Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
352/11.7TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO AFONSO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL
OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS
REQUISITOS
LIBERDADE CONTRATUAL
AUTONOMIA PRIVADA
COMPRA E VENDA
ACÇÕES
AÇÕES
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 05/19/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, 474.º, 475.º, 574.º, 575.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGO 1045.º.
Sumário :
I - A acção especial para a apresentação de documentos, a que se refere o art. 1045.º do NCPC (2013) está dependente da verificação dos seguintes requisitos: que o possuidor ou detentor deles não os queira facultar; que o requerido não tenha motivos fundados para se opor à apresentação e que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame.

II - Segundo o art. 574.º do CC, a favor do direito de exigir a apresentação de coisas ou documentos existem várias razões: o interesse da descoberta da verdade e da defesa dos direitos dependentes da exibição da coisa ou documento e, eventualmente, o interesse da administração da justiça.

III - No entanto, estes interesses não podem obnubilar o interesse do detentor da coisa ou documento em não ver ofendida a sua liberdade individual.

IV - Tendo as partes, no âmbito da sua livre disponibilidade, estipulado uma limitação de três anos ao acesso pela autora a documentos comprovativos de operações que dariam direito a um acréscimo do preço acordado num contrato de compra e venda de acções entre si celebrado, tal cláusula não viola as limitações ao princípio da liberdade contratual ínsito no art. 405.º, conjugado com os arts 474.º e 475.º, todos do CC.

V - Não resulta demonstrado um interesse juridicamente atendível para a solicitação de apresentação de documentos comprovativos da realização dessas operações quando o “justo receio” invocado pela autora carece de concretização fáctica, não podendo simplesmente ser alicerçado em sede jornalística.

Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça:




A) Relatório:


AA Capital (SGPS) SA, identificada nos autos, veio interpor a presente acção especial para apresentação de coisas ou documentos contra “BB, SA”, e CC, também identificados nos autos. Invoca que celebrou com os réus um contrato de compra e venda de acções da sociedade EE, SA. e que ficou convencionado que, determinadas operações levadas a cabo pelos réus em determinadas circunstâncias acarretariam para ela, autora, o direito de acréscimo de preço, operações e aumento que lhe teriam que ser comunicadas em 5 dias.

Mais refere que receia que tenham sido realizadas operações de tal jaez sem que das mesmas e consequente aumento de preço lhe tenha sido dado conhecimento.

Assim, alegando que os réus se recusam a exibir a documentação que demonstre o contrário, pretende que estes sejam condenados a apresentarem “toda a documentação relevante e demonstrativa do direito ou não de acréscimo de valor previsto contratualmente”.

Os réus contestaram, impugnando a matéria alegada, invocando que a autora não refere as operações, que levariam ao aumento do valor, que em concreto estão em causa, e não concretiza, com base em factos, os fundamentos do seu receio. Refere ainda que as obrigações de informação contratualmente consignadas foram integralmente cumpridas.

Posteriormente veio a ser convidada a autora a indicar claramente quais os documentos que pretendia que lhe fossem apresentados por cada um dos réus.

Convite a que esta acedeu elencando tais documentos:

1. Todos os contratos de compra e venda de acções ou outros documentos que evidenciem todas as transmissões de acções havidas;

2. Livro de Registo de acções que espelhe todas as transacções de acções da sociedade requerida, incluindo a compra, em 31 de Dezembro de 2008, a FF;

3. Actas lavradas de AG e de CA, de Julho de 2006 a Agosto de 2009;

4. Títulos representativos das acções existentes, de onde constem todas as declarações de transmissão a elas respeitantes;

5. Relatório e Contas, sociedades GG e EE, ano de 2006;

6. Relatório e Contas sociedade BB, ano de 2009;

7. Declaração modelo 4 entregue à Direcção Geral dos Impostos aquando das alienações havidas ou documento que comprove as transmissões de acções junto do intermediário legalmente previsto.

8. Toda informação relevante com demonstração da valorização implícita, sobre: a) As alterações havidas na estrutura accionista, isto é, no capital social e repartição do mesmo pelo valor e número de acções pelos accionistas, de cada uma das sociedades referidas no ponto 7, de 2006 a 2009 inclusive; b) A fusão ocorrida entre as sociedades EE, SA e GG, SA; c) As transmissões de acções ocorridas entre oito de Julho de 2007 e trinta e um de Dezembro de 2008; d) A aquisição, por parte da própria sociedade BB, SA, das acções detidas por terceiros até sete de Dezembro de 2009;

9. Uma listagem das sociedades que: a) Com a sociedade GG estavam, à data da celebração do contrato de compra e venda de acções em quatro de Julho de 2006, directa ou indirectamente, em relação de participação, domínio ou de grupo; b) Foram adquiridas ou constituídas após quatro de Julho de 2006 e que com a sociedade GG estiveram, até ao final do prazo referido na cláusula quinta do supra mencionado contrato, directa ou indirectamente, em relação de participação, domínio ou de grupo;

10. E posteriormente a apresentação de toda a informação adicional que, na sequência da análise da documentação melhor referida se julgar deveras pertinente e como necessária.

