Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
424/14.6T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO JOAQUIM PIÇARRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
CUMULAÇÃO DE PEDIDOS
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
CAUSA DE PEDIR
PEDIDO
LIMITES DA CONDENAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 11/02/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ARTICULADOS / CUMULAÇÃO DE PEDIDOS / GESTÃO INICIAL DO PROCESSO / SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – VIGÊNCIA, INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS.
Doutrina:
-Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume I, Almedina, Coimbra, 1981, 157 e ss.;
-Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 2015, 84 e 85;
-Luso Soares, Direito Processual Civil, 1980, 259;
-Paulo Cunha, Processo Comum de Declaração, Tomo I, 209 a 211.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 555.º, N.1, 590.º, N.º 2, ALÍNEA B), 608.º, N.º 2, 609.º, N.º 1, 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 10.º, N.ºS 1 E 2.
Sumário :
I -Tendo sido deduzidas pretensões autónomas, com distintas causas de pedir, consubstanciadas no incumprimento dos diversos contratos de empreitada firmados entre as partes, há uma cumulação simples de pedidos (art. 555.º, n.º 1, do CPC), almejando a autora obter simultaneamente vários efeitos jurídicos através da procedência de todos eles.

II - Em vez de instaurar uma acção com base no incumprimento de cada um dos contratos e peticionar o montante derivado de cada um desses incumprimentos, optou a autora por, num só processo, cumular as respectivas pretensões.

III - Não obstante isso, estas não perderam autonomia e os montantes devidos terão de ser calculados relativamente a cada um dos incumprimentos contratuais.

IV - Nada autoriza que se eleve o valor de qualquer uma delas, desde que não seja ultrapassado o valor global. Isso é admissível quando se trata de pedido unitário, ainda que decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.

V - Apresentando-se os pedidos cumulados perfeitamente autónomos entre si e dependentes, cada um deles, da procedência dos respectivos fundamentos que não são sequer coincidentes, os valores que a cada um respeitam não integram, como parcelas, um direito unitário.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



Relatório


I AA, Lda. intentou acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, Lda. e CC, alegando incumprimento contratual dos contratos de empreitada com estes celebrados e concluiu por pedir a sua condenação a pagarem-lhe a quantia global de € 113.184,38, acrescida de juros moratórios desde a citação, assim decomposta:

• no que concerne à obra no Colégio de …, as quantias de € 38.787,84 e de € 2.101,62, relativa a penalidades por atraso na conclusão da obra e despesas por si suportadas;

• no que concerne à obra de construção da piscina em …, a quantia de € 56.944,39, relativa a penalidades por atraso na conclusão da obra;

• no que concerne à obra do terraço da piscina em …, a quantia de € 5.041,79, relativa a material e mão-de-obra por si suportada;

• no que concerne à obra de pintura do Edifício …, em …, a quantia de € 5.879,40, relativa a despesas suportadas com uma grua que teve que contratar para remover os andaimes que a ré não retirou;

• no que concerne à obra de impermeabilização do terraço do Edifício V… G…, em …, as quantias de € 2.411,50, de € 1.000,00 e de € 17,84, relativas a penalidades por não conclusão da obra, despesas incorridas com outro empreiteiro e fornecimento de outro material; e

• ainda, € 1.000,00 a título de danos não patrimoniais.

Os réus apresentaram contestação conjunta a contrapor diferente versão factual, sustentando, em resumo, que foi a autora quem incumpriu os aludidos contratos de empreitada, deixando de pagar o preço de € 41.228,17, tendo a ré deduzido reconvenção a pedir a condenação da autora no pagamento desse montante, acrescido de juros moratórios, à taxa comercial, e a sua compensação com eventual crédito da autora.

