Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2738/19.0T8STR.E1.S2
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: REVISTA EXCECIONAL
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS POR ESTRADA - TIR
REMUNERAÇÃO
Data do Acordão: 11/29/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA EXCEPCIONAL
Decisão: ADMITIDA A REVISTA EXCECIONAL.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I- Praticado pela empregadora um sistema remuneratório que consistia no pagamento, para além da remuneração base, de denominadas “ajudas de custo”, em substituição de outras componentes previstas no CCTV, o acórdão recorrido condenou-a a pagar ao trabalhador as quantias em dívida à luz do respetivo regime, sem qualquer dedução.
II- Diferentemente, o acórdão-fundamento (proferido pelo Tribunal da Relação de Évora), considerando nulo o sistema remuneratório praticado pela empregadora, por ser menos favorável para o trabalhador do que o previsto no CCTV, entendeu que este tinha direito a receber as quantias devidas por força deste instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, deduzidas de tudo o que lhe fora prestado.
III- Configura-se uma contradição entre os dois acórdãos, para efeitos do disposto no art. 672º, n.º 1, c), do CPC.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 2738/19.0T8STR.E1.S2  (revista excecional)
MBM/JG/RP


Acordam na Formação prevista no artigo 672.º, n.º 3, do CPC, junto da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.

1. AA intentou ação com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra SINTAX LOGÍSTICA TRANSPORTES, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global de € 83 244,63, bem como juros de mora à taxa legal de 4%, vencidos e vincendos, sobre a quantia de € 60 120,47, até integral pagamento.

2. Para tanto, alegou, em síntese:

Foi admitido ao serviço da ré como motorista de transportes internacionais, a partir de 07.07.2003, vindo a denunciar o contrato com efeitos a 2 de novembro de 2018.

A ré não pagava as refeições à fatura, nem fazia os adiantamentos para esse efeito e, em vez disso, pagava-lhe uma quantia mensal calculada em função dos quilómetros percorridos.

A ré nunca remunerou o autor com o acréscimo da retribuição prevista na cláusula 74.ª, n.º 7, do CCT, nem, quanto aos subsídios de férias e de Natal, com o “prémio TIR” aplicável.

Recebia o pagamento de uma quantia diária a título de ajudas de custo, que deve se qualificada como retribuição, pelo que tem direito a receber a média mensal calculada em cada ano, nas férias e no subsídio de férias.

3. A ré contestou, invocando, essencialmente, que o A. deu o seu acordo ao sistema alternativo que foi implementado, que é globalmente mais favorável do que o previsto no CCTV.

4. A ação foi julgada procedente na 1ª Instância, tendo a R. sido condenada a pagar ao A.:

a) A quantia de € 14 245,86, a título de Cláusula 74.º, n.º 7, dos anos de 2003 a 2006;
b) A quantia de € 5 917,96, a título de Cláusula 74.º, n.º 7, no subsídio de férias dos anos de 2004 a 2018;
c) A quantia de € 251,27, de Prémio TIR dos anos de 2004 e 2005;
d) A quantia de € 221,34, a título de remanescente da Cláusula 74.ª, n.º 7, e Prémio TIR no subsídio de Natal de 2003;
e) A quantia de € 461,83, a título de proporcionais do subsídio de férias de 2003;
f) A quantia de € 16,07, a título da 5.ª diuturnidade do mês de julho de 2018;
g) A quantia de € 9,14, a título diferença do valor da 5.ª diuturnidade no valor da Cláusula 74.º, n.º 7, pago;
h) A quantia de € 44,22, referente ao salário do dia 1 de novembro de 2018;
i) A quantia de € 422,09, a título de 7 dias de férias não gozadas e vencidas em 01/01/2018;
j) A quantia de € 2627,30, a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos com a cessação do contrato;
k) A quantia de € 35.863,05, a título de média mensal a título de retribuições pagas sob a designação de “Ajudas de Custo” nas férias e no subsídio de férias;
l) Juros de mora, à taxa legal de 4%, desde o respetivo vencimento, até integral pagamento, sobre as quantias referidas.

5. Interposto recurso de apelação, o Tribunal da Relação de Évora (TRE), julgando o recurso parcialmente procedente, apenas absolveu a ré “do pedido de pagamento do subsídio de Natal vencido em 2003 com integração do prémio TIR e a remuneração devida ao abrigo da cláusula 74.ª, n.º 7”, confirmando no mais a sentença recorrida, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente.

6. A R. veio interpor recurso de revista excecional, com fundamento no art. 672º, nº 1, b) e c), do CPC[1], dizendo, essencialmente:

– Quanto à relevância social das matérias em causa, é a própria Portaria 49/2020, de 26 de fevereiro que refere que, “é importante garantir a paz social num setor particularmente vulnerável à existência de conflitos laborais coletivos disruptivos e com custos para a economia nacionais”.

