentos do Parque de São João da Ponte que se dedicava à sua gestão e visava o alargamento da sua área.

76. A ré queria aceder à Quinta da Mitra, para implantar um horto e um campo de jogos desportivos (como se veio a fazer).

77. Com a publicação da lei de separação do Estado da Igreja (21.04.1911) a Quinta da Mitra foi declarada propriedade do Estado, nos termos de inventário de 04.12.1911, onde constitui a verba n.º 40, e na descrição das suas confrontações diz-se o seguinte: “Confrontando pelo nascente com o parque de S. João…”.

78. Nos anos seguintes o Parque continuou a ser de uso e fruição pública.

79. Ali se fazendo as romarias do S. João e feiras de gado, aonde todos acediam sem necessitar de qualquer tipo de autorização.

80. Em Agosto de 1911 foi concedido ao réu o arrendamento da Quinta da Mitra, mediante o pagamento da renda anual de 150 escudos.

81. Por ofício de Outubro de 1911 solicitou o réu a redução da renda para 100 escudos por ano, tendo apresentado como justificação para o seu pedido o seguinte: “A Câmara, porém, atendendo a que o terreno em questão se destina ao aformosamento do parque de S. João da Ponte e portanto deles não poderá provir rendimento algum…”.

82. Posteriormente, já em Março do ano de 1917, o réu requereu ao Estado a venda da Quinta da Mitra, para construção de “campos para jogos desportivos, de viveiros para plantas ornamentais, arvores frutíferas e outras, ampliação do Parque Público da Ponte, etc.”.

83. Após o referido em 45. a ré produziu diversas deliberações relativas ao Parque, nomeadamente para expropriação de terreno e de casas situadas junto do parque e na margem da EN n.º 27, para regularização e alinhamento da Av. da Liberdade em construção, para embelezamento e alargamento do parque, para a transformação de parte da Quinta da Mitra no Horto Municipal e em campo de jogos desportivos, para instalação da rede eléctrica no parque, bem como celebrou contratos de arrendamento com terceiros e/ou de cedeu parte de terrenos à JAE.

84. O réu procedeu à electrificação do Parque em 1926, e pagou a obra.

85. Em 20.04.1946 (como referido em 57 e 58) retorna à Igreja uma parte significativa da Quinta da Mitra, mas da listagem dos prédios devolvidos não consta o Parque, nem nenhum terreno com a sua descrição.

86. A parte da Quinta da Mitra já ocupada pelo réu não foi devolvida.

87. Nos anos seguintes a 1946 e até aos dias de hoje o réu continuou a gerir, cuidar e conservar o Parque, que manteve a sua natureza de espaço de uso público, ao qual toda a população acedia livremente.

88. Em 09.08.1951, tendo em vista a obra de alargamento e rectificação da EN 101, junto ao Parque da Ponte e no prolongamento da Av. Marechal Gomes da Costa, a ré decidiu a expropriação de três casas, propriedade de privados, sitas em S. João da Ponte e inscritas na matriz urbana de São Lázaro (arts. 788, 781 e 782).

89. E em 25.04.1963, a ré adjudicou a obra de vedação em patela de parte do Parque da Ponte.

90. E assim sempre tem actuado o réu até aos dias de hoje, procedendo à limpeza e conservação de todo o Parque, podando as árvores, executando arranjos urbanísticos como bem entende, organizando a festa de S. João através da comissão de festas e ora associação e nesse contexto emitindo as respectivas licenças aos comerciantes.

91. Tudo gastos suportados pelo erário municipal.

92. Todas as pessoas, sem restrições, acedem ao Parque, nele passeando, merendando, praticando desporto, assistindo às festividades ali realizadas.”

Factos não provados:

“1. Desde tempos imemoriais, há mais de 30, 40, 50 e mais anos a autora é legítima dona e possuidora do Parque de S. João da Ponte, com a área de 24.000 m2, que envolve a Capela de S. João Batista, o seu adro e todo o logradouro da mesma.

2. No início do século XX o Parque de S. João da Ponte, de que fazem parte a Capela de São João Batista, o adro, o logradouro e demais área envolvente, integrava-se na Quinta da Mitra.

3. Por si e por antepossuidores, mercê de válidas e sucessivas transmissões, está a autora, na qualidade de proprietária, na legítima posse e detenção do referido prédio, ininterruptamente e há 10, 15, 20, 30 e mais anos.

4. Assim o fruindo, administrando e transformando, à vista de todas as pessoas, como se fosse coisa sua, na certeza e convicção de que não lesa direito alheio, e sem oposição ou restrição por parte de quem quer que seja.

5. A autora vem efectuando obras de manutenção e conservação do referido prédio, suportando os inerentes encargos, designadamente desde 1943.

6. Para o culto referido de 18. a 21. a autora usa também toda a área do aludido “Parque de S. João da Ponte”, além da capela e do seu adro.

7. O referido em 28.a. sucedeu porque a ré remeteu para a autora a responsabilidade pelo pagamento ao particular dos prejuízos causados.

8. As obras referidas de 34. a 36. impediam o acesso à capela sita no Parque de São João da Ponte.

9. O prédio em litígio considerou-se como entregue e transferido para a autora, em execução do disposto no art. 43.º do Decreto-Lei n.º 30615, independentemente de qualquer formalidade.

10. Uma vez que esse prédio havia sido já entregue e em uso e administração à Igreja Católica para culto católico.”

II. 3. Do Direito

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme decorre dos artºs. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código Processo Civil.

II. 3.1. O Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedente a demanda, e procedente a reconvenção, condenando-se a Autora a reconhecer que o Parque de S. João da Ponte integra o domínio público do Município de Braga, com consequentes cancelamentos da descrição predial n.º 2001/2011.01.25, por parte da Conservatória do Registo Predial de Braga, e da matriz urbana n.º 2224 da União de Freguesias de Braga (São José de São Lázaro e São João do Souto), por parte do Serviço de Finanças Braga, na medida em que, contrariamente ao sentenciado, e de acordo com a facticidade adquirida processualmente, impõe-se o reconhecimento da pretensão deduzida nestes autos, outrossim, deve ser declinado o pedido reconvencional deduzido? (1)

3.1.1. Da alegação dos factos jurídicos donde emerge a pretensão jurídica da demandante colhemos, inequivocamente, estarmos perante uma ação de reivindicação, sendo esta pacificamente aceite enquanto corolário da faculdade ou direito de sequela dos direitos reais, maxime do direito de propriedade.

O perfil da ação de reivindicação afere-se, por um lado, pela causa petendi que, em ações desta natureza, decorre do facto jurídico de que deriva o direito real, facto que, em concreto, deve ter a força suficiente para criar a favor do demandante, e nele radicar, o domínio da coisa reivindicada, e, por outro lado, pelas pretensões jurídicas deduzidas, quais sejam, o do reconhecimento do direito de propriedade e, por outro lado, o da restituição da coisa - cfr. Pires Lima e Antunes Varela, in, Código Civil anotado, volume III, pág. 100.

Como contraponto, na perspetiva do demandado, caberá ao mesmo invocar e provar o facto impeditivo da entrega ou restituição do bem, pois, caso não demonstre que tem sobre o prédio outro qualquer direito real que justifique a sua posse ou que a possui por virtude de direito pessoal bastante, ou ainda que o bem pertence a terceiro, nada obstará à sua restituição, uma vez demonstrados factos que sustentem o arrogado direito de propriedade da coisa.

Assim, a lei substantiva civil - art.º 1311º n.º 1 do Código Civil - permite ao proprietário exigir judicialmente de qualquer detentor ou possuidor da coisa, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence, porém, se é indubitável a necessidade de a ação ser exercida pelo proprietário não possuidor contra o detentor ou possuidor que não é proprietário da coisa, neste sentido, Mota Pinto, in, Direitos Reais, 1971, página 238, terá o demandante de fazer prova disso mesmo, ou seja, do seu direito de propriedade que abrange, entre outros, o direito de restituição, mostrando também que a coisa reivindicada se encontra na posse ou detenção de outrem, neste sentido, entre outros, Manuel Rodrigues, in, A Reivindicação no Direito Civil Português, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 57, página 144, citado por Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil anotado, página 114, volume III.

Sem prejuízo do funcionamento das regras próprias do registo predial, mais concretamente da presunção de propriedade a favor do beneficiário do direito registado, a prova da propriedade não se basta pela demonstração da aquisição derivada da coisa, devendo aquele que reivindica provar uma forma de aquisição originária, como sejam a ocupação, a acessão ou a usucapião.

De acordo com o art.º 1311º do Código Civil “o proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade (…)”, sendo que este direito se adquire por contrato, sucessão por morte, usucapião, acessão e demais modos previstos na lei (art.º 1316º do Código Civil).

É sabido que destes modos legítimos de aquisição, uns são meros actos translativos do direito, também designados de “modos de aquisição derivada”, como são os casos do contrato e da sucessão mortis causa, enquanto outros são constitutivos do próprio direito e, por isso, designados de “modos de aquisição originária”, como acontece com a usucapião (art.º 1287º do Código Civil), a ocupação (artºs. 1318º e seguintes do Código Civil) e a acessão (artºs. 1325º e seguintes do Código Civil).

A prova do direito de propriedade é feita através de factos que demonstrem a aquisição originária do domínio por parte de quem se arroga e quer ver declarado tal direito ou de qualquer dos seus antepossuidores, nos termos gerais do direito substantivo (art.º 342º do Código Civil), sendo que se aquele que reivindica invoca, como fonte do seu direito, uma das formas de aquisição derivada, porque não constitutiva, mas meramente translativa do direito, não lhe basta provar este modo aquisitivo para que possa ser considerado titular do direito, terá ainda que alegar e demonstrar que esse direito já existia na titularidade do transmitente e, bem assim, as sucessivas aquisições dos seus antecessores até atingir a aquisição originária em algum deles, tudo isto em razão do princípio nemo plus juris ad alium transferre potest, quam ipse habet (ninguém pode transferir para outrem mais direitos do que aqueles que possui).

Na verdade, não basta que se demonstre a aquisição derivada, devendo também provar-se que o direito já existia no transmitente - aquisição originária - pois, as formas de aquisição derivada, na medida em que o direito adquirido se funda ou filia na existência de um direito na titularidade de outra pessoa, não são suscetíveis de, por si próprias, gerarem qualquer direito real, sendo apenas um meio de transmiti-lo.

Sublinhamos, porém, que assim não é quando o último transmitente beneficia da presunção do Código do Registo Predial que no seu art.º 7° estabelece que o registo definitivo constitui presunção que o direito existe e pertence ao titular inscrito.

Conquanto a teoria da substanciação consagrada no direito adjetivo civil, não sofre reservas que a causa de pedir nas ações de reivindicação pode confinar-se ao facto base da presunção legal, donde, ao titular do registo, porque beneficiário de uma presunção, apenas basta invocá-la, sendo desnecessária a prova do facto presumido.

A invocação, nestes casos, da usucapião como fonte do direito de propriedade, deve entender-se como meio subsidiário de provar o mesmo direito - neste sentido, Oliveira Ascensão, in, Direitos Reais, 1971, página 415 - onde sustenta que “na lei portuguesa actual, a usucapião é a última ratio na solução dos conflitos entre adquirentes de direitos reais”.

Ao dispor que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define, o art.º 7º do Código do Registo Predial quer significar que se trata de uma presunção juris tantum, elidível por prova em contrário (art.º 350º n.º 2 do Código Civil) de que o direito registado existe e emerge do facto registado, pertence ao titular inscrito e tem determinada substância (a que o registo define), ou mesmo pela demonstração de factos incompatíveis com a presunção.

O registo apenas garante ao comprador de um imóvel que o titular inscrito não realizou atos suscetíveis de o prejudicar, mas não garante que o imóvel pertence ao transmitente ou ao titular inscrito no registo, ou ainda que o prédio tem esta ou aquela configuração, estes ou aqueles limites e confrontações, esta ou aquela área nele referida, em suma, não dá nem tira direitos, uma vez que não constitui presunção da realidade substantiva.

Por outro lado, como também já avançamos, entre o pedido primário reclamado pelo (proprietário) demandante, ou seja, o reconhecimento - pronunciatio - do seu direito de propriedade e a consequência lógica que será a restituição - condemnatio - do que lhe pertence, poder-se-á verificar uma rutura a qual ocorrerá se o demandado ocupar o prédio com titulo que a legitime.