A autora replicou a pugnar pela improcedência da reconvenção.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual se admitiu a reconvenção, foi proferido despacho saneador tabelar, seguido da definição do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que, na parcial procedência da acção e da reconvenção, decidiu:

1 - julgar improcedentes os pedidos relativos às obras do Colégio de …, de construção da piscina em …, do terraço da dita piscina, e de impermeabilização do terraço do Edifício V… G…, em …;

2 - julgar improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais;

3 – no tocante à obra de pintura do Edifício …, em …, decidiu-se deduzir no preço da obra que a autora ainda não tinha pago, o custo incorrido por esta com o aluguer de uma grua, no valor de € 5.879,40;

4 - ainda em relação à mesma obra, foi decidido que a ré estava obrigada a pagar à autora a quantia de € 59.500,00, a título de cláusula penal por 119 dias de atraso na conclusão da obra;

5 - apreciando o pedido reconvencional, foi decidido que a autora estava obrigada a pagar à ré a quantia global de € 26.798,78, relativa ao preço das empreitadas contratadas (já com a dedução relativa ao aluguer de uma grua na obra de pintura do Edifício …, em …);

6 - finalmente, operando a compensação de créditos, foram os réus condenados a pagar à autora a quantia de (€59.500,00 - €26.798,78)=€32.701,22, acrescida de juros de mora à taxa comercial.

Inconformados, apelaram os réus, com êxito, tendo a Relação de Évora revogado o sentenciado na 1ª instância, no tocante à sua condenação no pagamento da quantia de €59.500,00, a título da cláusula penal pelo atraso de 119 dias na conclusão da obra de pintura do edifício …, em …, ficando a subsistir apenas a condenação da autora a pagar à ré a quantia de €26.798,78, acrescida de juros moratórios desde a sua notificação para contestar, à taxa aplicada aos comerciantes.

Agora inconformada, interpôs a autora recurso de revista, finalizando a sua alegação, com as conclusões que se transcrevem:

A) Foi entendido pelo Tribunal da Relação, que não podia o Juiz da 1ª instância decidir sobre factos não identificados na petição inicial, nomeadamente na causa de pedir e num pedido não deduzido.

B) Ao longo do acórdão é dito e repetido que o Tribunal da 1ª instância não deu previamente às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre aqueles factos.

C) No entanto, o Tribunal de 1ª instância deu conhecimento às partes que aqueles factos iriam ser discutidos, nomeadamente na acta de audiência prévia de 09/12/2015.

D) A saber: IV. Objecto do litígio

Na presente acção, o objecto do litígio reconduz-se às seguintes questões: a) Apreciar se os Réus incumpriram o contrato de empreitada celebrado com a Autora e se são devedores das quantias por esta peticionadas;

E) E acrescenta: "V. Temas da prova. São os seguintes os temas da prova, que constituem a matéria controvertida nos autos:

1. Os contratos celebrados entre as partes e as obrigações concretamente assumidas pelas partes (artigos 1º a 3º da petição inicial).

2. A execução dos contratos pelas partes e o cumprimento ou incumprimento das obrigações assumidas por cada uma das partes:

2.1 O incumprimento relativo à obra do Colégio de … (artigos 4º e 5º da petição inicial e artigos 8º e 16º a 22º da contestação).

2.2 O incumprimento relativo à obra da Piscina em … (artigos 6º a 8º da petição inicial e artigos 25º a 28º, 31º a 33º, 40º e 44º da contestação).

2.3 O incumprimento relativo à obra do Edifício …, em … (artigos 9º e 10º da petição inicial e artigos 47º, 50º e 51º da contestação).

2.4. O incumprimento relativo à obra do Edifício V… G…, em … (artigos 11º a 13º da petição inicial e artigos 52º a 56º da contestação).

F) Ora, em face do acima exposto, nomeadamente alínea a) do objecto em litígio e pontos 1, 2 e 2.3 dos temas da prova, estavam os RR cientes que o assunto iria ser discutido, pois compunha a matéria controvertida.

G) Notificadas as partes, nenhuma reclamou!

H) Mesmo por analogia, o n.º 3 do art. 186º do CPC estipula que, se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão, ou neste caso a condenação em quantidade superior ou em objecto diverso não se julgará procedente a arguição quando se verificar que a petição inicial tenha sido convenientemente interpretada,

I) 0 que in casu sucedeu, pois os RR contestaram e defenderam-se em julgamento.

J) As audiências de julgamento sucederam-se, o assunto foi discutido até à exaustão e então plasmado na sentença, com os factos provados.

K) É com surpresa, que após toda a discussão, vêm os RR invocar que nada sabiam, que nada poderia ser julgado e que em nada poderia ser os RR condenados e mais surpreendido com a confirmação desta tese pela Relação.