– O CCTV aplicável ao sector do TIR abrange cerca de cinco mil empregadores e cinquenta mil trabalhadores, pelo que o impacto da decisão recorrida terá um efeito disruptivo e financeiramente desastroso, com um aumento substancial dos custos de produção das empresas transportadoras.

– O acórdão recorrido está em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 30.03.2017, proferido no processo n.º 345/16.8T8EVR.E1, que versa sobre a mesma questão fundamental de direito, transitado em julgado.
– Não obstante o Tribunal a quo ter considerado que “é manifesto que o regime retributivo instituído pela Ré com o qual o Trabalhador concordou é-lhe menos favorável globalmente”, acabou por condenar a recorrente no pagamento das rubricas remuneratórias que considerou não terem sido pagas, ao invés de o declarar nulo nos termos do artigo 280.º do Código Civil, o que teria por efeito a devolução das quantias pagas ao abrigo do esquema retributivo instituído pela empresa e o pagamento das quantias que lhe seriam devidas nos termos do CCT aplicável.

– Pelo contrário, no acórdão fundamento, o Tribunal declarou-o nulo, nos termos do artigo 280.º do Código Civil, e condenou à restituição da totalidade das quantias pagas pelo empregador e ao pagamento da totalidade dos montantes que eram devidos por força do CCT (ao contrário do que foi determinado no acórdão recorrido, tendo igualmente considerado menos favorável o esquema remuneratório instituído pelas partes em relação ao que era determinado no CCT aplicável).

– A diferença na solução jurídica adotada em ambos os processos culmina em resultados muito distintos:
a. enquanto o resultado da decisão recorrida potencia um enriquecimento injustificado do recorrido, que manterá na sua esfera patrimonial todas as quantias pagas pela recorrente ao abrigo de um esquema remuneratório alternativo – que se considera menos favorável – a par das rubricas remuneratórias que lhe seriam devidas pelo regime previsto no CCT;

b. o resultado do acórdão fundamento resultaria no seu inverso, isto é, no reembolso dessas quantias, recebendo o trabalhador apenas aquilo que lhe seria devido se as partes tivessem cumprido a regulamentação coletiva aplicável que se considera ser mais favorável ao trabalhador.

7. O recorrido respondeu, pugnando pela inadmissibilidade da revista excecional e, caso venha a ser admitida, pela sua improcedência.

8. No despacho liminar, considerou-se estarem verificados os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso.

9. Está em causa a questão de saber se o recurso de revista excecional deve ser admitido, ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, b) e c).

E decidindo.



II.