Na verdade, nos termos do n.º 2 do art.º 1311° do Código Civil “(…) a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei”, daí que, em principio, a restituição da coisa, sendo consequência direta do reconhecimento do direito de propriedade, excetuar-se-á se o poder de gozo do proprietário estiver suspenso ou modificado pela constituição de um direito real ou obrigacional de outrem, caso em que se deve respeitar tal situação jurídica só devendo ordenar-se a restituição, se e enquanto não colidir com ela, consubstanciando a invocação dos respetivos factos uma verdadeira exceção perentória, nos termos da lei civil adjetiva, neste sentido, entre outros, Castro Mendes, in, Acção Executiva, página 407.

Os casos previstos na lei serão, portanto, todas as situações em que se julguem as detenções como legitimas, traduzindo-­se estas num circunstancialismo que se exprime na existência de um direito real ou obrigacional que pela sua natureza permita obstar à pretensão daquele que reivindica, nomeadamente, direito de retenção, direito de arrendamento, ou outro título que confira a posse ou detenção legitima.

3.1.2. Apreciada, em termos breves, a natureza da ação de reivindicação, importa recentrar a nossa atenção no acórdão recorrido atendendo ao modo como dirimiu o caso sub iudice.
Acompanhando o objeto da apelação interposta pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga, apreciando os atos ou factos jurídicos donde emerge a sustentação do respetivo inconformismo, o Tribunal recorrido condensou o objeto do recurso, no que à presente revista interessa, qual seja, o segmento decisório do mérito, a julgar a ação improcedente e a reconvenção procedente, na decorrência da ponderação das questões que adiante sintetizaremos:

(i) O que está em causa nestes autos, independentemente de se lhe chamar Parque da Ponte ou Parque S. João da Ponte é, ou não, o espaço da Capela e sua envolvente;
(ii)  A invocação, como fundamento da reivindicação da propriedade sobre o prédio ajuizado, da presunção derivada do registo em seu nome, e a usucapião;
(iii) Caracterização da usucapião e respetivo reconhecimento, ou não;
(iv) A presunção de propriedade derivada do registo;
(v) Circunstâncias suscetíveis de abalar a presunção de propriedade;
(vi) Da prova de factos incompatíveis com a usucapião e presunção de propriedade;
(vii) Ponderação sobre a dominialidade pública do Parque de S. João da Ponte, com o consequente cancelamento da respetiva inscrição e descrição;
(viii) - Abuso de direito.

3.1.3. Conhecidas as consignadas questões, o Tribunal a quo confirmou a decisão proferida em 1ª Instância que decidiu absolver o Réu, Município de todos os pedidos formulados contra si, e julgou procedente a reconvenção, e, em consequência, condenou a demandante/reconvinda a reconhecer que o Parque de S. João da Ponte integra o domínio público do Município de Braga, outrossim, ordenou que a Conservatória do Registo Predial de Braga proceda ao cancelamento da descrição n.º 2001/2011.01.25 e que o Serviço de Finanças de Braga 1 proceda ao cancelamento da matriz urbana inscrita como o n.º 2224 da União de Freguesias de Braga (São José de São Lázaro e São João do Souto).

3.1.4. A decisão escrutinada apreendeu a real conflitualidade subjacente ao pleito chegado a Juízo, tendo o Tribunal recorrido elaborado um aresto fazendo apelo a um congruente e convincente enquadramento jurídico, onde enunciou os institutos e conceitos de direito aplicáveis, invocando jurisprudência e doutrina, que citou, donde, desde já adiantamos, acompanhamos a bondade da solução encontrada.

3.1.5. Como a própria Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga assume nas suas alegações, na presente ação está em causa “saber se o prédio denominado Parque de S. João da Ponte, descrito na CRP sob o nº 2001/2011.01.25 e inscrito na matriz sob o artigo urbano 2214º, com a área de 24 000 m2, composto ao centro por Capela de S. João Baptista e respetivo alpendre e, ainda, espalhados pelo logradouro, por um cruzeiro, um edifício social, um coreto e um quiosque, alminhas e um lago, cuja aquisição está inscrita a seu favor, é propriedade exclusiva da A./recorrente?”

Começa a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga por afirmar que “o Tribunal reconhece que, sendo indiscutivelmente a Capela propriedade sua, tudo o mais que a envolve, isto é, o adro, é, nolens, volens, também sua pertença: estamos perante um prédio urbano e, como tal, indivisível.”

A Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga assenta, no entanto, a sua argumentação inicial em torno de uma premissa errada, ressalvando sempre o devido respeito, qual seja, a de que nos autos é reconhecida de forma “indiscutível” a Capela como propriedade da demandante, o que, sublinhamos, não tem qualquer correspondência com as decisões das Instâncias.

Na verdade, a 1.ª Instância concluiu de forma totalmente oposta, julgando procedente a reconvenção deduzida pelo Réu, Município, condenando a Autora/Arquidiocese de Braga a reconhecer que o Parque de S. João da Ponte integra o domínio público do Município de Braga, sendo que a referência ao prédio denominado “Parque de S. João da Ponte”, respeita à totalidade do prédio reivindicado nos autos, o que inclui a Capela e todo o espaço circundante.

Com efeito, no dispositivo da sentença pode ler-se que o Tribunal decidiu “ordenar que a Conservatória do Registo Predial de Braga proceda ao cancelamento da descrição n.º 2001/2011.01.25 e que o Serviço de Finanças de Braga 1 proceda ao cancelamento da matriz urbana inscrita como o n.º 2224 da União de Freguesias de Braga (São José de São Lázaro e São João do Souto)”, o que corresponde à totalidade do prédio cuja propriedade é reivindicada pela Autora/Arquidiocese de Braga.

Na fundamentação da sentença de 1.ª Instância é dito expressamente que “mesmo que se entendesse que os actos praticados pela autora no prédio, e que se resumem até à área da capela e ao seu adro, sobretudo para efeito de culto religioso católico, bem ainda que as despesas pela mesma suportadas (comprovadas apenas desde o ano de 2012), pudessem conduzir ao reconhecimento da sua aquisição do prédio, pela via originária, como as coisas que pertençam ao domínio público estão fora do comércio jurídico, são as mesmas insusceptíveis de apropriação individual, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 202.º do Cód. Civil.”

É, assim, manifesto que se considerou que o domínio público do Réu, Município abrange quer a Capela, quer o respetivo adro, quer todo o restante espaço envolvente que integra o prédio em discussão nos autos, motivo pelo qual se considerou na sentença que a totalidade do prédio, e não apenas uma sua parte, como parece sustentar a Autora/Arquidiocese de Braga no seu recurso, é insuscetível de apropriação individual, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 202º do Código Civil.

A Relação confirmou integralmente a sentença de 1.ª Instância e com uma fundamentação não discordante.

À Autora/Arquidiocese de Braga carece, assim, demonstrar em primeiro lugar a aquisição do direito de propriedade sobre a Capela para que, segundo a sua argumentação, se possa aferir sobre a propriedade do espaço circundante.

Ademais a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga critica também, no recurso interposto, a metodologia seguida pelas Instâncias segundo a qual, “partindo de trás para a frente, ou seja, da apreciação do pedido reconvencional, acabaram por concluir pela improcedência do pedido principal.”

Alega a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga que “a metodologia correcta não é essa: em primeiro lugar, cabe apreciar a bondade do pedido principal e, em resultado de tal exame, julgar o reconvencional.”

Cremos que não lhe assiste razão, porquanto, é a própria lei a impor a metodologia seguida pelas Instâncias.

Com efeito, pretendendo a demandante o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio identificado nos autos, alegando a seu favor a presunção decorrente do registo predial, a presunção decorrente da posse sobre o prédio e, de igual modo, a também invocada aquisição originária da propriedade por usucapião, importa que a procedência da sua pretensão depende de o prédio em discussão poder ser objeto de relações jurídicas, nomeadamente, do direito de propriedade que pretende ver reconhecido.

Ora, nos termos do disposto no art.º 202º n.º 2 do Código Civil: “Consideram-se, porém, fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual.” Também no art.º 18º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado pelo Decreto-Lei n.º 280/2007 de 7 de agosto, se prevê que: “os imóveis do domínio público estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado”, enquanto no art.º 19º do mesmo diploma se preceitua que “os imóveis do domínio público não são suscetíveis de aquisição por usucapião.”

Impõe-se, assim, averiguar se o prédio em discussão nos autos integra ou não o domínio público municipal, o que passa pela apreciação do pedido reconvencional deduzido nos autos, pois, apenas na circunstância de tal questão merecer resposta negativa é que poderá ser ponderada a pretensão da demandante com vista ao respetivo reconhecimento, ao invés, uma vez reconhecido que o prédio integra o domínio público, improcede, desde logo, toda a argumentação desta última, porque deixa o prédio de poder ser objeto de apropriação individual nos termos dos aludidos normativos substantivos civis.

1.   Saber se no caso concreto estão reunidos todos os pressupostos para que se possa considerar que o prédio em discussão nos autos está integrado no domínio público do Município de Braga;

2.  Do valor dos factos relativos à utilização da Capela e espaço circundante para o culto católico, à luz da Concordata entre a Santa Sé e Portugal, e do direito canónico;

3.    Da pertinência dos atos praticados pela demandante em relação ao prédio reivindicado, descritos nos pontos 28 a 32 e 42 a 47 dos factos provados, quanto a uma pressuposta desafetação do prédio do domínio público municipal;

4.    Da importância, no caso concreto dos autos, da evolução legislativa quanto às relações entre o Estado Português e a Igreja Católica;

Caso se conclua pela não inclusão do imóvel no domínio público, importa, outrossim, apreciar as seguintes questões, suscitadas pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga:

5.    Da titularidade, pela demandante, do direito de propriedade sobre o imóvel em virtude das presunções legais decorrentes do registo predial e da posse sobre o prédio;

6.    Da natureza do prédio em discussão nos autos como um prédio uno e indivisível;

7.    Da aquisição originária do direito de propriedade sobre o prédio, por parte da demandante, por usucapião.

3.1.6.1. Pressupostos da aquisição da dominialidade

A Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga alega no seu recurso que “não existe previsão legal prévia que permita afirmar-se que o reivindicado prédio integre o domínio público nem tal facto vem alegado pelo Réu.”, a par de que “o mero uso direto e imediato do público, ainda que exercido desde tempos imemoriais, não é suficiente para determinar o ingresso do bem no domínio público, pois seria ainda necessário demonstrar/provar no caso concreto que essa utilização corresponde a um interesse público de relevância apreciável, o que não sucedeu”.

Mais refere que seria “indispensável identificar qual é esse interesse público subjacente e demonstrar a relevância do mesmo, pelo que, a ausência de tal prova impede a qualificação do bem como de domínio público.”

Por outro lado, afirma a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga que seria “impossível (do ponto de vista jurídico) que, antes de 1904, o ajuizado prédio fosse do domínio público porque, nessa data, o domínio direto e a enfiteuse incidiam sobre o prédio, como o certifica a certidão da CRP junta em audiência com inscrição dessa enfiteuse sob o número 19.821”.

Além de que “o prédio nunca integrou, nem poderia integrar, o domínio público, porque constando o prédio do registo predial em 1904 e tendo como titular inscrito a Confraria de S. João, não poderia existir domínio público sobre o prédio, porque o registo predial incide apenas sobre domínio privado e publicita os direitos para efeito de comércio jurídico.” e que “tendo o prédio sido confiscado e reingressado no património privado do Estado por via da Lei da Separação do Estado e das Igrejas, em 1910, e da Concordata de 1940, tais confisco e reingresso são incompatíveis com o domínio público.”

Vejamos:

Textua o art.º 84º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa:

“Pertencem ao domínio público:

a) As águas territoriais com seus leitos e os fundos marinhos contíguos, bem como os lagos, lagoas e cursos de água navegáveis ou flutuáveis, com os respetivos leitos;

b) As camadas aéreas superiores ao território acima do limite reconhecido ao proprietário ou superficiário;

c) Os jazigos minerais, as nascentes de águas mineromedicinais, as cavidades naturais subterrâneas existentes no subsolo, com exceção das rochas, terras comuns e outros materiais habitualmente usados na construção;

d) As estradas;

e) As linhas férreas nacionais;

f) Outros bens como tal classificados por lei.”

Nos termos do n.º 2 do mesmo preceito da Lei Fundamental:

“A lei define quais os bens que integram o domínio público do Estado, o domínio público das regiões autónomas e o domínio público das autarquias locais, bem como o seu regime, condições de utilização e limites.”

Resulta claramente deste n.º 2 que a enumeração constante do n.º 1 não é taxativa, podendo a lei definir outros bens como integrando, quer o domínio público do Estado, quer o domínio público das regiões autónomas e das autarquias locais - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2007 (Revista n.º 981/07, publicado em www.dgsi.pt).