L) Tanto mais que considerou provado o facto em que a obra do edifício … foi entregue ao A no dia 16/09/2011.

M) Ora, com este facto provado e estando na posse do contrato e das suas obrigações, nomeadamente as penalizações nele inscritas, não poderia deixar de ser dado provimento ao A.

N) Pois se o A. identificou separadamente os factos relativos ao edifício Pacifico, se identificou os contratos, se alegou os direitos e obrigações, pretendia portanto que essa matéria fosse discutida e decidida.

O) A realização da justiça no caso concreto deve ser conseguida no quadro dos princípios estruturantes do processo civil, como são os princípios do dispositivo, do contraditório, da igualdade das partes e da imparcialidade do juiz, traves mestras do princípio fundamental do processo equitativo proclamado no artigo 20º, n.º 4, da Constituição da República.

P) O que foi cumprido no caso da sentença de 1ª instância e não foi no recurso da Relação.

Q) Ainda que se entendesse que existiu excesso de pronúncia, sempre se dirá que, os limites da condenação contidos no artigo 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil, têm de ser entendidos como referidos ao valor do pedido global e não às parcelas em que aquele valor se desdobra, sendo esta a orientação assumida como válida na solução de casos em que o efeito jurídico pretendido se apresenta como indemnização decorrente de um único facto ilícito, traduzindo-se o total do pedido na soma dos valores de várias parcelas, que correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.

R) A esse respeito, acórdão do STJ n.º 295/07.9TTPRT.S1 onde se refere: "Ponderando os sobreditos princípios e a noção legal de pedido, é de concluir que o juiz não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, e na decisão que proferir sobre essas questões não pode ultrapassar, nem em qualidade nem em quantidade os limites constantes do pedido formulado pelas partes, valendo a ressalva constante da primeira parte do artigo 661º, n.º 1, no sentido de consentir ao juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global, caso em que os limites da condenação se reportam ao pedido global e não a cada uma das parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos.

S) Verificando-se o pedido do A. comprova-se que se trata de pedido global, não se identificando quaisquer parcelas ou atribuições especificas, senão veja-se: " Nestes termos e nos melhores de Direito requer a V. Exª se digne julgar procedente por provada a presente acção, e em consequência disso deverá a Ré ser condenada a: A entregar à Autora o montante de 112.184,38 €, (cento e doze mil, cento e oitenta e quatro euros e trinta e oito cêntimos), a titulo de responsabilidade civil contratual, cfr. artigos 1207º e seguinte e 798º C.C."

T) A sentença da 1ªinstância está bem dentro dos limites do pedido global.

U) Ora, considerando que a douta acórdão do Tribunal da Relação formou a sua convicção perante os factos e o Direito que lhe foram apresentados erradamente pelos RR, na opinião da autora existe errada aplicação da lei de processo nos termos do artigo 674.º CPC.

Os réus ofereceram contra-alegação a pugnar pelo insucesso da revista e, colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - Fundamentação de facto

A factualidade dada como provada pelas instâncias é a seguinte:

1 A autora e os réus celebraram entre si vários acordos que denominaram de “contratos de empreitada”, com o teor dos documentos nºs 1 a 4 juntos com a petição inicial que se dão por reproduzidos na íntegra.

2 Ao abrigo das cláusulas constantes de tais acordos, em que o réu interveio na qualidade de fiador e com renúncia ao benefício de excussão, a ré obrigou-se, além do mais, a terminar as obras nos prazos neles indicados, realizar as obras de acordo com as boas regras de construção e prestar garantia pelos serviços prestados.

3 O contrato relativo à obra do Colégio de …, que tinha como objecto a construção de um sistema de incêndios/ramal de incêndio, tem o teor do documento nº 1 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido na íntegra.

4 O prazo acordado para a realização da obra foi de 39 dias úteis, contados desde a data da assinatura do contrato, ocorrida a 10.07.2012.

5 A obra concluída foi entregue pela ré à autora em data não determinada de Setembro de 2012.

6 As partes acordaram no referido contrato que o valor diário da penalização por cada dia de atraso seria de 2% do valor total da empreitada.

