Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3334/19.7T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
CATEGORIA PROFISSIONAL
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I-  Verifica-se o vício da omissão de pronúncia (art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C.), quando o tribunal deixe de conhecer qualquer questão colocada pelas partes ou que seja do conhecimento oficioso.

II- De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribuna de Justiça, não é, porém, necessário que o tribunal tome posição sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes, mas que conheça todas as questões relevantes para a decisão de direito.

III- A categoria profissional de um trabalhador afere-se pelas funções efetivamente desempenhadas pelo próprio.

IV- Reclamando um trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela entidade empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que seja reconhecida a categoria a que arrogue, conforme decorre das regras gerais sobre ónus da prova (art. 342.º n.º 1, do Cód. Civil).

Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 3334/19.7T8STR.E1.S1, da 4.ª S.

(Recurso de revista)

Acordam na 4.ª Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I. Relatório

1. AA intentou, no Juízo de Trabalho ..., ação declarativa, sob a forma de processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra CP – Comboios de Portugal, E.P.E., pedindo que:

a) Se declare que o Autor exerce, para a Ré, desde agosto de 2000, as funções e atos materiais correspondentes à categoria profissional de Técnico Licenciado, e a respetiva integração na carreira a partir de abril de 2015;

b) Se condene a Ré a reconhecer que a classificação do Autor seja efetuada por aquela categoria profissional – Técnico Licenciado;

c) Seja condenada a Ré a reconhecer que o Autor presta serviço/trabalho de quantidade, qualidade e natureza igual ao trabalho prestado pelos outros colegas que prestam labor no mesmo departamento, e declarar-se que lhe assiste o direito de receber da Ré o mesmo valor, a título de remuneração base, e demais acréscimos salariais, que aquela paga desde agosto de 2000 aos demais colaboradores; e

d) Seja ainda condenada a Ré a pagar ao Autor as diferenças de remuneração devidas desde agosto de 2000 até ao presente, as quais importam o valor de € 45 640,92, acrescidas de juros legais vencidos desde a citação até efetivo e integral pagamento, acrescidos ainda da sobretaxa de 5% por se tratar de remunerações, bem como das vincendas no valor correspondente à remuneração mensal paga pela Ré aos colaboradores BB e CC, que exercem funções equivalentes às do Autor, em natureza, quantidade e qualidade, importância que deverá ser acrescida de juros computados à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Subsidiariamente, e na eventualidade de na presente demanda se não conseguir quantificar, com exatidão, as diferenças salariais a que o Autor tem direito, requer a liquidação das mesmas em execução de sentença.

Citada a Ré, contestou.

Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento.

Por sentença do Juízo de Trabalho ... -J..., de 30/11/2021, foi julgada parcialmente procedente a ação proposta pelo Autor AA contra a Ré CP – Comboios de Portugal, E.P.E., com o seguinte dispositivo, que passamos a transcrever:

A) Declaro que o autor AA exerce, para a ré, desde 2011, as funções e atos materiais correspondentes à categoria profissional de técnico licenciado;

B) Condeno a ré CP – Comboios de Portugal, E.P.E. a integrar o autor na carreira profissional com a categoria profissional de técnico licenciado com efeitos a partir de abril de 2015;

C) Condeno a ré a pagar ao autor as diferenças de remuneração devidas desde 2011 até á presente data para a categoria profissional de técnico licenciado, acrescidas dos juros legais vencidos desde a citação, até efetivo e integral pagamento;

D) Remeto para liquidação de sentença o apuramento das diferenças de remuneração devidas desde 2011 até á presente data para a categoria profissional de técnico licenciado;

E) Improcedo o demais peticionado pelo autor”.

Custas pelo Autor e Ré, na proporção de 1/5 para o Autor e 4/5 para a Ré, nos termos do art.º 527.º, n.º 1 e 2 do CPC e art.º 6.º, nº 1 e TABELA I do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei nº 34/2004 de 26 de fevereiro.

Registe e notifique.

2. Inconformada com esta decisão, dela interpôs recurso a referida Ré para o Tribunal da Relação ..., que, em 09/09/2021, proferiu acórdão que julgou tal recurso totalmente procedente e, consequência, revogou a sentença recorrida, julgando a ação improcedente e absolvendo a Ré do pedido.