Embora a Constituição preveja expressamente que a lei ordinária define quais os bens que integram o domínio público das autarquias locais, não existe nenhum diploma legal que identifique e concretize quais são esses bens, ao contrário do que sucede ao nível estadual através do Decreto-Lei n.º 477/80 de 15 de outubro que criou o inventário geral do património do Estado, definindo os bens que integram o domínio público estadual.

No que respeita às autarquias locais, a única exceção ao acima vertido consiste no art.º 6º n.º 2, alíneas a) e b), da Lei n.º 54/2005, de 15 de novembro, que estabelece a titularidade dos recursos hídricos, na redação introduzida pela Lei n.º 31/2016, de 23 de agosto, no qual se prevê que:

“2 - Sem prejuízo do domínio público do Estado e das regiões autónomas, pertencem ainda:

a)    Ao domínio público hídrico do município os lagos e lagoas situados integralmente em terrenos municipais ou em terrenos baldios e de logradouro comum municipal;

b)    Ao domínio público hídrico das freguesias os lagos e lagoas situados integralmente em terrenos das freguesias ou em terrenos baldios e de logradouro comum paroquiais”

Porém, a existência do domínio público das autarquias locais e, em especial, dos municípios, é afirmada em vários diplomas legais. Desde logo, no Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado pelo Decreto-Lei n.º 280/2007 de 7 de agosto, são previstas as disposições gerais e comuns sobre a gestão dos bens imóveis dos domínios públicos do Estado, das Regiões Autónomas e também das autarquias locais - art.º 1º n.º 1, alínea f). Prevê o art.º 15º deste diploma que: “a titularidade dos imóveis do domínio público pertence ao Estado, às Regiões Autónomas e às autarquias locais e abrange poderes de uso, administração, tutela, defesa e disposição nos termos do presente decreto-lei e demais legislação aplicável.”

Já anteriormente à publicação deste último diploma legal, José Pedro Fernandes (“Domínio Público” in “Dicionário Jurídico da Administração Pública”, volume IV, 1991, página 189) defendia que “os princípios gerais que regem o domínio público do Estado aplicam-se igualmente, com óbvias adaptações, a qualquer destas categorias de pessoas coletivas de população e território”, nas quais se incluem as autarquias locais.

Também o Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, prevê no seu art.º 25º n.º 1, alínea q), que: “compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal: q) Deliberar sobre a afetação ou desafetação de bens do domínio público municipal”.

E o art.º 33º, n.º 1, alínea qq), do mesmo diploma estatui que: “compete à câmara municipal: qq) Administrar o domínio público municipal”.

Por sua vez, o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação aprovado pelo Decreto Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, textua no seu art.º 44º n.º 1, na redação da Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, que: “O proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente ao município as parcelas para implantação de espaços verdes públicos e equipamentos de utilização coletiva e as infraestruturas que, de acordo com a lei e a licença ou comunicação prévia, devam integrar o domínio municipal.”

O n.º 3 do mesmo preceito, na redação introduzida pelo Decreto Lei n.º 26/2010, de 30 de março, estabelece que: “As parcelas de terreno cedidas ao município integram-se no domínio municipal com a emissão do alvará ou, nas situações previstas no artigo 34.º, através de instrumento notarial próprio a realizar no prazo de 20 dias após a receção da comunicação prévia, devendo a câmara municipal definir, no alvará ou no instrumento notarial, as parcelas afetas aos domínios público e privado do município”.

Conquanto não exista nenhum diploma legal que identifique e concretize quais os bens que integram o domínio público autárquico, a existência deste último é inegável por imposição constitucional, além da referência contida nos diplomas legais acima mencionados.

Como se reconhece no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26 de março de 2009 (Processo n.º 949/06.7BECBR, publicado em www.dgsi.pt), citado no acórdão recorrido, o domínio público municipal: “constitui uma imposição derivada da própria Lei Fundamental, sendo que o fundamento do carácter público dos bens integrados naquele domínio está associado à sua primacial utilidade colectiva enquanto indispensáveis para a satisfação normal e regular das necessidades colectivas dos munícipes. Na verdade, subjacente ao domínio público está inequivocamente a satisfação de necessidades colectivas e, nessa medida, a prossecução de interesses públicos pelas demais pessoas colectivas de direito público, mormente as autarquias locais que são titulares do direito de propriedade pública sobre os bens do domínio público.”

Como afirmam Jorge Miranda e Rui Medeiros (Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 2ª edição, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 97): “a previsão constitucional de um domínio público das autarquias locais é um corolário da autonomia administrativa daquelas”, defendendo os mesmos autores que os bens das autarquias integráveis nas classes ou categorias que, pertencendo ao Estado, são dominiais, assumem também essa natureza, integrando tais bens o domínio público municipal, apontando o caso dos aeródromos municipais, por identidade de razão com a solução de equiparação tendencial de domínios aplicável às Regiões Autónomas (op. cit. pág. 97).

No mesmo sentido Ana Raquel Moniz (O Âmbito do Domínio Público Autárquico, in, Estudos em Homenagem do Professor Doutor Marcello Caetano, volume I, FDUL, 2006, páginas 161 e 162) defende que, constituindo a existência de um domínio público na titularidade das autarquias locais uma imposição constitucional, nos termos previstos no art. 84.º, n.º 2, da CRP, e assumindo-se esta disposição legal como uma “garantia institucional do domínio público local”, esta última “não pode ser dissociada da garantia da autonomia local, erigindo-se como sua consequência necessária.

Na esteira do que (também) dispõe o artigo 2.º da Carta Europeia da Autonomia Local, a autonomia das autarquias locais encontra-se constitucionalmente consagrada como referente do Estado unitário (artigo 6.º) e consubstancia um dos limites materiais de revisão constitucional [(artigo 288.º, alínea n)], assumindo-se ainda como uma manifestação do princípio da descentralização administrativa (artigos 237.º, n.º l, e 267.º, n.º 1), do princípio da subsidiariedade (artigo 267.º, n.º 1) e do princípio democrático, assim como uma dimensão constitutiva do princípio do Estado de direito.”

Conclui a mesma Autora que “a compreensão do domínio público como um regime jurídico específico destinado a tutelar uma função pública prosseguida por certo tipo de bens encontra-se fundamentalmente implicada na percepção de que as autarquias locais prosseguem um conjunto de interesses próprios (comuns a) de uma colectividade que constitui o respectivo substrato e, para tanto, necessitam de meios próprios: à autonomia local está subjacente a autonomia patrimonial, a qual implica também a existência de ura domínio público na titularidade das autarquias. (…) Deverá, por isso, defender-se que a referência constitucional operada pelo n.º 1 do artigo 238.'º ao “património próprio” das autarquias locais envolve, decerto, bens do domínio privado, mas, em plena consonância com o disposto no n.º 2 do artigo 84.º, pressupõe impreterivelmente a existência de um domínio público autárquico.”

Embora não exista lei a enumerar os bens que compõem o domínio público municipal, a doutrina e a jurisprudência têm considerado a aquisição do caracter dominial tanto por via legal, como pela afetação de certo bem à utilidade pública.

No art.º 380º do Código Civil de 1867, antes de se enumeraram os bens do domínio público, previa-se que: “são publicas as cousas naturaes ou artificiaes, apropriadas ou produzidas pelo estado e corporações publicas e mantidas debaixo da sua administração, das quaes é lícito a todos, individual ou collectivamente, utlisar-se, com as restricções impostas pela lei, ou pelos regulamentos administrativos.”

Na vigência da Constituição de 1933, em cujo art.º 49º se enumeravam os bens que integravam o domínio público do Estado, foi publicado o Decreto Lei n.º 23565, de 12 de fevereiro de 1934 que veio classificar os bens do domínio público e privado do Estado para efeito da organização do cadastro, estabeleceu normas para se fazer a avaliação destes bens e impôs aos organismos que os tinham na sua posse ou superintendência a obrigação de fornecer à Direção Geral da Contabilidade Pública os elementos de que ela carecesse para esse fim.

Previa o art.º 1º, alínea g), desse diploma que “o cadastro dos bens do domínio público do Estado, a que se refere o n.º 7 do art. 6.º do decreto-lei n.º 22728 de 24-06-1933, compreenderá:

(…) g) Todos os demais bens que estejam no uso directo e imediato do público, à excepção dos enumerados nos n.ºs 2.º, 3.º e 5.º do art. 49.º da Constituição”.

Este diploma foi revogado, entretanto, pelo Decreto-Lei n.º 477/80, de 15 de outubro, acima já referido que não contém norma idêntica.

Na doutrina, o Professor Marcello Caetano (Manual de Direito Administrativo, 10.ª ed., 5.ª reimpressão, tomo II, Coimbra, Almedina, 1994, página 921) defendia que “a atribuição do carácter dominial depende de um, ou vários, dos seguintes requisitos:

a) existência de preceito legal que inclua toda uma classe de coisas na categoria do domínio público;

b) declaração de que certa e determinada coisa pertence a essa classe;

c) afectação dessa coisa à utilidade pública.”

Segundo o mesmo Autor “não é forçoso que concorram estes três requisitos: um só pode bastar, é frequente verificar-se a existência de dois, algumas vezes existem os três.

Na verdade:

- há bens cuja dominialidade depende apenas da genérica disposição da lei, completada, ou não, por meras operações de delimitação da parte sobre a qual se exercerão os direitos dominiais (ar atmosférico, águas marítimas...);

- há coisas que entram no domínio depois de se verificar, por lei ou acto administrativo, possuírem o atributo típico da classe genericamente considerada dominial (classificação de uma via férrea como de interesse público, de uma água como mineromedicinal, de um museu como nacional, etc);

- finalmente, quanto a outras coisas pertencentes a uma categoria que a lei considera do domínio público, a integração em cada caso concreto depende de um acto especial de afectação, isto é, de aplicação do imóvel ao fim de utilidade pública justificativo da dominialidade (abertura ao público do uso de uma estrada ou de uma linha telegráfica).”

O Professor Marcello Caetano distinguia ainda entre a “classificação” e a “afectação” dos bens dominiais.

Enquanto a “classificação é o acto pelo qual se declara que uma certa e determinada coisa reúne os caracteres próprios de dada classe legal de bens dominiais”, a “afectação é o acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”, sendo que “a afectação pode resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a inauguração) ou numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.

Quer dizer que não há afectação, propriamente dita, mesmo tácita, senão onde se exerça a jurisdição administrativa e, portanto, se possa provar o destino ao uso público com consentimento do Poder.”

José Pedro Fernandes (op. cit., página 185), define a “afectação” como o “acto ou o facto que determina o ingresso imediato de uma coisa no domínio público”, divergindo do Prof. Marcello Caetano ao defender que a definição proposta por este último segundo a qual “a afectação é o acto ou a prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”, será apenas “uma afectação de facto, pois está intimamente ligada à produção efectiva de utilidade pública da coisa como, por exemplo, a inauguração duma linha de caminho de ferro, a abertura ao público de uma estrada, ao público, etc.”.

Defende este Autor que “a afectação deve determinar o ingresso da coisa no estatuto jurídico do domínio público e esse ingresso é muitas vezes anterior à afectação de facto: uma autoestrada na véspera de ser aberta ao público, já pertence ao domínio público, por ter sido registada no inventário do Estado nessa qualidade, e apesar de ainda não ter sido afectada, de facto, ao uso público.”

Conclui que “o que fundamentalmente interessa é marcar o momento em que tal ingresso se verifica, ou seja, o momento em que a coisa passa a ficar submetida ao regime jurídico do domínio público: a afectação jurídica.”

Em termos similares à posição defendida pelo Prof. Marcello Caetano, António Carvalho Martins (Caminhos Públicos e Atravessadouros, 2.ª edição, Coimbra, 1990, página 38), define a “afectação” como “o acto ou prática que consagra a coisa à produção efectiva de utilidade pública”, referindo que “a  afectação pode resultar de um acto administrativo (decreto ou ordem que determine a abertura, utilização ou inauguração) ou traduzir-se num mero facto (a inauguração) ou numa prática consentida pela Administração em termos de manifestar a intenção de consagração ao uso público.

Quer isto dizer que não há afectação, propriamente dita, mesmo tácita senão onde se exerça a jurisdição administrativa e, portanto, se possa provar o destino ao uso público com consentimento do Poder.”