7 A autora remeteu à ré a factura nº 5…6, para pagamento do valor total de € 38.787,84, relativo a penalidades pelo atraso na obra do sistema de incêndio do Colégio de … e o custo dos referidos materiais e serviços supra referidos, que a ré até à data não pagou;

8 A autora remeteu à ré a factura nº 5…3, para pagamento do valor de € 2.101,62, relativo à remoção do entulho, que a ré até à data não pagou.

9 A autora entregou a obra do Colégio de ….

10 Relativamente a esta obra, as partes acordaram que o preço global seria de €30.675,35, a pagar em três parcelas, nos termos constantes da cláusula 4ª do referido acordo, sendo a última parcela no montante de € 15.337,68, correspondente a 50% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão dos trabalhos.

11 Em Dezembro de 2012, a ré emitiu a factura nº 8…5, no valor de €27.950,00, respeitante ao pagamento da última tranche da obra em causa (sistema de incêndios) no valor de € 15.337,68, sendo o remanescente correspondente a trabalhos devidos por conta de outra obra realizada pela ré para a Autora no mesmo local.

12 A 05.11.2014, já no decurso da presente acção, a ré emitiu a factura nº M-41 respeitante ao pagamento da última tranche da obra do Colégio de … em causa (sistema de incêndios), no valor de € 15.337,68.

13 Até ao momento a autora não pagou as referidas facturas à ré.

14 A autora não pagou à ré a parcela o preço da obra do sistema de incêndio do Colégio de … no valor de € 15.337,68 após a conclusão dos trabalhos pela ré, nem o fez até ao momento.

15 O contrato relativo à obra de construção de uma piscina, na moradia situada em …, Olhão, tem o teor do documento nº 2 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido na íntegra.

16 O prazo acordado para a realização da obra foi de 60 dias úteis, contados desde a data da assinatura do contrato, ocorrida a 16.01.2013.

17 A piscina foi concluída em data não determinada entre meados de Abril de 2013 e 03.07.2013.

18 As partes acordaram que o fornecimento de pastilhas e cola seria feito pela autora, que entregaria tais materiais à ré para esta colocar na piscina.

19 A autora entregou tais materiais à ré em Abril de 2013 e a ré aplicou-os então na piscina.

20  A ré não concluiu e entregou a piscina anteriormente porque lhe faltava a pastilha para concluir a obra.

21 Em face de algumas indecisões do cliente, a autora aceitou que a obra fosse terminada e entregue pela ré até 10.07.2013.

22  As partes acordaram no referido contrato que o valor diário da penalização por cada dia de atraso seria de € 250,00.

23  A autora remeteu à ré as facturas nºs 7…9 e 7…5, para pagamento do valor total de € 56.944,39, relativo a penalidades pelo atraso na obra de construção da piscina na moradia de Olhão.

24  Relativamente a esta obra, as partes acordaram que o preço global seria de € 14.270,00, a pagar em quatro parcelas, nos termos constantes da cláusula 4ª do referido acordo, sendo a última parcela no montante de € 2.140,50, correspondente a 15% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão dos trabalhos.

25  Em 05.11.2014, já no decurso da presente acção, a ré emitiu a factura nº M-47, no valor de € 2.140,50, respeitante ao pagamento da última tranche da obra em causa.

26   Até ao momento a autora não pagou à ré o montante titulado factura nº M-47.

27  A autora não subscreveu o auto de recepção desta obra.

28  O contrato relativo à obra de construção de um terraço na piscina, na moradia situada em …, Olhão, tem o teor do documento nº 3 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido na íntegra.

29   Relativamente a esta obra, as partes acordaram que o preço global seria de € 19.000,00, a pagar em quatro parcelas, nos termos constantes da cláusula 4ª do referido acordo, sendo: a primeira parcela no montante de € 3.800,00, correspondente a 20% do preço, a pagar pela autora à ré no momento da adjudicação; a segunda parcela no montante de € 6.650,00, correspondente a 35% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão da segunda fase dos trabalhos; a terceira parcela no montante de € 4.750,00, correspondente a 25% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão da terceira fase dos trabalhos; e a quarta e última parcela no montante de € 3.800,00, correspondente a 20% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão dos trabalhos.

30  O prazo acordado para a realização da obra foi de 60 dias úteis, contados desde a data da assinatura do contrato, ocorrida a 16.01.2013.