Os réus, no exercício do legal contraditório, vieram alegar que a informação/documentação pretendida extravasa o âmbito do contratualmente acordado.

Após sanear o processo, o Tribunal recorrido, num mesmo despacho, veio a decidir, de facto e de direito, o litígio em apreço. Conclui nos termos que seguem:

“Assim, face ao exposto e ao abrigo das disposições legais citadas:

Absolvem-se os requeridos da instância quanto ao pedido de posteriormente procederem à apresentação de toda a informação adicional que, na sequência da análise da documentação melhor referida se julgar deveras pertinente e como necessária.

Condena-se a requerida BB, SA a apresentar à autora os seguintes documentos:

1. Todos os contratos de compra e venda de acções ou outros documentos que evidenciem todas as transmissões de acções havidas;

2. Livro de Registo de acções que espelhe todas as transacções de acções da sociedade requerida, incluindo a compra, em 31 de Dezembro de 2008, a FF;

3. Relatório e Contas, sociedades GG e EE, ano de 2006;

4. Relatório e Contas sociedade BB, ano de 2009;

5. Declaração modelo 4 entregue à Direcção Geral dos Impostos aquando das alienações havidas ou documento que comprove as transmissões de acções junto do intermediário legalmente previsto.

Condena-se o requerido CC a apresentar à requerente os títulos representativos das acções existentes, da sociedade em causa, de onde constem todas as declarações de transmissão a elas respeitantes, de que seja titular

Julga-se, no mais, improcedente a presente acção, absolvendo-se os requeridos dos correspondentes pedidos.

As custas serão suportadas pela requerente, na proporção de 1/3, pela requerida BB, SA, na proporção de 1/2 e pelo requerido CC, na restante proporção (art.527º, do Código de Processo Civil).”

Inconformada com esta sentença, a autora AA (SGPS), S.A. veio dela recorrer para o Tribunal da Relação.

Os recorridos vieram, por sua vez, igualmente deduzir recurso, subordinado, de apelação, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2 do art.633º do CPC.

O Tribunal da Relação proferiu acórdão no qual decidiu:

“Pelo exposto, na total improcedência do recurso deduzido pela autora e procedência do recurso subordinado deduzido pelos réus, decide-se revogar a decisão proferida, absolvendo-se os requeridos do peticionado”.


Deste acórdão recorre a A alegando, em conclusão, o seguinte:

A apresentação da documentação peticionada nos presentes autos não é extemporânea, isto é, não há extemporaneidade da prestação do dever de informação já que o judicialmente solicitado pelos recorrentes se reporta aos factos ocorridos no período contratualmente estabelecido;

A apresentação da documentação peticionada nos presentes autos não é extemporânea, isto é, não há extemporaneidade da prestação do dever de informação já que foi solicitada pelos recorrentes no decorrer do período contratualmente celebrado;

A obrigação na apresentação da documentação peticionada não viola o princípio da autonomia privada, do qual os arts.405º e 406º do CC são sua expressão máxima – antes espelhando o acordado entre recorrente e recorridos no contrato cujo clausulado aqui foi dado como provado;

As doutas considerações feitas no parecer dado no relatório pericial, levado a cabo nos presentes autos corrobora tal legítima pretensão que o Tribunal considera “fundamentado e que não se vê razão para colocar em causa”;

Estão cumpridos todos os pressupostos legais para a condenação dos RR na obrigação da apresentação de toda a documentação peticionada.


Contra-alegaram os recorridos concluindo pela improcedência do recurso.




***



Tudo visto,

Cumpre decidir:



B) Os Factos:


As instâncias deram como provados os seguintes factos:


1. No dia 4 de Julho de 2006 foi celebrado entre a autora, na altura designada de HH.Com Sgps, SA. e depois designada de AA.Com, Sgps, SA, e GG, SA e CC um contrato de compra e venda de acções da sociedade EE, SA., conforme documento de fls. 20 e ss, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2. Nos termos da Cláusula Segunda de tal contrato, a autora, declarou vender a totalidade das acções contratuais” à segunda outorgante, GG, SA.

