Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A4610
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: ACÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO JUDICIAL
REGISTO PREDIAL
CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: SJ200503030046101
Data do Acordão: 03/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Processo no Tribunal Recurso: 8550/04
Data: 10/28/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1- O preâmbulo do DL nº 273/2001, de 13/10, é claro quanto à estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio;
2- Não existindo litígio, pertence ao Conservador do Registo Predial a competência para, em processo de justificação (artº 116º do Código de Registo Predial), suprir, com fundamento na usucapião, a falta de título de propriedade de imóveis, tendo em vista o registo predial da descrição do prédio.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

"A" e mulher B, instauraram em 23 de Setembro de 2003, no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Benavente, contra C e marido D, E e marido F, G e marido H, I e marido J, e K, acção sumária, pedindo que se decida:
a) Que os AA já têm há cerca de trinta anos a posse efectiva e material do prédio misto que discriminaram, de forma exclusiva, pública, pacífica, contínua e de boa fé, com o conhecimento e reconhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém;

b) Que tal prédio se encontra devidamente demarcado e independente;

c) Que os AA, dado o decurso do tempo na posse efectiva e material do referido prédio misto, já o adquiriram por usucapião;

d) Condenar os RR a ver, reconhecer e acatar a constituição e existência do citado prédio como autónomo, distinto e demarcado, assim como o direito de propriedade dos AA sobre ele;

e) Condenar os RR a absterem-se da prática de qualquer acto que perturbe ou impeça a existência e exercício, respectivamente desse prédio e direitos.

Conclusos os autos, foi proferido despacho judicial de indeferimento liminar da petição inicial, com fundamento na incompetência do tribunal comum em razão da matéria, por ser competente a respectiva Conservatória do Registo Predial, nos termos dos artigos 116º e segs. do Código do Registo Predial.

Inconformados, agravaram os AA para Relação de Lisboa, que, todavia, negou provimento ao agravo, confirmando o despacho recorrido.

Recorrem agora os AA de agravo para o STJ, concluindo:
1º- O pedido formulado pelos AA não pode ser da competência de uma Conservatória do Registo Predial ou de um Cartório Notarial;

2º- O conteúdo do pedido está perfeitamente inserido na acção comum declarativa, constitutiva e de condenação, prevista nos artºs 4º e 460º do CPC;

3º- A forma do processo ajusta-se à pretensão deduzida na presente acção;

4º- O Tribunal da Comarca de Benavente, é plenamente competente em razão da matéria, para julgar e decidir o pedido formulado;

5º- O que se pede na acção está fora do âmbito e da competência das Conservatórias e Cartórios;

6º- Não há nos processos ou actos administrativos das Conservatórias ou Cartórios Notariais o contraditório existente nos Tribunais, previsto no artº 3º do CPC;

7º- Devido a errada e deficiente interpretação, violaram os Tribunais da Comarca de Benavente e da Relação de Lisboa, o disposto nos artºs 9º, nº 1, 236º, 238º e 1287º e segs. do CC, 3º, 4º,102º e 234-A do CPC, e 116º, e 117º-B a 117º-M do DL nº 273/01 de 13/10;

8º- Devendo o acórdão recorrido ser revogado e decidir-se que o Tribunal da Comarca de Benavente é competente em razão da matéria, ordenando-se o prosseguimento da acção até final.
O Ex.mo Procurador Geral da República, Adjunto, no STJ, emitiu Parecer no sentido de se julgar o Tribunal de Benavente materialmente competente.
Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

Compulsando os autos, constata-se que os AA apenas articularam na p.i., grosso modo, que a parcela rústica que identificaram, onde edificaram uma casa, lhes foi verbalmente doada há cerca de trinta anos pelos seus pais e sogros, já falecidos, e que exerceram desde então a sua posse exclusiva, pública, contínua, pacifica e de boa fé, acrescentando que, como não têm títulos para comprovar o seu direito, não sendo possível supri-Ios pelas vias extrajudiciais normais, estão impossibilitados de proceder ao registo, a seu favor, na respectiva conservatória.