3. Irresignado, o Autor AA arguiu nulidades, que, através de acórdão do mesmo Tribunal, de 16/12/2021, foram indeferidas, e interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua alegação da seguinte forma (Transcrição):

                                                   1ª

Foi apreciado pelo douto Tribunal da Relação ..., os factos provados nº 14º a 17º em contra posição com os factos 18º e 19º, que se referem à categoria profissional do A, portanto nestes termos, o douto Tribunal da Relação ..., salvo melhor entendimento, contradiza sua própria decisão, pois se por um lado considera como provado o facto 16º, no paragrafo seguinte dá como procedente parcialmente a pretensão da R, na medida em que considera um juízo jurídico conclusivo. Não se entende tal decisão, desvalorando assim as provas produzidas em sede de julgamento e mais, desvalorou ainda o facto que se deu como provado de que o A. seria o único licenciado do gabinete aonde ocupava funções.

                                                   2ª

Tal como mencionado supra, vem ainda o douto Tribunal da Relação ..., dar como procedente a pretensão da R, no facto não provado nº 18. Ora, precisamos entender a posição do douto Tribunal, ou valoriza a prova ou elimina o facto. Neste caso optou por eliminar o facto, algo que não se compreende, pois foi a própria R que em sede de julgamento confirmou qual o posto, função e categoria profissional do A. Questiona-se aonde está a dúvida?

                                                   3º

Diz ainda o douto acórdão do Tribunal da Relação ..., que o A. deve provar os factos que assentem na pretensão de ver a sua categoria profissional corretamente atribuída pelo empregador. Ora, se ficou provado que exercia e desempenhava funções de técnico licenciado conforme categoria atribuída no Regulamento de Carreiras da R, não se verifica o motivo por que o douto tribunal decidiu que deveria existir mais provas a esse respeito.

Nestes termos, e nos demais a suprir doutamente, deve o requerido ser julgado procedente e em consequência analisadas as seguintes questões:

A) Ser reconhecida e declarada a nulidade do douto acórdão, por excesso de pronúncia, na medida em que, não conheceu as provas apresentadas pela 1ª instância.

B) Ser reconhecida e declarada a nulidade do douto acórdão, por omissão de exame critico sobre as provas que deviam ter sido reapreciadas.

C) Ser reconhecida e declarada a válida a decisão proferida em 1ª instância.

A recorrida CP – Comboios de Portugal, E.P.E. contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O recurso em causa foi admitido, neste Tribunal, com efeito devolutivo, por despacho de 18/02/2022.

4. A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta teve vista, nos autos, e emitiu douto parecer, nos termos do art. 87.º n.º 3, do C.P.T., pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo Autor.
Cumprido o contraditório, não foi apresentada qualquer resposta ao parecer do Ministério Público.
Submetidos os autos à Conferência, cumpre, agora, apreciar e decidir.

 II. Objeto do recurso

Considerando o teor das Conclusões apresentadas na alegação do Recorrente e o conteúdo da decisão recorrida, são duas (2) as questões que temos de decidir:

a) se o acórdão recorrido está ferido de nulidade, com fundamento em excesso/omissão de pronúncia (art. 615.º n.º 1 d), do C.P.C.) e por falta de exame crítico sobre as provas (art. 615.º n.º 1 b) e c), do mesmo diploma); e

b) se o Autor deve ser integrado na categoria profissional de Técnico licenciado.

III. Fundamentação

1. Foram dados como provados os seguintes factos:

1.  A Ré é uma Entidade Pública Empresarial detida a 100% pelo Estado.

2. No exercício da sua atividade, a Ré admitiu o Autor, com contrato de trabalho sem termo (Permanente), em 28 de junho de 1983, com a categoria Profissional de fator nos termos do Capítulo II do Regulamento de Carreiras.