31  As partes acordaram no referido contrato que o valor diário da penalização por cada dia de atraso seria de € 250,00.

32  Em face de algumas indecisões do cliente, a autora aceitou que a obra fosse terminada e entregue pela ré até 10.07.2013.

33  A ré não concluiu a obra, tendo-a abandonado em data não determinada.

34   Nessa sequência, a autora teve de concluir a obra, tendo de custear os materiais e a mão-de-obra necessários com o custo total de € 5.041,79.

35  A autora remeteu à ré as facturas nºs 4…45 e 6…2, para pagamento do valor de € 5.041,79, relativo aos custos de materiais necessários à conclusão da obra, que a ré até à data não pagou.

36   A autora adquiriu esses materiais em virtude de a ré não os adquirir nem terminar a obra de construção do terraço da piscina, cuja conclusão teve de ser realizada a expensas da autora.

37  Por essa razão, a autora não pagou a parcela de pagamento correspondente à 3ª fase da obra, no valor de € 4.750,00.

38   A 29.05.2013, a ré emitiu a factura nº 8…1, relativa à terceira fase da construção do terraço da piscina da moradia em Olhão, no valor de € 4.750,00.

39  Em 05.11.2014, já no decurso da presente acção, a ré emitiu a factura nº M-48, no valor de € 3.780,00, respeitante ao pagamento da quarta e última parcela do preço da obra em questão, que até à data a autora não pagou.

40 Na obra de construção do terraço da piscina, a ré realizou os seguintes trabalhos: construção da estrutura em betão armado, construção da laje em betão armado, impermeabilização da casa das bombas e da casa de banho por debaixo do terraço da piscina, colocação das betonilhas.

41 A ré não executou nem concluiu os seguintes trabalhos: assentamento do pavimento de …; colocação e assentamento dos azulejos da casa de banho por debaixo do terraço da piscina e zonas adjacentes e conclusão da casa das máquinas.

42   O contrato relativo à obra de restauração de pintura do edifício …, situado em …, tem o teor do documento nº 4 junto com a petição inicial e que se dá por reproduzido na íntegra.

43   Relativamente a esta obra, as partes acordaram que o preço global seria de € 24.000,00, a pagar em parcelas, nos termos constantes da cláusula 4ª do referido acordo, sendo: a primeira parcela no montante de € 4.800,00, correspondente a 20% do preço, a pagar pela autora à ré no momento da adjudicação; seis parcelas de no montante de € 800,00 cada, num total de € 4.800,00, correspondente a 20% do preço, a pagar pela autora à ré ao longo de seis semanas; € 12.000,00, correspondente a 50% do preço, a pagar pela autora à ré com a conclusão dos trabalhos; e o montante de € 2.400,00, correspondente a 10% do preço, a pagar pela autora à ré seis meses após a recepção provisória dos trabalhos.

44 O prazo acordado para a realização da obra foi de 60 dias contínuos, contados desde a data da assinatura do contrato, ocorrida a 21.03.2011.

45  (eliminado pela Relação)[1].

46 A ré entregou a obra à autora a 16.09.2011.

47   Acresce ainda que nesta obra a ré não suportou o custo do aluguer da plataforma elevatória na execução da obra, conforme se tinha obrigado no contrato, por não ter disponibilidade financeira para o fazer, pelo que a aqui autora acabou por custear tal aluguer pagando para tal a quantia de € 5.879,40.

48   Nessa sequência, a autora emitiu e remeteu à ré a factura nº 3…9, datada de 31.08.2011, no valor de € 5.879,40 que a ré atá à data não pagou.

49 A autora nunca subscreveu o auto de recepção.

50   Em 05.11.2014, já no decurso da presente acção, a ré emitiu a factura nº M-58, no valor de € 15.200,00, respeitante ao pagamento da sexta e última parcela de € 800,00, da parcela de € 12.000, e da parcela de € 2.400,00, relativas ao preço da obra em questão, que até à data a autora não pagou.

51  As partes celebraram ainda verbalmente, em data não determinada, um acordo segundo o qual a ré procederia aos trabalhos de impermeabilização do terraço do edifício V… G…, situado em …, pelo preço de € 4.823,00, a ser pago em duas parcelas, de metade cada, uma delas no momento da adjudicação e outra na data da conclusão dos trabalhos.