3. Dispõe a Cláusula Quarta que “a segunda outorgante paga no presente acto à primeira outorgante, mediante cheque visado, que disso dá aqui quitação, o preço global de €3.000.000,00 (três milhões de euros) ”.

4. De acordo com a Cláusula Quinta de tal contrato, “1. o preço sofrerá um acréscimo caso, no decorrer dos 3 (três) anos seguintes à data da conclusão, se realize uma das seguintes operações: a) A segunda outorgante prometa vender ou venda qualquer das acções da EE por si detidas, sendo a promessa ou a venda feita por preço que traduza uma valorização da EE, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros); ou b) O capital social da EE seja aumentado, sendo o aumento total ou parcialmente subscrito por um novo accionista, sempre que tal operação traduza, nomeadamente pelo pagamento de um prémio de subscrição pelo referido novo accionista, uma valorização da EE, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros). 2 o preço sofrerá igualmente um acréscimo caso, no decorrer dos 3 (três) anos seguintes à data da conclusão, se realize uma das seguintes operações: a) O terceiro outorgante prometa vender ou venda qualquer das acções da segunda outorgante por si detidas, sendo a promessa ou a venda feita por preço que traduza uma valorização da segunda outorgante, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros); ou b) O capital social da segunda outorgante seja aumentado, sendo o aumento total ou parcialmente subscrito por um novo accionista, sempre que tal operação traduza, nomeadamente pelo pagamento de um prémio de subscrição pelo referido novo accionista, uma valorização da segunda outorgante, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros). 3. o preço sofrerá ainda um acréscimo caso, no decorrer dos 3 (três) anos seguintes à data da conclusão, se realize uma das seguintes operações: a) A EE prometa vender ou venda qualquer das acções por si detidas em sociedade que consigo se encontram coligadas nos termos dos artigos 481º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais, sendo a promessa ou a venda feita por preço que traduza uma valorização destas sociedades coligadas, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros); ou b) O capital social das sociedades que, com a EE, se encontram coligadas e em cujo capital social a EE detenha uma participação igual ou superior a 10% (dez por cento), seja aumentado, sendo o aumento total ou parcialmente subscrito por um novo accionista, sempre que tal operação traduza, nomeadamente pelo pagamento de um prémio de subscrição pelo referido novo accionista, uma valorização destas sociedades coligadas, no seu todo, superior a €10.500.000,00 (dez milhões e quinhentos mil euros). (…)

5. Caso se verifique a venda ou promessa de venda de qualquer das acções da EE detidas pela segunda outorgante, de qualquer das acções de sociedades coligadas com a EE detidas pela mesma, desde a presente data e no decorrer dos 3 (três) anos seguintes à data de conclusão, a favor de qualquer terceiro, a subsequente retransmissão por esse terceiro das acções por si adquiridas ficará sujeita ao disposto na presente cláusula.

6. O disposto no número anterior será também válido para a transmissão de novas acções resultantes de eventuais aumentos de capital da EE, da segunda outorgante ou ainda de sociedades em coligação com a EE em cujo capital social esta detenha uma participação igual ou superior a 10% (dez por cento), independentemente da titularidade das mesmas. (…) 8. Verificando-se qualquer das operações previstas nos números 1 a 6 da presente Cláusula, a segunda ou o terceiro outorgantes devem disso mesmo dar conhecimento à primeira outorgante por carta registada com aviso de recepção expedida no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis contados da data de tal ocorrência. (…)”.

7. Nos termos do disposto na Cláusula Nona, alínea c) a segunda e o terceiro outorgantes comprometeram-se a “Permitir até ao termo do período de 3 (três) anos a contra da data de conclusão ou até à data em que a primeira outorgante haja recebido na íntegra a quantia de €500.000,00 (quinhentos mil euros) em cumprimento do disposto na cláusula quinta (conforme o que suceder primeiro), que a primeira outorgante consulte mediante prévia solicitação por escrito, o suporte de registo de emissão de acções da EE e da segunda outorgante, devendo tal consulta efectuar-se na sede de cada uma das referidas sociedades e dentro do respectivo horário de expediente (…) ”.

8. A designação de GG, SA passou a ser BB, SA.

9. A EE, SA foi fundida com a GG, mediante transferência global do património da primeira para a segunda, que a incorporou.

10. A autora solicitou ao 2ª R documentação que demonstrasse não ter ocorrido qualquer operação que implicasse o aumento do preço acordado, nos termos dos documentos de fls. 11/12 e 15 a 17, que aqui se dão por reproduzidos.

