Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
314/21.6T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
REENVIO PREJUDICIAL
Data do Acordão: 03/08/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO.
Sumário :

I- A nulidade por omissão de pronúncia apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais suscitadas pelos litigantes (ou de que se deva conhecer oficiosamente), cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, não se considerando como tal os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocados, até porque o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.


II- Não existe nulidade por “omissão de pronúncia e do reenvio prejudicial requerido pelo recorrente” quando o pedido de reenvio foi objeto de decisão expressa, em sentido negativo.

Decisão Texto Integral:

Revista n.º 314/21.6T8BRG.G1.S1


MBM/JG/RP


Acordam, em conferência, na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça


I.


1. O AA veio arguir a nulidade do acórdão proferido no âmbito do recurso de revista interposto nos autos, invocando “omissão de pronúncia e do reenvio prejudicial requerido pelo recorrente”.


Para tanto, alega, em síntese: “O STJ recusou o reenvio para o TJUE mas não se pronunciou quanto ao essencial da questão e decidiu contra a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. Decisão que requer o controlo do critério normativo utilizado pelo Tribunal para o tal resultado interpretativo face às normas que devem ser aplicadas nos autos”.


2. A R. não respondeu.


II.


3. É manifesta a improcedência do requerido.


A nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º l, d), do CPC1), sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2 (isto é, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções) suscitadas pelos litigantes, ou de que se deva conhecer oficiosamente, cuja resolução não esteja prejudicada pela solução dada a outras, questões (a resolver) que não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, “o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).


Especificamente em sede de recurso, o tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo(s) recorrente(s) – arts. 663.º, n.º 2, e 679º, do CPC.


In casu, as únicas questões a decidir consistiam em determinar: i) Se o tribunal português era internacionalmente incompetente; ii) Se se impunha o reenvio prejudicial para o TJ.


O acórdão reclamado pronunciou-se expressa e cabalmente sobre as duas questões, constando do mesmo no tocante à segunda:


“(…) [Q]uanto ao pedido de reenvio prejudicial deduzido pelo recorrente, constatando-se que as soluções acolhidas no presente acórdão, maxime no tocante à questão central da interpretação do art. 26º do Regulamento, se encontram manifestamente alinhadas com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, bastamente elencada no acórdão recorrido (supra nº 11) e no citado Ac. do TRP de 23.02.2017 (supra nº 13), impõe-se concluir no sentido da inexistência de qualquer dúvida interpretativa que se imponha esclarecer através do reenvio.


Na verdade, e como o Acórdão de 15.12.2022, desta Secção Social, de acordo com a jurisprudência do TJ, a recusa em proceder ao reenvio também se justifica quando o TJUE já tenha respondido à questão num caso substancialmente idêntico, de modo que a questão se possa considerar clarificada, ou, também, quando não se coloque uma dúvida razoável quanto à interpretação da disposição de direito da União em causa.3


O acórdão reclamado não enferma, pois, de qualquer omissão de pronúncia.


III.


4. Em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente a arguida nulidade.


Custas pelo recorrente, sem prejuízo da isenção de custas de que beneficia.


Lisboa, 08 de março de 2023


Mário Belo Morgado (Relator)


Júlio Manuel Vieira Gomes


Ramalho Pinto





_________________________________________________

1. Como todas as disposições legais citadas sem menção em contrário.↩︎

2. Nas palavras de Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, II, 2015, p. 371.↩︎

3. Invocando-se neste sentido no mesmo aresto:

4. «N.º 36 do Acórdão Consorzio Italian Management: «a força da interpretação dada pelo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 267.º, TFUE pode privar de causa a obrigação prevista no artigo 267.º, terceiro parágrafo, TFUE e esvaziá-la assim de conteúdo, designadamente quando a questão suscitada seja materialmente idêntica a outra questão suscitada em processo análogo e já decidida a título prejudicial, ou, a fortiori, no âmbito do mesmo processo nacional, ou quando uma jurisprudência assente do Tribunal de Justiça resolve a questão de direito em causa, seja qual for a natureza dos processos que deram lugar a essa jurisprudência, mesmo não havendo uma estrita identidade das questões controvertidas.» Cfr., igualmente, o n.º 33 do mesmo Acórdão: “Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional de direito interno só pode ser isento desta obrigação quando tenha constatado que a questão suscitada não é pertinente ou que a disposição do direito da União em causa foi já objeto de interpretação por parte do Tribunal de Justiça ou que a correta interpretação do direito da União se impõe com tal evidência que não dá lugar a nenhuma dúvida razoável”».↩︎