3. O Autor desempenhou funções ao longo de 17 anos de carreira profissional operacional, nas categorias de ..., ... e ..., tendo também sido formador da F…. num período de 2 anos, que consistiu no seguinte: i) Área de segurança e movimento exerceu e orientou serviços em Estações, dependências de Estação, Parques de Material, Terminais ou instalações particulares, garantindo as atividades de gestão administrativa, comercial e operacional, do pessoal, das instalações, e do armazenamento e transporte de cargas ou da movimentação de material circulante, organizar e distribuir trabalho pelo pessoal de uma equipa, orientando, coordenando e verificando a qualidade e a oportunidade da sua execução; Atendimento e acompanhamento de clientes, assegurando a informação sobre os serviços ou o tratamento de reclamações; ii) Colaborar na formação de trabalhadores em matérias da sua competência profissional; iii) Áreas de receitas foram realizadas atividades de supervisão, controlo e arrecadação das mesmas; consolidação das vendas por centro de lucro e título de transporte; conhecimento das atividades de gestão, da informação, venda, ou outras de natureza comercial, elaboração de propostas de melhoria dos processos e qualidade dos serviços; tendo também conhecimento das ações de implementação em todos os postos de venda das condições tarifárias dos títulos existentes, a alterar, ou a criar, recorrendo sempre que necessário à aplicação de novas tecnologias.

4. No início de agosto de 2000 foi formulado convite pelo Conselho Gerência CP, para integrar os quadros do Gabinete de Auditoria Interna da CP.

5. As competências técnicas e conhecimentos adquiridos ao longo da carreira profissional operacional foram importantes para desempenho das funções de auditor.

6. Pelo menos desde 2111, foram ministradas ao Autor formações de Auditoria Interna, Formação do S…, Normas Contabilísticas, Formação “Qualidade na CP”, Curso de Auditoria Interna – PricewaterhouseCoopers, Formação “Práticas Profissionais de Auditoria Interna” e IDEA 5, IPAI – Curso de Enquadramento de Práticas Profissionais de Auditores (Quadros técnicos do GAI).

7. Em abril de 2005, o Autor foi nomeado ..., sob proposta da superior hierárquica, Diretora de Departamento com acumulação de função de ..., Dr.ª DD.

8. No período compreendido entre 2000 e 2010 e de forma contínua foram realizadas 82 Auditorias às Estações, com objetivo de emitir uma opinião sobre os controlos instituídos ao nível das operações de venda das estações objeto de análise e de todas as atividades que lhe estão subjacentes; tendo o Autor feito parte das equipas auditoras constituídas por colegas com a categoria de técnicos licenciados, partilhando com eles as diferentes tarefas inerentes à prossecução das auditorias.

9. Em 2010 o Autor iniciou licenciatura de Gestão de Empresas na Escola Superior ... (...) e concluiu, em março de 2015, a mesma licenciatura.

10. Entre 2011 e 2019 e segundo os planos de atividade de cada ano foram realizadas 22 Auditorias Mandatórias, planeadas pelo Gabinete de Auditoria Interna e sugeridas pelo CA (Conselho de Administração), nomeadamente Auditorias relacionadas com a segurança da Circulação, nas quais o Autor participou, que visavam avaliar a conformidade dos procedimentos dos intervenientes nas atividades de manobra com a regulamentação ferroviária e demais legislação aplicável e, bem assim, a análise dos incidentes/acidentes ocorridos, no exercício da atividade da manobra, e Auditorias Internas a processos (Auditoria ao Sistema de Gestão das reclamações CP, Proteção de Receitas, entre outras…) Análise de processos de gestão e controlo de receita central, nomeadamente através da análise e sistematização de informação sobre processos de negócio; acompanhamento e análise de atividades de fecho contabilístico e integração em SAP; análise de falhas de integridade do processo de controlo de receita da CP; Análise dos principais fluxos e avaliação dos controlos instituídos (Anexo – Planos de Auditoria).

11. As competências técnicas do Autor foram reforçadas, tendo a CP providenciado pela aquisição de competências técnicas na qualidade de auditor e ainda na área das competências comportamentais, frequentando ações relevantes para a área de atuação na Auditoria.

12. O papel do auditor interno é de elevada importância, em que precisa, primordialmente, de independência em relação ao objeto auditado, a fim de coletar dados consistentes e produzir análises imparciais para a obtenção de pareceres objetivos e confiáveis.

13. O desempenho do Autor desde 2011 tem correspondido às expectativas, ou seja, as avaliações tem sido alternadamente entre 5 e 6 numa escala de 0 a 7.

14. Os trabalhadores da Ré que prestam trabalho e funções de auditoria no gabinete de auditoria da Ré têm a categoria profissional reconhecida pela Ré de técnicos licenciados, auferindo vencimento pela categoria remuneratória de técnicos licenciados.