Também Ana Raquel Moniz (“O Domínio Público - O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade”, reimpressão da edição de Janeiro 2005, Almedina, Coimbra, páginas 138 e 139) define a afectação como “o acto administrativo que coloca a coisa (pública) a desempenhar a função que justificou a sua sujeição pelo legislador a um regime específico de direito público (o regime jurídico-administrativo da dominialidade pública); nessa medida, a afectação modifica sempre o estatuto jurídico da coisa, assumindo-se, nesta acepção, como um “acto de criação das coisas públicas” (Kreationsakt der õffentlichen Sachen)”

A mesma Autora defende a existência da denominada “afectação tácita”, entendendo que, nesse caso “existe sempre um acto administrativo, havendo necessidade de recorrer à figura do acto administrativo implícito, enquanto acção material que contém em si uma estatuição. É evidente que o comportamento (material) concludente há-de revestir especiais características que funcionarão como índices: por um lado, o comportamento, além de (tendencialmente) inequívoco, será positivo, não bastando uma simples atitude passiva da Administração; além disso, esse comportamento, praticado no exercício da função administrativa, tem que estar enquadrado no âmbito das atribuições da pessoa colectiva pública que o adopta.” (op. cit., págs. 141 a 144).

Relacionando a figura da “afectação” com a figura do “imemorial”, e a propósito da distinção entre caminhos públicos e atravessadouros, a Autora aprecia a questão de saber se, na ausência de um ato administrativo de afetação (expresso ou implícito), a integração de um bem no domínio público pode bastar-se com a prova de um uso imemorial ou posse imemorial, os quais permitiram concluir pela publicidade dos bens em causa.

Concluiu a Autora que “nas situações de ausência de qualquer actuação positiva da Administração (designadamente de actos de administração e gestão do bem era causa) que a figura do imemorial assume relevância, já que não podemos entender aqui que nos encontramos perante um acto administrativo de afectação, nem mesmo na forma de acto implícito.

Nesta última situação, e em coerência com a delineação da figura do imemorial, os bens apenas beneficiarão de uma presunção (iuris tantum) de dominialidade” (op. cit., págs. 150 a 152).

Voltaremos a este tema após a apreciação do Assento do STJ abaixo mencionado.

Sobre a aquisição do carácter dominial, tem sido produzida abundante jurisprudência do STJ que trata essencialmente dos caminhos públicos. Nesta matéria, a polémica jurisprudencial sobre a questão de saber se o simples uso público imemorial de uma coisa a faz integrar imediatamente no domínio público ou se é necessária ainda a prova de que a coisa foi também produzida ou apropriada pelo Estado ou outra pessoa colectiva de direito público, foi superada pelo Assento do STJ de 19 de Abril de 1989 (nº. 7/89, Diário da República, I, de 2 de Junho de 1989), hoje com valor de acórdão de uniformização de jurisprudência, em que se decidiu que “São públicos os caminhos que, desde tempos imemoriais, estão no uso directo e imediato do público”.

Conforme se pode ler na fundamentação desse aresto: “quando a dominialidade de certas coisas não esta definida na lei, como sucede com as estradas municipais e os caminhos, essas coisas serão públicas se estiverem afectadas de forma directa e imediata ao fim de utilidade pública que lhes está inerente. É suficiente para que uma coisa seja pública o seu uso directo e imediato pelo público, não sendo necessária a sua apropriação, produção, administração ou jurisdição por pessoa colectiva de direito público. Assim, um caminho e publico desde que seja utilizado livremente por todas as pessoas, sendo irrelevante a qualidade da pessoa que o construiu e prove a sua manutenção.”

Conclui-se no referido acórdão que “é suficiente para um caminho ser considerado publico o uso directo e imediato pelo público, não se tornando necessário que ele tenha sido apropriado ou produzido por pessoa colectiva de direito publico e que esta haja praticado actos de administração, jurisdição ou conservação.”

Sobre este assento de 19 de abril de 1989, a Professora Ana Raquel Moniz (O Domínio Público - O Critério e o Regime Jurídico da Dominialidade, reimp. da edição de Jan. 2005, Almedina, Coimbra, pág. 152), repetindo-se aqui o que já acima se referiu a propósito da figura da “afectação”, defende que “há que estabelecer uma distinção postulada pela própria posição preferida pelo mencionado Assento: se o bem constituiu objecto de actos de apropriação, jurisdição e administração por parte de uma pessoa colectiva pública, então não se afigura necessário o recurso à figura do imemorial, bastando recorrer à noção de afectação implícita; é nas situações de ausência de qualquer actuação positiva da Administração (designadamente de actos de administração e gestão do bem era causa) que a figura do imemorial assume relevância, já que não podemos entender aqui que nos encontramos perante um acto administrativo de afectação, nem mesmo na forma de acto implícito. Nesta última situação, e em coerência com a delineação da figura do imemorial, os bens apenas beneficiarão de uma presunção (iuris tantum) de dominialidade”.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça posterior ao referido assento tem pugnado de forma constante pela necessidade de uma interpretação restritiva da doutrina constante de tal Assento, no sentido de a publicidade dos caminhos exigir ainda a sua afetação a utilidade pública, ou seja, que a sua utilização tenha por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância, sob pena do art.º 1383º do Código Civil ficar sem campo de aplicação e de todos os atravessadouros de uso imemorial terem de qualificar-se como caminhos públicos - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 2010 (Revista n.º 135/2002.P2.S1 - 6.ª Secção), de 19 de maio de 2011 (Revista n.º 3378/08.6TJVNF - 2.ª Secção), de 29 de setembro de 2011 (Revista n.º 302/08.8TBLLE.E1.S1 - 2.ª Secção), de 14 de fevereiro de 2012 (Revista n.º 295/04.0TBOFR.C1.S1 - 6.ª Secção), de 21 de janeiro de 2014 (Revista n.º 6662/09.6TBVFR.P1.S1 - 1.ª Secção) e de 7 de fevereiro de 2017 (Revista n.º 1758/10.4TBPRD.P1.S1 - 6.ª Secção), todos publicados integralmente em www.dgsi.pt, e ainda os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2006 (Revista n.º 1756/06 - 2.ª Secção), de 2 de fevereiro 2010 (Revista n.º 130/06.5TBAGN.C1.S1 - 6.ª Secção), de 20 de setembro de 2011 (Revista n.º 1372/03.0TBCLD.L1.S1 - 6.ª Secção), de 28 de junho de 2012 (Revista n.º 140/06.2TBCTB.C1.S1 2.ª Secção), de 29-11-2012 (Revista n.º 1800/06.3TBPLB.C1.S1 - 2.ª Secção) e de 21 de abril de 2016 (Revista n.º 319/10.2TBAGN.C1.S1 - 7.ª Secção), cujos sumários se encontram publicados em www.stj.pt.

A exigência da afetação do bem a utilidade pública segue a doutrina do Professor Marcello Caetano para quem a utilidade pública, “consiste na aptidão das coisas para satisfazer necessidades colectivas” (op. cit. página 887), a qual traduz “o verdadeiro fundamento da (sua) publicidade” (op. cit. Página 888).

A jurisprudência acima indicada, referente aos requisitos da publicidade dos caminhos é válida também para os demais bens dominiais, como os restantes bens imóveis de que é exemplo o prédio em discussão nos autos - neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de julho de 2006 (Revista n.º 1756/06 - 2.ª Secção, já citado).

Após este breve excurso sobre a aquisição do carácter dominial, importa apreciar se no caso concreto estão reunidos os requisitos acima enunciados para que se possa considerar o prédio em discussão nesta ação como integrado no domínio público municipal.

Com relevo para a decisão desta questão, estão provados os seguintes factos:

“1. O prédio denominado “Parque de São João da Ponte”, situado no Largo de S. João da Ponte, União das Freguesias de S. José de S. Lázaro e S. João do Souto, concelho de Braga, descrito na 2.ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º 2001/2011.01.25 (que corresponde à descrição em livro n.º 19821, no Livro n.º B59) e inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo urbano 3064.º (anterior art.º 793.º urbano), dele constando como causa da aquisição partilha judicial, como sujeito ativo a Confraria de S. João da Ponte, sujeito passivo Sebastião Pinto Leite, e aquisição a favor do sujeito ativo nos termos do DL nº. 195-A/1976 de 16 de março, 4º suplemento, artº. 1º, nº. 2, passa a estar registado em nome da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião, por transmissão de posição/transferência de património desde 06/02/2012 (Ap. 1665).

2. O aludido prédio mostra-se descrito com a área de 24.000 m2 (área coberta de 281 m2 e área descoberta de 23.719 m2), e com a seguinte composição e confrontações “composto, ao centro pela Capela de São João Batista e respectivo alpendre, detendo ainda, espalhados pelo logradouro da capela, um cruzeiro, um edifício social, um coreto e um quiosque alminhas e um lago, a confrontar do norte com Av. Pires Gonçalves, do sul com EN 101, do nascente com Av. da Liberdade e do poente com Parque da Ponte/Município de Braga”.

3. Estes edifícios passaram a constar da matriz predial urbana sob o art. 2214.º, após a agregação das freguesias de São José de São Lázaro e São João do Souto, ocorrida em 2013.

4. A área do prédio constante na descrição predial e na matriz foi rectificada após medição feita a pedido da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião.

5. A anterior descrição predial n.º 19821 no L.º B-59 da 2.ª Conservatória de Registo Predial de Braga correspondia a “O Jardim de São João da Ponte, prédio rústico, situado no largo do mesmo nome, freguesia de São Lázaro e consta de jardim cercado por paredes tendo ao centro a Capela de São João Baptista e ao poente um lago com uma cascata, confronta do Norte com António Roberto de Araújo Queirós, do Sul com Luiz Martins da Costa, do Nascente com Calçada Largo São João da Ponte e Poente com Luiz Martins da Costa.»”.

6. A “Fábrica da Igreja Paroquial de Santo Adrião” é uma pessoa colectiva canonicamente erecta nos termos do disposto no Código de Direito Canónico e integra a jurisdição eclesiástica da Arquidiocese de Braga.

7. A Confraria de São João da Ponte era uma pessoa jurídica de direito canónico juridicamente erecta, que foi extinta por decreto do Arcebispo Primaz de Braga datado de 23 de Janeiro de 2012.

8. Por via desse decreto, os respectivos bens integraram-se na Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, pertencente ao Arciprestado de Braga e Arquidiocese de Braga.

9. A Paróquia de Santo Adrião foi criada e constituída canonicamente por Decreto do Arcebispo Primaz de Braga datado de 29 de Dezembro de 1983.

10. Ademais, por acta datada de 11.01.2012 dessa Confraria de São João da Ponte, o aludido prédio passou a integrar a Fábrica da Igreja da Paróquia de Santo Adrião, apesar de espacialmente implantado na freguesia de São José de São Lázaro.

11. A Capela de S. João Batista, situada no aludido prédio foi construída no ano de 1616 (início da obra 1615).

12. O Parque da Mitra foi no século XIX e parte do século XX o espaço reservado para o Arcebispo de Braga ocupar durante o período das férias estivais.

13. Nos anos de 2012, 2013 e 2014 a Autoridade Tributária e Aduaneira/Serviço de Finanças de Braga 1 emitiu em nome da Paróquia de Santo Adrião a liquidação do IMI do prédio correspondente ao art.º urbano 2214 (antigo art.º urbano 3064) com capela, coreto, edifício social e quiosque, isentando do pagamento de IMI a capela.

14. Após solicitação da autora, e por despacho de 2.05.2013 foi concedida a isenção de IMI quanto ao edifício social desde 2012, inclusive.

15. A 12.03.2014 a autora fez novo pedido de isenção de IMI quanto ao coreto e ao quiosque, que foi indeferido.

16. Em Dezembro de 2018 a Paróquia de Santo Adrião pagou as facturas de energia eléctrica e de água emitidas pela EDP e pela AGERE para os contadores instalados no Largo de São João da Ponte.

17. A autora requisitou a instalação dos contadores de água e energia eléctrica para o aludido prédio, aquele em 2011 e este em data não apurada.

18. Desde tempos imemoriais (desde a sua fundação) a Capela de São Batista vem sendo utilizada pela Igreja Católica, para o culto religioso.

19. O culto sucedia semanalmente, ano após ano e nas festas católicas.

20. Desde então e até hoje, os sacerdotes e os fiéis católicos continuam a utilizar essa capela e o seu adro, para o culto religioso católico.

21. Aí exercendo ofícios religiosos, aí celebrando missa, aí fazendo festas litúrgicas ao ar livre, missas campais, e outros ofícios religiosos e de culto católico.

22. Em Outubro de 1991 o pároco de Santo Adrião, na qualidade de representante do Conselho Paroquial dos Assuntos Económicos, subscreveu um pedido escrito ao presidente da Câmara Municipal de Braga a pedir a “colaboração, a título gratuito … no arranjo da parte exterior de S. João da Ponte – poda de todas as árvores …” implantadas na zona envolvente da Capela de S. João Batista.