10. Com relevância para a decisão, a matéria de facto fixada na decisão recorrida é a seguinte:

“(…)
4.1.4. (…) foi acordado que o autor auferia uma retribuição mensal correspondente ao salário mensal de base de € 573,34, acrescido da clausula 74.º, n.º 7.
(…)
4.1.8. A ré não pagava ao autor as refeições à fatura.
4.1.9. Nem antes da saída para as viagens lhe fazia adiantamentos para fazer face às despesas de viagem com a viatura e consigo mesmo.
4.1.10. Por isso, o autor não pedia, não entregava, nem guardava as faturas dos alimentos.
4.1.11. A ré pagava ao autor, mediante acordo celebrado com este, a título de “Ajudas de Custo”, os dias de descanso trabalhados a € 52,11 cada sábado e a € 74,45 cada domingo e feriado, e as quantias pagas em função dos kms percorridos, calculados da forma seguinte:
a. Até aos 5000 Kms não pagava nada
b. Dos 5.000 aos 8.000 Kms pagava 0,03 € por km c. Dos 8.000 aos 11.000 Kms pagava 0,06 € por Km d. E acima dos 11.000 Kms pagava cada km a 0,12 €
4.1.12. O autor, como motorista TIR, passava nas viagens ao estrangeiro, em cada mês, em regra, 3 semanas, e cerca de uma semana por mês parado em Portugal.
4.1.13. O horário de trabalho do autor era de 8 horas diárias, de segunda a sexta-feira, e 40 horas semanais.
4.1.14. Por carta registada com A/R datada de 30/08/2018, o autor denunciou o contrato de trabalho com a ré com efeitos a partir de 2 de novembro de 2018.
4.1.15. No ano de 2003 a ré não pagou a quantia referente à Cl.ª 74 n.º 7.
4.1.16. No mês de novembro de 2003 a ré pagou a título de subsídio de Natal a quantia de € 286,67.
4.1.17. No ano de 2003, a ré não pagou os proporcionais do subsídio de férias.
4.1.18. No ano de 2004 a ré não pagou a quantia de € 3.986,16 (€ 332,18 x 12), referente à Cl.ª 74.ª n.º 7.
4.1.19. No ano de 2004, a ré não pagou no subsídio de férias, os montantes relativos à Cl.ª 74.ª nº 7 e ao Prémio TIR, no valor de € 332,18 + 123,78 = 455,96 €.
4.1.20. No ano de 2005 a ré não pagou a quantia de € 4 105,58 (€ 342,15 x 12), referente à Cl.ª 74.ª n.º 7.
4.1.21. No ano de 2005, a ré não pagou no subsídio de férias, os montantes relativos à Cl.ª 74.ª n.º 7 e ao Prémio TIR, no valor de € 342,15 + 127,49 = 469,64 €.
4.1.22. No ano de 2006 a ré não pagou a quantia de € 2 114,46 (€ 352,41 x 6), referente à Cl.ª 74, n.º 7 dos meses de janeiro a junho nem a quantia de € 2 167,08 (€ 361,18 x 6) referente aos meses de julho a dezembro.
4.1.23. No ano de 2006, a ré pagou ao autor a título de subsídio de férias a quantia de € 773,42.
4.1.24. A ré pagou ao autor a título de subsídio de férias, as seguintes quantias:
(…)
4.1.25. A ré não pagou o salário respeitante ao trabalho prestado no dia 1 de novembro de 2018.
4.1.26. A ré não pagou ao autor os proporcionais de férias e do subsídio de férias vencidos com a cessação do contrato de trabalho.
4.1.27. De julho a dezembro de 2003, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, a quantia de € 6.749,75.
4.1.28. No ano de 2004, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: 18 348,95
4.1.29. No ano de 2005, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: 21.999,53
4.1.30. No ano de 2006, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: 19.324,10
4.1.31. No ano de 2007, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: € 17.234,01
4.1.32. No ano de 2008, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: 14.939,34
4.1.33. No ano de 2009, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
Total: 13.586,28
4.1.34. No ano de 2010, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…) Total: 12.783,84
4.1.35. No ano de 2011, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 14.480,90
4.1.36. No ano de 2012, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 14.113,00
4.1.37. No ano de 2013, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 12.811,06
4.1.38. No ano de 2014, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: € 12.216,76
4.1.39. No ano de 2015, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 11.891,87 €
4.1.40. No ano de 2016, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 13.762,00 €
4.1.41. No ano de 2017, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 9.955,20 €
4.1.42. No ano de 2018, a ré pagou ao autor, a título de “Ajudas de Custo”, as seguintes quantias:
(…)
Total: 6.448,06 €
(…)
4.1.45. A ré pagou título de Cláusula 74ª, a partir de janeiro de 2007, os seguintes valores:
a) Janeiro e Fevereiro de 2007: € 371,76; b) Fevereiro de 2007 a Junho de 2009: € 382,65; c) Julho de 2009 a Fevereiro de 2010: € 391,43; d) Março de 2010 a Junho de 2012: € 403,17; e) Julho de 2012 a junho de 2015: € 412,21 f) Julho de 2015 a Julho de 2018: € 421,25; g) Agosto a Outubro de 2018: € 430,29
4.1.46. A título de Prémio TIR a ré processou os seguintes valores: a) De 2003 a abril de 2004: € 120,17;
b) De maio de 2004 a fevereiro de 2005: € 123,78; c) de março de 2005 a fevereiro de 2006: € 127,49; d) de março de 2006 a outubro de 2018: € 131,32.
4.1.47. O subsídio de férias e de Natal compreendiam o valor da remuneração base e das diuturnidades.
4.1.48. A partir de 2006, o subsídio de férias e de Natal passou a compreender também o valor do Prémio TIR.
(…)

III.


11. In casu encontra-se manifestamente verificada a contradição de acórdãos invocada pela recorrente, bem como os demais requisitos estabelecidos pelo art. 672º, nº 1, c), do CPC.

Com efeito, num quadro factual idêntico, o Acórdão recorrido transcreve e manifesta integral concordância com os aspetos centrais da fundamentação jurídica constante da sentença proferida na 1ª instância, da qual consta, designadamente:

“Resulta da factualidade provada que, para além da remuneração base, a ré pagaria ao autor “ajudas de custo” em substituição do regime previsto do CCTV.
Da factualidade apurada é manifesto que o autor aceitou trabalhar segundo o referido regime, que fez durante 15 anos, pelo que é lícito concluir que deu o seu acordo ao mesmo.
Sucede que o autor, em bom rigor, não coloca em causa a validade do acordo celebrado, já que não vem peticionar o pagamento de todas as quantias previstas do CCTV aplicável.
Antes se limita a peticionar o pagamento daquelas que considera não estarem incluídas ou abrangidas pelo aludido acordo e que não foram pagas, no caso, a verba referente à Cláusula 74.º, n.º 7 e prémio TIR, nomeadamente nas férias, subsídios de férias e de Natal.
(…)
Sucede que, conforme se pode inferir da matéria de facto provada, as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinavam a pagar a Cláusula 74.º, n.º 7 (nem o prémio TIR), já que nestas estava apenas incluído o pagamento do trabalho prestado aos sábados, domingos e feriados e os quilómetros percorridos.
Ora, no caso concreto e considerando a factualidade apurada, desde logo não resulta que os montantes pagos ao autor a título de ajudas de custo se destinassem ou tivessem por fim algo mais do que uma atribuição a título de pagamento de despesas com a alimentação e estada nas deslocações ao estrangeiro (“diária”) e pelo de pagamento trabalho prestado pelo autor aos sábados, domingos e feriados.
Assim, é forçoso concluir que este pagamento não foi incluído e/ou substituído pelo esquema alternativo implementado (…).”