15. Pelo menos desde 2011 que é prestada ao Autor pela Ré formação profissional de auditor e de auditoria interna (eliminado pelo Tribunal da Relação)

16. Pelo menos desde 2011 o Autor integra equipas da Ré de auditoria interna prestando trabalho no gabinete de auditoria da Ré como auditor correspondente à categoria profissional de técnico licenciado (eliminado)

17. Pelo menos desde 2011 que o Autor desempenha em exclusivo funções  melhor descritas no facto provado 10.º, no Gabinete de Auditoria, com carácter de regularidade e permanência, conjuntamente com os demais técnicos licenciados que integram esse gabinete e sob as ordens e instruções dos respetivos coordenadores, sendo desde março de 2015 o único licenciado desse gabinete que não possui reconhecida a categoria de técnico licenciado.

Por sua vez, como não provados os seguintes:

18. O Autor nunca desempenhou funções de técnico licenciado (eliminado)

19. De acordo com o Regulamento de Carreiras-Geral 2017, Capítulo III, ponto 11, em que as funções que o Autor desempenha, desde agosto de 2000, ou seja, há mais de 19 anos enquadram-se na categoria profissional superior de Técnico Licenciado (eliminado)

20. As funções desempenhadas pelo Autor, desde agosto de 2000 até março de 2015, são as correspondentes às diferenças salarias de remunerações pelo desempenho de funções superiores:

- de agosto de 2000 a abril de 2001: € 445,79/mês;

- De maio de 2001 a abril de 2003: € 405,46/mês;

- De maio de 2003 a abril de 2005: € 161,86/mês;

- De maio de 2005 a abril de 2006: € 117,17/mês;

- De maio de 2006 a abril de 2008: € 72,47/mês;

- De maio de 2008 a março de 2015: € 27,73/mês.

21. As funções desempenhadas pelo Autor, desde abril de 2015 até 2019, são as correspondentes às diferenças salarias de remunerações pela integração na carreira de técnico licenciado para efeitos de antiguidade:

- De abril de 2015 a março de 2016: € 27,73/mês;

- De abril de 2016 a março de 2017: € 171,65/mês;

- De abril de 2017 a junho de 2017: € 331,51/mês;

- De julho de 2017 a janeiro de 2018: € 290,43/mês;

- De fevereiro de 2018 a março de 2018: € 262,11/mês;

- De abril de 2018 a junho de 2018: € 440,59/mês;

- De julho de 2018: € 459,80/mês;

-de agosto de 2018 a outubro de 2019: € 575,73/mês.

22. A Ré deveria ter pago € 1 736,02/mês de agosto a março de 2015.

23. De abril 2015 até ao presente, a Ré deveria ter pago ao Autor as seguintes quantias de diferenças salariais: de abril de 2015 a março de 2016: € 27,73 x 14 meses = € 388,2; de abril de 2016 a março de 2017: €171,65 x 14 meses = € 2.403,10; de abril de 2017 a junho de 2017: € 331,51 x 3 meses = € 994,53; de julho de 2017 a janeiro de 2018: € 290,43 x 9 meses = € 2.613,87; de fevereiro de 2018 a março de 2018: € 262,11 x 2 meses = € 542,22; de abril de 2018 a junho de 2018: € 440,59 x 3 meses = € 1.321,77; de julho de 2019 : € 459,80 x 1 mês = € 459,80; de agosto de 2018 a outubro de 2019 : € 575,73 x 17 meses = € 9.787,41.

2. Começando pelos alegados vícios/nulidades, pese embora o recorrente ter referido expressamente o vício do excesso de pronúncia, o certo é que, na linha do raciocínio da sua alegação, deverá ter querido dizer, antes, omissão de pronúncia, tratando-se, assim, de um lapso material (lapsus calami).

Ora, a omissão de pronúncia ocorre quando o tribunal não conheça qualquer das questões colocadas pelas partes ou das questões de conhecimento oficioso[1]. Por seu turno, o vício do excesso de pronúncia existirá quando o tribunal conheça de questões que não foram levantadas pelas partes e que não são de conhecimento oficioso.

Com vem sendo sublinhado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça[2], não se torna indispensável que o tribunal conheça de todos os argumentos aduzidos pelas partes, sendo necessário que conheça as questões relevantes para a decisão de direito.

Por outro lado, para se determinar se existe omissão de pronúncia há que interpretar a decisão na sua totalidade, articulando fundamentação e decisão propriamente dita[3].