23. A Câmara Municipal de Braga encarregou uma equipa de técnicos para proceder à poda dessas árvores.

24. Todavia, essa equipa de técnicos em vez de podar as árvores procedeu ao seu abate.

25. O que motivou queixa do pároco de Santo Adrião, que, além da queixa, protestou junto do Presidente da Câmara Municipal de Braga.

26. No que foi secundado pela freguesia de Santo Adrião e pela imprensa local e regional, que fez inúmeras reportagens sobre esse abate de árvores.

27. O Presidente da Câmara Municipal de Braga ordenou então que se levasse a cabo um processo de inquérito a esse abate, o qual correu seus termos e terminou com um despacho de instauração e processo disciplinar contra o funcionário da autarquia responsável pelo abate das árvores.

27a. A madeira das árvores abatidas foi vendida a um madeireiro, e o valor obtido entregue à paróquia de Santo Adrião como donativo.

28.  Esse abate suscitou revolta e indignação da população que se manifestou contra o abate das árvores.

28a. Há cerca de 10 anos, um ramo de uma árvore implantada na zona envolvente da Capela de S. João Batista caiu sobre um veículo de um transeunte, que foi indemnizado pela autora.

29. Em 6 de Abril de 2016 o Arcipreste da Igreja Ortodoxa em Portugal, solicitou à Paróquia de Santo Adrião a “cedência de uma pequena parcela de terreno” para a implantação de um monumento em homenagem aos mortos que foi veio a ser construído no Parque de S. João da Ponte.

30. A autora concedeu autorização para essa construção no ajuizado prédio.

31. Em 21.02.2014 a autora e a “APS – Associação Portuguesa de SNAG assinaram um denominado “Protocolo de utilização do Parque de São João da Ponte de Braga”, para desenvolvimento de actividades desportivas desta última naquele parque, por dois anos, renovável.

32. A 13 de Abril de 2018 o Município de Braga, no parque de São João da Ponte, mais precisamente nas traseiras do monumento ao 25 de Abril e no acesso à capela, instalou um barracão, onde manteve durante o dia um guarda, como vigilante das viaturas que pretendiam estacionar no parque.

33. O réu instalara já em parte do Parque de S. João da Ponte um parque de estacionamento para o público, delimitando-o fisicamente, colocando uma nova rede de vedação.

34. Já em 9.08.2011 o réu iniciou a realização de obras de requalificação dos pavimentos e espaços verdes no “Parque de S. João da Ponte”.

35. E, no dia 11.08.2011, aplicara vedação em malha sol escorada por traves de madeira, de modo a cercar parte da zona do “Parque de S. João da Ponte”, limitando o seu acesso através de porta com fechadura.

36. E colocara máquinas no local e, pelo menos, um contentor de obras no mesmo espaço.

37. O que levou a aqui autora a interpor uma providência cautelar de embargo de obra nova contra o Município de Braga, que correu termos sob o n.º 5393/11.1TBBRG pelo 3.º Juízo Cível de Braga em 9.08.2011.

38. Na qual pedia o embargo de obra de obras de requalificação, designadamente, dos pavimentos e espaços verdes no “Parque de S. João da Ponte”.

39. Esse procedimento cautelar foi julgado improcedente por sentença proferida a 7.02.2012, aí se considerando demonstrada, ainda que indiciariamente, “a integração no domínio público do Município do terreno onde se encontravam a ser realizadas as obras …” e que era “forçoso concluir que a presunção decorrente do registo e da qual a requerente beneficiava se encontra contrariada”.

40. A aqui autora remeteu ao Município de Braga várias cartas, designadamente a 16/1/2009 e a 8/10/2009, a 19.02.2009, a 29.03.2011, a 27.07.2011, a 13.07.2011, a 15.05.2013 e a 12.03.2014;

41. Onde se arroga legítima dona e proprietária do prédio em litígio.

(…)

59. A Capela de São João Batista sempre esteve destinada a culto católico, desde a sua construção e até hoje, ininterruptamente.

60. Semanalmente a Igreja Católica celebra missa nessa capela, desde tempos imemoriais da sua construção.

61. O adro da capela e zona envolvente da capela, sempre foi utilizado pelos fiéis, semanalmente, para acesso à capela, para culto religioso, missas campais e cerimónias religiosas ao ar livre.

62. Desde pelo menos os inícios de 1800 que o Parque de S. João da Ponte constituía um espaço de livre acesso ao público, sem restrições,

63. E que era mantido, conservado e cuidado exclusivamente pela Câmara Municipal de Braga.

64. Naquele período pelo Parque passava a estrada que ligava Braga a Guimarães;

65. Sendo que ainda existiam duas pontes que faziam a travessia do Rio Este, uma delas (a mais pequena) entretanto desaparecida.

66. Era a Câmara Municipal de Braga quem fazia a limpeza do local, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, colocação de passeios, etc..

67. Tudo para o melhor usufruto possível do público, que ali acedia indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que fosse.

68. O Parque sempre esteve separado da Quinta da Mitra.

69. Em 24.05.1839 a Câmara Municipal de Braga deliberou aprovar um pedido da Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que então administrava a Capela de São João da Ponte), no qual esta solicitava autorização para criar um adro em frente à Capela e aí colocar arbustos,

70. Assumindo que seria sempre mantido um uso público no acesso ao local.

71. Na época o réu já se ocupava da conservação e gestão do espaço, que apresentava uma natureza pública, sem delimitação alguma e integrando vias de trânsito, passeios e pontes.

72. A população acedia livremente ao espaço, por ali circulando sem pedir autorização a quem quer que fosse, designadamente à autora.

73. Existia ainda um aglomerado de construções junto ao limite do que é hoje a parte final da Avenida Liberdade (logo após o rio Este), bem como existia um muro a delimitar o Parque da Quinta da Mitra.

74. Já no século XX a situação manteve-se inalterada, continuando o Parque a ser de uso e fruição pública e o réu a geri-lo, mantê-lo e conservá-lo.

75. Sendo até constituída uma Comissão dos Melhoramentos do Parque de São João da Ponte que se dedicava à sua gestão e visava o alargamento da sua área.

76. A ré queria aceder à Quinta da Mitra, para implantar um horto e um campo de jogos desportivos (como se veio a fazer).

77. Com a publicação da lei de separação do Estado da Igreja (21.04.1911) a Quinta da Mitra foi declarada propriedade do Estado, nos termos de inventário de 04.12.1911, onde constitui a verba n.º 40, e na descrição das suas confrontações diz-se o seguinte: “Confrontando pelo nascente com o parque de S. João…”.

78. Nos anos seguintes o Parque continuou a ser de uso e fruição pública;

79. Ali se fazendo as romarias do S. João e feiras de gado, aonde todos acediam sem necessitar de qualquer tipo de autorização.

80. Em Agosto de 1911 foi concedido ao réu o arrendamento da Quinta da Mitra, mediante o pagamento da renda anual de 150 escudos.

81. Por ofício de Outubro de 1911 solicitou o réu a redução da renda para 100 escudos por ano, tendo apresentado como justificação para o seu pedido o seguinte: “A Câmara, porém, atendendo a que o terreno em questão se destina ao aformosamento do parque de S. João da Ponte e portanto delles não poderá provir rendimento algum…”.

82. Posteriormente, já em Março do ano de 1917, o réu requereu ao Estado a venda da Quinta da Mitra, para construção de “campos para jogos desportivos, de viveiros para plantas ornamentaes, arvores frutíferas e outras, ampliação do Parque Público da Ponte, etc.”.

83. Após o referido em 45. a ré produziu diversas deliberações relativas ao Parque, nomeadamente para expropriação de terreno e de casas situadas junto do parque e na margem da EN n.º 27, para regularização e alinhamento da Av. da Liberdade em construção, para embelezamento e alargamento do parque, para a transformação de parte da Quinta da Mitra no Horto Municipal e em campo de jogos desportivos, para instalação da rede eléctrica no parque, bem como celebrou contratos de arrendamento com terceiros e/ou de cedeu parte de terrenos à JAE.

84. O réu procedeu à electrificação do Parque em 1926, e pagou a obra.

85. Em 20.04.1946 (como referido em 57 e 58) retorna à Igreja uma parte significativa da Quinta da Mitra, mas da listagem dos prédios devolvidos não consta o Parque, nem nenhum terreno com a sua descrição.

86. A parte da Quinta da Mitra já ocupada pelo réu não foi devolvida.

87. Nos anos seguintes a 1946 e até aos dias de hoje o réu continuou a gerir, cuidar e conservar o Parque, que manteve a sua natureza de espaço de uso público, ao qual toda a população acedia livremente.

88. Em 09.08.1951, tendo em vista a obra de alargamento e rectificação da EN 101, junto ao Parque da Ponte e no prolongamento da Av. Marechal Gomes da Costa, a ré decidiu a expropriação de três casas, propriedade de privados, sitas em S. João da Ponte e inscritas na matriz urbana de São Lázaro (arts. 788, 781 e 782).

89. E em 25.04.1963, a ré adjudicou a obra de vedação em patela de parte do Parque da Ponte.

90. E assim sempre tem actuado o réu até aos dias de hoje, procedendo à limpeza e conservação de todo o Parque, podando as árvores, executando arranjos urbanísticos como bem entende, organizando a festa de S. João através da comissão de festas e ora associação e nesse contexto emitindo as respectivas licenças aos comerciantes.

91. Tudo gastos suportados pelo erário municipal.

92. Todas as pessoas, sem restrições, acedem ao Parque, nele passeando, merendando, praticando desporto, assistindo às festividades ali realizadas.”

Esta factualidade, adquirida processualmente, permite-nos concluir, tal como consta no acórdão recorrido, pela “utilização direta e imediata do Parque de S. João da Ponte pelo público, além do uso por parte da autora para o culto religioso católico, e a frequência pelos fiéis para assistir a esses atos, bem como a celebração de missa semanal desde a construção da Capela; mas resulta também que a ré vem gerindo o uso público do Parque, dispondo, mantendo, conservando e cuidando apenas a ré do mesmo, inclusive por lá se fazendo acessos, sempre no sentido do uso e acesso público livre, sem restrições”.

Provou-se que, desde pelo menos os inícios de 1800 que o Parque de S. João da Ponte constituía um espaço de livre acesso ao público, sem restrições, sendo que, naquela época, no prédio passava também a estrada que ligava Braga a Guimarães, além de existirem duas pontes que faziam a travessia do Rio Este, uma delas (a mais pequena) entretanto desaparecida.

Mais resulta dos factos provados que o prédio se caracteriza também desde aquela época como um espaço verde, ajardinado, de passeio pela população em geral que ali acede indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que seja, ali se fazendo as romarias do S. João e feiras de gado, utilização que se mantém até à atualidade em que todas as pessoas, sem restrições, acedem ao Parque, nele passeando, merendando, praticando desporto, assistindo às festividades ali realizadas.

Face à jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de abril de 1989 (n.º 7/89, Diário da República, I, de 2 de junho de 1989), podemos concluir que os factos provados revelam que o prédio em discussão nos autos se encontra no uso direto e imediato do público, desde há mais de 200 anos, pois, é utilizado livremente por todas as pessoas nos termos acima expostos.

Apesar de não estar em causa nos presentes autos um caminho, também no caso dos autos a utilização do prédio pelo público em geral tem por objetivo a satisfação de interesses coletivos de certo grau ou relevância.

Sobre este último ponto, alega a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga que não está demonstrado no caso concreto que a utilização pelo público corresponde a um “interesse público de relevância apreciável”, pelo que, a ausência de tal prova impede a qualificação do bem como de domínio público.

Todavia, entendemos que esta alegação carece de sentido, salvo o devido respeito, pois, resulta provado que o prédio é utilizado pelo público desde há mais de 200 anos para passear, merendar, participar em feiras, romarias, assistir a festividades, e mais recentemente, praticar desporto, num espaço verde onde a população em geral pode aceder indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que seja.

Ora a existência de espaços verdes para passeio e prática das demais atividades de lazer acima descritas assume um inegável interesse coletivo de elevada relevância, inserindo-se a utilização de tais espaços no conteúdo do direito ao ambiente e qualidade de vida que constitui, no quadro da Constituição da República Portuguesa, um direito fundamental de todos os cidadãos, com consagração no respetivo art.º 66º.

Acresce que nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, “para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

(…)

b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;

c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico;

(…)

e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; (…)”

Ou seja, a manutenção de espaços verdes nas povoações com as características do prédio em disputa nos autos, para usufruto e lazer da população em geral, constitui uma obrigação do Estado e demais entidades públicas, incluindo as autarquias locais, como o aqui Réu, para garantia e defesa do direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado, sendo tal obrigação um imperativo constitucional nos termos acima referidos. E a falta de previsão de tal direito nos textos constitucionais anteriores não retira a extrema relevância social da existência deste tipo de espaços para usufruto e lazer da população.