52   Nessa sequência, a autora emitiu a factura 6...6, de 13.11.2013, relativa a “mão-de-obra – Prestação de Serviços – Obra nº 3703/2013 – V… G… – Trabalhos extra”, no valor de € 1.000,00.

53   A autora emitiu e entregou à ré a factura nº 2…7, de 14.06.2011, no valor de € 17,84, relativa a “Rede Arame”.


III – Fundamentação de direito

A apreciação e decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente (art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, do Cód. de Proc. Civil), passam pela análise e resolução da única questão jurídica por ela colocada a este tribunal e que consiste em determinar se os réus podem ser condenados a pagar-lhe a quantia de €59.500,00, a título de cláusula penal pelo atraso de 119 dias na conclusão da obra de pintura do edifício …, em …, ainda que a compensar com o montante de €26.798,78 em que a mesma foi condenada a pagar.

O acórdão recorrido, divergindo da sentença, decidiu que os réus não podem ser condenados no pagamento dessa importância, veredicto contra o qual se insurge a recorrente que naturalmente pugna pela repristinação do sentenciado pela 1ª instância.

Vejamos, então, se lhe assiste razão.

Analisando a petição inicial e a aperfeiçoada, na sequência do convite que lhe foi dirigido, nos termos do art.º 590º, n.º 2, alínea b), do Cód. Proc. Civil, constata-se que a acção foi estruturada com base no incumprimento contratual relativo a cinco obras executadas pela ré, a saber: Colégio de …, piscina de …, terraço dessa piscina, pintura do Edifício …, em … e impermeabilização do terraço do Edifício V… G…, em …. E, relativamente a cada uma dessas obras e contratos, a autora (ora recorrente) indicou os montantes que entendia ter direito fundamentando-os individualizadamente e mencionando o seguinte:

• no que concerne à obra no Colégio de …, as quantias de € 38.787,84 e de € 2.101,62, relativa a penalidades por atraso na conclusão da obra e despesas por si suportadas;

• no que concerne à obra de construção da piscina em …, a quantia de € 56.944,39, relativa a penalidades por atraso na conclusão da obra;

• no que concerne à obra do terraço da piscina em …, a quantia de € 5.041,79, relativa a material e mão-de-obra por si suportada;

• no que concerne à obra de pintura do Edifício …, em …, a quantia de € 5.879,40, relativa a despesas suportadas com uma grua que teve que contratar para remover os andaimes que a ré não retirou;

• no que concerne à obra de impermeabilização do terraço do Edifício V… G…, em …, as quantias de € 2.411,50, de € 1.000,00 e de € 17,84, relativas a penalidades por não conclusão da obra, despesas incorridas com outro empreiteiro e fornecimento de outro material; e as quantias de € 2.411,50, de € 1.000,00 e de € 17,84, relativas a penalidades por não conclusão da obra, despesas incorridas com outro empreiteiro e fornecimento de outro material.

Significa isto que foram deduzidas pela autora (e ora recorrente) pretensões autónomas, com distintas causas de pedir, consubstanciadas no incumprimento dos diversos contratos de empreitada firmados entre a recorrente e os recorridos, ou seja, ocorreu uma cumulação simples de pedidos (art.º 555º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil), almejando a primeira obter simultaneamente vários efeitos jurídicos através da procedência de todos eles[2]. Quer dizer, em vez de instaurar uma acção com base no incumprimento de cada um dos contratos e peticionar o montante derivado de cada um desses incumprimentos, optou a recorrente por, num só processo, cumular as respectivas pretensões.

Não obstante isso, estas não perderam autonomia e os montantes devidos terão de ser calculados relativamente a cada um dos contratos, tendo em consideração até que, no tocante a uns se baseou apenas na aplicação de cláusulas penais, por atrasos na entrega da obra, noutros em despesas acrescidas e noutro em ambas as causas.