No caso em apreço, não verificamos que o Tribunal da Relação tenha deixado de apreciar qualquer questão colocada pelas partes, nomeadamente pelo Autor, ora recorrido, como não ter conhecido as provas apresentadas pela 1ª instância, como foi alegado, ou do conhecimento oficioso do tribunal. Pelo contrário, o Tribunal da Relação conheceu todas as questões, com relevo para a decisão, e – já agora, diga-se - não conheceu de questões que não foram alegadas pelas partes.

Não vemos também que o acórdão em causa não esteja fundamentado (ou padeça de deficiente fundamentação), por pretensa falta de exame crítico das provas, ou ainda que haja contradição entre a sua fundamentação e a decisão (art. 615.º n.º 1 b) e c), do C.P.C.).

Seguiu um raciocínio lógico e tomou a decisão em coerência com a fundamentação que discorreu.

Por fim, não detetamos erro de julgamento, no acórdão dos autos.

Improcede, assim, nesta parte, a alegação do recorrente, pois não se mostram comprovadas as arguidas nulidades.

3. Passando, de seguida, à pretensão do Autor em ver reconhecido que exerce funções correspondentes à categoria profissional de Técnico licenciado, nos termos em que indicou, é sabido que a categoria de um trabalhador afere-se pelas funções efetivamente desempenhadas pelo próprio.

No entanto, o reconhecimento do direito do trabalhador a uma determinada categoria profissional pressupõe a demonstração pelo mesmo da execução de determinadas tarefas ou funções que preencham o núcleo essencial das que a caraterizam para, desse modo, se determinar o momento a partir do qual a categoria profissional a considerar deve produzir os seus efeitos.

Ora, reclamando o trabalhador uma categoria diversa da que lhe é atribuída pela entidade empregadora, a ele compete o ónus de alegação e prova de todos os elementos de facto necessários para que seja reconhecida a categoria a que se arroga, conforme decorre das regras gerais sobre ónus da prova (art. 342.º n.º 1, do Cód. Civil).

Porém, da matéria de facto dada como provada, constata-se que o Autor, ora recorrente, não logrou fazer prova que exercia as funções de Técnico licenciado que reclama.

Na verdade, como bem salienta a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, no seu esclarecido parecer, embora decorra do facto provado 17 que, pelo menos desde 2011, o Autor desempenha em exclusivo funções, melhor descritas no facto provado 10.º, no Gabinete de Auditoria, com carácter de regularidade e permanência, conjuntamente com os demais técnicos licenciados que integram esse gabinete e sob as ordens e instruções dos respetivos coordenadores, sendo desde março de 2015 o único licenciado desse gabinete que não possui reconhecida a categoria de técnico licenciado, a verdade é que nada ficou a constar da matéria fáctica sobre  a participação concreta do recorrente em cada uma dessas auditorias, designadamente, se nas mesmas desempenhou efetivamente funções inerentes ao curso de gestão de empresas, nem tão pouco consta sobres as funções desempenhadas pelos demais trabalhadores desse gabinete que efetuam auditorias e que têm a categoria de técnicos licenciados.

Termos em que, competindo ao Autor o ónus de provar de que exercia as tarefas (pelo menos, no seu núcleo essencial) correspondentes a Técnico licenciado e, uma vez que não conseguiu fazê-lo, decai, também, nesta parte, a alegação do recorrente.

Nesta conformidade, é de manter o acórdão recorrido.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista, mantendo-se a decisão do Tribunal da Relação ..., de 09/09/2021.

Custas a cargo do recorrente.

Anexa-se Sumário (art. 663.º n.º 7, do C.P.C.)

Notifique.

Lisboa, 11 de maio de 2022

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Júlio Manuel Vieira Gomes

Ramalho Pinto

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[1] Recorde-se que decorre do art. 608.º n.º 2, do C.P.C., que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
[2] Cfr., entre outros, os acórdãos de 10/3/2022, no Proc. n.º 1071/18.9T8TMR.E1.S1, da 2.ª S., de 24/2/2022, Proc. n.º 3504/19.8T8LRS.L1.S1, da 2.ª S., e de 22/2/2022, Proc. n.º 1276/16.7T8CSC.L2.S1, da 4.ª S., cujos relatores são, respetivamente, os Senhores Conselheiros Catarina Serra, Rosa Tching e Júlio Gomes, in www.dgsi.pt.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2.ª Ed., Almedina, pg. 764.