11. O 2º réu em resposta à carta a que se reportam fls. 11/12, enviou missiva, na qual declarava não terem sido realizadas quaisquer operações que tivessem cabimento na Cláusula Quinta do contrato, remetendo fotocópia dos relatório e contas da sociedade BB, SA de 2007 e 2008, livro de registo de emissão de acções dessa sociedade e certidão permanente da mesma.

12. Foi veiculado e publicitado o que consta dos documentos de fls. 189 e ss, que aqui se dão por reproduzidos.



C) O Direito:


Delimitando o “thema decidendum” em causa nos presentes autos está a questão de se saber é ou não extemporânea e se a obrigação de apresentação dos documentos peticionados na data em que foram requeridos viola ou não o princípio da autonomia privada.

 

Segundo o art.574º do Código Civil (CC) a favor do direito de exigir a apresentação de coisas ou documentos existem várias razões: o interesse da descoberta da verdade e da defesa dos direitos dependentes da exibição da coisa ou documento, e eventualmente o interesse da administração da justiça. No entanto, estes interesses não podem obnubilar o interesse do detentor da coisa ou documento em não ver ofendida a sua liberdade individual.

O artigo em apreço tem como requisitos: a necessidade da exibição para se apurar a existência ou o conteúdo de um direito do requerente relativo a essa coisa e que o detentor não tenha motivos fundados para se opor à apresentação dela. O art.575º do mesmo código torna extensível à apresentação de documentos o regime do artigo anterior.

Assim, a acção especial para a apresentação de documentos, a que se refere o art.1045º do Código do Processo Civil (CPC) está dependente da verificação dos seguintes requisitos: que o possuidor ou detentor deles não os queira facultar; que o requerido não tenha motivos fundados para se opor à apresentação e que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível no seu exame.

Antes de mais coloca-se a questão de se saber se o pedido o pedido de apresentação dos documentos pode ocorrer a todo o tempo ou se o mesmo é extemporâneo face ao contratado pelas partes.

Tendo em conta o contratualmente acordado, alíneas c) e d) da Cláusula 9ª do contrato subjudice, tem-se que ficou estabelecido que os RR se comprometeram a apresentar a documentação tida como necessária a um eventual acréscimo do preço (o suporte de registo de emissão de acções da EE e da GG) apenas até ao termo do período de três anos a contar de 4 de Julho de 2006 (data da celebração do contrato) ou seja, até 4 de Julho de 2009.

Discute-se se o dever de informação dos RR não terá expirado em 4 de Julho de 2009, na medida em que as partes fixaram para o cumprimento desse dever um prazo de vigência delimitado de três anos a contar da data de celebração do contrato.  

O Tribunal de 1ª instância decidiu “que a pretensão da autora visando a declaração de uma obrigação de apresentação de documentos não pode ter, um sustentáculo contratual, atento o limite temporal que, à data da propositura da presente acção, já havia decorrido, mas seria sustentada na própria lei, uma vez verificados os requisitos por esta impostos”.

De acordo com o art. 405º nº 1 do CC, (liberdade contratual), “dentro dos limites da lei, as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, celebrar contratos diferentes dos previstos neste código ou incluir nestes as cláusulas que lhes aprouver”, ou seja, o contrato livremente celebrado assume, perante a lei o valor de instrumento jurídico vinculativo para ambas as partes, sendo esta liberdade contratual o corolário do princípio da autonomia privada.

No caso em apreço, o contrato estipulou, no âmbito da disponibilidade das partes, uma limitação de três anos ao livre acesso pelo primeiro outorgante ao registo de emissão de acções quer da EE quer da GG. Limitação essa assumida de forma livre e sem restrições e isso por duas ordens de razões: “o acréscimo no preço de venda potenciado por operações designadamente do comprador sempre teria que ter um horizonte temporal limitado, não podendo tal acréscimo ocorrer indefinidamente, e a intromissão que a consulta pela autora desse suporte de registo de emissão de acções sempre provocaria teria de estar condicionada a um período temporal restrito, sob pena de permitir uma devassa continuada e ilimitada desse registo de emissão”, tudo como bem se refere no acórdão do Tribunal da Relação.

É certo que o princípio da liberdade contratual ínsito no art. 405º do CC conhece as limitações que advém da expressão “dentro dos limites da lei”, porém, a conjugação deste artigo com os arts. 574º e 575º ambos do CC, não induz à ilegalidade da cláusula que impôs um limite temporal da informação a prestar.