É, assim, inegável, a nossos olhos, que a utilização do prédio, aqui em discussão, pelo público em geral tem por objetivo a satisfação de interesses coletivos de elevada relevância.

Quanto ao tempo imemorial, a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça defende que se trata de um período de tempo tão antigo que já não está na memória direta, ou indireta - por tradição oral dos seus antecessores - dos homens, que, por isso, não podem situar a sua origem  - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de maio de 2007 (Revista n.º 981/07 - 1.ª Secção), de 10 de dezembro de 2009 (Revista n.º 897/04.5TBPTM.E1.S1 - 1.ª Secção), de 13 de julho de 2010 (Revista n.º 135/2002.P2.S1 - 6.ª Secção), de 9 de fevereiro de 2012 (Revista n.º 1007/03.1TBLSD.P1.S1 - 7.ª Secção), de 14 de fevereiro de 2012 (Revista n.º 295/04.0TBOFR.C1.S1 - 6.ª Secção), de 7 de fevereiro de 2017 (Revista n.º 1758/10.4TBPRD.P1.S1 - 6.ª Secção) e de 14 de maio de 2019 (Revista n.º 927/13.0TBMCN.P1.S1 - 1.ª Secção), todos publicados em www.dgsi.pt.

No caso dos autos, estando provado o uso do prédio pelo público em geral há mais de 200 anos, é manifesto o preenchimento de tal pressuposto.

Acresce que resultou provado que desde pelo menos os inícios de 1800 que o Parque de S. João da Ponte, prédio em discussão nos autos, era mantido, conservado e cuidado exclusivamente pela Câmara Municipal de Braga, sendo esta quem fazia a limpeza do local, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, colocação de passeios, etc., tudo para o melhor usufruto possível do público, que ali acedia indiscriminadamente e sem autorização de quem quer que fosse.

Mais se provou que em 24 de maio de 1839 a Câmara Municipal de Braga deliberou autorizar a Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que então administrava a Capela de São João da Ponte), a criar um adro em frente à Capela e aí colocar arbustos, assumindo que seria sempre mantido um uso público no acesso ao local.

Provou-se também que após 1919, o Réu, Município produziu diversas deliberações relativas ao Parque, nomeadamente, para expropriação de terreno e de casas situadas junto do parque e na margem da EN n.º 27, para regularização e alinhamento da Av. da Liberdade em construção, para embelezamento e alargamento do parque, para a transformação de parte da Quinta da Mitra no Horto Municipal e em campo de jogos desportivos, para instalação da rede elétrica no parque, bem como celebrou contratos de arrendamento com terceiros e/ou de cedeu parte de terrenos à JAE.

Foi também o Réu, Município que procedeu à eletrificação do Parque em 1926, e pagou a obra. Nos anos seguintes a 1946 e até hoje, o Réu, Município continuou a gerir, cuidar e conservar o Parque, que manteve a sua natureza de espaço de uso público, ao qual toda a população acedia livremente. Também em 9 de agosto de 1951, tendo em vista a obra de alargamento e retificação da EN 101, junto ao Parque da Ponte e no prolongamento da Av. Marechal Gomes da Costa, o Réu, Município decidiu a expropriação de três casas, propriedade de privados, sitas em S. João da Ponte e inscritas na matriz urbana de São Lázaro (artºs. 788, 781 e 782). E em 25 de abril de 1963, o Réu, Município adjudicou a obra de vedação em patela de parte do Parque da Ponte, e assim sempre tem atuado o Réu, Município até aos dias de hoje, procedendo à limpeza e conservação de todo o Parque, podando as árvores, executando arranjos urbanísticos como bem entende, organizando a festa de S. João através da comissão de festas e ora associação e nesse contexto emitindo as respetivas licenças aos comerciantes, sendo os respetivos gastos suportados pelo erário municipal.

Acresce ainda a realização de obras pelo Réu, Município, com máquinas no local e, pelo menos, um contentor, iniciadas em 9 de agosto de 2011, de requalificação dos pavimentos e espaços verdes no “Parque de S. João da Ponte”; a aplicação pelo réu, no dia 11 de agosto de 2011, de vedação em malha sol escorada por traves de madeira, de modo a cercar parte da zona do “Parque de S. João da Ponte”, limitando o seu acesso através de porta com fechadura; a instalação no prédio por parte do réu de um parque de estacionamento para o público, delimitando-o fisicamente, colocando uma nova rede de vedação, tendo em 13 de abril de 2018 instalado um barracão nas traseiras do monumento ao 25 de Abril e no acesso à capela, onde manteve durante o dia um guarda, como vigilante das viaturas que pretendiam estacionar no parque.

É, assim, patente que o prédio em discussão nos autos foi apropriado e administrado pelo Réu, Município, desde há mais de 200 anos, sobre o qual tem exercido a sua jurisdição administrativa, procedendo à sua conservação e melhoria, pelo que, também por esses atos, conjugados com o uso público desde tempos imemoriais, e de acordo com a doutrina e jurisprudência acima citadas, é inegável a integração do bem imóvel no domínio público do Réu, Município, daí que, atenta esta conduta do Réu, Município, está em causa nos autos uma “afectação tácita ou implícita” do prédio aqui em discussão, por parte do Réu, Município, o que, só por si, constitui pressuposto de aquisição da dominialidade.

Podemos, assim, concluir, como no acórdão recorrido, pela integração do prédio em discussão nos autos, denominado Parque de S. João da Ponte, no domínio público municipal, resultando essa dominialidade não da lei, mas do uso direto e imediato de tal bem pelo público, desde tempos imemoriais, e da sua afetação à utilidade pública nos termos acima expostos, a que acresce o facto do Município de Braga, desde há mais de 200 anos administrar o prédio em causa, procedendo à sua conservação e melhoria, e exercendo a autoridade administrativa sobre o mesmo.

Num caso com contornos similares ao dos presentes autos, julgado pelo Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de 8 de maio de 2007 (Revista n.º 981/07 - 1.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt), em que estava também em causa a existência dos pressupostos da dominialidade do adro de uma Igreja Paroquial, entendeu-se que essa designação como “adro” não implicava, sem mais, a sua classificação como logradouro do templo.

Na situação apreciada por esse aresto, estava em causa uma parcela de terreno “com a área de 2549 m2; onde as pessoas estacionavam os veículos, sobretudo os que se dirigiam à Igreja, sendo também nesse terreno que o povo da freguesia organizava as festas, folguedos populares e actividades culturais; colocavam palcos e estrados para actuação das bandas de música e grupos folclóricos e, nos dias de feira, barracas e brinquedos; a estrutura arquitectónica havia sido financiada pelo Governo, Câmara Municipal e fiscalizada por um engenheiro do Estado; a Junta de Freguesia construiu um abrigo para passageiros dos autocarros, procedeu à plantação de árvores, mandou instalar caixas para contadores de água e autorizou a instalação de uma cabine telefónica; mandou pavimentar o acesso à Casa do Povo e substituiu os candeeiros de iluminação pública, subsidiados pela Câmara Municipal; há 50 e mais anos que efectuou obras e colaborou no arranjo do adro; solicitou à Câmara Municipal o seu ajardinamento, sendo, as mais das vezes, a pedido da ré; desde tempos imemoriais que todas as pessoas de forma livre e indiscriminada, fazem passagem pelo largo, a pé e de carro.”

Concluiu-se nesse acórdão que este conjunto de factos permite “que se conclua pela existência dos pressupostos da dominialidade do adro da Igreja: - uso directo e imediato pelo público; - desde tempos imemoriais; - para satisfação de interesses colectivos, com a relevância casuística na ponderação das circunstâncias locais.”

Também no caso dos autos, consideramos que estão reunidos os pressupostos da dominialidade do prédio reivindicado pela demandante, nos mesmos termos considerados neste aresto.

3.1.6.2. Do valor dos factos relativos à utilização da Capela e espaço adjacente para o culto católico à luz da Concordata entre a Santa Sé e Portugal, e do direito canónico

A conclusão acima alcançada sobre a integração do prédio no domínio público municipal não é negada pelos factos provados relativos à utilização, pela Igreja Católica, para o culto da Capela de São Baptista, desde a respetiva fundação no ano de 1616.

Alega a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga que essa utilização é suficiente para provar que a demandante é proprietária do prédio urbano composto por Capela e tudo o mais envolvente.

Resultou provado que a Capela de S. João Batista, situada no aludido prédio, foi construída no ano de 1616 (início da obra 1615) e que desde a sua fundação, vem sendo utilizada pela Igreja Católica, para o culto religioso.

Mais se provou que o culto sucede semanalmente, ano após ano, e nas festas católicas, e que, desde então e até hoje, ininterruptamente, os sacerdotes e os fiéis católicos continuam a utilizar essa capela e o seu adro, para o culto religioso católico, aí exercendo ofícios religiosos, aí celebrando missa, aí fazendo festas litúrgicas ao ar livre, missas campais, e outros ofícios religiosos e de culto católico.

Em primeiro lugar, como resulta da restante factualidade provada, a utilização pelo público em geral do prédio em discussão nos autos não se esgota no exercício do culto religioso, disfrutando o público de todas as outras valências do prédio nos termos acima expostos e que justificam a integração do bem no domínio público.

Refira-se que resultou provado que em 24 de maio de 1839 a Câmara Municipal de Braga deliberou aprovar um pedido da Irmandade de Nossa Senhora do Parto (que então administrava a Capela de São João da Ponte), no qual esta solicitava autorização para criar um adro em frente à Capela e aí colocar arbustos, assumindo que seria sempre mantido um uso público no acesso ao local, sendo que nessa época, o Município, Réu já se ocupava da conservação e gestão do espaço, que apresentava uma natureza pública, sem delimitação alguma e integrando vias de trânsito, passeios e pontes.

Por outro lado, ao contrário do que é alegado pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga, e como se afirma no acórdão recorrido, a utilização do prédio para o culto não implica a posse do mesmo, e muito menos implica a automática titularidade por parte da demandante do direito de propriedade sobre o mesmo bem.

Tal resulta desde logo do conteúdo da Concordata entre a República Portuguesa e a Santa Sé, concluída em 18 de maio de 2004, aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004, de 16 de novembro, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 80/2004, de 16 de novembro, e publicada no Diário da República I-A, n.º 269, de 16 de novembro de 2004 (Resolução da Assembleia da República n.º 74/2004).

No art.º 24º n.º 1 desta Concordata, prevê-se que “Nenhum templo, edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, a não ser mediante acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e por motivo de urgente necessidade pública.”

Idêntica disposição já constava da anterior Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em 1940, em cujo art.º VII constava que “Nenhum templo, edifício, dependência ou objecto do culto católico pode ser demolido ou destinado pelo Estado a outro fim, a não ser por acôrdo prévio com a Autoridade eclesiástica competente ou por motivo de urgente necessidade pública, como guerra, incêndio ou inundação.”

Também no art.º 25º da Concordata de 2004 se prevê que:

“1 - A República Portuguesa declara o seu empenho na afectação de espaços a fins religiosos.

2 - Os instrumentos de planeamento territorial deverão prever a afectação de espaços para fins religiosos.

3 - A Igreja Católica e as pessoas jurídicas canónicas têm o direito de audiência prévia, que deve ser exercido nos termos do direito português, quanto às decisões relativas à afectação de espaços a fins religiosos em instrumentos de planeamento territorial.”

É manifesto que estas disposições pressupõem a existência de bens que integrem o domínio público estadual, das Regiões Autónomas ou dos Municípios, bem como de bens que sejam propriedade privada do Estado ou de outras entidades públicas, e que estejam afetos ao culto católico, como é o caso do prédio que é objeto desta ação.

Não existe, assim, qualquer coincidência necessária entre os bens afetos ao culto católico e os bens que sejam propriedade da Igreja Católica.

Tal decorre igualmente do Código de Direito Canónico a que se encontra vinculada a demandante, promulgado em 1983, no qual se distinguem claramente os lugares sagrados previstos nos Cânones 1205 a 1243 e os bens temporais da Igreja previstos nos Cânones 1254 a 1310, não havendo necessária coincidência entre uns e outros.