É certo que, a final, foi formulado um pedido global, no montante de €112.184,38, resultante da soma do valor de cada um dos cumulados (€38.787,84+2.101,62+56.944,39+5.041,79+5.879,40+2.411,50+1.000,00+17,84=€112.184,38), mas nada autoriza, como sustenta a recorrente, que se eleve o valor de qualquer um deles, desde que não seja ultrapassado o valor global. Isso é admissível quando, como sucede na pretensão indemnizatória fundada em responsabilidade civil extracontratual, o efeito jurídico pretendido deriva de idêntica causa de pedir (facto ilícito) em que o limite quantitativo da condenação terá de reportar-se ao valor total da indemnização pedida, e não ao valor pedido relativamente a cada uma das parcelas componentes da indemnização, as quais correspondem, cada uma delas, a certa espécie ou classe de danos, componentes ou integrantes do direito cuja tutela é jurisdicionalmente solicitada.

Nesses casos, compreende-se que assim seja, na medida em que, com base na descrição de uma situação de facto ilícita, usualmente um acidente de viação, se afirma a titularidade de um direito que se pretende ver tutelado mediante a declaração da sua existência e a concretização em valor único da sua dimensão global, porque, então, se trata de pedido unitário, ainda que decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.

Todavia, o caso vertente é bem diferente, uma vez que o valor total do pedido resultou da soma/adição do valor dos pedidos cumulados na mesma acção e que traduzem efeitos jurídicos decorrentes de causas de pedir diferentes (incumprimento de cada um dos contratos). Mais, apresentam-se entre si perfeitamente autónomos e dependem, cada um deles, da procedência dos respectivos fundamentos que não são sequer coincidentes, envolvendo, pois, pedidos qualitativamente diferentes e consequentemente os valores que a cada um respeitam não integram, como parcelas, um direito unitário.

Ora, no que concerne à obra de restauro da pintura do Edifício …, sito em …, a única aqui equacionada, a recorrente apenas peticionou, como se alcança do teor dos art.ºs  9.º e 10.º da petição inicial, a quantia de €5.879,40, referente ao que teve que custear com uma grua, para remover os andaimes ali deixados. E tanto assim é que remeteu para o documento que juntou com o número 11 e que corresponde à factura 3…9, a referida no ponto 48 do elenco factual provado, na qual está mencionado, tão só, esse valor, sendo as restantes facturas respeitantes às outras obras.

Resulta, assim, patente que, ao contrário do que sucedeu quanto às demais obras mencionadas na peça introdutória da causa, nada foi reclamado, a título de penalização por atraso na entrega dessa obra e, consequentemente, como bem equacionou e decidiu o acórdão recorrido, não pode ter lugar a condenação operada pela 1ª instância, com base nos 119 dias de atraso, por tal desrespeitar claramente os art.ºs 608º, n.º 2, e 609º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Resta, por fim, dizer que a apontada deficiência quantitativa e alegatória do petitório não foi suprida, ao invés do que refere a recorrente, pelo que decorreu na audiência prévia, pois que, quanto a tal obra, os temas da prova confinaram-se ao que constava dos art.ºs 9º e 10º da petição que contemplavam apenas a sua alegação factual referente ao custo do aluguer da grua, sem alusão alguma à penalização por atraso nessa obra, nem tão pouco pelo que terá ocorrido na audiência final, sendo igualmente inaplicável ao caso o disposto no art.º 186º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil, por não constituir caso análogo ao ali previsto (art.º 10º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civil).

Nesta conformidade, improcedem todas as conclusões da recorrente, a quem não assiste razão para se insurgir contra o decidido pela Relação, que não merece os reparos que lhe aponta, nem viola as disposições que indica.


IV – Decisão

Nos termos expostos, decide-se negar a revista e consequentemente confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


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Anexa-se sumário do acórdão (art.ºs 663º, n.º 7, e 679º, ambos do CPC).

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Lisboa, o2 de Novembro de 2017


António Piçarra (relator)

Fernanda Isabel Pereira

Olindo Geraldes

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[1] Tinha a seguinte redacção: as partes acordaram no referido contrato que o valor diário da penalização por cada dia de atraso seria de € 500,00.
[2] Cfr, neste sentido, Paulo Cunha, in Processo Comum de Declaração, Tomo I, págs. 209 a 211, Luso Soares, in Direito Processual Civil, 1980, pág. 259, Artur Anselmo de Castro, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1981, págs. 157 e ss.. e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Volume II, 2015, págs. 84 e 85.