A jurisprudência prevalente relativa aos normativos insertos nos arts. 574º e 575º do CPC tem sublinhado, ao analisar os requisitos neles, que a obrigação de apresentação de coisas ou documentos está dependente, cumulativamente: que o possuidor ou detentor desses documentos não os queira facultar; que a recusa se faça sem motivos fundados; que o requerente tenha um interesse juridicamente atendível na apresentação do documento

Vejamos se os requisitos legalmente exigíveis resultam da factualidade apurada.

A autora solicitou à 2ª R documentação que demonstrasse não ter ocorrido qualquer operação que implicasse o aumento do preço acordado, nos termos dos documentos de fls. 11/12 e 15 a 17, que aqui se dão por reproduzidos.

A 2ª R em resposta à carta a que se reportam fls. 11/12 enviou missiva, na qual declarava não terem sido realizadas quaisquer operações que tivessem cabimento na Cláusula Quinta do contrato, remetendo fotocópia dos relatório e contas da sociedade BB, SA de 2007 e 2008, livro de registo de emissão de acções dessa sociedade e certidão permanente da mesma.

Foi veiculado e publicitado o que consta dos documentos de fls. 189 e segs, que aqui se dão por reproduzidos (os documentos em causa que encontram-se juntos aos autos de fls. 189 a 202 e dizem respeito a várias noticias publicadas em jornais em que se refere o êxito da empresa demandada com referências a novos contratos obtidos por esta nos EUA, ao crescimento em mais de 100% ao ano do volume de facturação desde 2007 a 2010, ao número de trabalhadores, mais de 300, à expansão em vários países da mesma empresa, ao nascimento em 1999 da empresa num T1 e ao seu crescimento para 11 países e uma possível facturação de 25 milhões de euros, uma notícia em que se afirma ter o Grupo de Empresas BB duplicado o valor das vendas em 2007, atingindo os 23,16 milhões de euros, uma outra relativa a ter sido distinguida com o prémio Melhor PME em Serviços de 2008, a facturação em 2008 de 36,4 milhões de euros, um outro prémio – Medalha de Mérito Profissional do Mérito de Vila Nova de Gaia, uma nova referência à facturação em 2008 como tendo fechado com o valor de 35,3 milhões de euros e ainda mais algumas menções aos valores de facturação e a um crescimento anual de 100% desde 1999, apontando-se que, em 2003, o rumo da empresa com a entrada no mercado americano mudou definitivamente).

Resulta, pois, dos factos descritos que os requisitos exigidos não foram provados por quem os alega e sobre quem recaía o respectivo ónus da prova.

Não se apurou qualquer recusa pelos recorridos de facultar informação, tendo estes a fornecido mesmo após o período temporal a que estavam vinculados, provando-se, aliás, que estes responderam à A informando-a “não terem sido realizadas quaisquer operações que tivessem cabimento na Cláusula Quinta do contrato, remetendo fotocópia dos relatório e contas da sociedade BB, SA de 2007 e 2008, livro de registo de emissão de acções dessa sociedade e certidão permanente da mesma”.

Mesmo a existir uma recusa (o que não se prova) sempre a mesma se poderia fundar legitimamente na ultrapassada delimitação temporal para a prestação das informações em consonância com o acordado entre as partes

Também não resulta da prova que a demandada tenha um interesse juridicamente atendível para solicitar tal apresentação. No petitório é alegado um “justo receio” quando se articula que a autora receia que “tenham sido realizadas operações que dão direito à autora” do acréscimo de valor “pois certas informações veiculadas o indiciam e alguma publicação foi feita desse facto”. A prova junta foram as notícias e demais informações indicadas na factologia o que é manifestamente insuficiente para a verificação dos requisitos exigidos pela lei.

 

O sucesso da requerida contido nas mencionadas notícias e consistente no aumento do volume da facturação, na expansão internacional, nos lucros gerados, na entrada de novos trabalhadores, nos prémios recebidos, (como bem se afirma no acórdão da Relação “não permite inferir ou sequer presumir sobre vendas ou promessas de venda de acções ou aumentos de capital social com pagamento de prémios de subscrição pelo novo accionista, com uma decorrente valorização das sociedades coligadas em mais de dez milhões e quinhentos mil euros (vide cláusula quinta do contrato)”. O justo receio invocado pela recorrente carece de concretização fáctica não simplesmente alicerçado em sede jornalística.

Assim, o presente recurso não pode deixar de naufragar.



Nesta conformidade, por todo o exposto, acordam os Juízes no Supremo Tribunal de Justiça, em negar revista, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 19 de Maio de 2016


Orlando Afonso (Relator)

Távora Victor

António da Silva Gonçalves