Dispõe o Cân. 1205 que: “Lugares sagrados são aqueles que, mediante a dedicação ou a bênção prescrita pelos livros litúrgicos, se destinam ao culto divino e à sepultura dos fiéis.”, sendo que “a dedicação de qualquer lugar pertence ao Bispo diocesano e aos que, pelo direito, se lhe equiparam; os mesmos podem confiar a qualquer Bispo ou, em casos excepcionais, a um presbítero, o múnus de realizar a dedicação dentro do seu território” (Cân. 1206). “Os lugares sagrados são benzidos pelo Ordinário; todavia a bênção das igrejas está reservada ao Bispo diocesano; um e outro, porém, podem para tanto delegar outro sacerdote” (Cân. 1207). Por sua vez, “pelo nome de igreja entende-se o edifício sagrado destinado ao culto divino, ao qual os fiéis têm o direito de acesso para exercerem, sobretudo publicamente, o culto divino” (Cân. 1214).

Das disposições acima citadas, resulta que “são dois os elementos jurídicos que constituem um lugar em sagrado: a) o destino do lugar ao culto ou sepultura feito pela autoridade competente: e b) a dedicação ou bênção litúrgica” (Pedro Lombarda, Juan Ignacio Arrieta, Código de Direito Canónico Anotado, trad. portuguesa José Marques, Braga, 1984, pág. 743). Não constitui assim requisito necessário para a constituição de um lugar em sagrado que a propriedade desse bem pertença à Igreja Católica.

O que decorre deste regime é que “a condição sagrada de um lugar supõe uma limitação de direito público, que onera o direito de propriedade sobre ele, pois o seu destino para o culto não permite que seja utilizado para outros fins, e dá à autoridade eclesiástica certos direitos sobre o lugar (vigilância, inspecção, etc.), encaminhados para proteger e conservar o carácter sagrado do mesmo, e para estabelecer a disciplina que deve seguir-se em tal lugar” (Pedro Lombarda, Juan Ignacio Arrieta, op. cit., pág. 744).

Com efeito, de acordo com Cân. 1213, “nos lugares sagrados a autoridade eclesiástica exerce livremente os seus poderes e funções”.

Em anotação a este Cânone, os mesmos Autores acima citados defendem que este cânone se refere “ao direito que tem a Igreja de exercer nos lugares sagrados o seu tríplice ministério, em especial o de regime, sem que tenha direito a interferir nele a autoridade civil. Isto não significa que os lugares sagrados estejam absolutamente isentos da jurisdição civil, pois se trata de bens que, sejam ou não de propriedade eclesiástica, se encontram dentro do âmbito das leis civis e administrativas do país em que se encontrem; mas o seu carácter sagrado supõe um limite, tanto para a propriedade dos mesmos como para as leis civis que os afectem. Os ordenamentos estatais costumam contemplar, como parte integrante do direito de liberdade religiosa, o direito das confissões de estabelecer e possuir lugares de culto, sem mais intervenção das autoridades civis que a necessária para manter a ordem pública (Pedro Lombarda, Juan Ignacio Arrieta, op. cit., pág. 746).”

Como exemplo, os Autores referem o art.º VII da Concordata entre a Santa Sé e o Estado Português celebrada em 1940 já acima citado, e que corresponde no essencial ao atual art.º 24º da Concordata de 2004.

Por outro lado, no livro V do Código de Direito Canónico, relativo aos “Bens temporais da Igreja”, prevê-se no Cân. 1254, § 1, que “a Igreja Católica, por direito originário, independentemente do poder civil, pode adquirir, conservar, administrar e alienar bens temporais para prosseguir os fins que lhe são próprios”.

Sendo que esses fins próprios são principalmente, de acordo com o § 2 do mesmo Cânone: “ordenar o culto divino, providenciar à honesta sustentação do clero e dos outros ministros, exercer obras do sagrado apostolado e de caridade, especialmente em favor dos necessitados.”

Assim, de acordo com o direito canónico, nada impede que uma igreja ou uma capela destinada ao culto não seja propriedade ou não esteja na posse da Igreja Católica, regendo cada país as regras próprias da relação entre o Estado e a Igreja, podendo, por outro lado, a Igreja ser proprietária de bens móveis ou imóveis que não sejam destinados ao culto.

Em Portugal, por força da Concordata de 2004, pertencendo o prédio denominado Parque de S. João da Ponte, no qual se integra a Capela de S. João Batista e espaço adjacente, ao domínio público municipal, e destinando-se tais espaços ao culto católico, está o Estado e demais entidades públicas, nas quais se inclui o aqui Município, Réu, obrigados a respeitar esse culto, não podendo demolir, ocupar, sujeitar a obras ou destinar aqueles espaços a outra qualquer finalidade, sem que exista acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e sempre por motivo de urgente necessidade pública. É assim evidente, que o culto católico em nada contende com a natureza pública do prédio, improcedendo a argumentação da Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga.

3.1.6.3. Da pertinência dos atos praticados pela demandante em relação ao prédio reivindicado, descritos nos pontos 28 a 32 e 42 a 47 dos factos provados, quanto a uma pressuposta desafetação do prédio do domínio público municipal

Também os restantes atos praticados pela demandante em relação ao prédio reivindicado, descritos nos pontos 28 a 32 e 42 a 47 (emissão em nome da Paróquia de Santo Adrião da liquidação do IMI respeitante ao prédio nos anos de 2012 a 2014; pedido de isenção de IMI nos anos de 2013 e 2014; pagamento em 2018 de despesas de consumos de energia eléctrica e de água; requisição da instalação dos contadores de água e energia eléctrica para o aludido prédio; reparação pela autora dos danos decorrentes da queda de um ramo de uma árvore implantada na zona envolvente da Capela de S. João Batista sobre um veículo de um transeunte há cerca de 10 anos; autorização concedida pela autora em 2016 para a construção no prédio de um monumento em homenagem aos mortos pela Igreja Ortodoxa em Portugal; celebração de protocolo em 2014 com associação desportiva para desenvolvimento de actividades desportivas no prédio; envio de várias cartas pela autora ao réu entre 2009 e 2014 onde aquela se arroga legítima dona e proprietária do prédio em litígio), não contendem com a conclusão acima alcançada quanto à integração do prédio no domínio público.

Com efeito, estando o prédio integrado no domínio público municipal desde data muito anterior à prática dos atos acima descritos pela demandante, tais factos poderiam ter relevância quanto a uma eventual desafetação tácita do prédio do domínio público.

Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2018 (Revista n.º 2592/16.3T8SNT.L1.S1 - 2.ª Secção, publicado em www.dgsi.pt), “a extinção do estatuto da dominialidade pública pode ocorrer através de desclassificação legal, desclassificação administrativa, desafectação e degradação.”

Podendo estar em causa nos autos a desafetação, prevê o art.º 17º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público aprovado pelo Decreto-Lei n.º 280/2007 de 7 de agosto que “Quando sejam desafectados das utilidades que justificam a sujeição ao regime da dominialidade, os imóveis deixam de integrar o domínio público, ingressando no domínio privado do Estado, das Regiões Autónomas ou das autarquias locais.”

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem admitido de forma consistente a figura da desafetação tácita (ou desafetação implícita), defendendo-se no referido acórdão de 7 de junho de 2018, acima citado, que “a aceitação da possibilidade de extinção do estatuto de dominialidade através da desafectação tácita - com a consequente transição do bem do domínio público para o domínio privado da entidade pública, deixando de estar sujeito aos princípios da inalienabilidade, da imprescritibilidade e da impenhorabilidade, próprios dos bens do domínio público - exige que tenha ocorrido o abandono da função pública do bem, aferido por comportamentos inequívocos da administração, bem como o decurso de um período de tempo significativo, correspondente, pelo menos, ao dobro do prazo máximo de usucapião.”

Neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem considerado que a desafetação tácita corresponde aos casos em exista uma mudança de situações ou de circunstâncias que haja modificado o condicionalismo de facto necessariamente pressuposto pela qualificação jurídica, exigindo-se que o bem deixe de servir o fim da utilidade pública, nomeadamente, por deixar de ser utilizado pelo público de forma continuada e definitiva, e passe a estar nas condições comuns aos bens do domínio privado da Administração - para além do Acórdão acima citado, vejam-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho de 2010 (Revista n.º 135/2002.P2.S1 - 6.ª Secção), de 13 de janeiro 2004 (Revista n.º 3433/03 - 1.ª Secção), de 14 de outubro de 2004 (Revista n.º 2576/04 - 7.ª Secção), de 19 maio de 2011 (Revista n.º 3378/08.6TJVNF - 2.ª Secção), todos publicados em www.dgsi.pt, e ainda o Acórdão de 11 de janeiro de 2017 (Revista n.º 42/13.6TBMDB.G1.S1 - 1.ª Secção), não publicado na DGSI, mas cujo sumário se encontra publicado em www.stj,pt.

No caso dos autos, de acordo com a factualidade provada, é manifesto que não se verificam os pressupostos desta desafetação tácita, pois, não só o prédio continua a ser utilizado pelo público em geral que a ele acede sem qualquer restrição, como o imóvel continua a satisfazer interesses coletivos de elevada relevância, pois, a população em geral continua a utilizar o prédio para passear, merendar, participar em feiras, romarias, assistir a festividades e praticar desporto, nisso consistindo o fim da utilidade pública que o prédio continua a servir.

Ademais, não obstante, os apurados atos praticados pela demandante, provou-se que continua a ser o Réu, Município, através da respetiva Câmara Municipal, que continua a manter e conservar o prédio, efetuando a limpeza do local, a conservação, a poda de árvores, o ajardinamento, a pavimentação de vias, colocação de passeios, etc., tudo para o melhor usufruto possível do público. Não relevam, assim, os referidos factos provados.

3.1.6.4. Da importância no caso dos autos da evolução legislativa quanto às relações entre o Estado e a Igreja Católica

Sustenta também a Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga que o prédio reivindicado foi confiscado em 1910 pela Lei de Separação do Estado e da Igreja e devolvido e entregue à demandante, por via da aplicação e efeito direto do art.º 6º da Concordata de 1940 e do art.º 44º do Decreto-Lei nº 30.615, de 25.07.1940, sem necessidade, portanto, de qualquer formalidade ou auto de entrega, pelo que, o acórdão impugnado, coonestando o julgado em 1.ª instância, violou o art.º 6º da Concordata de 1940 e o art.º 44º do Decreto-Lei nº 30.615, de 25.07.1940, e o art.º 8º n.º 1 e 2 da Constituição da Republica Portuguesa.

Desde já adiantamos que também carece de sentido, salvo o devido respeito, este particular argumentário da Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga.

Quanto à alegada violação do disposto na Concordata celebrada entre a Santa Sé e o Estado Português, remetemos para o já discreteado acima, não se verificando qualquer violação da Concordata, não estando sequer em causa nos presentes autos qualquer impedimento por parte do Réu, Município, ao exercício do culto católico no prédio reivindicado, nem tal matéria constitui o objeto dos autos.

Discute-se nesta ação apenas a aquisição do direito de propriedade sobre tal imóvel, prevendo a Concordata, sublinhamos, a possibilidade dos lugares sagrados destinados ao culto católico, como as Igrejas e Capelas, pertencerem ao Estado português ou outros entidades públicas, obrigando-se a República Portuguesa a não demolir, ocupar, sujeitar a obras ou destinar a outro fim aqueles mesmos espaços sagrados, a não ser mediante acordo prévio com a autoridade eclesiástica competente e por motivo de urgente necessidade pública, declarando ainda o Estado Português o seu empenho na afetação de espaços a fins religiosos.

No que respeita à Lei da Separação do Estado e da Igreja de 20 de abril de 1911, publicada no Diário do Governo n.º 92, de 21 de abril de 1911, previa-se no seu art.º 62º que: “Todas as catedraes, igrejas e capellas, bens immobiliarios e mobiliários, que teem sido ou se destinavam a ser applicados ao culto publico da religião catholica e à sustentação dos ministros d'essa religião e de outros funccionarios, empregados e serventuários d'ella, incluindo as respectivas bemfeitorias e até os edificios novos que substituíram os antigos, são declarados, salvo o caso de propriedade bem determinada de uma pessoa particular ou de uma corporação com individualidade juridica, pertença e propriedade do Estado e dos. corpos administrativos, e devem ser, como taes, arrolados e inventariados, mas sem necessidade de avaliação nem de imposição de sellos, entregando-se os mobiliarios.de valor, cujo extravio se receiar, provisoriamente á guarda das juntas de parochia ou remettendo-se para os depósitos públicos ou para os museus.”