Deste modo, o A. obteve total ganho de causa na 1ª instância e, quase integralmente, na Relação.

12. Diferentemente, sobre a mesma matéria, considerou o acórdão-fundamento:

“(…)
[O] sistema remuneratório que era praticado pela Ré/recorrente – fosse por acordo com o recorrido, fosse por decisão unilateral – é nulo, por violação das normas legais supra referidas, tal como se encontra previsto no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.
(…)

Da referida nulidade decorre que o trabalhador tem direito a receber da empregadora as quantias devidas por força do CCTV e que reclama na ação, ou seja, a título de “cláusula 74.ª, n.º 7”, “prémio TIR”, pelo trabalho prestado em dias feriados, de descanso semanal ou complementar com o acréscimo de 200%, bem como pelo direito que tinha a gozar, em seguida a cada viagem, os sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro, acrescidos de um dia de descanso imediatamente antes do início da viagem seguinte; porém, tem também o dever, por força do estatuído no artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil (de acordo com o qual a declaração de nulidade implica a restituição de tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente), de restituir as importâncias que recebeu em consequência do regime remuneratório praticado a tal título.

De outro modo, ou seja, não havendo lugar a essa restituição, estaríamos perante um enriquecimento sem causa justificativa por parte do trabalhador.

E, não constando da matéria de facto o montante exato pago ao Autor/recorrido referente às cláusulas em causa através do regime remuneratório praticado na empresa, a liquidação do montante global devido, a que serão deduzidas as importâncias já pagas, terá que ser relegada para liquidação de sentença.

É este o entendimento que tem sido seguido pela jurisprudência, como pode constatar-se, entre outros, dos acórdãos do STJ de 03-12-2003 (Recurso n.º 2172/03), de 20-04-2005 (Recurso n.º 4628/04), de 15-11-2006 (Recurso n.º 2706/06), de 23-01-2008 (Recurso n.º 2186/07) e o já referido acórdão de 27-06-2012 (Recurso n.º 248/07.7TTVIS.C1.S1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

Aliás, deve notar-se que a própria decisão recorrida invocou jurisprudência, maxime o referido acórdão do STJ de 20-04-2005 (Recurso n.º 4628/04), no sentido de que se não se provar que o regime remuneratório que vinha sendo adotado pela empregadora era mais favorável para o trabalhador do que o previsto no CCTV aplicável, aquele é nulo, devendo a empregadora pagar ao trabalhador tudo o que ele devia ter recebido no termos daquele convenção coletiva e o trabalhador restituir àquela tudo o que recebeu ao abrigo do regime remuneratório praticado: contudo, por razões que se desconhecem, o tribunal a quo condenou apenas a empregadora a pagar o que seria(será?) devido por força do CCTV, mas já não o trabalhador a restituir tudo o que recebeu da empregadora pelos títulos em causa.

Assim, e concluindo: deverá a Ré/recorrente ser condenada a pagar ao Autor/recorrido as quantias devidas com base nas cláusulas 74.ª, n.º 7, “prémio TIR”, pelo trabalho prestado em dias feriados, de descanso semanal ou complementar com o acréscimo de 200%, bem como pelo direito que tinha a gozar, em seguida a cada viagem, os sábados, domingos e feriados passados no estrangeiro, acrescidos de um dia de descanso imediatamente antes do início da viagem seguinte, tudo nos termos previstos no CCTV referido, a que serão deduzidas as importâncias já recebidas pelo Autor por tais rubricas, relegando-se para incidente de liquidação o apuramento daquele montante (artigos 609.º, n.º 2, e 358.º e seguintes do CPC).

13. Sem necessidade de considerações complementares e com prejuízo da apreciação do fundamento complementarmente invocado pela recorrente, justifica-se, por conseguinte, a admissão excecional da revista.


IV.

14. Nestes termos, acorda-se em admitir a recurso de revista excecional em apreço.

Custas pelo recorrido.

Lisboa, 29 de novembro de 2022



Mário Belo Morgado (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto

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[1] Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.