Da exegese da peça inicial, resulta que os AA pretendem, não dirimir qualquer conflito existente, ou objectivamente prestes a desencadear, com os RR, mas obter a justificação relativa ao trato sucessivo, para efeitos de registo, prevista no artº 116º, nº 1 do Código de Registo Predial.

O pedido formulado pelos AA também compreende a condenação dos RR referida nas alíneas d) e e), mas o pedido nessa parte não deve ser valorizado para os fins ora em vista.
Na verdade, a questão da competência material tem de ser aquilatada independentemente da formulação do pedido de condenação dos RR, por isso que, como se acentua no acórdão em crise, o pedido tem de ser articulado com a sua fundamentação, designadamente a respectiva causa de pedir, nos termos dos artºs 236º e 238º do CC, e da petição se não vê a que título os RR devam ser condenados nos termos peticionados pelos AA.

Os AA, contraditoriamente com o pedido de condenação dos RR, alegaram na petição inicial que têm possuído o prédio em causa sem oposição de ninguém (logo, é lícito concluir, sem oposição dos RR) e com o reconhecimento de toda a gente (portanto, logicamente, também dos RR) do seu direito de propriedade.

Assim sendo, pergunta-se: por que carga de água devem os RR ser demandados nesta acção, se os próprios AA admitem que eles não se têm oposto aos seus actos usucapientes e reconhecem o seu direito de propriedade, se o interesse em agir, nas acções de condenação (Anselmo de Castro nas Lições de Processo Civil, II, 1966, pág. 805) resulta da violação, efectiva ou objectivamente provável, do direito do demandante e da necessidade de proporcionar ao interessado a sua integração (quando violado) ou um título que lhe permita na altura própria realizar o seu direito (condenação in futurum)?

O Mmº Juiz da 1ª instância viu bem o problema quando expendeu que em momento algum da p.i. foram alegados factos que traduzam a oposição dos RR ao exercício do direito de propriedade que os AA reclamam, e que, inexistindo conflito quanto ao direito de propriedade sobre a referida parcela, lícito é concluir que se está perante uma verdadeira acção de justificação judicial, encoberta pela capa da acção declarativa.

Devendo a competência em razão da matéria ser aferida pelo pedido suportado pelos respectivos fundamentos, não cabe ao caso vertente uma acção comum, mas de justificação (acção registral).

Não existindo litígio, pertence ao Conservador de Registo Predial a competência para, em processo de justificação (artº 116º do Código de Registo Predial), suprir, com fundamento na usucapião, a falta de título de propriedade de imóveis, tendo em vista o registo predial da descrição do prédio.

Neste sentido se pronunciou já o STJ, no acórdão de 25.11.2004, tirado no agravo nº 3644/04-2 (relator o Conselheiro Moitinho de Almeida), em caso de contornos semelhantes ao presente, respeitante, aliás, também a processo instaurado no Tribunal Judicial de Benavente.

O preâmbulo do DL nº 273/2001, DE 13/10, é claro quanto à estratégia de desjudicialização de matérias que não consubstanciam verdadeiro litígio.

Não tendo os AA articulado minimamente a violação ou ameaça objectiva de violação, pelos RR, do reclamado direito de propriedade, resta apenas com significado a pretensão eminentemente registral, não sendo a acção da competência material do tribunal comum, pelo que devia o pedido constante das alíneas a), b) e c) ter sido deduzido junto do competente Conservador do Registo Predial (porventura com o acrescentamento da pretensão de suprimento do registo da descrição predial).

Nesta conformidade, e remetendo ainda para a fundamentação do acórdão recorrido, com a qual se concorda, nos termos do artº 713º, nº 5, ex vi artº 762º, nº 1 do CPC, acordam em negar provimento ao agravo, condenando os agravantes nas custas.

Lisboa, 3 de Março de 2005
Faria Antunes,
Moreira Alves ,
Alves Velho.