Também no art.º 104º do mesmo diploma consta o seguinte: “Os paços episcopaes, presbyterios e seminários não applicados nos termos dos artigos anteriores, os terrenos rústicos, annexos ou não, e os demais bens mobiliários e immobiliarios não mencionados nos artigos 89 ° e seguintes, incluindo todos os titules de divida publica averbados aos ministros da religião catholica nessa qualidade, e os das mitras, cabidos, sés, collegiadas, fabricas, passaes, igrejas, e demais corporações de caracter religioso ou cultual, que não sejam das referidas no artigo 17.°, e quer se achem já extinctas por leis anteriores, quer o fiquem pelo presente decreto com força de lei, poderão ser, desde já, destinados pelo governo, directamente ou pelo que produzirem, a qualquer fim de interesse social, e serão definitivamente applicados, depois da sua incorporação nos bens próprios da fazenda nacional, e sem prejuízo do disposto no artigo 112.°, sucessivamente, aos seguintes destinos:

1.º Ao pagamento dos encargos resultantes da concessão de pensões a que se referem os artigos 113.º e seguintes;

2.º Á obra de preservação dos menores em perigo moral, criada pelo decreto de 1 de janeiro de 1911;

3.º A quaesquer outros fins de assistência e beneficência;

4.° A quaesquer fins de educação e instrucção.”

Porém, em primeiro lugar, se o prédio denominado Parque de S. João da Ponte já integrava em 1911 o domínio público municipal, como decorre da factualidade provada e acima foi exposto, tanto mais que o Réu, Município já administrava e exercia a autoridade pública sobre o imóvel desde, pelo menos, o início do século XIX, não se justificava qualquer declaração de transferência da propriedade sobre tal prédio para o Estado, uma vez que não se transferiram os prédios que já integravam o domínio público.

Em segundo lugar, a referida lei de 1911 previa que os prédios transferidos para o Estado ao abrigo desse diploma fossem arrolados e inventariados, não constando da facticidade adquirida processualmente qualquer facto que aponte que o prédio em discussão nos autos tenha sido objeto desse arrolamento.

No art.º VI da Concordata celebrada entre o Estado Português e a Santa Sé em 1940 previa-se que: “É reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que anteriormente lhe pertenciam e estão ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com seus passais, seminários com suas cêrcas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto e religião católica, salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos ou classificados como “monumentos nacionais” ou como “imóveis de interêsse público”.

Os bens referidos na alínea anterior que não estejam actualmente na posse do Estado podem ser transferidos à Igreja pelos seus possuidores sem qualquer encargo de caracter fiscal, desde que o acto de transferência seja celebrado dentro do prazo de seis mêses a contar da troca das ratificações desta Concordata”. (…) No que respeita ao Decreto-Lei n.º 30.615, de 25.07.1940, o mesmo promulgou várias disposições relativas à celebração do casamento e reconheceu à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que à data de 1 de Outubro de 1910 lhe pertenciam e estavam ainda na posse do Estado, salvo os que se encontrassem aplicados a serviços públicos ou classificados como monumentos nacionais ou como imóveis de interesse público.

Com efeito, dispunha o primeiro parágrafo do art.º 41º deste diploma que: “É reconhecida à Igreja Católica em Portugal a propriedade dos bens que à data de 1 de Outubro de 1910 lhe pertenciam e estão ainda na posse do Estado, como templos, paços episcopais e residências paroquiais com os seus passais, seminários com suas cercas, casas de institutos religiosos, paramentos, alfaias e outros objectos afectos ao culto da religião católica, salvo os que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos ou classificados como “monumentos nacionais” ou como “imóveis de interesse público”.”

No caso dos autos, em primeiro lugar, tal como acima foi dito, não estando demonstrado que o prédio em discussão - Parque de S. João da Ponte - havia sido abrangido pela Lei de Separação do Estado e da Igreja de 1911, por já se encontrar incluído no domínio público municipal, por maioria de razão, também carece de sentido incluir tal prédio no âmbito de aplicação do art.º VI da Concordata de 1940 e do referido Decreto-Lei nº 30.615, de 25.07.1940, por não ter que ser devolvido o que desde o início do sec. XIX, ou seja, em data muito anterior a 1910, já integrava o domínio público.

Em segundo lugar, ainda que assim se não entenda, atendendo a que, nos termos acima expostos, se conclui que o prédio aqui em causa foi sempre utilizado e acedido nos últimos 200 anos pelo público em geral, sem quaisquer restrições, para as finalidades acima descritas, que assumem um inegável interesse coletivo de elevada relevância, estando preenchidos os pressupostos para que se possa considerar tal imóvel como incluído no domínio público, sempre se verificaria a exceção prevista na parte final do primeiro parágrafo do art.º VI da Concordata de 1940, e na parte final do primeiro parágrafo do art.º 41º do Decreto-Lei nº 30.615, acima transcrito, relativa à permanência na esfera do Estado dos bens “que se encontrem actualmente aplicados a serviços públicos”, como é o caso do prédio objeto dos autos.

Aplicar-se-ia, assim, o art.º 42º do mesmo Decreto-Lei segundo o qual “os bens mencionados no artigo anterior que se encontram aplicados a serviços públicos e ainda não mandados entregar à Igreja ficarão definitivamente na posse e propriedade do Estado, ainda que de futuro venha a cessar a sua actual aplicação, e consideram-se, a partir da publicação deste diploma, como encorporados no património do Estado.”

O § único desse artigo apenas excluía dessa previsão “os bens que possam servir ou destinar-se a residência de párocos ou a quintal”, o que não sucede no caso em apreço.

Em terceiro lugar, o art.º 43º deste Decreto-Lei prevê que “os bens cuja propriedade é reconhecida à Igreja serão entregues, mediante prévio requerimento, mas sem dependência de organização de processo, às associações e organizações a que se referem os artigos III e IV da Concordata.”

Segundo o § 1.º do mesmo artigo, “a entrega será efectuada pela secção de finanças do respectivo concelho ou bairro e dela se lavrará auto em triplicado, ficando um dos exemplares no arquivo do município, outro em poder da associação ou organização respectiva e devendo o terceiro ser remetido à Direcção Geral da Fazenda Pública, onde ficará arquivado.”

Nos termos do § 2.º do mesmo preceito, “no próprio auto ou em documento à parte serão devidamente inventariados os bens compreendidos na entrega.”

Por sua vez, dispunha o art.º 44º que: “Os bens que hajam sido entregues em uso e administração às corporações encarregadas do culto, nos termos da legislação vigente, considerar-se-ão como entregues, em execução do disposto no artigo anterior, independentemente de qualquer formalidade”.

O art.º 46º do mesmo diploma previa ainda que: “os bens compreendidos no artigo 43.º deste decreto-lei que não hajam sido arrolados poderão ainda sê-lo, por intermédio das respectivas secções de finanças, desde que a autoridade eclesiástica o requeira à Direcção Geral da Fazenda Pública no prazo de dois anos a contar da publicação do presente diploma”.

Nos presentes autos, não resultou provada a formulação de qualquer requerimento no sentido da entrega por parte do Estado do prédio que está aqui em discussão, nem resultou provado que o referido prédio tenha sido entregue pelo Estado à Igreja Católica de acordo com os trâmites previstos nas disposições legais acima mencionadas.

Importa salientar que as referências contidas nos factos provados à Quinta da Mitra não têm qualquer relevância pois resultou provado que o prédio reivindicado nesta ação, denominado Parque de S. João da Ponte, esteve sempre separado da Quinta da Mitra, não se confundido os dois prédios.

Nos termos constantes do ponto 57 dos factos provados, o Estado, através da Repartição de Finanças de Braga, procedeu à entrega, em 20 de Abril de 1946, à então Arquidiocese de Braga, dos Montados denominados “Quinta da Mitra”, descritos para desamortização na lista n.º 2496-B, sob as verbas 4, 5 e 6 que se compõem dos lotes identificados nesse ponto da factualidade provada, sendo que nenhum desses lotes corresponde, ainda que parcialmente, ao prédio aqui em discussão, o que resulta desde logo das diversas inscrições prediais e matriciais.

Com efeito, o prédio aqui em discussão está descrito na 2.ª Conservatória de Registo Predial de Braga sob o n.º 2001/2011.01.25 (que corresponde à descrição em livro n.º 19821, no Livro n.º B59) e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo urbano 3064.º (anterior art.º 793.º urbano), enquanto os prédios devolvidos pelo Estado à Igreja Católica, segundo o respetivo auto de entrega, “estão descritos na Conservatória do Registo Predial no libro B-92 … sob os números 32.940, 32.941 e 32.942 e na matriz predial sob os artigos 61, 63, 64 e 66” (ponto 58 dos factos provados). Resulta também do ponto 81 dos factos provados que “em 20.04.1946 (como referido em 57 e 58) retorna à Igreja uma parte significativa da Quinta da Mitra, mas da listagem dos prédios devolvidos não consta o Parque, nem nenhum terreno com a sua descrição.”

Assim, como se concluiu no acórdão recorrido, “não se provou que em cumprimento ou execução dos artºs. 41º e 43º do Decreto nº. 30.615 - ou 44º-, os terrenos onde se situa o Parque de São João da Ponte fossem de novo entregues à autora. A ausência de qualquer formalidade não engloba a desnecessidade de requerimento no caso do artº. 43º, e um ato (auto) de entrega no caso desse artigo e do artº. 44º, que não foi apresentado no caso concreto. Nada na Lei sugere que as capelas não fossem devolvidas através de auto de posse, muito pelo contrário –e se antes eram arroladas também a sua devolução seria através de auto”.

Improcede, pois, também neste particular, o alegado pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga.

3.1.6.5. Das demais questões suscitadas pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga

Concluindo-se que o prédio denominado Parque de São João da Ponte se encontra integrado no domínio público municipal, desde há tempos imemoriais (a utilização pelo público em geral remonta ao início do século XIX), como acima já expusemos, tal implica que o referido prédio se considera fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados, nem objeto de transmissão por instrumentos de direito privado e muito menos é suscetível de aquisição por usucapião (art.º 202º n.º 2 do Código Civil e artºs. 18º e 19º do Regime Jurídico do Património Imobiliário Público (DL n.º 280/2007 de 7 de agosto).

Carece, assim, de sentido, as referências da Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga ao registo predial do imóvel aqui em discussão, quando afirma que “era impossível (do ponto de vista jurídico) que, antes de 1904, o ajuizado prédio fosse do domínio público porque, nessa data, o domínio direto e a enfiteuse incidiam sobre o prédio, como o certifica a certidão da Constituição da Républica Portuguesa, junta em audiência com inscrição dessa enfiteuse sob o número 19.821. O prédio nunca integrou nem poderia integrar o domínio público, porque constando o prédio do registo predial em 1904 e tendo como titular inscrito a Confraria de S. João, não poderia existir domínio público sobre o prédio, porque o registo predial incide apenas sobre domínio privado e publicita os direitos para efeito de comércio jurídico.”

Estando o prédio aqui em discussão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados, não pode também ser objeto do registo predial, excecionando-se apenas, no que respeita aos bens do domínio público, a concessão sobre esses bens e as suas transmissões, quando sobre o direito concedido se pretenda registar hipoteca (art.º 2º n.º 1, alínea x) do Código de Registo Predial).

São, pois, irrelevantes as descrições e as inscrições de factos existentes no registo predial em relação à enfiteuse ou qualquer outro direito, sendo certo que a inclusão do bem no domínio público é muito anterior a 1904, como resulta do acima exposto.

Resulta também prejudicada a apreciação das questões alegadas pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga no que concerne à presunção decorrente do registo predial, bem como à presunção decorrente da posse, alegadamente exercida pela demandante sobre o prédio. Integrando o prédio o domínio público, não pode sobre o mesmo ser exercida posse por parte da demandante ou de qualquer outra pessoa privada.

Daqui decorre resultar prejudicada a apreciação da questão suscitada pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga quanto à alegada indivisibilidade do prédio quando afirmou no seu recurso que “o Tribunal reconhece que, sendo indiscutivelmente a Capela propriedade sua, tudo o mais que a envolve, isto é, o adro, é, nolens, volens, também sua pertença: estamos perante um prédio urbano e, como tal, indivisível.”

Ora, como acima se concluiu, a capela e respetivo adro, assim, como todo o restante espaço adjacente, integram o domínio público municipal como entenderam as Instâncias, sendo a totalidade do prédio insuscetível de apropriação individual ou de ser objeto de direito privados, como é o direito de propriedade.

3.1.7. Na improcedência das conclusões retiradas das alegações, trazidas à discussão pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga, não reconhecemos à respetiva argumentação virtualidade no sentido de alterar o destino traçado no Tribunal recorrido, donde, na ausência de qualquer reparo, manter-se-á o aí decidido.

III. DECISÃO

Pelo exposto e decidindo, os Juízes que constituem este Tribunal, acordam em julgar improcedente o recurso interposto, negando-se, consequentemente, a revista.

Custas pela Recorrente/Autora/Arquidiocese de Braga.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 11 de maio de 2023

                                                                                                      

Oliveira Abreu (Relator)

Nuno Pinto Oliveira

Ferreira Lopes